sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Tipificação do crime de venda de bebida alcoólica a menor de 18 anos vai à sanção


O plenário da Câmara aprovou nesta terça-feira, 24, o PL 5.502/13, do Senado, que tipifica como crime, no ECA, a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos.
O texto prevê detenção de dois a quatro anos e multa de R$ 3 mil a R$ 10 mil pelo descumprimento da proibição. A matéria será enviada à sanção presidencial.
Se o estabelecimento não pagar a multa no prazo determinado, poderá ser interditado até o pagamento. A penalidade de detenção será aplicada ainda se a pessoa fornecer, servir, ministrar ou entregar de qualquer forma bebida alcoólica, ainda que gratuitamente, a criança ou adolescente.
Igual penalidade poderá ser aplicada em relação a outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica se a venda ou entrega ocorrer sem justa causa.

Pena alternativa
Como a pena máxima é de quatro anos, seu cumprimento poderá ser feito de acordo com a lei de penas alternativas (9.714/98), que prevê a sua substituição por pena restritiva de direitos.
Ao relatar a matéria pela comissão especial, o deputado Paulo Abi-Ackel destacou que “o projeto é um avanço na legislação sobre o tema para visar a melhor saúde, a melhor educação e o melhor ambiente para a família brasileira”.

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI216079,81042-Tipificacao+do+crime+de+venda+de+bebida+alcoolica+a+menor+de+18+anos

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A união estável septuagenária e o regime da separação obrigatória de bens

O cotidiano forense tem trazido à baila as diversas controvérsias que grassam em torno das repercussões jurídicas das uniões fáticas quando comparadas ao casamento.
No julgamento do REsp 1.254.252/SC, o STJ, lançou luzes sobre uma questão que permanece controvertida na doutrina e na jurisprudência, referente à extensão de direitos e deveres do casamento à união estável1.
O tema é recorrente, sendo muitos os autores partidários de um igualitarismo pleno entre todas as entidades familiares, a fundamentar, por exemplo, as diversas arguições de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/02.
No que tange ao regime de bens, tem prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável à união estável entre septuagenários é o da separação obrigatória. (Vide, por todos, o REsp 646.259/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão). No julgamento do REsp 1.090.722, o ministro Massami Uyeda ressaltou expressamente que "a não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus (falecido), constante do artigo 1.641, II, do Código Civil, à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário".
O entendimento, com todo respeito, infringe a máxima hermenêutica segundo a qual as normas que limitam direitos devem ser interpretadas restritivamente.
Já temos nos manifestado, em outras ocasiões, que essa pretensão de igualitarismo entre união estável e casamento viola o princípio constitucional da liberdade, vedando que se escolha, com base na formatação jurídica, a entidade familiar que melhor se amolde aos projetos do casal. Além de afastar completamente o interesse na conversão da união estável em casamento. O princípio da isonomia, por outro lado, não proíbe que entidades familiares distintas, não obstante igualmente protegidas pelo Estado, possuam regramentos legais diferenciados. Direitos e deveres do par casamentário podem ser diversos daqueles existentes entre o par convivencial.
Entretanto, deixando de lado a polêmica do igualitarismo das entidades familiares, o caso versado no REsp 1.254.252/SC diz respeito à aplicação do regime da separação obrigatória etária ao casamento (CC/02, art. 1.641, II), quando precedido de união estável iniciada antes de atingida a idade legal restritiva.
