quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Pai rico pai pobre e o consumidor sempre vulnerável - uma reflexão aos magistrados

Após ler a obra intitulada PAI RICO PAI POBRE: O QUE OS RICOS ENSINAM A SEUS FILHOS SOBRE DINHEIRO, da autoria de Robert T. Kiyosaki e Sharon L. Lechter, cuja leitura é veementemente recomendada, somente agora, quase aos 30 anos de idade, me foi oportunizada uma pequena noção de como funciona o dinheiro em nossa sociedade.
Em sua descrição, o autor nos conta sua experiência financeira desde a mais tenra idade, apontando as falhas do sistema educacional acerca do conhecimento que todos deveriam adquirir em relação ao funcionamento do dinheiro nas sociedades capitalistas, discorrendo sobre a necessidade de “educação financeira” às pessoas, demonstrando especialmente que a educação tradicional, embora consiga proporcionar uma formação de nível superior ao indivíduo, garantindo-lhe bons empregos e bons salários, não o orienta no sentido de maximizar seus ganhos, a fim de enriquecer, simplesmente manejando seu dinheiro através de inúmeras operações no mercado financeiro, algumas hodiernamente concretizadas apenas com o “clique” no mouse dentro de nossas próprias casas. Destaca, ainda, o poderio das pessoas jurídicas, isto é, as facilidades oferecidas pelo mercado e pela legislação para que as empresas prosperem, em especial aquelas que se estabelecem sob o manto das sociedades anônimas. Em síntese, o livro nos dá a receita de como enriquecer rápida e licitamente, “fabricando dinheiro”, e como uma empresa cuja direção seja financeiramente educada jamais terá prejuízos, estando sempre a aumentar seu fluxo de caixa em progressão geométrica.
Refletindo sobre o que li, pude chegar a algumas conclusões sobre o porquê de o consumidor, dentre outros motivos conhecidos, continuar sendo desrespeitado no mercado de consumo, evidenciando ainda mais a sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor, e em como será difícil se estabelecer o equilíbrio entre os sujeitos da relação de consumo enquanto os aplicadores do Direito continuarem ignorantes, neste particular.
A vulnerabilidade do consumidor restou reconhecida pela ONU, através da Resolução da ONU 39/248 de 1985, e se encontra agasalhada por nosso ordenamento jurídico no art. 4º, I, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90). Dentre outras características que evidenciam a vulnerabilidade do consumidor está aquela observada em relação ao abuso do poder econômico do fornecedor, também conhecida como vulnerabilidade fática. Significa dizer, nua e cruamente, que o fornecedor, como pessoa jurídica, detém aqueles conhecimentos financeiros que maximizam seus lucros, permitindo-lhe dominar o mercado sem medo de ter de enfrentar ações judiciais das mais diversas, propostas por consumidores insatisfeitos.
Em termos práticos, isto quer dizer que uma boa parte do dinheiro que compõe o que os economistas chamam de coluna de ativos da empresa é destinada a aplicações e investimentos altamente rentáveis no mercado financeiro, fazendo com que o empresário “crie” dinheiro a partir do nada, e não da sua atividade empresarial propriamente dita (grifei).
Parte destas somas, obviamente, é destinada a cobrir os “prejuízos” da empresa, sendo que, na verdade, não há prejuízo rigorosamente falando, uma vez que, como foi “criado” dinheiro a partir de operações estranhas à atividade empresarial, isto é, utilizando-se tão somente dos artifícios disponibilizados pelo mercado financeiro, o patrimônio do fornecedor nunca será diretamente atingido, de forma que experimente dissabores em sua atividade.
Como foi dito na introdução deste artigo, PAI RICO PAI POBRE nos informa que de nada adianta uma educação tradicional, que forme indivíduos com alto grau de instrução, mas pouco ou nenhum conhecimento financeiro. A obra revela que pessoas altamente graduadas nos EUA, maior potência do mundo, passaram e ainda passam dificuldades financeiras, simplesmente por não possuírem conhecimentos básicos sobre o funcionamento do dinheiro.
As afirmativas do autor, no que toca à pouca eficiência da formação tradicional das instituições de ensino, tornam-se ainda mais verdadeiras se as transportarmos pro campo jurídico, o qual, pelo menos em tese, é composto de indivíduos com alto grau de instrução, em especial na esfera do Poder Judiciário, que é o único Poder da União cuja composição reclama de seus integrantes a graduação de nível superior em Direito, sem falar do alto nível de conhecimento a ser demonstrado por seus membros no momento do concurso público, não só jurídico, mas também geral.
Entretanto, nestes dias, em que o consumo se revela como um dos mais importantes aspectos da vida civil nos parece urgente a necessidade de que os candidatos a magistrado adquiram conhecimentos financeiros (não sobre Direito Financeiro como disciplina jurídica), mas do teor da atividade financeira propriamente dita.
Neste artigo, decidi me deter apenas no Judiciário porque é ele o responsável por aplicar o direito de forma a garantir o império do justo, e cujas decisões gozam de eficácia, mais uma vez destacando: em tese.
Levando-se em conta a realidade brasileira, o dia-a-dia forense demonstra que a maioria dos juízes, na aplicação do Código de Defesa do Consumidor, e principalmente no que toca as indenizações por ato ilícito, raramente impõem condenações efetivamente agressivas ao patrimônio das grandes corporações, de forma a reprimir eficazmente os abusos cometidos pelos fornecedores nas relações de consumo. O argumento mais utilizado para justificar as condenações irrisórias impingidas pelo Judiciário é o de que não se pode permitir a instituição da indústria das indenizações, principalmente aquelas onde se pretende a reparação do sofrimento moral do indivíduo.
Data venia, tal ótica nos faz sentir que o juiz, ao argumentar dentro dessa linha de raciocínio, somente leva em conta a suposta possibilidade de enriquecimento ilícito do jurisdicionado favorecido pela respectiva sentença. Contudo, os artifícios utilizados pelo empresariado a fim de maximizar seus ganhos, embora lícitos em seu nascedouro, sem sombra de dúvida são uma arma a lhe garantir a prática de uma infinidade de abusos no mercado de consumo em detrimento do consumidor, porquanto seu patrimônio real nunca será atingido por eventuais condenações judiciais. Dessa forma, o que antes era lícito torna-se ilícito no momento em que serve de escudo para as práticas corriqueiramente narradas nos autos dos processos.
Aproveitando esse raciocínio, é imperioso registrar que grande parte das empresas fornecedoras no mercado de consumo é constituída de sociedades anônimas. Uma rápida passada de olhos pelos bancos de dados das entidades responsáveis pela defesa do consumidor (PROCON’S, associações de defesa do consumidor e congêneres) e dos Tribunais pátrios nos permite vislumbrar que as empresas mais reclamadas e acionadas judicialmente são sociedades anônimas. São empresas de telefonia, energia elétrica, saneamento básico, bancos, financeiras, seguradoras etc. Coincidência?!
Não há dúvidas de que a caneta do juiz deve ser animada conforme cada caso concreto, mas o que se vê é que mesmo naqueles casos mais extremos, onde a ofensa a bem jurídico de titularidade do mais fraco é latente, e que reclamam considerável peso na condenação do fornecedor, as canetas dos magistrados trabalham em progressão aritmética, enquanto as dos fornecedores de produtos e serviços trabalham em progressão geométrica.
Ouso discordar dos que rotulam o CDC de código paternalista, pois, se observarmos o ponto de vista aqui proposto, a proteção que este diploma objetiva garantir se justifica, dentre outros fatores, exatamente em razão do alto lucro auferido pelos fornecedores, não só em virtude de sua atividade, mas também devido ao alto conhecimento financeiro de quem se lança na atividade empresarial, evidenciando, assim, sua capacidade econômica.
Obviamente, o tema proposto comporta amplas explanações e discussões, sendo que este singelo artigo se digna apenas a acender uma importante discussão, fornecendo alguns dados para reflexão, em especial aos membros do Poder Judiciário quando da aplicação do direito.
Acrescento, ainda, que não é meu objetivo condenar os artifícios financeiros utilizados pelos empresários para o aumento de seus lucros, na medida em que o próprio ordenamento jurídico permite o livre desenvolvimento da arte de enriquecer inteligentemente, sendo, portanto, lícita tal prática. Desejei, lado outro, apenas demonstrar que a precisão da balança da Justiça deve ser revista à luz destes fundamentos, a fim de que a vulnerabilidade do consumidor não se perpetue.
Aos magistrados, fica a recomendação: leiam PAI RICO PAI POBRE.

GUGLINSKI, Vitor. Pai rico pai pobre e o consumidor sempre vulnerável: uma reflexão aos magistrados. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3715, 2 set. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25191>. Acesso em: 4 set. 2013

A concessão de uso para fins de moradia


A concessão de uso para fins de moradia é um dos instrumentos utilizados para realização da regularização fundiária, diferenciando-se por se aplicar a imóveis públicos, cujo domínio não pode ser adquirido por particular, garantindo, assim, o direito à moradia às pessoas que residem nestes imóveis insuscetíveis de usucapião.
A origem da concessão de uso especial para fins de moradia se inicia com a emenda popular de reforma urbana apresentada no processo da Assembleia Nacional Constituinte de 1987. (SAULE JUNIOR, 2004, p.398).
Na proposta inicial, a posse não contestada por até três anos de terras públicas ou privadas, com metragem até o limite de 300 m², utilizando para sua moradia adquiriria o domínio, independente de justo título e boa fé. Nota-se que nessa proposta não se cogitou a concessão de uso, simplesmente a usucapião urbana.
Essa proposta não foi aceita, pois com relação à propriedade pública os Constituintes ainda tinham a postura absolutista do Código Civil de 1916, afirmando que as terras públicas são bens públicos, detendo assim de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade. Portanto, não é possível a aquisição do domínio sobre tal bem.
Entretanto, mesmo os constituintes assumindo esta posição e não aceitando a proposta, eles ao menos incorporaram o sentido teleológico desta emenda popular, reconhecendo o “direito à moradia da população de baixa renda que mora em assentamentos consolidados para fins de moradia”, em áreas públicas, através do instrumento da concessão de uso. (SAULE JUNIOR, 2004, p.400)
Foi instituída então a concessão de uso especial para fins de moradia, tendo em vista que a usucapião urbana serve para garantir a destinação social dos imóveis urbanos privados, a concessão de uso vem a atender a função social da propriedade urbana pública.
Neste sentido, foi consagrado em nossa Carta Magna de 1988 a concessão de uso especial para fins de moradia, em seu artigo 183, que ficou assim expresso:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (Grifo nosso)
Desta forma, a concessão de uso passa a ter status constitucional, garantindo a segurança da posse aos cidadãos que habitam imóveis públicos, assegurando o princípio da igualdade, conferindo assim, tratamento isonômico à garantia do direito a moradia, independente do fato de se estar habitando uma área pública ou privada. (SAULE JUNIOR, 2004, p.399)

2.1. REGULAMENTAÇÃO NO ESTATUTO DA CIDADE

Para conseguir obter um pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, o Estatuto da Cidade, incluiu entre os instrumentos jurídicos garantidores da segurança da posse a concessão de uso especial para fins de moradia. (DI PIETRO, 2006, p.153).
Este instrumento estava disciplinado nos artigos 15 a 20, sendo todos estes vetados pelo chefe do Poder Executivo. Em seu art. 1º era assegurado o direito à concessão, sendo somente concedido àquele possuidor de área ou edificação urbana de no máximo 250 m², utilizando-a para fins de moradia, de modo ininterrupto e sem nenhuma oposição, não podendo ser possuidor, nem concessionário de outro imóvel.
Uma das novidades vetadas, como já mencionado acima, está inserida no Estatuto; Trata-se da concessão coletiva, para quando não fosse possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor conforme o art. 16:
Nas áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados situadas em imóvel público, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam concessionários de outro imóvel urbano ou rural.
Com relação à saúde e a vida do possuidor, a lei também não foi omissa, garantindo assim, o exercício do mesmo direito de concessão em outro local se a ocupação dessa área for de risco, conforme o art. 17: "No caso de ocupação em área de risco, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício do direito de que tratam os arts. 15 e 16 desta Lei em outro local". Ficou ainda estabelecido que a concessão poderia ser exercitável contra o Poder Público pela via administrativa e no caso de recusa ou omissão da Administração Pública, pela via judicial (art. 18), podendo ser transferida inter vivos ou causa mortis (art. 19).
No entanto, este direito à concessão não ficou absoluto, de forma que ocasionaria a extinção nas seguintes hipóteses previstas no seu art. 20:
O direito à concessão de uso especial para fins de moradia extingue-se, retornando o imóvel ao domínio público, no caso de:
I – o concessionário dar ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou sua família;
II – os concessionários remembrarem seus imóveis.
Parágrafo único. A extinção de que trata este artigo será averbada no cartório de registro de imóveis, por meio de declaração consubstanciada do Poder Público concedente.
Embora os artigos tenham sidos vetados, o Chefe do Executivo reconheceu no próprio veto a importância da concessão como forma de “propiciar - segurança da posse – fundamento do direito à moradia – a milhões de moradores de favelas e loteamentos irregulares”[2].

