terça-feira, 5 de novembro de 2013

A obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos: o dever de reciprocidade

É dever dos pais, de acordo com a Constituição Federal de 1988, artigo 227 [20], bem como da família e da sociedade, assegurar à criança, ao jovem e ao adolescente a convivência familiar e comunitária, bem como mantê-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu dispositivo 22, que “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores”. Os genitores são, pois, os responsáveis pela criação, formação, desenvolvimento e proteção dos descendentes. Devem prover, consequentemente, atenção, carinho e afeto à prole, além de fornecer o necessário a sua sobrevivência digna.
Parentes de primeiro grau em linha reta, os pais são, por conseguinte, os primeiros a serem chamados para cumprir a obrigação de prestar alimentos, visto que se prefere os mais próximos aos mais remotos.
Como dito nos capítulos anteriores, a obrigação de prestar alimentos advinda da relação de parentesco decorre do princípio da solidariedade e do princípio da dignidade da pessoa humana. O primeiro, disciplinado no artigo 3º, inciso I, CF/88[21], impõe dever de assistência amorosa, espiritual e moral àqueles unidos por vínculos afetivos. O segundo é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1?, III da Carta Magna de 1988[22], e consagra um valor que visa proteger a pessoa, conferindo-lhe respeito e direitos inerentes a sua qualidade de ser humano. Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 703), é, portanto, uma “concreta expressão da solidariedade (social e familiar) e da dignidade humana”.
Os filhos têm, ante o exposto, o direito de exigir dos pais que lhes sejam prestados alimentos, até que possam se sustentar por seus próprios meios, e os genitores, consequentemente, são responsáveis pela prestação de assistência financeira à prole, bem como de assistência afetiva, sendo a segunda, em muitos aspectos, até mais importante que a monetária.
Não seria justo, por outro lado, que o ascendente, quanto atingisse uma idade avançada e não tivesse condições de prover o próprio sustento, não pudesse contar com o auxílio material dos descendentes. Nesse diapasão, antevendo esta possibilidade, o artigo 1.696 do Código Civil[23] prevê que os filhos também devem alimentos aos pais, visto que a obrigação alimentar é mútua.
De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 709), “em razão do caráter recíproco dos alimentos, se, por um lado, os descendentes (capazes ou não) podem reclamar alimentos de seus ascendentes, estes poderão, identicamente, cobrar alimentos de seus descendentes capazes”.
É, destarte, um dever de mão dupla, ou seja, merecer solidariedade implica, também, em contrapartida, ser solidário. No caso analisado neste trabalho, o direito de exigir está, portanto, diretamente relacionado com pretérito provimento daquele que o pleiteia. Assim, considerando ter o genitor descumprido os deveres inerentes ao poder familiar, não assegurando aos filhos inúmeros direitos aos quais faziam jus, como prestação alimentar e assistência moral e afetiva, descabe, posteriormente, pretender atribuir-lhes deveres e obrigações com fundamento, justamente, no dever de solidariedade que deixou de observar anteriormente. Ao adotar uma postura omissa em relação aos descendentes, o genitor descumpre os deveres inerentes à sua qualidade de ascendente e, portanto, não se pode valer da sua omissão.

