A liberdade contratual pressupõe o exercício de três liberdades de escolha
interligadas: a) a liberdade de escolher o outro contratante; b) a liberdade de
escolher o tipo contratual; c) a liberdade de determinação do conteúdo. A
intervenção legislativa, no Estado social, para realizar a proteção do contratante
vulnerável, vale-se de correspondentes modalidades de limitação da liberdade
contratual, a saber:
I - limitação da liberdade de escolha do outro contratante, sobretudo nos
setores de fornecimento de serviços públicos (água, luz, telefone, transporte
etc), ou monopolizados. O contratante fornecedor é obrigado a prestar o
serviço a qualquer pessoa que o demande. Cuida-se de obrigação compulsória de
fazer, não podendo haver recusa discricionária à contratação, que poderá ser
determinada judicialmente, além de importar indenização por perdas e danos;
II - limitação da liberdade de escolha do tipo contratual, quando a lei
estabelece os tipos contratuais exclusivos em determinados setores, a exemplo
dos contratos de licença ou cessão, no âmbito da lei de software, e dos
contratos de parceria e arrendamento no âmbito do direito agrário. São
contratos típicos, que consistem em numerus clausus. Nesta hipótese,
cessa a liberdade de escolher ou criar outros, pois o legislador presume que os
tipos que definiu são os que melhor protegem o contratante vulnerável, segundo
os dados da experiência. As leis, principalmente o Código Civil, regulam os
tipos que já estão consagrados no tráfico jurídico: compra e venda, doação,
permuta, empréstimo, mandato, locação, fiança, empreitada, corretagem,
transporte, seguros. Porém, essa regulação é tradicionalmente supletiva, com
uso de normas jurídicas dispositivas, ou seja, apenas incidem sobre os
contratos se as parte não tiverem estipulado de modo diferente ao que elas
dispuseram;
III - limitação da liberdade de determinação do conteúdo do contrato, parcial
ou totalmente, quando a lei define o que ele deve conter de forma cogente,
total ou parcialmente, como no contrato de locação residencial, nos contratos
do sistema financeiro da habitação, no contrato de turismo, no contrato de
seguro. O contratante que exerce o poder negocial dominante não pode contrariar
os conteúdos fixados por lei, que dizem respeito à essência desses contratos
protegidos.
O Estado liberal era tendencialmente não-cogente, pois a função básica do
direito era a de suplementar a autonomia privada. A doutrina tradicional pôs
como fontes de limitação apenas os bons costumes e a ordem pública, repercutindo
o ideário liberal burguês da primazia do individualismo, negando-se o poder de
intervenção do Estado legislador, administrativo ou judicial, para realização
da justiça social nas atividades econômicas.
As normas jurídicas não-cogentes já constituem, em grau menor, uma técnica
legislativa de previsão de conteúdo e futuro de eficácia do negócio jurídico,
tomando o lugar das manifestações de vontade que não foram feitas. O Estado
social, todavia, intervém na ordem econômica privada para proteger a parte
juridicamente vulnerável e evitar o abuso do poder negocial da outra, o que
importa crescente utilização de normas cogentes (proibitivas ou imperativas),
limitando o uso das normas dispositivas ou supletivas e a própria autonomia privada.
A modalidade mais incisiva e eficaz do contratante vulnerável, além das três
referidas, que o legislador passou a utilizar, é a de sancionar com nulidade o
contrato ou partes dele que comprometem a equivalência material, ou seja, quando
levam à vantagem excessiva para quem exerce o poder negocial e desvantagem ou
onerosidade excessiva para quem não detém poder de barganha. As cláusulas
correspondentes são consideradas abusivas, consequentemente, nulas. A nulidade
é contextual, ou seja, quando há ocorrência de abusividade e de presunção de
vulnerabilidade, pois, no contexto de contrato paritariamente negociado, não se
cogita de nulidade. Por exemplo, a Medida Provisória 2.172-32, de 2001,
estabelece que são nulas “de pleno direito” as estipulações usurárias, assim
consideradas as que estabeleçam nos contratos civis de mútuo, taxas de juros
superiores às legalmente permitidas, caso em que deverá o juiz, se requerido,
ajustá-las à medida legal, e, nos negócios jurídicos não disciplinados pelas
legislações comercial e de defesa do consumidor, lucros ou vantagens
patrimoniais excessivos, estipulados em situação de vulnerabilidade da parte,
caso em que deverá o juiz, se requerido, restabelecer o equilíbrio da relação
contratual. Foi, porém, no direito do consumidor que o legislador melhor
imprimiu essa orientação. A invalidade absoluta reforça o caráter de ordem
pública da proibição: as cláusulas abusivas são insuscetíveis de convenção ou
convalescimento. O interesse protegido não pertence individualmente ao
consumidor, mas a toda comunidade potencialmente atingida, o que permite o
ajuizamento de ação civil pública por legitimado coletivo. Pudesse haver uma
gradação de invalidade, as hipóteses sujeitas a anulabilidade restariam
desprotegidas, porque dependentes de decisão do interessado direto (o
consumidor). Duas ordens de problemas contribuiriam para se frustrar o objetivo
legal:
a) a inércia do consumidor e seu temor aos riscos da demanda, comuns nas
relações de consumo;
b) o estímulo ao abuso do poder negocial, que contaria com a omissão dos
contratantes consumidores, ante a ausência de proibição legal absoluta às
cláusulas abusivas.
As cláusulas abusivas, nas relações contratuais de consumo, e as condições
gerais abusivas nos contratos de adesão atingem uma vasta pluralidade de
sujeitos vulneráveis. Por isso, o estímulo à estruturação prevalecente de
remédios preventivos, inibitórios, alcançando diretamente as fontes do abuso[11]. O aderente não precisa aguardar a decisão
judiciária para deixar de cumprir as cláusulas abusivas assim qualificadas. A
declaração de nulidade opera ex tunc e a cláusula, por ser absolutamente
inválida, nunca se integra ao contrato nem produz efeitos jurídicos. A nulidade
das cláusulas abusivas não invalida o contrato totalmente, salvo se ocorrer
ônus excessivo para qualquer das partes, mantendo-se na parte remanescente.
Impõe-se o princípio da conservação do negócio jurídico, desde que guardada a
equivalência material.
O direito do consumidor, que despontou com força nas últimas décadas, provocou
mudanças substanciais no direito contratual, impondo-se ao plano da teoria
geral dos contratos, pois não trata de situações especiais e episódicas, mas da
maior parte das relações negociais entretecidas no mundo atual pelas pessoas
físicas. O diálogo entre o direito contratual comum e o direito contratual do
consumidor terminaria por ser intensificado, como ocorreu com o Código Civil
alemão que passou a tratar conjuntamente de ambos, após as profundas reformas
do direito das obrigações, ocorridas nos anos de 2001 e 2002. No Brasil, a
harmonização entre essas dimensões do direito contratual tem sido profícua na
doutrina e na jurisprudência dos tribunais, para o que muito contribui a
compreensão da vulnerabilidade como categoria jurídica relevante.
A ausência do contratante vulnerável legalmente presumido não afasta outros
modos de limitação da autonomia privada, para prevenir vulnerabilidades
ocasionais ou circunstanciais. A legislação atual prevê regras voltadas à
preservação da equivalência material dos contratos, algumas das quais tinham sido
suprimidas da codificação civil liberal, como o estado de perigo, a lesão, a
onerosidade excessiva em razão de circunstâncias supervenientes e imprevistas,
a resilição unilateral, as fases pré e pós-contratual, as limitações dos juros
de mora e da cláusula penal, a flexibilização dos vícios redibitórios, a
evicção.