segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Conto sobre casamento (autoria desconhecida)

Naquela noite, enquanto minha esposa servia o jantar, eu segurei sua mão e disse: "Tenho algo importante para te dizer". Ela se sentou e jantou sem dizer uma palavra. Pude ver sofrimento em seus olhos.

De repente, eu também fiquei sem palavras. No entanto, eu tinha que dizer a ela o que estava pensando. Eu queria o divórcio. E abordei o assunto calmamente.

Ela não parecia irritada pelas minhas palavras e simplesmente perguntou em voz baixa: "Por quê?"

Eu evitei respondê-la, o que a deixou muito brava. Ela jogou os talheres longe e gritou "você não é homem!" Naquela noite, nós não conversamos mais. Pude ouví-la chorando. Eu sabia que ela queria um motivo para o fim do nosso casamento. Mas eu não tinha uma resposta satisfatória para esta pergunta. O meu coração não pertencia a ela mais e sim a Jane. Eu simplesmente não a amava mais, sentia pena dela.

Me sentindo muito culpado, rascunhei um acordo de divórcio, deixando para ela a casa, nosso carro e 30% das ações da minha empresa.

Ela tomou o papel da minha mão e o rasgou violentamente. A mulher com quem vivi pelos últimos 10 anos se tornou uma estranha para mim. Eu fiquei com dó deste desperdício de tempo e energia mas eu não voltaria atrás do que disse, pois amava a Jane profundamente. Finalmente ela começou a chorar alto na minha frente, o que já era esperado. Eu me senti libertado enquanto ela chorava. A minha obsessão por divórcio nas últimas semanas finalmente se materializava e o fim estava mais perto agora.

No dia seguinte, eu cheguei em casa tarde e a encontrei sentada na mesa escrevendo. Eu não jantei, fui direto para a cama e dormi imediatamente, pois estava cansado depois de ter passado o dia com a Jane.

Quando acordei no meio da noite, ela ainda estava sentada à mesa, escrevendo. Eu a ignorei e voltei a dormir.

Na manhã seguinte, ela me apresentou suas condições: ela não queria nada meu, mas pedia um mês de prazo para conceder o divórcio. Ela pediu que durante os próximos 30 dias a gente tentasse viver juntos de forma mais natural possivel. As suas razões eram simples: o nosso filho faria seus examos no próximo mês e precisava de um ambiente propício para prepar-se bem, sem os problemas de ter que lidar com o rompimento de seus pais.

Isso me pareceu razoável, mas ela acrescentou algo mais. Ela me lembrou do momento em que eu a carreguei para dentro da nossa casa no dia em que nos casamos e me pediu que durante os próximos 30 dias eu a carregasse para fora da casa todas as manhãs. Eu então percebi que ela estava completamente louca mas aceitei sua proposta para não tornar meus próximos dias ainda mais intoleráveis.

Eu contei para a Jane sobre o pedido da minha esposa e ela riu muito e achou a idéia totalmente absurda. "Ela pensa que impondo condições assim vai mudar alguma coisa; melhor ela encarar a situação e aceitar o divórcio" ,disse Jane em tom de gozação.

Minha esposa e eu não tínhamos nenhum contato físico havia muito tempo, então quando eu a carreguei para fora da casa no primeiro dia, foi totalmente estranho. Nosso filho nos aplaudiu dizendo "O papai está carregando a mamãe no colo!" Suas palavras me causaram constrangimento. Do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa, eu devo ter caminhado uns 10 metros carregando minha esposa no colo. Ela fechou os olhos e disse baixinho "Não conte para o nosso filho sobre o divórcio" Eu balancei a cabeça mesmo discordando e então a coloquei no chão assim que atravessamos a porta de entrada da casa. Ela foi pegar o ônibus para o trabalho e eu dirigi para o escritório.

No segundo dia, foi mais fácil para nós dois. Ela se apoiou no meu peito, eu senti o cheiro do perfume que ela usava. Eu então percebi que há muito tempo não prestava atenção a essa mulher. Ela certamente tinha envelhecido nestes últimos 10 anos, havia rugas no seu rosto, seu cabelo estava ficando fino e grisalho. O nosso casamento teve muito impacto nela. Por uns segundos, cheguei a pensar no que havia feito para ela estar neste estado.

No quarto dia, quando eu a levantei, senti uma certa intimidade maior com o corpo dela. Esta mulher havia dedicado 10 anos da vida dela a mim.