Ante o exposto, verifica-se que o não cumprimento da obrigação de auxílio moral, afetivo e financeiro por parte dos pais libera, por conseguinte, os filhos de uma contraprestação posterior, deixando de prevalecer o princípio da reciprocidade supracitado. Os Tribunais Pátrios já se manifestaram a respeito, corroborando com tal afirmativa, conforme pode se verificar através dos julgados que se seguem:
Ementa: ALIMENTOS. SOLIDARIEDADE FAMILIAR. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR. É descabida a fixação de alimentos em benefício do genitor que nunca cumpriu os deveres inerentes ao poder familiar, deixando de prestar aos filhos os cuidados e o afeto de que necessitavam durante o seu desenvolvimento. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70038080610, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 30/09/2010);
AÇÃO DE ALIMENTOS. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. SENTENÇA QUE FIXOU O PAGAMENTO PELA FILHA EM FAVOR DA GENITORA DE VERBA ALIMENTÍCIA NO PATAMAR DE 60% DO SALÁRIO MÍNIMO. PRETENSÃO DE EXONERAÇÃO OU REDUÇÃO DOS ALIMENTOS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO ENTRE AS PARTES. DEVER DE AMPARO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ART. 229 E NO CÓDIGO CIVIL DE 2002, ARTS. 1.695 E 1.696. RELATIVIZAÇÃO DA OBRIGAÇÃO. GENITORA QUE NÃO PRESTOU ASSISTÊNCIA AOS FILHOS DESDE SUAS TENRAS IDADES. INADMISSIBILIDADE DO PLEITO INICIAL. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível n. 2006.010332-8, de Itajaí, Tribunal de Justiça de Santa Catarina rel. Des. Nelson Schaefer Martins, j. 22/04/2010);
Ementa: ALIMENTOS. SOLIDARIEDADE FAMILIAR. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR. É descabida a fixação de alimentos em benefício do genitor que nunca cumpriu os deveres inerentes ao poder familiar, deixando de pagar alimentos e prestar aos filhos os cuidados e o afeto de que necessitavam durante o seu desenvolvimento. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE. Da mesma forma, evidenciado que o genitor não está impossibilitado para o exercício de atividade laboral e não comprova eventual necessidade, injusto se mostra impelir os filhos a arcar com alimentos. Negado provimento ao apelo. (Apelação Cível Nº 70019179894, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 09/05/2007);
Ementa: ALIMENTOS. SOLIDARIEDADE FAMILIAR. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR. É descabido o pedido de alimentos, com fundamento no dever de solidariedade, pelo genitor que nunca cumpriu com os deveres inerentes ao poder familiar, deixando de pagar alimentos e prestar aos filhos os cuidados e o afeto de que necessitavam em fase precoce do seu desenvolvimento. Negado provimento ao apelo. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70013502331, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 15/02/2006).
Corrobora-se, ante as ementas acima anexadas, que a relativização do princípio da reciprocidade no dever de prestar alimentos entre parentes e do princípio de solidariedade familiar não decorre tão só do fato de o ascendente inadimplir a obrigação alimentar, mas, principalmente, da não prestação de cuidados e afeto aos descendentes no momento em que mais necessitavam.
Diante da gravidade de tal omissão, o descumprimento das obrigações inerentes ao parentesco, por outro lado, pode ensejar a caracterização de alguns delitos previstos no Código Penal Brasileiro e nas legislações cíveis.
Os Tribunais têm se inclinado, cada vez mais, a caracterizar como crime de abandono material, previsto no artigo 244 do Código Penal[24], o não pagamento injustificado dos alimentos, descaracterizada nos casos de mera omissão ocasional ou de simples atraso. Trata-se, no caso, de crime contra a assistência familiar, sujeito a pena de detenção de 1 a 4 anos e multa de 1 a 10 salários-mínimos.
Por outro lado, verificada a atitude omissiva repetitiva no cumprimento da obrigação de prestar alimentos, tal conduta configura, também, ato atentatório à dignidade da justiça, ensejando, por conseguinte, a condenação do devedor em litigância de má-fé, com a devida aplicação da multa pertinente, bem como o pagamento de indenização em favor do alimentado, nos termos dos artigos 17[25] e 18[26] do Código de Processo Civil (DIAS, 2011, p. 589-590).
A reiterada e injustificável mora do devedor, bem como os transtornos causados por esse atraso, por seu turno, são capazes de ensejar dano moral ao credor, visto que fere sua dignidade humana, pois se presume, pela própria natureza dos alimentos, que são devidos nos casos em que o aquele não tem condições de arcar com a própria mantença, sendo, por conseguinte, indispensáveis à sua sobrevivência.
Cabe ressaltar, inicialmente, que a evolução dos valores éticos da civilização ocidental levou à crescente valorização do afeto como centro das relações familiares. No ordenamento jurídico pátrio, a afetividade encontra respaldo constitucional, de modo a projetar a família como grupo social fundado, na sua essência, em laços de afeto. Ainda que se valorize os laços sanguíneos do indivíduo, a existência do afeto nas relações humanas nada mais é do que um corolário do princípio da dignidade humana.
Nossa legislação, por seu turno, protege o direito à convivência familiar justamente para resguardar a dignidade, a formação e a proteção do ser humano em desenvolvimento, pois a ausência de prestação de afeto pela família influenciará consideravelmente o futuro daquele indivíduo.
Assim, tendo um dos genitores falhado em relação aos deveres inerentes ao poder familiar, quais sejam os de sustento, de guarda e de educação dos filhos, bem como deixando de prestar-lhes atenção e afeto, não pode, posteriormente, invocar a solidariedade familiar em seu benefício, pois essa foi, inclusive, por ele desrespeitada. Desarrazoado, portanto, qualquer pretensão de buscar dos descendentes o que lhes negou durante toda a vida. Torna-se irrelevante, nesse diapasão, a análise do trinômio possibilidade-necessidade-razoabilidade, aspecto inerente à fixação do montante a ser pago a título de alimentos, uma vez que, independente das condições favoráveis à prestação alimentar, a obrigação não persiste.
Verifica-se, portanto, que os parentes, mais especificamente, no caso, os pais, quando não prestarem qualquer auxílio material, moral ou afetivo aos seus descendentes, deles não podem exigir, em contrapartida, a prevalência do princípio da reciprocidade quanto aos alimentos devidos em razão da impossibilidade de prover, por si só, sua subsistência. Isso se dá, primordialmente, como explicitado ao do estudo, ao fato de que o abandono, ensejador, inclusive, de multa, indenização e condenação penal, faz cessar a responsabilidade dos descendentes para com seus ascendentes, deixando, portanto, de prevalecer o princípio da solidariedade e o princípio da dignidade da pessoa humana previstos na Constituição Federal Brasileira.

