quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Black “fraude” e compras online: quais são os seus direitos?

Assunto que está sendo cada vez mais discutido é o direito do consumidor, principalmente em épocas de comércio online e ofertas que nem sempre são o que parecem.
O que fazer quando o produto em questão custa “a metade do dobro” ou um item está sendo vendido por um preço inacreditavelmente abaixo do valor tradicional? Para tentar sanar algumas dessas dúvidas, nós conversamos com o Dr. Vinícius Zwarg, que é advogado especialista em direito do consumidor e eletrônico.
O comércio eletrônico cresceu muito nos últimos anos graças às facilidades proporcionadas pela internet. Contudo, muitas pessoas têm sofrido com ofertas que não são o que parecem e não funcionam exatamente como o prometido. Outros casos envolvem golpes e promessas de remessas nunca feitas.
Por outro lado, esse tipo de negociação pode ser mais confortável para alguns consumidores, pois a internet oferece muito mais informação sobre os produtos que um vendedor em uma loja jamais poderia fornecer. Além disso, a ausência desse personagem na negociação torna a compra menos “forçada”, já que o consumidor não se sente pressionado pela figura do vendedor.
O comércio online também é capaz de oferecer produtos — especialmente eletrônicos — por valores muitas vezes inferiores ao das lojas físicas. Isso acontece principalmente pela diminuição nos custos operacionais dessas empresas, que nem sempre possuem estruturas muito grandes.
É justamente aí que Zwarg comenta sobre outro problema, que é a informalidade de alguns estabelecimentos. De acordo com ele, é sempre importante verificar muito bem a loja antes de realizar a compra: esta loja tem tradição? Ela tem um histórico de vendas anteriores? Existem muitas reclamações sobre ela? Essa loja existe há quanto tempo? Ela possui um endereço físico?
Note que, nesse caso, um endereço físico não significa necessariamente uma loja física, mas um endereço de um escritório comercial que pode ser acessado com facilidade em caso de problemas.
Outras medidas importantes de segurança já são bem conhecidas do público, mas valem uma nota: ter a máquina com antivírus instalado e atualizado e verificar sempre o sistema de segurança da loja online (o famoso “cadeadinho”).

Quanto tempo de garantia?

E sobre a garantia legal? Quanto tempo a empresa é obrigada a fornecer? Segundo Zwarg, a lei brasileira garante 30 dias para bens não duráveis e 90 dias para bens duráveis. O prazo pode ser estendido no caso de vícios ocultos, ou seja, problemas que não foram evidenciados de forma simples e só aparecem depois de determinado tempo. Contudo, esse tipo de situação exige um laudo técnico que determine a causa do problema.
A situação pode mudar de figura quando a empresa (ou o fabricante) oferecem 1 ano de garantia por contrato. Nesse caso, a lei obriga o cumprimento de o que estiver no papel.
O setor automotivo, por exemplo, costuma oferecer garantia estendida aos consumidores. Com isso, todos os personagens envolvidos na cadeia têm responsabilidade, desde o fabricante até a loja que vendeu o automóvel.
No caso de produtos com defeito, o vendedor também é o responsável pelos custos com o transporte/troca/conserto do produto com problema.

Negociação em redes sociais

Atualmente é comum vermos empresas e lojas com perfis em redes sociais. Enquanto algumas utilizam as redes apenas para divulgar seus produtos, outras aproveitam a proximidade com os clientes para oferecer descontos exclusivos para todos ou entrar em acordos especiais com determinadas pessoas.
Segundo o Dr. Vinícius Zwarg, a loja é obrigada a respeitar o princípio da isonomia, que diz que todos os clientes são iguais e não podem sofrer preconceito, por exemplo: a loja se recusar a vender algo (ou cobrar mais caro) porque o cliente está mal-vestido.
Contudo, a lei permite aos vendedores exercer negociações específicas com clientes distintos. Funciona assim quando um cliente adquire determinados produtos de uma única vez e ganha um desconto de 20%, por exemplo. Nesse caso, o desconto pode ser dado somente a quem cumpriu os requisitos. Esse tipo de negociação não fere o princípio da isonomia se outros clientes também tiverem o direito de negociar as condições com o vendedor.
Contudo, o advogado ressalta que a internet ainda é um ambiente muito mais informal que as lojas físicas. Desse modo, mesmo que algumas lojas discriminem os clientes, ainda é mais difícil de ser comprovado.