No quinto dia, a mesma coisa. Eu não disse nada a Jane, mas ficava a cada dia mais fácil carregá-la do nosso quarto à porta da casa. Talvez meus músculos estejam mais firmes com o exercício, pensei.

Certa manhã, ela estava tentando escolher um vestido. Ela experimentou uma série deles mas não conseguia achar um que servisse. Com um suspiro, ela disse "Todos os meus vestidos estão grandes para mim". Eu então percebi que ela realmente havia emagrecido bastante, daí a facilidade em carregá-la nos últimos dias.

A realidade caiu sobre mim com uma ponta de remorso... ela carrega tanta dor e tristeza em seu coração..... Instintivamente, eu estiquei o braço e toquei seus cabelos.

Nosso filho entrou no quarto neste momento e disse "Pai, está na hora de você carregar a mamãe". Para ele, ver seu pai carregando sua mão todas as manhãs tornou-se parte da rotina da casa. Minha esposa abraçou nosso filho e o segurou em seus braços por alguns longos segundos. Eu tive que sair de perto, temendo mudar de idéia agora que estava tão perto do meu objetivo. Em seguida, eu a carreguei em meus braços, do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa. Sua mão repousava em meu pescoço. Eu a segurei firme contra o meu corpo. Lembrei-me do dia do nosso casamento.

Mas o seu corpo tão magro me deixou triste. No último dia, quando eu a segurei em meus braços, por algum motivo não conseguia mover minhas pernas. Nosso filho já tinha ido para a escola e eu me vi pronunciando estas palavras: "Eu não percebi o quanto perdemos a nossa intimidade com o tempo".

Eu não consegui dirigir para o trabalho.... fui até o meu novo futuro endereço, saí do carro apressadamente, com medo de mudar de idéia...Subi as escadas e bati na porta do quarto. A Jane abriu a porta e eu disse a ela "Desculpe, Jane. Eu não quero mais me divorciar".

Ela olhou para mim sem acreditar e tocou na minha testa "Você está com febre?" Eu tirei sua mão da minha testa e repeti "Desculpe, Jane. Eu não vou me divorciar. Meu casamento ficou chato porque nós não soubemos valorizar os pequenos detalhes da nossa vida e não por falta de amor. Agora eu percebi que desde o dia em que carreguei minha esposa no dia do nosso casamento para nossa casa, eu devo segurá-la até que a morte nos separe.

A Jane então percebeu que era sério. Me deu um tapa no rosto, bateu a porta na minha cara e pude ouví-la chorando compulsivamente. Eu voltei para o carro e fui trabalhar.

Na loja de flores, no caminho de volta para casa, eu comprei um buquê de rosas para minha esposa. A atendente me perguntou o que eu gostaria de escrever no cartão. Eu sorri e escrevi: "Eu te carregarei em meus braços todas as manhãs até que a morte nos separe".

Naquela noite, quando cheguei em casa, com um buquê de flores na mão e um grande sorriso no rosto, fui direto para o nosso quarto onde encontrei minha esposa deitada na cama - morta.

Minha esposa estava com câncer e vinha se tratando a vários meses, mas eu estava muito ocupado com a Jane para perceber que havia algo errado com ela. Ela sabia que morreria em breve e quis poupar nosso filho dos efeitos de um divórcio - e prolongou a nossa vida juntos proporcionando ao nosso filho a imagem de nós dois juntos toda manhã. Pelo menos aos olhos do meu filho, eu sou um marido carinhoso.

Os pequenos detalhes de nossa vida são o que realmente contam num relacionamento. Não é a mansão, o carro, as propriedades, o dinheiro no banco. Estes bens criam um ambiente propício a felicidade mas não proporcionam mais do que conforto. Portanto, encontre tempo para ser amigo de sua esposa, faça pequenas coisas um para o outro para mantê-los próximos e íntimos. Tenham um casamento real e feliz!

Muitos fracassados na vida são pessoas que não perceberam que estavam tão perto do sucesso e preferiram desistir..

Inventário e partilha administrativos havendo testamento caduco ou revogado

1) A controvérsia. 

O art. 982 do Código de Processo Civil foi alterado pela Lei 11.441/07, passando a ter a seguinte redação: “Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário”.
Portanto, com o advento da Lei 11.441/07, permitiu-se o inventário e a partilha por escritura pública, a critério dos interessados, desde que todos sejam capazes e concordes, e não haja testamento.
Inicialmente prevaleceu uma interpretação literal, pela qual a existência de testamento, ainda que caduco ou revogado[1], impedia a lavratura de escritura pública de inventário e partilha.
Com o decorrer do tempo, tal interpretação passou a ser questionada. Seria realmente a vontade do legislador impedir a lavratura da escritura no caso de testamentos caducos ou revogados?
Esta a controvérsia que abordaremos neste breve estudo.