QUARANTA, Roberta Madeira; OLIVEIRA, Érica Siqueira Nobre de. A obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos: o dever de reciprocidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3744, 1 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25429>. Acesso em: 5 nov. 2013.

Alimentos

O vocábulo “Alimento”, conforme os dicionários de língua portuguesa, significa, em termos gerais, toda substância que, introduzida no organismo, serve para a nutrição dos tecidos e para a produção de calor. Na acepção jurídica, no entanto, o termo “alimentos” significa bem mais que a mera matéria ingerida, abrangendo não só o indispensável ao sustento do indivíduo, como também o necessário à manutenção de sua condição social e moral (GONÇALVES, 2010, p. 481), visto que inclui vestuário, assistência médica, educação, moradia, lazer, dentre outros, nos termos dos artigos 1.694 [5] e 1.920[6], CC/2002.
O Código Civil de 2002 dispõe, em seu artigo 1.695: "São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento". O artigo 1.694, §1º, complementando-o, estabelece: "Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada".
Explicando os conceitos contidos na lei, Orlando Gomes (apud FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 668) pondera que os “alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”. Paulo Lôbo (2011, p. 371), define mais pormenorizadamente:
Alimentos, em direito de família, tem o significado de valores, bens ou serviços destinados às necessidades existenciais da pessoa, em virtude de relações de parentesco (direito parental), quando ela própria não pode prover, com seu trabalho ou rendimentos, a própria mantença.
Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 668):
[...] toda vez que os laços de família não forem suficientes para assegurar a cada pessoa as condições necessárias para uma vida digna, o sistema jurídico obriga os componentes deste grupo familiar a prestar meios imperiosos à sua sobrevivência digna, por meio do instituto dos alimentos, materializando a solidariedade constitucional.
O direito a alimentos, então, nasce como uma forma de assegurar o princípio da preservação da dignidade humana elencado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988[7], uma vez que abrange tudo aquilo que é necessário para o indivíduo viver com decência (DIAS, 2011, p. 513).
O Estado passou a não conseguir, por si só, prover a subsistência digna de seus membros mais carentes. Surgiu, portanto, a necessidade de delegar este dever, resultando, daí, a obrigação alimentar. Nas palavras de Maria Berenice Dias (2011, p. 513), “o Estado não tem condições de socorrer a todos, por isso transforma a solidariedade familiar em dever alimentar”.  Nesse diapasão, Paulo Lôbo (2011, p. 372) acrescenta:
No século XX, com o advento do Estado social, organizou-se progressivamente o sistema de seguridade social, entendendo-se ser de inarredável política pública, com os recursos arrecadados dos que exercem atividade econômica, a garantia de assistência social, de saúde e de previdência. Mas a rede pública de seguridade social não cobre as necessidades de todos os que necessitam de meios para viver, especialmente as crianças e adolescentes, mantendo-se os parentes e familiares responsáveis por assegurar-lhe o mínimo existencial, especialmente quando as entidades familiares se desconstituem ou não chegam a se constituir.
