terça-feira, 12 de novembro de 2013

Loja de sapatos deve obedecer prazo de troca de 90 dias

Sapatos, bolsas e cintos são bens duráveis e por isso a loja que comercializa esses produtos deve obedecer o prazo de troca de 90 dias previsto no artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o desembargador Marcelo Buhatem, da 4ª Câmara Cível Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, bens duráveis são aqueles que, como o próprio nome sugere, não se extinguem com o uso. Produtos que levam tempo para se desgastar, podendo ser utilizado muitas vezes.
O colegiado julgou recurso no qual uma loja que vende sapatos, bolsas e cintos defendia que o prazo para troca de seus protudos era de 30 dias, pois se enquadrariam na categoria de não duráveis. A ação foi movida pelo Ministério Público, que após ser informado que a empresa não respeitava o prazo previsto no CDC. Em primeira instância, a loja foi condenada a pagar danos materiais e morais por lesar os consumidores e obrigada a observar o prazo de 90 dias para troca de produtos, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. Inconformada, a empresa então ingressou com Apelação Cível.
Ao analisar o recurso, o relator desembargador Marcelo Buhatem afastou a alegação do comerciante, de que seus produtos são não duráveis. Em seu voto, o desembargador explica que bens duráveis são aqueles sujeitos ao desgaste natural, enquanto bens não duráveis acabam se extinguindo.
“Se do consumo de determinado produto decorre a sua normal e até mesmo gradual extinção, nada mais razoável que se lhe enquadre como não durável o que ocorre, por exemplo, com os alimentos in natura e mesmo congelados. Diferentemente, temos com o produto durável, pois concebido, em sua essência e desde que em circunstâncias de normal fruição, para espraiar a sua utilização por incerto e elastecido período de tempo que se, por óbvio, não é eterno, também não é de tal modo efêmero como se dá como um alimento, que se extingue com o próprio consumo”, esclarece.
O desembargador afirma que não é preciso perícia para conlcuir que sapatos, bolsas e cintos não são produtos que se extinguem com sua normal utilização, apenas gera o desgaste. “Portanto, enquadram-se como sendo de natureza durável incidindo, por isso, o prazo previsto no inciso II do artigo 26 do CDC”, complementa.
Em seu voto o relator observou ainda que ao defender a natureza jurídica dos produtos dela como não duráveis a loja acaba por, "curiosa e porque não dizer contraditoriamente, colocar em xeque a sua própria qualidade e boa fama porquanto afirma, ainda que por via oblíqua, que a simples e normal utilização de tais cintos, bolsas e sapatos ocasiona a sua automática destruição o que, com a devida vênia, não ocorre quando se trata de tais bens”. O voto do relator foi seguido por unanimidade.
Clique aqui para ler a decisão.

Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 7 de novembro de 2013
 http://www.conjur.com.br/2013-nov-07/loja-sapatos-bolsas-obedecer-prazo-troca-90-dias

STJ: Alteração de registro em união estável depende de prova

A adoção do sobrenome de companheiro ou companheira na união estável depende de comprovação prévia da relação. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso de um casal de Minas Gerais que pretendia alterar registro civil de nascimento, para incluir o patronímico de família ao sobrenome da companheira. O caso corre em segredo de Justiça.
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a adoção do sobrenome do companheiro na união estável não pode simplesmente decorrer de mero pedido das partes, sem exigência de qualquer prova essa união, enquanto no casamento a adoção do sobrenome do cônjuge é precedida de todo o procedimento de habilitação e revestida de formalidades. 
A cautela se justifica pela importância do registro público para as relações sociais. Nancy Andrighi esclareceu que não se deixa de reconhecer a importância da admissão do acréscimo no sobrenome do companheiro por razões de caráter extralegal. Mas, prossegue, deve-se zelar pela segurança jurídica, exigindo-se um mínimo de certeza da união estável, por meio de documentação de caráter público, que poderá ser judicial ou extrajudicial. 
O casal alegou judicialmente que já vivia em união estável desde 2007 e tinha uma filha. Eles ainda não haviam oficializado a união porque havia pendências de partilha do casamento anterior, motivo relacionado às causas suspensivas do casamento previsto pelo Código Civil de 2002. Segundo o inciso III do artigo 1.523, o divorciado não deve se casar enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal. 
O recurso foi interposto no STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que concluiu pela necessidade de declaração prévia que comprovasse a união estável. O casal sustentou que o artigo 57 da Lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos, permitiria a alteração do nome, desde que houvesse a anuência da companheira. 
A 3ª Turma do STJ reconheceu que o artigo citado não é aplicado quando se verifica algum impedimento para o casamento. A norma, segundo Nancy Andrighi, refletia a proteção e exclusividade que se dava ao casamento à época, franqueando a adoção de patronímico pela companheira quando não houvesse a possibilidade de casamento por força da existência de um dos impedimentos previstos em lei. “Era uma norma aplicada ao concubinato”, afirmou a ministra. 
No atual regramento, conforme a relatora, não há regulação específica quanto à adoção de sobrenome pelo companheiro ou pela companheira nos casos de união estável. Devem ser aplicadas ao caso, por analogia, as disposições do Código Civil relativas à adoção de sobrenome dentro do casamento, mas a 3ª Turma entendeu que, para que isso ocorra, é necessário o cumprimento de algumas formalidades. 
“À míngua de regulação específica, devem ter aplicação analógica as disposições específicas do Código Civil, relativas à adoção de sobrenome dentro do casamento, porquanto se mostra claro o elemento de identidade entre os institutos”, disse Nancy Andrighi. 
O parágrafo 1º do artigo 1.565 do Código Civil dispõe sobre a possibilidade de acréscimo do sobrenome de um dos cônjuges pelo outro. A celebração do casamento, conforme a legislação, exige formalidades que não estão presentes na união estável. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 

Revista Consultor Jurídico, 11 de novembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-nov-11/alteracao-registro-civil-uniao-estavel-depende-prova-judicial

Famílias simultâneas: Novo texto constitucional não define família

A questão posta a exame é no sentido de atestar a possibilidade jurídica de entidades familiares simultâneas obterem, uma e outra, seus devidos efeitos jurígenos, a exemplo da hipótese de uniões estáveis paralelas ou nomeadamente envolvendo, a um só tempo, a união sobressaída do casamento (artigo 1.521, Código Civil) e a decorrente de relações concubinárias (artigo 1.727, Código Civil).
O tema ganha maior relevo, em face de recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça quando para efeito da incidência da Lei 8.009, de 29 de março de 1990 – que tutela o bem de família em sua impenhorabilidade, como aquele que serve de residência familiar ou a ele se equipara – cuidou da aplicação da lei, diante da situação fática de mais de uma família.
No caso, a família nuclear, primária e convencional, a do devedor com esposa e filhos, residente em determinado imóvel e aquela outra, fixada em imóvel diverso e formada por outras filhas do devedor, com a genitora delas.
O julgado admitiu que o devedor, possuindo famílias simultâneas, não pode ter penhorados imóveis seus que sirvam, em respectivo, às suas famílias (STJ – 3ª Turma, REsp 1.126.173/MG, 9 abr. 2013), nada obstante o mesmo tribunal superior não esteja admitindo como entidade familiar uma relação concubinária não eventual (Resp 1.096.539, 27 mar. 2012).
O acórdão, da relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, é paradigmático e pode ser sintetizado assim:
"1. A interpretação teleológica do artigo 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia" (REsp 182.223/SP, Corte Especial, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 6 fev. 2002). 2. A impenhorabilidade do bem de família visa resguardar não somente o casal, mas o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos membros da família, como na hipótese em comento, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge em duplicidade: uma composta pelos cônjuges e outra composta pelas filhas de um dos cônjuges. Precedentes. 3. A finalidade da Lei 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas, sim, reitera-se, a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo”. Vejamos, então:
De saída, tenha-se como diretiva imediata a premissa de que “a regra inserta no artigo 5º da Lei 8.009/1990, por se tratar de garantia do patrimônio mínimo para uma vida digna, deve alcançar toda e qualquer situação em que o imóvel, ocupado ou não, esteja concretamente afetado à subsistência da pessoa ou da entidade familiar”. (STJ – REsp 1.400.342/RJ, julgado em 8 out. 2013). Demais disso, pontifica-se, nesse conduto, que a impenhorabilidade do bem de família, prevista no artigo 1º, da Lei 8.009/90, objetiva amparar não somente o casal, mas a própria entidade familiar.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que “no caso de separação dos cônjuges, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge uma duplicidade da entidade, composta pelos ex-cônjuges varão e virago”, como proclamado no REsp 859937/SP, julgado em 4 dez. 2007.
Em ser assim, expressou o Relator Ministro Luiz Fux, com a devida clareza: “ainda que já tenha sido beneficiado o devedor, com a exclusão da penhora sobre bem que acabou por incorporar ao patrimônio do ex-cônjuge, não lhe retira o direito de invocar a proteção legal quando um novo lar é constituído”.
Pois bem. Induvidosa que se apresenta indeclinável a “proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo”, a tanto permitir multiplicidade da entidade, em hipóteses que tais, quando, por exemplo, os filhos não estiverem mais em sede do lar originário, questão subjacente é a especial circunstância de em outro imóvel do devedor situar-se uma entidade decorrente do concubinato. Estas posições ditas contrapostas reclamam verticalidade.
Em primeiro, observa-se que o acórdão paradigma compreendeu pela existência de outros filhos do devedor, independente da presença, ali no imóvel, da concubina.
Mas é certo pensar que desconstituir-se-á o bem de família, quando ali vir a permanecer somente a mulher, sem os seus filhos? Pensamos que não. Isto porque esta já integrava uma célula familiar, também nuclear, uma família dita monoparental, independente de sua origem. Eis a questão.
Mas não é só. A jurisprudência vem admitindo famílias simultâneas, alcançando não apenas uniões estáveis dúplices. Ao reconhecer efeitos jurídicos também à união estável concomitante ao casamento não desfeito, no sentido de partilha de bens, chega a meação a transmudar-se em “triação”, pela duplicidade de uniões. Neste sentido: Apelação Cível 70022775605/RS, 8ª Câmara Cível, Relator Desembargador Rui Portanova, julgado em 7 ago. 2008).
Em segundo, imperativo se torna colocar em discussão aprofundada o exato alcance do caput do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, ao assinalar que “a família merece especial proteção do Estado”, quando é certo que o novo texto constitucional já não mais define a família, em suas diversas variáveis de entidade familiar específica.
Ora. Em não mais prevalecente o tratamento conceitual de todas as Constituições anteriores que definia a família como apenas aquela constituída pelo casamento (artigo 175, CF-67/69), haverá, então, de serem admitidas, a partir da Carta de 1988 e diante do elevado espectro das famílias (em suas estruturas autônomas), todas aquelas formadas a partir do essencial liame das relações de afeto.
Antes, no ditame constitucional, a leitura era a seguinte: “A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos”. Agora, famílias de outras origens, assentados os seus vínculos e identidades, recebem a mesma proteção legal, para fins patrimoniais e nisso situa-se o instituto do bem de família, para a inteira incidência da Lei 8.009/1990.
Bem é certo admitir, então, o axioma jurisprudencial, referido em acórdão lavrado pelo desembargador José Fernandes de Lemos, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco:
“Em uma democracia pluralista, o sistema jurídico-positivo deve acolher as multifárias manifestações familiares cultivadas no meio social, abstendo-se de, pela defesa de um conceito restritivo de família, pretender controlar a conduta dos indivíduos no campo afetivo.” (Apelação Cível 196.007-2/PE, 5ª Câmara Cível, julgado em 12 jun. 2013).

Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Revista Consultor Jurídico, 8 de novembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-nov-08/jones-figueiredo-texto-constitucional-nao-define-familia