A matéria já havia sido apreciada em 2011, no julgamento do REsp 918.643, onde, por maioria de votos, se decidiu que "o reconhecimento da existência de união estável anterior ao casamento é suficiente para afastar a norma, contida no CC/16, que ordenava a adoção do regime da separação obrigatória de bens nos casamentos em que o noivo contasse com mais de sessenta, ou a noiva com mais de cinquenta anos de idade, à época da celebração. As idades, nessa situação, são consideradas reportando-se ao início da união estável, não ao casamento".
O tema voltou a debate em 2014 e a 3ª turma, desta feita por unanimidade, consolidou o entendimento de que o regime da separação obrigatória deveria ser afastado, pois "se tivesse sido, desde logo, celebrado o casamento, quando iniciado o relacionamento entre as partes, o qual perdurou, no total, por mais de 30 anos, não haveria a obrigatoriedade da adoção do regime da separação obrigatória de bens, pois o de cujus ainda não completara 60 anos de idade".
Ao contrário dos casos anteriormente aludidos, em que se estendeu regra restritiva do casamento à união estável, aqui o Tribunal se valeu da união estável para afastar a aplicação da norma restritiva ao próprio casamento.
As decisões referidas bem denotam a instabilidade da jurisprudência nesse tema. Múltiplas e díspares tem sido as interpretações dadas pelos tribunais aos dispositivos legais que regulam a união estável. Ora se ampliam, ora se restringem direitos dos companheiros quando comparados aos dos cônjuges. Em outras situações, se estendem aos cônjuges situações antes previstas apenas aos companheiros.
_______________
1 CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. DOAÇÃO ANTERIOR AO MATRIMÔNIO. VIGÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. DOAÇÃO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. REQUISITOS FORMAIS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 258,PARÁGRAFO ÚNICO, II; 312 DO CC/16.1. Inventário de bens em razão de falecimento, cuja abertura foi requerida em 31.03.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 01.06.2011.2. Discussão relativa à validade de doações efetuadas pelo de cujus à sua consorte, antes e após o casamento, realizado sob o regime da separação obrigatória de bens. 3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ.4. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.5. Não obstante, de acordo com a boa regra de hermenêutica, as normas que limitam o exercício de direitos devam ser interpretadas restritivamente, a mera utilização de outro instrumento, que não a escritura de pacto antenupcial para formalização do negócio, não é suficiente para conferir-lhe validade.6. Se tivesse sido, desde logo, celebrado o casamento, quando iniciado o relacionamento entre as partes, o qual perdurou, no total, por mais de 30 anos, não haveria a obrigatoriedade da adoção do regime da separação obrigatória de bens, pois o de cujus ainda não completara 60 anos de idade.7. Mesmo não sendo expresso, naquela época (1978), o princípio segundo o qual a Lei deverá reconhecer as uniões estáveis, fomentando sua conversão em casamento (art. 226, §3º, da CF), não havia - e não há - sentido em se admitir que o matrimônio do de cujus e da recorrida tenha implicado, para eles, restrição de direitos, ao invés de ampliar proteções.8. Ausente qualquer outro vício que macule a doação anterior ao casamento; e advinda incontroversamente da parte disponível do doador, a doação realizada na constância da união estável das partes, iniciada quando não havia qualquer impedimento ao casamento ou restrição à adoção do regime patrimonial de bens, não se reveste de nulidade somente porque algum tempo depois, as partes celebraram matrimônio sob o regime da separação obrigatória de bens.9. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.254.252 - SC RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI,. 22 de abril de 2014 -Data do Julgamento)