 Por essa razão, consequentemente, é de interesse público o cumprimento das normas que impõem a obrigação legal de alimentos, tanto que o artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal[8] prevê a possibilidade de ser decretada a prisão civil do devedor em razão da escusa voluntária em prestar os alimentos legais. “Daí a razão por que as aludidas normas são consideradas de ordem pública, inderrogáveis por convenção entre os particulares e impostas por meio de violenta sanção” (GONÇALVES, 2012, p. 482).  Daí porque “a fundamentação do dever de alimentos se encontra no princípio da solidariedade, ou seja, a fonte da obrigação alimentar são os laços de parentalidade que ligam as pessoas que constituem uma família” (DIAS, 2011, p. 515).
De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 669), “[...] os alimentos se prestam à manutenção digna da pessoa humana, é de se concluir que a sua natureza é de direito de personalidade, pois se destinam a assegurar a integridade física, psíquica e intelectual de uma pessoa humana”.
Não se pode confundir, no entanto, a obrigação de prestar alimentos com o dever familiar de sustento, assistência e socorro. O segundo, com assento no artigo 229 da Constituição Federal de 1988, significa que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. No dizer de João Baptista Villela (apud DIAS, 2011, p. 533), pai não deve alimentos ao filho menor, deve sustento. Este é um dos deveres inerentes ao poder familiar, conforme o artigo 1.634, inciso I do Código Civil[9] e o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente[10].
A principal diferença entre ambos é, portanto, a natureza da obrigação. O dever de sustento é uma obrigação de fazer. Já os alimentos configuram uma obrigação de dar representada pela prestação de certo valor em dinheiro, e, normalmente, são devidos pelo genitor não guardião (DIAS, 2011, p 533). A obrigação alimentar, diferentemente do dever de sustento, possui, por outro lado, o caráter de reciprocidade, nos termos do artigo 1.696 do Código Civil 2002[11].
No que tange às suas características, o direito aos alimentos é um direito personalíssimo, não podendo, em decorrência disso, ser transferido a outrem, visto que busca assegurar a dignidade da pessoa que dele necessita para sobreviver, destinando-se a preservar a integridade física e psíquica de quem os recebe (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 669). Por isso, ademais, não pode ser cedido, onerosa ou gratuitamente, penhorado ou compensado com dívidas de qualquer natureza, conforme o artigo 1.707 do Código Civil[12].
“Prova cabal dessa natureza personalíssima é o fato de que os alimentos são fixados levando em conta as peculiaridades da situação do credor e do devedor, consideradas as suas circunstâncias pessoais” (FARIAS, ROSENVALD, 2010, p. 670). O quantum devido a título de alimentos, por conseguinte, varia de acordo com as necessidades do alimentado e as possibilidades de prestá-los do alimentante, tudo em acordo com o prisma da razoabilidade.
Em regra os alimentos são irrepetíveis, dada a presunção de que foram consumidos, visto que, independentemente de sua natureza jurídica, uma vez pagos, não podem ser reclamados de volta. Por conseguinte, “a redução ou a extinção do encargo alimentar dispõe sempre de eficácia ex nunc, ou seja, alcança somente as parcelas futuras” (DIAS, 2011, p. 519).  Admite-se, no entanto, excepcionalmente, a devolução dos alimentos já prestados nos casos em que restar comprovada a má-fé ou a postura maliciosa do credor, uma vez que o ordenamento jurídico não permite o enriquecimento ilícito do alimentado.
É, também, um direito imprescritível, não possuindo, portanto, prazo para ser exercido, o que não pode ser confundido, entretanto, com o direito de cobrar as prestações vencidas, que prescreve em dois anos e cuja contagem dá-se mensalmente, a medida em que as prestações não são pagas em dia, de acordo com o artigo 206, §2º do Código Civil[13].