2) A mens legis.

Não podemos nos afastar da mens legis. O Código Civil português, em seu art. 9º, cuida da interpretação da lei nos seguintes termos:
“Artigo 9º - (Interpretação da lei)1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
O deputado Maurício Rands[2], ao apresentar seu relatório à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto ao projeto que deu origen à Lei 11.441/07, afirmou:
“A proposta analisada tem como intuito simplificar a realização da partilha consensual por meio de escritura pública, desde que envolva herdeiros capazes, dispensando esse procedimento da homologação judicial. A atuação do Poder Judiciário nos casos mencionados, via de regra, limita-se à ratificação do acordo previamente firmado entre as partes. Na partilha consensual envolvendo herdeiros capazes inexiste conflito, o que torna a intervenção judicial dispensável, uma vez que os requisitos necessários para a realização de transação entre as partes estão presentes. Assim, ao dispensar a necessidade de homologação judicial nesse procedimento, o ordenamento não prejudica nenhuma das partes, pelo contrário, contribui para que elas formalizem a partilha de modo mais célere e simplificado (...) Dessa forma, recorremos à proposta inserida no ‘Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano’, documento assinado pelos representantes dos três poderes e que contém as diretrizes e projetos que norteiam o processo de reforma do nosso sistema jurisdicional, para formular nova proposta para o projeto analisado, de modo a ampliar as mudanças objetivadas. No substitutivo proposto, a alteração proposta para o artigo 2.015 do Código Civil[3] é substituída pela alteração da redação do artigo 982 do Código de Processo Civil, cujo texto passa a permitir a realização do inventário e da partilha consensuais por escritura pública, desde que os interessados sejam capazes e não haja testamento. Importante explicar que a restrição imposta à realização do procedimento extrajudicial nos casos em que exista testamento, deve-se ao fato de que a prática forense tem demonstrado que a interpretação desses documentos geralmente suscita grandes divergências entre os herdeiros, o que aumenta consideravelmente as chances de uma partilha consensual, posteriormente, transformar-se litigiosa, o que inutilizaria os atos praticados no procedimento extrajudicial”.
Verifica-se que o projeto inicial foi ampliado[4], nascendo a Lei 11.441/07 dentro da proposta inserida no ‘Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano’. A ampliação do projeto inicial não pode ser olvidada, mesmo porque motivada pelos objetivos do referido Pacto. Resta claro que a intenção foi afastar do Poder Judiciário o que pode ser solucionado por outras formas, o que deve ser considerado na interpretação da lei modificadora.
Dessa forma, foram possibilitados o inventário e a partilha administrativos, sem restrições quanto ao monte partível, não havendo incapazes e testamento, justificando o relator Maurício Rands a restrição quanto ao testamento, que reproduzimos por ser o ponto de interesse: “Importante explicar que a restrição imposta à realização do procedimento extrajudicial nos casos em que exista testamento, deve-se ao fato de que a prática forense tem demonstrado que a interpretação desses documentos geralmente suscita grandes divergências entre os herdeiros, o que aumenta consideravelmente as chances de uma partilha consensual, posteriormente, transformar-se litigiosa, o que inutilizaria os atos praticados no procedimento extrajudicial”.
O legislador, portanto, restringiu a lavratura da escritura pública em razão de grandes divergências na interpretação dos testamentos pelos herdeiros. Aqui o ponto nodal: só haverá divergência na interpretação dos testamentos se estivermos diante de um testamento válido e eficaz. Na hipótese de testamento revogado ou caduco, inviável qualquer discussão sobre sua interpretação, posto que o testamento já não estará apto a produzir qualquer efeito, não se justificando qualquer restrição à realização do procedimento administrativo.
O espírito da Lei 11.441/07, no momento histórico em que foi editada, não era outro senão simplificar, tornar mais célere, facilitar o inventário e a partilha. Interpretar literalmente o disposto no art. 982 da lei processual civil não atende à intenção da lei.
O Ministro de Estado da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ao encaminhar ao Presidente da República o Projeto de Lei que redundou na Lei 11.441/07, afirmou que “sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro, com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa. De há muito surgem propostas e sugestões, nos mais variados âmbitos e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de entidades representativas, como o Instituto de Direito Processual Brasileiro, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de Processo Civil e da Lei de Juizados Especiais, para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade em questão. A proposta prevê a possibilidade de realização de inventário e partilha por escritura pública, nos casos em que somente existam interessados capazes e concordes. Dispõe, ainda, a faculdade de adoção do procedimento citado em casos de separação consensual e de divórcio consensual, quando não houver filhos menores do casal. Entendo não existir nenhum motivo razoável de ordem jurídica, de ordem lógica ou de ordem prática que indique a necessidade de que atos de disposição de bens, realizados entre pessoas capazes - tais como os supracitados, devam ser necessariamente processados em juízo, ainda mais onerando os interessados e agravando o acúmulo de serviço perante as repartições forenses” (grifos nossos)[5].

