sábado, 7 de setembro de 2013

O 'Direito das coisas' nos verbetes das jornadas de Direito Civil

Enunciado 236
Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Também considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, a coletividade desprovida de personalidade jurídica.
Enunciado 563
Constitui título possessório o reconhecimento da posse por parte do Poder Público competente anterior à sua legitimação, nos termos da Lei nº 11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.
Enunciado 76
A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida. O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto, e este, contra aquele.
Enunciados 301 e 493
Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. O detentor pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder. É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.
Enunciado 302
É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária, podendo ser considerado justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem, observado o disposto no artigo 113 do Código Civil, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Enunciado 303
É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Considera-se justo título, para a presunção relativa da boa-fé do possuidor, o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular.
Enunciado 237
Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. É cabível a modificação do título da posse – interversio possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini.
Enunciado 77
A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitida pelo constituto possessório.
Enunciados 78 e 79
A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório no §2º do artigo 1.210: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”. Tendo em vista a não-recepção da exceptio proprietatis, em caso de ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ius possessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso.
Enunciado 238
Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas dos artigos 936 a 931 do Código de Processo Civil, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório. Ainda que a ação possessória seja intentada além de “ano e dia” da turbação ou esbulho, e, em razão disso, tenha seu trâmite regido pelo procedimento ordinário, nada impede que o juiz conceda a tutela possessória liminarmente, mediante antecipação de tutela, desde que presentes os requisitos autorizadores do artigo 273, I (“haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”) ou II  (“fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”), bem como aqueles previstos no artigo 461-A e parágrafos[1], todos do Código de Processo Civil.
Enunciado 239
Na falta de demonstração inequívoca de posse que atenda à função social, deve-se utilizar a noção de “melhor posse”, com base nos critérios previstos no parágrafo único do artigo 507 do Código Civil de 1916: “Entende-se melhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, será seqüestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque”.
Enunciado 80
O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era. É inadmissível, contudo, o direcionamento de demanda possessória ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva ilegítima. Contra o terceiro de boa-fé, cabe tão-somente a propositura de demanda de natureza real.
Enunciado 81
O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis. O direito de retenção, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.
Enunciado 507
Na aplicação do princípio da função social da propriedade imobiliária rural, deve ser observada a cláusula aberta do § 1º do art. 1.228 do Código Civil (“O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”), que, em consonância com o disposto no art. 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal (“a propriedade atenderá a sua função social”), permite melhor objetivar a funcionalização mediante critérios de valoração centrados na primazia do trabalho.
Enunciados 82, 83, 84, 240, 241, 304, 307, 308, 310, 311 e 496
É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil, segundo os quais pode o proprietário ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Interpreta-se extensivamente a expressão “imóvel reivindicado”, abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no possessório. Na desapropriação judicial, o juiz: a) poderá determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o licenciamento ambiental e urbanístico; b) fixará a justa indenização devida ao proprietário. A justa indenização devida ao proprietário não tem como critério valorativo, necessariamente, a avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário, sendo indevidos os juros compensatórios e somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, serão eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização. Pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. O registro da sentença na ação reivindicatória opera a transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com fundamento no interesse social. É condicionado ao pagamento da respectiva indenização, cujo prazo será fixado pelo juiz. Caso não seja pago o preço, e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente, estará autorizada a expedição de mandado para registro da propriedade em favor dos possuidores. As disposições não são aplicáveis às ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, ressalvadas as relativas a bens públicos dominicais. O direito de aquisição com base no interesse social deve ser argüido pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização. Pode também ser objeto de ação autônoma, não se restringindo à defesa em pretensões reivindicatórias.
Enunciado 309
O conceito de posse de boa-fé de que trata o artigo 1.201 do Código Civil (“É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”) não se aplica ao instituto previsto no § 4º do artigo 1.228 (“O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”)
Enunciado 306
A situação descrita no § 4º do art. 1.228 do Código Civil (“O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”) enseja a improcedência do pedido reivindicatório.
Enunciado 305
Tendo em vista as disposições dos §§ 3º (“O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente”) e 4º (“O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”) do art. 1.228 do Código Civil, o Ministério Público tem o poder-dever de atuar nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que encerrem relevante interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos envolvidos.
Enunciado 564
As normas relativas à usucapião extraordinária (“Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”) e à usucapião ordinária (“Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”), por estabelecerem redução de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação imediata, não incidindo o disposto no artigo 2.028 do Código Civil, segundo o qual “serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
Enunciado 312
Observado o teto constitucional de 50 hectares, a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada.
Enunciado 313
Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir.
Enunciados 85 e 314
Segundo o artigo 1240 do Código Civil, aquele que possuir, como sua, área urbana de até 250 metros quadrados, por 5 anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Entende-se por "área urbana" o imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios. Para os efeitos do preceito, não se deve computar, para fins de limite de metragem máxima, a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum.
Enunciados 498, 499, 500, 501 e 502
Aquele que exercer, por 2 anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 metros quadrados cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Essa modalidade de usucapião pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas. A fluência do prazo de 2 anos tem início com a entrada em vigor da Lei nº 12.424/2011. As expressões “ex-cônjuge” e “ex-companheiro” correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio, ou seja, a aquisição da propriedade só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O conceito de posse direta não coincide com a acepção empregada no artigo 1.197 do Código Civil (“A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto”). O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.
Enunciado 315
O artigo 1.241 do Código Civil (“Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”) permite ao possuidor que figurar como réu em ação reivindicatória ou possessória formular pedido contraposto e postular ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel, valendo a sentença como instrumento para registro imobiliário, ressalvados eventuais interesses de confinantes e terceiros.
Enunciado 86
A expressão “justo título” contida nos arts. 1.242 (“Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por 10 anos”) e 1.260 (“Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante 3 anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade“) do Código Civil abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro.
Enunciado 569
No caso do art. 1.242, parágrafo único (“Será de 5 anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico”), a usucapião, como matéria de defesa, prescinde do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usucapiente já é o titular do imóvel no registro.
Enunciado 317
A accessio possessionis de que trata o artigo 1.243, primeira parte, do Código Civil (“O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores”) não encontra aplicabilidade relativamente aos artigos 1.239 (“Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por 5 anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”) e 1.240 (“Aquele que possuir, como sua, área urbana de até 250 metros quadrados, por 5 anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”) do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, artigos 183 e 191, da Constituição Federal, respectivamente.
A quarta parte da consolidação dos verbetes das Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho de Justiça Federal será publicada na próxima quinta-feira (12/9). Na oportunidade, finalizaremos a organização dos enunciados relacionados com o Direito das Coisas.

[1] Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
 
Aldo de Campos Costa exerce o cargo de assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-set-05/toda-prova-verbetes-jornadas-direito-civil-parte