A obrigação alimentar é considerada como atual e de trato sucessivo, tratando-se de um direito que pode ser exigido imediatamente, devendo, outrossim, ser firmado um critério de correção, a fim de que a inflação não permita que o valor fixado, venha, com o tempo, a não mais atender as necessidades do credor, em decorrência da desvalorização da moeda.
Dada a esta característica e a essencialidade da manutenção digna da vida de quem necessita do auxilio de terceiros para se manter, é possível a prisão civil do devedor de alimentos. É, destarte, um meio de coagir o responsável a cumprir com a sua obrigação.
O direito de requerer a prestação de alimentos pelo parente, no entanto, não se perpetua no tempo. A obrigação se mantém apenas enquanto subsistir a necessidade do alimentado e o alimentante, na outra senda, puder com ela arcar.
Uma das mais importantes características dos alimentos é a irrenunciabilidade que lhe é peculiar. Eles não podem ser objeto de disposição, uma vez que guardam direta relação com a manutenção da vida digna daquele que deles necessita. É possível, entretanto, que o credor da obrigação não exerça o seu direito de requerê-los, conforme o artigo 1.707 do Código Civil[14].
A reciprocidade, tema central do presente estudo, por seu turno, tem fundamento no dever de solidariedade entre os parentes, como bem ensina Maria Berenice Dias (2011, p. 518):
Ainda que exista o dever de solidariedade da obrigação alimentar a reciprocidade só é invocável respeitando um aspecto ético. Assim, o pai que deixou de cumprir com os deveres inerentes ao poder familiar não pode invocar a reciprocidade da obrigação alimentar para pleitear alimentos dos filhos quando atingirem eles a maioridade.
De acordo com o artigo 1.698 do Código Civil de 2002, “sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”. Cada devedor, portanto, deve responder por sua quota-parte, sendo a obrigação alimentar, portanto, divisível e não solidária, vez que a solidariedade resulta de lei ou de acordo das partes.
No caso dos alimentos prestados pelos pais aos filhos, dentro das necessidades do descendente, cada qual se responsabilizará pelo montante que pode prestar, não devendo somente o pai, ou somente a mãe, arcar com todos os gastos. O magistrado responsável pelo julgamento da ação de alimentos, por outro lado, deverá estipular a maneira como a obrigação será prestada, buscando, assim, não onerar muito o credor, nos termos do artigo 1.701, parágrafo único do Código Civil de 2002[15].
Quanto à classificação, várias existem a respeito dos alimentos, acarretando diferentes espécies, com a intenção de uma melhor compreensão da matéria. Assim, será analisado cada um dos critérios classificatórios.
Os alimentos, quanto à natureza, podem ser naturais ou civis. Os naturais restringem-se apenas ao indispensável à satisfação das necessidades primárias da vida, se enquadrando na definição do dicionário mencionada no início deste capítulo. Os civis, em contrapartida, destinam-se a manutenção da condição social do alimentado (GONÇALVES, 2012, p. 483), incluindo lazer, saúde e educação, por exemplo.
Em relação à causa jurídica, dividem-se em legais, voluntários e indenizatórios. Os primeiros decorrem da lei e são devidos pelo parentesco, casamento ou companheirismo, conforme o artigo 1.694 do Código Civil[16]. Os voluntários, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 484), “[...] emanam de uma declaração de vontade inter vivos, [...] ou causa mortis, manifestada em testamento” (grifos originais). Já os indenizatórios derivam da prática de um ato ilícito causador de danos, representando, por isso, uma compensação pelo prejuízo ocasionado.