*Mário Luiz Delgado é advogado e sócio fundador do escritório MLD – Mário Luiz Delgado Advogados. Doutor pela USP, mestre pela PUC/SP e professor da Escola Paulista de Direito. Diretor de Assuntos Legislativos do IASP.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI215999,101048-A+uniao+estavel+septuagenaria+e+o+regime+da+separacao+obrigatoria+de 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

A «fadiga da decisão»: quando médicos e juízes decidem mal

Segundo um estudo sobre fatores que intervinham na decisão dos juízes de outorgar liberdade condicional aos presos, o principal não foi o tipo de crime, nem a aparência dos presos, idade etc. O fator era a «hora do dia» na qual se apresentava o caso.


“Y vosotras lo sabéis: la confianza es el mayor enemigo de los mortales”. W. SHAKESPEARE
Ninguém está imune. Tomar decisões cansa nosso cérebro. Requer uma atividade cerebral custosa em tempo e também em consumo de energia, e a energia é um recurso limitado. Daí que a energia mental de uma pessoa se deteriora a medida que se enfrenta cada vez com mais decisões ou com múltiplas tarefas simultâneas. Sei que devo comer sano, fazer exercício, ler diariamente e um sem-número de coisas que são importantes para meu bem estar atual e futuro.
Então, por que decido não ir à academia ao final do dia, não ler um livro ou comer uma torta de chocolate em vez de algo integral com salada? Por que não me resisto à gula sabendo que pode engordar-me ou enfermar-me? Por que evito qualquer tipo de exercício físico ou mental, ainda sabendo que o sedentarismo e a mangona mental podem prejudicar-me?
Por muito que nos sintamos responsáveis de não ter suficiente «força de vontade» para tomar todas essas importantes decisões saudáveis, parece que o problema não é tanto falta de «força de vontade», senão excesso do que o psicólogo social Roy Baumeister chama «fadiga da decisão» («decision fatigue»)[1].
Dois inquietantes exemplos:
1) Em um estudo recente, publicado on-line na revista «JAMA Internal Medicine» on  October 06, 2014 (http://archinte.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=1910546), uma equipe de investigadores demonstrou que os médicos também se cansam ao tomarem muitas decisões de atenção com os pacientes cada dia. A demanda ou sobrecarga cognitiva acumulativa dessas decisões pode prejudicar as capacidades dos médicos (e pessoal clínico) para resistir tomar decisões potencialmente inapropriadas: à medida que avança o dia parece que são mais propensos a receitar erroneamente antibióticos a pacientes que não os necessitam.
Segundo Jeffrey A. Linder, diretor do estudo, com essa erosão de autocontrole gerada pela tomada de decisões repetidas, «só uma observação tem sentido: os médicos também são seres humanos, se cansam durante o dia e tendem a tomar piores decisões». Também assegura que «os médicos e os pacientes deveriam conhecer que existe essa “fadiga da decisão”».
 2)  A demonstração dos efeitos do esgotamento nos processos judiciais, que aparece publicada na «Proceedings of the National Academy of Sciences» (http://www.pnas.org/content/108/17/6889.full.pdf). O objetivo desse estudo consistiu em determinar os fatores que intervinham na decisão dos juízes de outorgar liberdade condicional aos presos. E qual foi o fator determinante? Não foi nem o tipo de crime, nem a aparência dos presos, nem a idade, nem qualquer vinculação com algum partido político... Não! O fator principal resultou ser a «hora do dia» na qual se apresentava o caso. Ao iniciar o dia, os juízes estavam dispostos a outorgar liberdade condicional um 65% das vezes; conforme avançava a manhã essa percentagem ia baixando até chegar a 0 (zero). De igual forma, depois dos recessos de almoço, o percentual voltava a subir ao 65% para ir baixando até 0 (zero) para o final do dia.
A que se deve isto? Ao fato de que a capacidade de concentração do ser humano tem limites, e se os superamos se torna difícil tomar uma decisão de forma correta. Significa que aqueles que tomam demasiadas decisões ou executam diversas tarefas simultaneamente não podem filtrar e eliminar informação não pertinente, não podem distinguir informação importante de informação não importante, porque sua atenção e recursos cognitivos se encontram sobrecarregados com demasiada  informação a processar ao mesmo tempo; quer dizer, não sabem o que estão fazendo em cada momento determinado.
Por quê? Pois resulta que nossa «força de vontade» é como um músculo e como todo músculo se fadiga quando se usa demasiado. Assim que quanto mais usamos nossa «força de vontade» tomando decisões durante o dia (ou desenvolvendo várias tarefas em simultâneo), mais se vai cansando. Este cansaço, esta «fadiga da decisão», é o que provoca a tendência a tomar a decisão mais fácil, a que menos movimento requeira, ou a fazer o que mais estamos acostumados: como não fazer exercício, não ler ou ficar mais tempo desperto frente ao televisor ou computador.
Por dizê-lo de alguma maneira, nosso limitado cérebro fica mais preguiçoso ao tomar decisões. E aqui vai um pequeno conselho de ordem epistemológica: muita cautela com os juízes e médicos cansados e famintos, porque a fadiga e a fome provavelmente sejam aqui determinantes para a «boa justiça» e a «boa saúde». Já sabem o que dizem: quando nos tribunais e hospitais se toca uma determinada música, podemos começar a bailar em todas as partes. Não sei se me explico.
Mas nem tudo está perdido: se a «força de vontade» é como uma espécie de «músculo» que se cansa quando se usa em demasia, também se pode reforçá-la com  exercício e prática adequados. De fato, investigações recentes demonstram que o «autocontrole» e a «força de vontade», embora com uma grande influência da herança, podem ser tonificados exercitando-os, que se trata de um circuito cerebral que funciona como os demais, que tem uma capacidade determinada e que opera segundo determinadas regras que podemos controlar: sempre podemos fazer e conseguir que funcione como desejamos se encontramos o modo correto de fazê-lo[2].
O que parece ter mais valor - já escreveram tanto os estóicos como o mestre budista do século XI Atisha-, é o «domínio de si mesmo». O mais importante (e o que talvez mais tenacidade, determinação e firmeza requeira) é eliminar as coisas de nossa vida que não são importantes nem agregam valor; decidir o que inclina nossa balança diária à «eudaimonia» (“el trabajado dominio de uno mismo y la superación de las pasiones”) e o que não.
Pessoalmente, estou convencido que um bom caminho, uma forma de virtuosa autodisciplina («la mejor disciplina es la autodisciplina»), é  seguir o que eu denomino de «As três restrições»: i) restrição social; ii) restrição espiritual; e iii) restrição calórica. Mas essa é outra história.