3) O notário como profissional do direito.

Tive oportunidade de abordar, por ocasião da edição da Lei 11.441/07, a qualidade de profissionais do direito dos notários e registradores.
Naquela oportunidade[6], em texto intitulado “A Lei 11.441/07 e um novo tempo para afirmar a independência jurídica dos tabeliães e registradores, profissionais do direito”, afirmei que:
“A Lei 8.935, de 18 de novembro de 1.994, ao regulamentar o art. 236 da Constituição Federal definiu os tabeliães e registradores como profissionais do direito.
Dispõe o art. 3° da referida lei:
“Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro” (grifo nosso).
Passados mais de treze anos (à época da publicação do texto) de vigência da lei lamentavelmente ainda vemos alguns tabeliães e registradores agindo como simples amanuenses e, especialmente, uma gama de pessoas que não os vêem como verdadeiros profissionais do direito. Infelizmente dentre tais pessoas muitas vezes nos deparamos com integrantes do Poder Judiciário, incumbido pela Carta Magna da fiscalização dos atos praticados por tabeliães e registradores (§1° do art. 236, in fine), sem que tal poder, contudo, importe em subordinação hierárquica no exercício das funções. O limite do poder de fiscalização dos atos pelo Judiciário é ainda ponto nebuloso no exercício da atividade, agravado pela ausência de regulamentação de normas legais relativas à atividade e pela existência de custos, agregados aos emolumentos, que se destinam ao Poder Judiciário e outras entidades, fazendo vicejar um cipoal de normas administrativas que servem de antolhos aos tabeliães e registradores.
O momento, no entanto, é de afirmação da qualidade conferida pela Lei 8.935/94. O Poder Legislativo tem reconhecido tal qualidade e cabe aos tabeliães e registradores se fazerem respeitar como profissionais do direito. Não devem aceitar a imposição de fórmulas; devem exercer efetivamente as funções notariais e registrais. Claro que respeitando a fiscalização dos atos pelo Poder Judiciário e suas decisões, mas jamais deixando de analisar sob o foco jurídico os atos em que são chamados a intervir[7].
A independência jurídica dos tabeliães e registradores não é novidade na doutrina internacional, e o ‘modelo da independência jurídica do registrador e do notário, como foi antecipado, ajusta-se, entre nós, ao direito posto: notário e oficial de registro são profissionais do direito, dotados de fé pública (art. 3°, da Lei 8.935/1994), gozando de independência no exercício de suas atribuições’ (art. 28, da Lei cit.).[8]
E em que contexto vem se dando a valorização da qualidade de profissionais do direito? Dentro das medidas legislativas na busca de soluções mais céleres, simples, e menos onerosas para a solução de determinadas questões, antes de exclusiva atuação do Poder Judiciário.
Exemplificando: a Lei 9.492/97, que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, ao alargar significativamente o rol dos documentos que podem ser apresentados ao tabelionato de protestos; a Lei 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem, que significa a resolução do litígio por meio de árbitros, com a mesma eficácia da sentença judicial; a Lei 9.514/97, ao instituir a alienação fiduciária de coisa imóvel e a solução extrajudicial em caso de descumprimento do contrato (dando mais celeridade à recuperação do crédito e, portanto, mais eficácia à garantia); a Lei 10.931/04, que alterou o art. 213 da Lei 6.015/73 permitindo a retificação administrativa do registro imobiliário; e finalmente a Lei 11.441/07, que alterou o Código de Processo Civil para permitir que o inventário e a partilha, assim como a separação e o divórcio, na inexistência de incapazes, se façam por escritura pública.