Quanto à finalidade, podem ser classificados em definitivos, que são os de caráter permanente, fixados pelas próprias partes ou por decisão judicial, os quais podem ser reanalisados a qualquer tempo, quando houver mudança em algum dos aspectos do trinômio necessidade-possibilidade-razoabilidade; provisórios, estabelecidos liminarmente na ação de alimentos de rito especial prevista na Lei nº 5.478/68, Lei de Alimentos, quando preenchidos os requisitos do seu artigo 4º[17], que exige prova pré-constituída dos autos; e provisionais, determinados em medida cautelar incidental ou preparatória.
Em relação ao momento a partir do qual são devidos, qualificam-se em atuais, que são os postulados a partir do ajuizamento da ação; futuros, devidos a partir da sentença; e pretéritos, quando o pedido retroage a período anterior ao ajuizamento da demanda.
É importante salientar que os últimos não são admitidos no Brasil. Presume-se, nesse caso, que o alimentado não necessitava do auxílio prestado por terceiros, visto que não o requereu antes. Dispensável à manutenção da vida, não pode, por conseguinte, ser exigido posteriormente.
Superado o estudo das características e da classificação da obrigação alimentar, passa-se a analisar os pressupostos para sua constituição, ou seja, quais os fatores que são essenciais para que o dever de prestar alimentos, bem como o direito de recebê-los, venha a surgir e seja dotado de exeqüibilidade.
Para o estabelecimento da obrigação alimentar aqui analisada, deve ser observada, primeiramente, a existência de um vinculo de parentesco entre as partes, nos termos do artigo 1.694 do Código Civil de 2002[18], que, segundo o estudo aqui debatido, é o vínculo biológico entre os pais e os filhos.
É importante destacar que a jurisprudência pátria, atendendo aos anseios da sociedade atual, tem decidido que os alimentos não são devidos exclusivamente em decorrência do vínculo de sangue. Os tribunais já têm se posicionado acerca da possibilidade de pais não biológicos prestarem auxílio financeiro aos filhos. Este entendimento guarda direta consonância com a valorização dos vínculos afetivos, fruto, principalmente, da evolução do conceito de família e da importância dada ao princípio da afetividade, atualmente o principal centro norteador do direito de Família.
Deve-se levar em consideração, primeiramente, a necessidade daquele que possui o direito de exigir do parente a prestação de alimentos, que está intimamente relacionada com o que carece para uma sobrevivência digna. Como dito anteriormente, os alimentos incluem não só aquilo que é ingerido pelo corpo, mas a educação, o lazer, a saúde, a moradia, o transporte, dentre outros.
Por outro lado, deve-se ponderar a possibilidade de prestar daquele que é obrigado a auxiliar no sustendo do parente que não tem condições de arcar com as próprias necessidades, constatada pelos rendimentos reais do credor de alimentos. Não se pode, a despeito da sobrevivência digna do próprio obrigado, exonerá-lo ao ponto de tornar aquela obrigação insuportável.
Parte da doutrina e da jurisprudência também tem entendido que, atualmente, na valoração do quantum devido a título de alimentos, não se deve considerar o binômio necessidade-possibilidade previsto no artigo 1.694, §1º do Código Civil[19], mas sim o trinômio necessidade-possibilidade-razoabilidade. O terceiro elemento busca o balanceamento equilibrado dos dois requisitos tradicionais (LÔBO, 2011, p. 377-379). E acrescenta (2011, p. 378-379):
Cabe ao juiz não apenas verificar se há efetiva necessidade do titular, máxime quando desaparecida a convivência familiar, e possibilidade do devedor, mas se o montante exigido é razoável e o grau de razoabilidade do limite oposto a este. O requisito da razoabilidade está presente no texto legal, quando alude a ‘na proporção das necessidades’. A proporção não é mera operação matemática, pois tanto o credor, quanto o devedor de alimentos devem ter assegurada a possibilidade de ‘viver de modo compatível com a sua condição social’ (art. 1.694).