Notas

[1] Diversos experimentos realizados pelo psicólogo Roy Baumeister e colaboradores demonstraram de forma concludente que todas as variantes do esforço voluntário, já sejam cognitivas, emocionais ou físicas, consomem energia mental. O autocontrole e a força de vontade consomem energia, pelo que se nos esforçamos para fazer algo estaremos menos dispostos a exercitar o autocontrole e a vontade quando surja um nuevo reto. Dito de forma um pouco grossa: as pessoas usam tanto sua força de vontade ou autocontrole para se manter motivadas que, em determinado momento, ela se esgota e não é possível controlar mais os seus impulsos. Este fenômeno se conhece como «depleção do ego».  Os tipos de indicadores desta «depleção» e a lista de situações que podem esgotar nosso autocontrole é variada e todas se caracterizam por gerar algum tipo de conflito e pela necessidade de eleger ou suprimir uma tendência natural: abandono de uma dieta, consumo compulsivo e impulsivo, reação agressiva ante uma provocação, tratar de impressionar aos demais, inibir respostas emocionais a um filme ou uma canção,  responder amavelmente a uma pessoa que não suportamos, etc.  A «depleção do ego» supõe em parte uma perda de motivação, razão pela qual conseguir vencer seus efeitos implica a necessidade de buscar fortes incentivos para fazê-lo. O descobrimento mais surpreendente, segundo D. Kahneman, dos estudos de Baumeister, «es el hecho de que una actividad mental que requiere mucho esfuerzo consume grandes cantidades de glucosa. Cuando estamos inmersos en un razonamiento cognitivo complicado o en una tarea que requiere autocontrol la glucemia disminuye. Una atrevida implicación de esta idea es que los efectos de la “depleción del ego” pueden revertir con la ingesta de glucosa. Baumeister y sus colaboradores han comprobado esta hipótesis en numerosos experimentos». (Roy Baumeister, «Willpower», 2011; Daniel Kahneman, «Thinking, Fast and Slow», 2011; Andrew J. Smart, «Autopilot. The Art & Science of Doing Nothin», 2013).
[2] Evidentemente sem nenhuma necessidade de evocar ou acudir ao flagelo da «autoajuda». Por quê? Pois basicamente porque a «autoajuda» apresenta um grande inconveniente: é mentira. Embora dar conselhos a outros seja a «mais fácil de todas as coisas» (Tales de Mileto), desde um ponto de vista puramente racional é impossível que um indivíduo escreva um livro para um completo desconhecido com o propósito de ajudar-lhe. Quer dizer, para que uma obra fora de «autoajuda» deveria escrevê-la a própria pessoa. Se não é assim, deveriam chamá-la «de ajuda», simplesmente. Com o «auto», explica T. García Ramón, “están insinuando que es usted un imbécil incapaz de ayudarse a sí mismo y que van a pedirle a alguien a quien le importan un pito sus dolencias escriba algo para que encuentre consuelo después de pasar por caja. […] Los gurús del buenrollismo, ese invento de Satán, llevan una década diciéndole que todo tiene solución y todo pasa, que la vida es un sueño y que tiene usted que ser feliz, enseñan que es usted un triunfador y se han empeñado en aconsejarle que cada vez que se encuentre con el barro hasta el cuello sonría y piense que todo —de algún modo milagroso— se arreglará. Lo de «nada es imposible» solo tiene una respuesta: Usted lo sabe y nosotros también, no todos los problemas tienen solución; es más, muchos de ellos no tienen solución; es más, la gran mayoría no tienen solución. Si desea comprobar lo imposible que son algunas cosas dese una vuelta por la Antártida en bermudas o vaya a Fukushima y respire hondo. ¿No está cansado de sonreír todo el día como si fuera idiota? ¿Quiere darle un cabezazo a la pared después de una semana de mierda en la oficina pero Paulo Coelho no le deja? Nosotros le diremos la verdad: la corriente «cógete manía» puede ser el respiro que usted necesitaba.”

FERNANDEZ, Atahualpa. A «fadiga da decisão»: quando médicos e juízes decidem mal. Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4244, 13 fev. 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/34890>. Acesso em: 14 fev. 2015.