2.2.1 O Veto Presidencial

No veto presidencial entendeu o chefe do executivo que a concessão de uso da forma como estava prevista traria riscos à aplicação, contrariando assim, o interesse público.
Constatou o Presidente que ao usar a expressão “edificação urbana”, poderia gerar demandas injustificadas do direito. Veja que seria inadmissível admitirmos que o possuidor de um edifício construído em um terreno de 250 m², individualmente, consiga a concessão de uso. Afirma este que esta expressão tem a finalidade de dar a concessão para os cortiços em imóveis públicos, no entanto tal benefício já é abrangido pela concessão de uso coletiva prevista no art. 16.
Com relação à aplicabilidade do art. 17, afirma que o mesmo deve ser estendido para os imóveis públicos de uso comum do povo, como praças e ruas, assim como áreas urbanas de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental ou destinadas a obras públicas.
O Presidente ainda afirmou que o Projeto não estabelecia uma data-limite para aquisição do direito a concessão de uso especial, o que segundo o ele torna permanente um direito que só é “justificável pela necessidade de solucionar o imenso passivo de ocupações irregulares gerado em décadas de urbanização desordenada”.
Por fim, dissertou que não havendo um prazo para que a Administração Pública processasse os pedidos de concessão, haveria um grande número de processos a partir da vigência desse instrumento, trazendo risco de congestionar o Poder Judiciário.
Após tais constatações, foram propostos os vetos aos arts. 15 a 20 do projeto de lei do Estatuto da Cidade. Contudo, em reconhecimento a validade do instituto, no próprio veto, o Poder Executivo se comprometeu em preencher essa lacuna, buscando sanar as imprecisões.

2.3 A MEDIDA PROVISÓRIA 2.220/01

O compromisso assumido pelo Poder Executivo (no veto ao arts. 15 a 20 do Estatuto da Cidade) foi atendido em 04 de setembro de 2001 após várias rodadas de negociações e a Concessão de uso foi reintroduzida, por Medida Provisória com força de lei, em nosso ordenamento jurídico.
De acordo com o artigo 1º da referida MP, o direito à concessão de uso especial de moradia é assegurado a:
(...) aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. (Grifo nosso)
Perceba que a MP estabelece uma data-limite para aquisição de tal direito, sendo assegurado apenas aos possuidores que ocupavam o imóvel antes de 30 de junho de 1996.
Com relação, a possibilidade de interpretação diversa, a MP substituiu os termos “área ou edificação urbana” por imóvel urbano. Em síntese:
A disciplina da matéria na Medida Provisória 2.220 é muito parecida com a que se continha nos arts. 15 a 20 do Estatuto da Cidade, limitando-se a corrigir as falhas apontadas no veto e acrescentando um dispositivo para deixar expresso que o mesmo direito à concessão pode ser exercido em relação a imóveis públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; além disso, foi prevista a possibilidade de autorização de uso de imóveis públicos para fins comerciais. (DI PIETRO, 2006, p.155)

2.4 A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À CONCESSÃO DE USO PARA FINS DE MORADIA

Necessário se faz interpretação do direito à concessão de uso para que se possa identificar sua força normativa e aplicabilidade. Vejamos que conforme ensinamento de Fiore, a interpetação da lei, é a operação que tem por fim “fixar uma determinada relação jurídica, mediante a percepção clara e exata da norma estabelecida pelo legislador” (LIMONGI, 2009, p. 19) (Grifo nosso).
Analisando literalmente o art. 183 da CF, nota-se que este refere à aquisição de domínio, trazendo consigo os requisitos necessários para tal, não fazendo limitação a qual tipo de propriedade a concessão possa incidir, sendo assim, é possível afirma que estes requisitos são tanto para propriedade pública como para a propriedade privada, porém, em seu §1º, há uma diferenciação com relação título de domínio e concessão, o que, segundo DI PIETRO (2006, p. 159), não é “o título de domínio e a concessão, por estes serem institutos excludentes”. Tal diferenciação faz-se necessária pela proibição da usucapião em imóveis públicos em seu §3º.
Além disto, a concessão é um instituto inserido no capitulo da política urbana, portanto, seu objetivo é garantir a segurança da posse e o direito à moradia das populações que moram de forma irregular. A necessidade deste instrumento surge um para que haja a garantia do direito à posse em imóveis públicos, já que a usucapião atinge somente bens privados e os assentamentos não diferenciam áreas públicas e privadas (PRESTES, 2006, p. 208). Analisando tal tema nos ensina Prestes (2006, p.207):
É bem verdade que a tradição brasileira não contempla a usucapião de áreas públicas e a expressão domínio está intrinsecamente vinculada a aquisição da propriedade. Todavia, a diferença que ora se apresenta reside no fato de a norma constar na Constituição Federal e inserida no capítulo da política urbana. Certamente este aspecto introduz uma diferença com a usucapião tradicional que não tem por escopo atender princípios da política urbana, mas sim situações individuais amparadas pela norma civil.
Deste modo, a concessão de uso enquanto instituto da política urbana, com o objetivo de garantir e efetivar o direito a moradia, é uma norma definidora de direito, e indo mais além, é um direito subjetivo definido constitucionalmente, tendo em vista que o conceito de direito subjetivo tem “a sua idéia central no poder de ação, assente no direito objetivo, destinado à satisfação de certo interesse.” (BARROSO, 2009, p.99),
Portanto, no momento em que o art. 183 da CF garante a posse àqueles que cumprem os requisitos neste artigo previsto, ela atribui, a partir do direito objetivo, um direito a estas pessoas, dando assim, um poder de ação para a satisfação de seus interesses, neste caso a moradia.
Assim, não é através da regulamentação via MP 2220/01 que a concessão eleva seu status a direito subjetivo, pois conforme visto acima, a mesma já é um direito subjetivo desde sua origem constitucional. Sob esta ótica, pode-se caracterizar a norma do direito à concessão de uso, como sendo constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Isto porque ela possui incidência imediata e independe de normatividade ulterior para sua aplicação.

2.5 ASPECTOS CONTROVERSOS DA MEDIDA PROVISÓRIA 2.220/01

Sendo a concessão de uso especial para fins de moradia um direito subjetivo definido constitucionalmente, como aceitar a possibilidade de uma Medida Provisória restringir a aplicação deste direito?
A limitação temporal que a Medida Provisória 2.220/01 aplicada neste instrumento é inconstitucional.De acordo com o art. 1º da referida MP, somente será aplicável o direito a concessão de uso àquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição o imóvel para fins de moradia.
A afirmação do Chefe do Executivo para tal limitação foi a de que sem a tornaria permanente direito á concessão de uso em nosso sistema, e que este direito só é “justificável pela necessidade de solucionar o imenso passivo de ocupações irregulares gerado em décadas de urbanização desordenada”[3].
Num primeiro momento esta limitação é formalmente inconstitucional. Para ser inserida tal limitação ao direito constitucional, teria esta que ter sido realizada por Emenda Constitucional, pois sendo nossa constituição rígida, não pode esta ser a modificada por uma lei infraconstitucional.
Num segundo momento, partindo então para o mérito da questão, a concessão de uso nasce como instrumento de regularização fundiária, garantidor da posse daqueles que possuem sua moradia em imóveis públicos urbanos. Esta regularização desses assentamentos irregulares, força o Poder Público realizar melhorias no seu ambiente, sempre com o objetivo de efetivar o direito à moradia, atribuindo àqueles imóveis públicos o exercício da sua função social.
Nessa ótica fica perceptível que o direito à concessão de uso não é somente um instrumento para o “imenso passivo de ocupações irregulares”, mas para todo assentamento urbano, em imóveis públicos, que atendam aos requisitos do art. 183 da CF. Até porque os assentamentos irregulares não pararam em 30 de junho de 2001. E, se este é realmente o objetivo contido no art. 183, por que não houve a limitação do usucapião especial urbano?
Em síntese, o art. 183 da CF define que as pessoas naquelas situações previstas possuem tal direito, sem limitar seu aspecto temporal. Portanto de acordo com o caráter supremo de nossa Constituição, esta limitação advinda da MP é absolutamente inconstitucional.

Leia mais: http://jus.com.br/artigos/25213/a-constitucionalidade-do-aspecto-temporal-na-regulamentacao-da-concessao-de-uso-especial-para-fins-de-moradia-cuem#ixzz2dvqCTVKX