Black fraude e ofertas pela metade do dobro

A Black Friday chegou ao Brasil com a mesma proposta original: oferecer descontos incríveis em diversos produtos, inclusive eletrônicos. A modalidade pegou e a maioria das lojas de comércio eletrônico já participam do projeto.
Contudo, os comerciantes brasileiros são um pouco mais espertinhos que os estrangeiros e muitos dos produtos “em promoção” custam na verdade “a metade do dobro”; ou seja: não existe um desconto real, apenas a ilusão de que o produto custa mais barato.
De acordo com o advogado, essa prática vai contra o princípio da boa-fé, que diz que ambas as partes precisam negociar com lealdade. Ao subir o valor do produto um dia antes para poder oferecer um desconto no dia seguinte, o vendedor frustra as expectativas do consumidor e fere o preceito da boa-fé.
Por isso, muitas pessoas têm feito um registro dos preços de produtos dos quais têm interesse com o objetivo de compará-los no momento das ofertas. Caso constatem o problema, podem acionar a loja na justiça.
Contudo, o número de empresas que faz esse tipo de coisa está diminuindo — afirma Zwarg —, uma vez que os consumidores já reconhecem com facilidade essas atitudes. Logo, para prezar pelo nome e pela reputação, elas já escolhem colocar menos produtos e com descontos menores nas promoções, mas sem tentar “enrolar” os consumidores.

Erro de digitação ou oferta milagrosa?

Você já se deparou com alguma oferta inacreditável em algum site de comércio eletrônico? Quem sabe um computador de último modelo que normalmente custa R$ 15 mil saindo por apenas R$ 1? Se você comprou um (ou vários) desses e ficou furioso por não receber o produto, saiba que o errado na história é você.
Da mesma forma que as empresas precisam agir com boa-fé na hora da venda, os consumidores também não podem tentar se aproveitar de uma situação que obviamente foi causada por um erro de digitação — diz o advogado. Mesmo que a lei garanta que os produtos precisem ser vendidos pela oferta anunciada, existem mecanismos que garantem a proteção da loja em casos em que o erro é muito evidente.
Na maioria dos casos em que clientes entraram na justiça para tentar obrigar a loja a vender o produto pelo preço (errado) anunciado, eles acabaram perdendo. E quem perde arca com os custos do processo, ou seja, além de não ficar com o produto, o consumidor espertinho ainda pode acabar tendo prejuízo.
Contudo, a lei também prevê que se o erro não for tão grotesco, o cliente pode ter o direito de comprar o item pelo valor anunciado. Imagine um produto que normalmente custa R$ 2 mil sendo oferecido por R$ 1 mil, no mesmo site. Nesse caso, a situação parece mais com um grande desconto do que um erro propriamente dito.
Zwarg conclui dizendo que a situação pode piorar se o cliente for alguém que não possui muita intimidade com o produto. Nesse caso, a loja pode ser obrigada a cumprir com o compromisso da venda, mesmo alegando que foi um engano.