A jurisprudência pátria já se manifestou a respeito:
AÇÃO DE REVISÃO DE ALIMENTOS. SENTENÇA FIXANDO A VERBA ALIMENTAR EM 75% (SETENTA E CINCO POR CENTO) DO SALÁRIO MÍNIMO. INSURGÊNCIA DO GENITOR. PLEITO DE REDUÇÃO. ALIMENTANDOS QUE COMPROVAM O AUMENTO DAS NECESSIDADES A SEREM SUPRIDAS PELA PENSÃO ALIMENTÍCIA. FILHA DE 9 (NOVE) ANOS PORTADORA DE EPILEPSIA E FILHO DE 11 (ONZE) ANOS COM "URTICÁRIA NO SANGUE". USO DE MEDICAÇÃO DIÁRIA. CESSAÇÃO DE PAGAMENTO DO PLANO DE SAÚDE (UNIMED). ALTERAÇÃO NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO ALIMENTANTE IGUALMENTE DEMONSTRADA. DESEQUILÍBRIO NO TRINÔMIO POSSIBILIDADE, NECESSIDADE E PROPORCIONALIDADE EVIDENCIADO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "Para a fixação do quantum alimentar, leva-se em conta a proporcionalidade entre a necessidade do alimentando e a capacidade do alimentante, evidenciando um verdadeiro trinômio norteador do arbitramento da pensão. [...] a capacidade do devedor deve ser considerada a partir de seus reais e concretos rendimentos, podendo o juiz se valer, inclusive, da teoria da aparência. O critério mais seguro para concretizar a proporcionalidade, em cada caso, é, sem dúvida, a vinculação da pensão alimentícia aos rendimentos do devedor, garantindo, pois, o imediato reajuste dos valores, precavendo uma multiplicidade de ações futuras". (sem grifo no original). (CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p. 727). (TJSC, Apelação Cível nº 2012.015498-4, Des. Rel. Des. Ronei Danielli, Julgado em 25/10/2012);
APELAÇÃO CÍVEL - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - NECESSIDADE DE MERA DECLARAÇÃO - INCIDÊNCIA DO ART. 4º DA LEI 1060/50 - PLEITO REITERADO EM SEDE DE APELAÇÃO - POSSIBILIDADE - AÇÃO DE ALIMENTOS - ALIMENTOS FIXADOS NA SENTENÇA EM 45% (QUARENTA E CINCO POR CENTO) DO SALÁRIO MÍNIMO - PERCENTUAL QUE DEVE SER MINORADO PARA 35% (TRINTA E CINCO POR CENTO) DO SALÁRIO MÍNIMO - TRINÔMIO NECESSIDADE, POSSIBILIDADE E PROPORCIONALIDADE - OBSERVÂNCIA - SENTENÇA REFORMADA- RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0757/2012, CAMPO DO BRITO, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, DES. OSÓRIO DE ARAÚJO RAMOS FILHO, RELATOR, Julgado em 17/04/2012);
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. MENOR. DEVER DE ASSISTÊNCIA, SUSTENTO, GUARDA, CRIAÇÃO E EDUCAÇÃO PODER FAMILIAR TRINÔMIO NECESSIDADE, CAPACIDADE E PROPORCIONALIDADE. Os alimentos devem se moldar ao trinômio que os justifica, mormente por competir aos pais o dever de sustento dos filhos, como decorrência do poder familiar. Em havendo possibilidade financeira por parte do alimentante, a pensão deve ser compatível com a razoabilidade e necessidades da alimentada, presumidas. Princípio do bom senso na fixação dos alimentos, pois a pensão é meio de vida e não de patrimônio. APELAÇÃO DO DEMANDADO PARCIALMENTE PROVIDA. PREJUDICADA APELAÇÃO DA AUTORA. (Apelação Cível Nº 70024953697, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 05/11/2008).
Na apreciação do valor a ser pago pelo pai ao filho, busca-se, outrossim, que seja mantido o padrão de vida, visto que não se justifica que o pai tenha uma vida luxuosa quando, por exemplo, o filho tem apenas suas necessidades básicas atendidas. Deve-se tentar, portanto, manter a condição social que o descendente desfrutaria se vivesse com o alimentante.
Ante o exposto, verifica-se que a prestação dos alimentos dos pais aos filhos, antes de tudo, é um dever moral com fundamento no princípio da solidariedade, e, quando na sua fixação, deve ser respeitado o trinômio necessidade-possibilidade-razoabilidade, bem como a manutenção do padrão de vida do alimentado.