Verifica-se, portanto, uma tendência de afastar do Poder Judiciário conflitos que comportem outro meio de solução. A morosidade do Poder Judiciário, já bastante assoberbado, e o custo do acesso à justiça incrementam as atividades que permitem aos interessados ver suas questões decididas sem intervenção do Poder em foco, que deve ser reservado para decidir conflitos em que seu atuar seja imprescindível.
A atuação do tabelião, seja de notas ou de protesto, e do registrador imobiliário, vem se expandindo, como se vê pela evolução legislativa. Reconhece o legislador federal serem os profissionais adequados, em razão de sua tradição e de sua independência jurídica, a colaborar na solução mais célere de diversas questões, sem que se prescinda da segurança jurídica e da eficácia.
Entretanto, editada a Lei 11.441/07, que valorizou enormemente a profissão dos tabeliães e registradores, vivemos momentos de perplexidade. Muitos aguardaram orientações das Corregedorias para aplicação da lei; algumas Corregedorias, extrapolando suas funções, se movimentaram para expedir normas, chegando a do Estado do Acre a criar modelos a serem seguidos.
Como profissionais do direito, com independência jurídica, devem tabeliães e registradores praticar os atos como autorizados pela lei. Não dependem de qualquer orientação ou autorização administrativa, nem a elas estão sujeitos. Em verdade, tabeliães e registradores não podem deixar de praticar os atos solicitados pelos interessados que preencham os requisitos legais, cabendo-lhes dar a correta interpretação jurídica aos dispositivos legais aplicáveis. São ônus do exercício da função. O que devem, e efetivamente fazem, é debater e analisar os avanços legislativos em seus institutos de estudo, para que atuem sempre com mais segurança.
Diante da inexorável conclusão de que as circunstâncias favorecem a afirmação da qualidade de profissionais do direito, como tais devem agir todos os tabeliães e registradores, atuando incontinenti diante de qualquer alteração legislativa que alargue o âmbito de suas atribuições.
Encerro transcrevendo pensamento do Des. Ricardo Dip, em Registro de Imóveis[9]: ‘decidir que futuro haverá para as instituições do registro e das notas é escolher já, como faz quem se adverte responsável pelo tempo que passa, se essas instituições detêm liberdade jurídica para sua atuação profissional. Sem essa liberdade, correm risco de com ela morrerem a autonomia de vontades e a propriedade particular. Nisso há também um risco da decisão, mas esse risco é o que valoriza a liberdade’. E na esteira da Lei 11.441/07 devemos já afirmar e confirmar a independência jurídica dos tabeliães e registradores, profissionais do direito”.
O texto produzido há mais de cinco anos, e parcialmente ora reproduzido, ainda é atual. Tabeliães têm se furtado a lavrar escrituras de inventário e partilha sob alegação de que testamentos revogados e caducos impedem a prática do ato. S.M.J., cuida-se de interpretação equivocada, apenas literal e dissociada do momento que vivemos, dando azo, ainda, a que nos tachem de meros amanuenses, quando somos profissionais do direito amplamente habilitados a verificar se um testamento está revogado ou caducou, no exercício de nossa atividade jurídica.