Reclamar é preciso, mas com respeito e coerência

O Reclame Aqui é um site que oferece um serviço de reclamações relativamente eficiente. Ao postar uma mensagem no site, os consumidores podem entrar em contato com a empresa para tentar garantir os seus direitos. Muitas companhias trabalham com o serviço e prezam pela imagem na rede, resolvendo a maioria das reclamações dos clientes.
O serviço também mostrou que muitas pessoas — que antes não costumavam reclamar — agora decidiram “botar a boca no trombone”, já que o site recebe milhares de reclamações todos os dias. Contudo, Vinícius Zwarg diz que ainda não é possível saber se isso é uma demanda reprimida (já que antes da internet era mais difícil reclamar) dos consumidores ou os brasileiros estão mais conscientes de seus direitos e deveres.
Essa facilidade em reclamar também faz com que muita gente reclame da forma errada — muitas vezes sem ter razão — ou acabe se exaltando muito, chegando a “perder a razão” na hora da reclamação. O advogado conta que já houve casos em que o cliente teve razão de reclamar, mas exagerou tanto que acabou ofendendo a honra do proprietário do estabelecimento.
Ambos entraram na justiça, mas o juiz considerou que o valor que a empresa deveria devolver ao cliente era o mesmo que ele deveria pagar de indenização por danos morais ao comerciante. Com isso, o cliente teria o direito de receber o dinheiro de volta se não tivesse se exaltado na hora da reclamação.
Deste modo, o advogado deixa claro que é preciso ter consciência na hora da reclamação e nunca deixar os bons modos de lado, principalmente na internet.
O governo também já possui um site nos mesmos moldes do Reclame Aqui: trata-se do Consumidor (www.consumidor.gov.br). O objetivo é oferecer aos brasileiros mais um canal de reclamação e também levantar informações sobre a situação do comércio e dos serviços no país.
Apesar dessas facilidades, o modo mais tradicional de reclamações ainda é o Procon, serviço que, segundo o advogado, é mais complicado e mais demorado que o Reclame Aqui, mas não permite que as empresas ignorem a reclamação (algo que pode ser feito no site). Uma reclamação no Procon gera um processo jurídico; já no site, apenas uma contestação informal.
Ainda assim, Zwarg comenta que o ideal para os consumidores é semprebuscarem os seus direitos. Se reclamar na internet não resolver, eles devem recorrer ao Procon.

Produtos importados: de quanto é a isenção?

Um dos assuntos mais polêmicos relacionados às compras na internet atualmente é sobre a importação de produtos e sobre os valores passíveis de isenção. Muita gente acredita que o valor tecnicamente isento de tarifas é qualquer compra que custe menos de US$ 50. Outras pessoas acham que esse valor é de US$ 100.
Afinal de contas, qual desses valores está correto? Para esclarecer essa dúvida, conversamos com Dr. Felippe Breda, que é advogado especialista em direito tributário e aduaneiro. De acordo com ele, esses dois valores estão, tecnicamente, corretos.
O Decreto-Lei nº 1.804 de 3 de setembro de 1980 instituiu que as remessas de valor de até US$ 100 (ou equivalente em outras moedas) estão isentos de imposto de importação quando destinados a pessoas físicas.
Já a Portaria do MF nº 156, de 24 de junho de 1999 e a Instrução Normativa SRF nº 096, de 04 de agosto de 1999 dizem que bens que integrem remessa postal internacional de valor não superior a US$ 50 estão isentos de imposto de importação desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.
A Portaria também define que compras no valor de US$ 50 a US$ 500 (ou equivalente em outras moedas) devem ser enquadradas no sistema de tributação simplificada, que equivale a 60% do valor aduaneiro da mercadoria.
O responsável pelo desembaraço, nesse caso, são os Correios, que pagam os tributos ao governo e depois repassam a cobrança aos consumidores, junto com a taxa de Despacho Postal no valor de R$ 12, referente ao trabalho de desembaraço. Além desses valores, poderão ser cobrados outros impostos sobre a mercadoria, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Mais informações sobre esse assunto podem ser encontradas no site dos Correios.
O caso é que a lei brasileira diz que nem uma Portaria e nem uma Instrução Normativa podem se sobrepor a um Decreto-Lei. Sendo assim, o valor passível de isenção continua sendo os US$ 100 — declarou Dr. Breda.
Outra situação que causa dúvida nos consumidores é o termo “gift” (presente). Muitas pessoas acreditam que indicar no pacote que se trata de um presente resulta na liberação da mercadoria pela Receita Federal. Contudo, de acordo com o advogado, isso só é válido quando realmente não se trata de uma transação comercial.
Dr. Vinícius Zwarg é advogado especialista em direito do consumidor e eletrônico do escritório Emerenciano, Baggio e Associados.
Formação e carreira: Formado pelo Mackenzie, é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Foi Chefe de Gabinete, Diretor de Fiscalização e Diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação PROCON/SP. Foi membro suplente do Conselho Consultivo da ANVISA (Agência de Vigilância Sanitária). Foi membro suplente da CPCON (Comissão Permanente do Consumidor) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi Coordenador da Autorregulação da ABECS (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviço).

Dr. Felippe Breda é advogado especialista em direito tributário e aduaneiro do escritório Emerenciano, Baggio e Associados.

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