quarta-feira, 22 de maio de 2013

Multiparentalidade: a possibilidade de coexistência da filiação socioafetiva e filiação biológica

 
Há muito se fala em parentalidade socioafetiva. Há muito se discute sobre qual das modalidades de filiação deve prevalecer. Aliás, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal, recurso que analisa o que deve preponderar: paternidade biológica ou socioafetiva.[1] A questão que se coloca é: será sempre necessário ver o tema da filiação numa lógica de mono ou biparentalidade? Não será possível que uma alguém tenha mais de duas pessoas que exerçam efetivamente e afetivamente as funções parentais? Ter-se-á que enxergar a questão sempre sob uma ótica de substituição ou exclusão, ou será possível que uma pessoa tenha uma mãe e dois pais, duas mães e um pai ou, até mesmo, duas mães e dois pais?
Um “lugar comum” de possibilidade de ocorrência da parentalidade socioafetiva é a denominada família mosaico, que resulta da multiplicidade das relações parentais oriundas das desuniões e da reconstituição da vida afetiva dos seus membros, por meio do casamento ou união estável. A especificidade desse modelo familiar origina-se na peculiar estrutura do núcleo, formado por pares onde um ou ambos tiveram uniões ou casamentos anteriores e trazem consigo, para a nova entidade familiar, seus filhos e, não raras vezes, tem prole comum.
Mas não apenas nesse modelo familiar é possível a existência de parentalidade socioafetiva. A mesma também estará presente, por exemplo, em casos de adoção à brasileira, que se configura quando alguém, ciente de que não é o pai biológico de uma criança, a registra e age como se seu pai fosse, muito embora a paternidade registral não corresponda à paternidade genética.
Essas são apenas duas das possibilidades onde a filiação socioafetiva[2] pode se apresentar e, recentemente, alguns casos foram decididos pelo Judiciário, evidenciando que a existência de parentalidade socioafetiva não implica, necessariamente, em uma exclusão da parentalidade biológica e vice-versa.
No Estado de Rondônia, em lide recente, buscava-se a desconstituição de uma paternidade registral e o reconhecimento da paternidade genética por meio de uma ação de investigação de paternidade cumulada com anulatória de registro civil, em um caso clássico de adoção à brasileira.
É certo que possuímos um direito fundamental ao conhecimento das origens genéticas e, ao buscar que a sua realidade registral correspondesse à realidade biológica, a criança em causa aproximou-se do pai genético, a partir da realização do exame de DNA e passou a relacionar-se com ele. Todavia, reconhecia como pai aquele que coabitava com sua mãe à época do seu nascimento e, mesmo estando ciente que não era seu pai, registrou-a. Aliás, os vínculos afetivos mostraram-se tão fortes que a convivência continuou e alargou-se no tempo, mesmo após o fim da união com sua genitora.
O que fazer em casos como este, onde ambos os pais – biológico e socioafetivo – se mostram dispostos a exercer a função paterna com zelo e afeto? Escolher entre um e outro? Não parece ser a resposta mais razoável e de acordo com o melhor interesse da criança.
Como indicou a magistrada do caso em tela, “pretendida declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o pai registro afetivo fatalmente prejudicará seu interesse, que diga-se, tem prioridade absoluta, e assim também afronta a dignidade da pessoa humana. Não há motivo para ignorar o liame socioafetivo estabelecido durante anos na vida de uma criança, que cresceu e manteve o estado de filha com outra pessoa que não o seu pai biológico, sem se atentar para a evolução do conceito jurídico de filiação”.[3]
Assim, ciente de toda a singularidade do caso, considerando as manifestações da criança, no sentido de que possui dois pais e a vontade do pai socioafetivo, que não desejava desfazer a parentalidade constituída, a magistrada acolheu a proposta do MP de reconhecimento de dupla paternidade registral da infante. Assim, foi mantido no assento de nascimento o nome do pai socioafetivo e acrescentado o nome do pai biológico.
Em dois julgados, no Estado de Pernambuco e no Estado do Paraná, respectivamente, buscava-se o reconhecimento de filiação socioafetiva, por meio de adoções unilaterais, que implicaria na ruptura do vínculo dos autores com os pais biológicos mostrando-se, nesses casos concretos, contrário ao melhor interesse das crianças.
O Juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude de Recife reconheceu a multiparentalidade, ao invés de conceder a adoção unilateral da madrasta, autorizando que uma criança de 4 anos fosse registrada no nome dos pais biológicos e no da companheira do pai, que criava o infante praticamente desde o seu nascimento, em virtude da carência material da mãe biológica. A ideia inicial, como mencionado, era a de que a mãe-afim adotasse o enteado mas, em nome do princípio do melhor interesse da criança, o magistrado terminou por determinar que menino iria ter duas mães jurídicas e um pai, por não enxergar razões para que o vínculo com a mãe biológica fosse destruído.[4]
Em Cascavel, no Paraná, o Juiz da Vara da Infância e Juventude reconheceu a paternidade socioafetiva do padrasto de um adolescente de 16 anos.[5] Ao invés de conceder a adoção unilateral requerida, determinou a inclusão do nome do pai-afim no assento de nascimento do rapaz, sem prejuízo da paternidade biológica. Após uma criteriosa análise dos fatos, o magistrado constatou que o adolescente tinha nos dois indivíduos a figura paterna e que deferir a adoção, com a consequente ruptura dos vínculos com o pai biológico, iria contra o princípio do melhor interesse da criança.
Assim, em atendimento a tal princípio, o juiz ficou convencido de que a melhor solução para o caso seria levar para o mundo jurídico a multiparentalidade que se apresentava no mundo fático. Mãe e pais exerciam genuinamente – de forma efetiva e afetiva – os seus papeis parentais possuindo importância equivalente na vida do adolescente. Então, por que excluir? Por que ter que fazer uma escolha, num verdadeiro dilema salomônico moderno, quando ambas paternidades poderiam coexistir harmonicamente?
Assim, o rapaz passou a ter uma mãe e dois pais registrais, dos quais poderá ser dependente em planos de saúde, planos previdenciários. Também poderá pleitear alimentos dos dois, assim como será herdeiro de ambos. Tal decisão leva-nos à compreensão de que a filiação socioafetiva possui a mesma solidez e leva aos mesmos efeitos jurídicos que a filiação natural.
Pode-se, por fim, afirmar que o reconhecimento da parentalidade socioafetiva não implica – necessariamente – em uma punição aos familiares consanguíneos. Biologia e afeto podem – e devem – caminhar juntos, de mãos dadas, sempre que tal fato se mostrar benéfico às partes, tomando em consideração o princípio absoluto e inafastável do melhor interesse da criança ou adolescente.