QUARANTA, Roberta Madeira; OLIVEIRA, Érica Siqueira Nobre de. A obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos: o dever de reciprocidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3744, 1 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25429>. Acesso em: 5 nov. 2013.

Governo é contra penas mais rígidas para menores infratores

Representantes do governo defenderam há pouco a necessidade de aplicar as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para adolescentes que cometerem infrações, em vez de endurecer ainda mais as regras existentes. Em seminário que ocorre nesta manhã, na Câmara dos Deputados, o coordenador-geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), Cláudio Augusto Vieira da Silva, e a presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Izabel da Silva, disseram que o posicionamento do governo brasileiro é contrário a qualquer tipo de mudança no sentido de reduzir a responsabilidade penal no Brasil, hoje fixada em 18 anos de idade.

"Os nossos adolescentes já são responsabilizados a partir dos 12 anos",disse Izabel, lembrando que eles podem ter cumprir medidas socioeducativas se cometerem algum crime. Ao traçar um perfil do adolescente internado, ela lembrou que a maioria é negra, não frequenta a escola, não tem emprego e são usuários de drogas. Em vez de encarcerá-los, a presidente do Conanda sugeriu que se trabalhem políticas de educação e de combate do tráfico de drogas, por exemplo.

"Os adolescentes não são os grandes responsáveis pela violência no nosso País. Mas nosso Código Penal é mais brando para os adultos do que para o adolescente. As medidas repressivas não inibem a violência", disse ainda Izabel da Silva.

Números da violência

Dados citados pelos representantes do governo dão conta que o número de internações de adolescentes no Brasil tem aumentado, tendo passado 19,8 mil em 2011 para 27 mil em 2012. Em 2011, a maior parte das internações (38,1%) teve como motivo a prática de roubo, seguida por tráfico de drogas (26,6%).

No entendimento de Cláudio Vieira da Silva, o ECA e as leis e modificações que seguiram a ele dão conta e são suficientes para reverter o quadro atualmente muito marcado pela aplicação da medida socioeducativa em regime fechado.

O seminário é promovido pela comissão especial da Câmara que analisa projetos que modificam o Estatuto da Criança e do Adolescente. O evento ocorre no Plenário 1.

Agência Câmara de Notícias
Fonte:http://cd.jusbrasil.com.br/noticias/112069196/governo-e-contra-penas-mais-rigidas-para-menores-infratores?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter