sábado, 29 de março de 2014

Caracterização do dano moral pela psicologia aplicada


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7. Lesão à psique

Nosso trabalho está baseado na abordagem Freudiana para definir a profundidade das marcas ocasionadas pelos fatos que podem arranhar as relações sociais, comerciais e ainda aquelas que são passíveis de apreciação do poder judiciário na busca de uma reparação.
A psique de Sigmund Freud estabelece-se pela subjetividade humana como águas onde somente o próprio indivíduo pode navegar, e, portanto deixando aparentemente hermético seu conteúdo.Se assim considerado, o conteúdo da mente humana, a psique, somente poderia ser observada pelo próprio ser, o que faria impossível qualquer avaliação das lesões não patrimoniais intentadas contra o indivíduo e que conseqüentemente afetam sua dignidade e subjetividade sem vínculos de proteção civil relacionada ao patrimônio.
Porém, há que se lembrar do patrimônio intelectual, aquele formado pelas experiências e sensações vividas por um ser e que podem ser únicas e irrepetíveis do sentido leigo, e cuja reposição jamais poderiam ser reconstruídas. Freud desenvolveu mecanismos de acesso a esse espaço mental que precipuamente necessita ser avaliado para estabelecer caminho seguro ou minimamente passível de apreciação para que confrontado ao fato gerador da insatisfação, esta possa ser medida em sua profundidade e para tanto, a psicanálise pode ser também ferramenta para investigar a mente humana que busca reparação judicial.

7.1. Lesão do Ego

Primeiramente, havemos de conceituar o ego estabelecido por Freud, para então passarmos a analisar a modalidade de entendimento da sua aplicabilidade como forma de mensurar a profundidade de certa lesão moral. Assim, temos que o Ego é a parte do aparelho psíquico que está em contato com a realidade externa.
O Ego se desenvolve a partir do Id, à medida que a pessoa vai tomando consciência de sua própria identidade, vai aprendendo a aplacar as constantes exigências do Id. Como a casca de uma árvore, o Ego protege o Id, mas extrai dele a energia suficiente para suas realizações. Ele tem a tarefa de garantir a saúde, segurança e sanidade da personalidade. Uma das características principais do Ego é estabelecer a conexão entre a percepção sensorial e a ação muscular, ou seja, comandar o movimento voluntário. Ele tem a tarefa de auto preservação. Com referência aos acontecimentos externos, o Ego desempenha sua função dando conta dos estímulos externos, armazenando experiências sobre eles na memória, evitando o excesso de estímulos internos (mediante a fuga), lidando com estímulos moderados (através da adaptação) e aprendendo, através da atividade, a produzir modificações convenientes no mundo externo em seu próprio benefício.

7.2. Lesão do Id

O Id contém tudo o que é herdado, que se acha presente no nascimento e está presente na constituição, acima de tudo os instintos que se originam da organização somática e encontram expressão psíquica sob formas que nos são desconhecidas[6].
O Id é a estrutura da personalidade original, básica e central do ser humano, exposta tanto às exigências somáticas do corpo às exigências do ego e do superego. As leis lógicas do pensamento não se aplicam ao Id, havendo assim, impulsos contrários lado a lado, sem que um anule o outro, ou sem que um diminua o outro. [7] O Id seria o reservatório de energia de toda a personalidade.O Id pode ser associado a um cavalo cuja força é total, mas que depende do cavaleiro para usar de modo adequado essa força. Os conteúdos do Id são quase todos inconscientes, eles incluem configurações mentais que nunca se tornaram conscientes, assim como o material que foi considerado inaceitável pela consciência. Um pensamento ou uma lembrança, excluído da consciência, mas localizado na área do Id, será capaz de influenciar toda vida mental de uma pessoa.A lesão ao Id é sempre mais profunda, vez que infere golpe aos valores de base de cada ser, daquilo que carrega consigo somando ações da vida comum e do senso de ética e razão para pautar-lhe o caminho da ética e da sublimação da sociedade em detrimento da individualidade nociva, mas sem que se perca a sensibilidade de percebermos, o Judiciário também, que é a soma dos Ids que deve se sobrepor aos Egos.

8. Conclusão

O Ego é referenciado como a parte do ser que se preocupa com a externalidade de si.
Uma lesão ao Ego difere basicamente da lesão ao Id no que tange aos valores e princípios protegidos, vez que somos a somatória do Ego e do Id, porém, mais de nós é o Id, pois coincide com a nossa essência, com aquilo que realmente somos ou queremos ser em prol de um mundo melhor.
A qualidade de vida está intimamente ligada a esta equação de Egos e Ids feridos e frustrados, na medida em que damos mais valor a um que a outro. À essência e a superficialidade, o mero aborrecimento e o dano moral, ou dano à moral derivada do Id, da estrutura básica de cada ser humano e que o direito precisa proteger fortemente, caso contrário, corre-se o risco de valorização exacerbada do Ego em detrimento do Id de uma sociedade que precisa e merece ser mais Id que Ego.
Ao magistrado, caberia distinguir a parte da psique lesada para que obtivesse rapidamente uma ferramenta prática e útil para definir a lesão como rasa ou profunda, Ego ou Id.Temos ainda que após tal distinção, fica claro ao sol que as lesões de ordem moral quando restritas ao Ego, poderiam ser classificadas como aquelas derivadas do mero aborrecimento, das frustrações do cotidiano, reparáveis pelas próprias atitudes subseqüentes ao dissabor.
Enquanto aquelas ações que ferem a essência, o conteúdo psicológico de cada ser, o seu Id, onde residem valores morais não mutáveis facilmente e que são levados em cada alma ferida e portanto, passíveis de reparação indenizatória pelo dano moral causado.

AMORIM, Eduardo Cesar Elias de. Caracterização do dano moral pela psicologia aplicada. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3922, 28 mar. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27141>. Acesso em: 29 mar. 2014.