4) O correto entendimento do Judiciário paulista.

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo editou o Provimento CG Nº 40/2012, alterando as Normas de Serviço para manifestar expressamente o entendimento que ora se busca sustentar.
O mencionado Provimento alterou o Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que atualmente estabelece: “129. É possível a lavratura de escritura de inventário e partilha nos casos de testamento revogado ou caduco ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento. 129.1. Nessas hipóteses, o Tabelião de Notas solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada e o inventário far-se-á judicialmente” (grifo nosso).
A manifestação da Corregedoria, a meu ver, seria desnecessária, pois ao tabelião cabe interpretar a lei e aplicá-la. Contudo, é muito salutar, pois gera um ambiente de segurança para aqueles que temem assumir os riscos da interpretação, sejam tabeliães ou registradores a quem os títulos vierem a ser apresentados para acesso ao fólio real.
Com efeito, a hipótese de invalidade do testamento, elencada pela Corregedoria paulista, deve ser precedida de decisão judicial, mas no caso de testamento revogado ou caduco, é desnecessária qualquer manifestação judicial, sendo viável a lavratura da escritura, cabendo ao tabelião verificar a ocorrência da revogação ou a caducidade.
A doutrina já se manifesta no mesmo sentido. Christiano Cassettari[10] afirma, com propriedade, que “quando o legislador menciona, ‘havendo testamento’ se procederá ao inventário judicial, isso deverá ocorrer somente quando houver previsão expressa sobre disposição patrimonial que impeça a aplicação da sucessão legítima, alterando as regras de transferência da propriedade aos herdeiros legítimos, sob pena de chegarmos ao cúmulo de impedir que o inventário extrajudicial ocorra, por exemplo, no caso de o testador ter feito um testamento para revogar um anterior, para que em sua sucessão sejam aplicadas as regras da sucessão legítima”. O autor traz à baila situação que já enfrentei na prática notarial: clientes que, tomando conhecimento da Lei 11.441/07, decidiram revogar o testamento para que seus sucessores não precisem recorrer ao Judiciário, para que possam processar a sucessão administrativamente, entendendo que, com a revogação, por ocasião do óbito não terão testamento válido e eficaz a impedir a lavratura de escritura de inventário e partilha.
Conclui Christiano Cassettari, comentando a nova redação das Normas da Corregedoria paulista: “acreditamos que essa regra em breve estará nas normas de serviços de todos os estados brasileiros, para que a população possa se beneficiar dela, permitindo que nesses casos o inventário possa ser feito, também, em cartório”.
Anote-se, por fim, a existência de decisões judiciais admitindo a escritura pública de inventário e partilha ainda que exista testamento válido e eficaz (p. ex., 7ª Vara da Família e Sucessões, Comarca de São Paulo – Proc. nº: 0052432-70.2012.8.26.0100). São decisões de vanguarda que certamente inspirarão o legislador a avançar. Sendo todos capazes e concordes com os termos do testamento, inclusive com eventuais gravames impostos pelo testador, o que justifica impedir o inventário e a partilha administrativos? Vale salientar que muitas pessoas evitam o inventário e a partilha com doações, impondo por vezes cláusulas restritivas, o que não encontra qualquer óbice na legislação. Não deveria haver impedimento, também, que os beneficiários do testamento promovessem o inventário e a partilha administrativamente, como já afirmado.

5) Conclusão.

Diante de todo o exposto, entendo que a lavratura das escrituras públicas de inventário e partilha não pode ser obstada pela existência de testamento revogado ou caduco, para que não se fira o espírito da lei. Acrescente-se a hipótese relacionada pela Corregedoria paulista: quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento.
Nas hipóteses ventiladas, não faz qualquer sentido remeter os interessados, necessariamente, para a via judicial. Havendo testamento válido e eficaz, o inventário e a partilha judiciais são precedidos do procedimento previsto no art. 1.125 e seguintes do Código de Processo Civil, de abertura, registro e cumprimento do testamento, no qual o magistrado, após oitiva do Ministério Público, mandará cumprir o testamento “se lhe não achar vício externo, que o torne suspeito de nulidade ou falsidade (art. 1.126)”. Se o testamento foi revogado ou caducou, não se aplicará o referido procedimento especial de jurisdição voluntária, pois inexiste testamento a cumprir. O que deverá o magistrado mandar cumprir? Nada a cumprir quanto a disposições de última vontade, pois a sucessão obedecerá às regras da sucessão legítima. Assim, diante de um testamento revogado ou caduco, em juízo somente se processam o inventário e a partilha, como se testamento não houvesse (e efetivamente não há testamento eficaz, apto a produzir efeitos). Portanto, a intervenção judicial somente se dará no processamento do inventário e da partilha e, neste caso, a lei faculta às partes optar pela via administrativa, não havendo incapazes.
Dessa forma, analisando os casos concretos e estando seguros da revogação ou da caducidade, devem os tabeliães lavrar as escrituras independentemente de qualquer autorização das corregedorias, pois o fundamento para a lavratura está na Lei 11.441/07, e não em qualquer ato administrativo, assim como devem os oficiais de registro acolhê-las no fólio real. Não obstante, a edição de normas pelas corregedorias é salutar, pois colabora para a uniformização do entendimento. Ainda vivemos um momento de transição no qual alguns notários e registradores temem assumir o papel reconhecido em lei de profissionais do direito, necessitando de apoio em regras administrativas.
As mudanças legislativas muitas vezes são tímidas, o que certamente impediu que, por ocasião da edição da Lei 11.441/07, se autorizasse a lavratura de escrituras de inventário e partilha mesmo havendo testamento válido e eficaz, na hipótese de herdeiros capazes. Certamente vamos avançar nesse sentido.

SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Inventário e partilha administrativos havendo testamento caduco ou revogado. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3741, 28 set. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25416>. Acesso em: 30 set. 2013.