Notas

[1] Agravo do Recurso Extraordinário (ARE) 692186-PB.
[2] E note-se que nem sempre a filiação socioafetiva estará sozinha. Como se afirmou no julgado do Paraná, “a filiação socioafetiva pode estar acompanhada de outros tipos filiação. O filho pode ser ao mesmo tempo biológico, registral e socioafetivo. A filiação também pode ser registral e socioafetiva, mas não biológica. É o caso da filiação que se estabelece por adoção, pela chamada adoção à brasileira, bem como pela paternidade assistida heteróloga. O pai aparece no registro e mantém uma relação de afetividade filial com a criança, mas não é o genitor biológico. Outra situação é o da paternidade biológica e socioafetiva, mas não registral. É o caso, por exemplo, do filho que está registrado apenas no nome da mãe e convive com o pai, mas não consta no registro de nascimento o nome do genitor. Ainda é possível apenas a filiação socioafetiva, que neste caso não coincide nem com a filiação biológica, nem com a filiação registral, mas é meramente socioafetiva, como é o caso dos denominados filhos de criação”. Cfr. http://www.direitodascriancas.com.br/anexos/2/7/SENTENCA_DUPLA_PARENTALIDADE___INICIAIS.pdf
[3] Processo 0012530-95.2010.8.22.0002. Disponível em: www.tjro.jus.br Acesso em: 09/03/2013.
[4] Cfr. “Juiz de Recife registra criança em nome de pai, mãe e madrasta”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/juiz-de-recife-registra-crianca-em-nome-de-pai-mae-e-madrasta Acesso em: 09/03/2013.
[5] Sentença disponível em: http://www.direitodascriancas.com.br/anexos/2/7/SENTENCA_DUPLA_PARENTALIDADE___INICIAIS.pdf Acesso em: 09/03/2013. 


CHAVES, Marianna. Multiparentalidade: a possibilidade de coexistência da filiação socioafetiva e filiação biológica.. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3611, 21 maio 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24472>. Acesso em: 22 maio 2013.

PSC pede que resolução do CNJ sobre casamento homoafetivo seja suspensa

O PSC - Partido Social Cristão ajuizou MS no STF contra ato da presidência do CNJ consistente na edição da resolução 175/13, que proíbe que os cartórios se recusem de habilitar, de celebrar o casamento civil ou de converter a união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. O partido pede liminar para suspender os efeitos da resolução e, no mérito, a sua vigência até que o Congresso Nacional delibere sobre a questão.
 
Segundo o PSC, ao dispor sobre a questão, o CNJ violou direito líquido e certo de todos os seus filiados, especialmente de seus 19 deputados Federais e um senador, de discutir e votar a matéria no âmbito do Poder Legislativo. 

O PSC afirma que o teor da resolução do CNJ 175/13 não pode ter validade sem ser objeto do devido processo legislativo, no qual o partido poderá exercer suas prerrogativas legais e constitucionais, expressando sua vontade nos limites de sua orientação cristã. Para o partido, houve "abuso de poder do presidente do CNJ ao buscar legislar, apropriando-se de prerrogativas do Congresso Nacional".
O partido afirma que qualquer PL dessa natureza jamais terá sua aprovação. "O PSC é totalmente contrário à união entre pessoas do mesmo sexo e sempre se posicionará neste sentido, no exercício de suas prerrogativas legais, junto ao Congresso Nacional". Ressalta que, a partir das regras de interpretação e considerando a natureza das relações jurídicas, "no universo das entidades familiares só tem cabimento a união entre homem e mulher, ou seja, entre pessoas de diferentes sexos". Para a legenda, às "parcerias homossexuais" estão assegurados apenas efeitos jurídicos no campo do Direito das Obrigações e do Direito das Sucessões.
Citando o julgamento da ADPF 132, o PSC afirma que nesse julgamento o STF apenas reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, não se pronunciando sobre casamento civil. "O temor que aqui se assevera é do sentimento de que, usurpando o poder de legislar do Congresso Nacional e cobrindo a resolução com o efeito de decisões anteriores do STF sobre assuntos apenas correlatos, norteando e dilatando o objeto das ações, o CNJ estaria também inovando com tal decisão”.
O relator do MS é o ministro Luiz Fux.
  • Processo relacionado: MS 32077
     

    http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI178981,11049-Partido+questiona+resolucao+do+CNJ+sobre+casamento+entre+homossexuais

Divórcio e separação consensuais em cartório com filhos ou menores incapazes

Em vigor desde janeiro de 2007, a lei 11.441/07, que alterou dispositivos do CPC, permite que a separação e o divórcio sejam efetuados por meio de escritura pública lavrada por um Tabelião de Notas.

Salutar a medida de desjudicialização destes atos, pois proporciona rapidez ao casal separando ou divorciando, por meio de procedimento simples e rápido.

Sempre é necessária a assistência de um advogado ao casal na prática do ato, além da consensualidade das partes. 

A atualização do capítulo XIV (Do Tabelionato de Notas) das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (Tomo II – Cartórios Extrajudiciais) inovou, conforme disposto no item 86.1, ao prever a possibilidade de se promover a separação ou o divórcio em cartório de notas, mesmo havendo filhos menores ou incapazes do casal, o que até então não era permitido.

A exigência é que as questões referentes aos interesses dos filhos menores ou incapazes sejam resguardadas em lide judicial específica, tais como guarda, visitas e alimentos. Uma vez protegidos tais interesses na esfera judicial, pode ser feito o divórcio ou separação em um Tabelionato de Notas.

Restará, assim, ao Judiciário, apenas as separações ou divórcios em que haja lide ou que não tenham sido resolvidos judicialmente os direitos e interesses dos filhos menores ou incapazes.

Tal entendimento da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo foi adotado, também, pelo Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal recentemente, por meio do enunciado 571 da VI Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, ocorrido nos dias 11 e 12/5 de 2013.

O procedimento no cartório colabora com novo paradigma, que é o da desjudicialização, pois a lavratura da escritura em um Tabelionato de Notas é procedimento simples, rápido e dinâmico, atendendo à sociedade de maneira eficaz.

O atendimento ao casal, que busca se separar ou divorciar, deve ser feito em sala ou ambiente reservado e discreto, com prévio aconselhamento sobre a seriedade ato e seus efeitos. O Tabelião deve agir como assessor imparcial das partes e verificar se, realmente, esse é o propósito do casal, pois, muitas vezes, escutar as partes pacientemente e um bom e firme aconselhamento sobre os efeitos decorrentes da separação e divórcio, especialmente se existirem filhos, evita a prática de atos impensados e desmotivados.

Havendo indícios de fraude à lei, de prejuízos a um dos cônjuges ou de dúvidas sobre o propósito de se separar ou divorciar, o ato deve ser recusado. 

Para finalizar, toda a atividade do Tabelião de Notas deve ser sempre pautada pela prudência e acautelamento.
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* Rogério Tobias é representante do 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Jaú - SP.

Envio de cartão de crédito sem solicitação é abusivo e gera dano moral

O envio do cartão de crédito, ainda que bloqueado, sem pedido prévio e expresso do consumidor, caracteriza prática comercial abusiva e autoriza a indenização por danos morais. A decisão da 3ª turma do STJ foi tomada no julgamento de REsp do MP/SP contra uma administradora de cartão de crédito.

O MP estadual ajuizou ACP visando impedir a administradora a remeter cartões de crédito aos consumidores, sem que tenham solicitado previamente, sob pena de multa diária. Em primeira instância, a administradora foi condenada a se abster, imediatamente, de enviar ao consumidor, sem que haja solicitação prévia, cartões de crédito ou outro tipo de produto que viole o disposto nos arts, 6°, inciso IV, e 39, inciso III, do CDC, sob pena de multa diária de 50 salários mínimos. 

A administradora foi ainda proibida de cobrar qualquer valor a título de encargo ou prestação de serviço, referente aos cartões de crédito enviados aos consumidores sem solicitação prévia, também sob pena do pagamento de multa diária de 50 salários mínimos. Por fim, foi condenada a indenizar os consumidores pelos danos morais e patrimoniais causados em razão do envio dos cartões.

O banco apelou da sentença. O TJ/SP, por maioria, proveu a apelação por entender que o simples envio de cartão de crédito bloqueado não configuraria prática vedada pelo ordenamento jurídico, constituindo mera oferta de serviço sem qualquer dano ou prejuízo patrimonial. 

Contra a decisão, o MP interpôs embargos infringentes, que foram rejeitados. Para o TJ/SP, o que o CDC veda é que se considere contratado o serviço com o simples envio, obrigando o consumidor a cancelar o cartão caso não o deseje. 

O MP/SP recorreu ao STJ sustentando que, na literalidade da lei, a prática adotada pela administradora de cartões de crédito é expressamente vedada e considerada abusiva. 

O inciso III do art. 39 do CDC diz que é vedado ao fornecedor "enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço". Para o MP, a expressão legal não permite relativização. Além disso, não reclama a ocorrência de lesão e não fala em lesividade potencial ou situações de perigo. Simplesmente proíbe a conduta, dentro da sistemática protetiva do CDC. 

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino ressaltou que, mesmo quando o cartão seja enviado bloqueado, a situação vivenciada pelos consumidores gera angústia desnecessária, especialmente para pessoas humildes e idosas. 

Ele citou precedente da própria 3ª turma, que, embora analisando situação diversa, concluiu pelo caráter ilícito da conduta de enviar cartão não solicitado, com base no art. 39, III, do CDC. Naquele caso (REsp 1.061.500), foi duscutida a indenização por dano moral a consumidor idoso que recebeu cartão desbloqueado, não solicitado, seguido de faturas. 

A 3 ª turma, seguindo o voto do relator, reconheceu o caráter abusivo da conduta da administradora com o simples envio do cartão de crédito sem solicitação prévia do consumidor. Fudamentando que o CDC tutela os interesses dos consumidores em geral no período pré-contratual, proibindo abusos de direito na atuação dos fornecedores no mercado de consumo. Portanto, a prática de enviar cartão não solicitado é absolutamente contrária à boa-fé objetiva. Assim, restabeleceu a sentença de primeira instância. 

Voto vencido
Ficou vencido o ministro Villas Bôas Cueva, para quem "o envio de cartão bloqueado ao consumidor, que pode ou não solicitar o desbloqueio e aderir à opção de crédito, constitui proposta, e não oferta de produto ou serviço, esta sim vedada pelo artigo 39, III, do CDC". 

Para o ministro Cueva, o envio de cartão desbloqueado pode gerar dano patrimonial, em razão da cobrança indevida de anuidades, ou moral, pelo incômodo das providências necessárias ao cancelamento. Já o cartão bloqueado, segundo ele, não gera débito nem exige cancelamento. O ministro observou ainda que, no caso, foram prestadas informações corretas ao consumidor.
Veja a íntegra do acórdão.

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI178939,91041-Envio+de+cartao+de+credito+sem+solicitacao+e+abusivo+e+gera+dano+moral