Constitucionalidade da invocação do direito ao esquecimento

O STF irá analisar a aplicação do "direito ao esquecimento" em dois casos envolvendo reportagens do extinto programa Linha Direta, da TV Globo, um deles com repercussão geral reconhecida no fim do ano passado.
A convite da banca Binenbojm, Gama & Carvalho Britto Advocacia, que representa a emissora nos processos, o jurista Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UERJ, editou parecer com contribuições relevantes ao tema.
No documento, o professor analisa a constitucionalidade da invocação do "direito ao esquecimento" para imposição de restrições ao direito de acesso à informação de interesse público e às liberdades de expressão e de imprensa.
"É lícita a conduta dos veículos de imprensa de divulgar, discutir ou encenar fatos de interesse público ocorridos no passado. Trata-se de legítimo exercício da liberdade de imprensa, que não gera, portanto, direito à reparação de danos.”
Para Sarmento, parecem evidentes os riscos de autoritarismo envolvidos na atribuição a agentes estatais – ainda que juízes - do poder de definirem o que pode e o que não pode ser recordado pela sociedade.
"O reconhecimento de um suposto direito de não ser lembrado, por fatos desabonadores ou desagradáveis do passado, se afigura francamente incompatível com um sistema constitucional democrático, como o brasileiro, que valoriza tanto as liberdades de informação, expressão e imprensa, preza a História e cultiva a memória coletiva".
O jurista lembra o que considera uma "cultura censória que ainda viceja no Poder Judiciário brasileiro - à revelia da Constituição e da firme jurisprudência do STF", e ressalta que o "direito ao esquecimento" tem "tudo para se transformar no remédio jurídico para políticos, autoridades públicas e poderosos de todo tipo ‘limparem a sua ficha’, apagando registros de episódios pouco edificantes ou impondo mordaças aos críticos e meios de comunicação".
Contexto
O processo com o apanágio de repercussão geral (ARExt 833.248) teve origem com a veiculação de reportagem sobre o assassinato de Aída Curi, em 2004. Familiares da vítima interpuseram o recurso contra decisão da 4ª turma do STJ que, concluindo não ser possível à imprensa "retratar o caso Aída Curi, sem Aída Curi", observou que a reportagem exibida no Linha Direta foi ao ar 50 anos depois da morte da vítima, "circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil".
Para os irmãos da vítima, no entanto, o caso trata de um aspecto da proteção da dignidade humana que ainda não foi apreciado pelo STF. No fim do ano passado, o plenário da Corte reconheceu a repercussão geral no ARE, que tem relatoria do ministro Dias Toffoli.

No outro caso (ARExt 789.246), de relatoria do ministro Celso de Mello, a Globo recorre contra decisão da 4ª turma do STJ, que condenou a emissora a pagar indenização de R$ 50 mil, a título de danos morais, a pessoa que fora denunciada e absolvida pelo tribunal do júri, por suposta participação na "Chacina da Candelária" – trágico caso de homicídio de menores ocorrido em 1993, na cidade do RJ. O denunciado foi retratado no programa Linha Direta anos depois de ter sido absolvido de todas as acusações.
A decisão do STJ reconheceu a importância histórica da "Chacina da Candelária", e destacou que, de acordo com a avaliação dos fatos feita pelas instâncias ordinárias, "a reportagem mostrou-se fidedigna com a realidade". Contudo, embasando-se em suposta precedência dos direitos da personalidade sobre as liberdades comunicativas, o colegiado entendeu que a passagem do tempo teria tornado ilícita a veiculação da matéria sobre o crime, tendo em vista o "direito ao esquecimento" dos envolvidos, o qual conceituou como "um direito de não ser lembrado contra a sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores".
  • Processo relacionados: ARExt 833.248 e ARExt 789.246

    http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI215589,71043-Professor+analisa+a+constitucionalidade+da+invocacao+do+direito+ao

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Animal é gente? (Configuração jurídica atribuída ao animal não humano)

Para muitos a resposta deve ser afirmativa à indagação formulada no título. É comum o animal de estimação ser tratado como se fosse pessoa humana da própria família, com seu dono lhe propiciando muito amor e carinho, bem como assistência médico/veterinária, odontológica e até psicológica.
Além disso, comumente o animal é alimentado de forma saudável, com variados tipos de rações, frutas, legumes, etc., e possui dependências especiais na casa para servir como sua moradia com todo conforto e dignidade, assim como de hospedagem em hotel apropriado, por ocasião de viagens do seu dono.
Não obstante, o Código Civil brasileiro considera qualquer animal como sendo apenas “coisa”. Sim, como coisa móvel, uma vez que o Art. 82 do Código considera móvel qualquer bem suscetível de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, como o animal.(1)
Admite, ainda, por força do disposto em seu Art. 1.263, que quem se assenhorear de animal sem dono adquire sua propriedade, caso essa apropriação não esteja proibida pela lei.(2)
Além disso, o Código aludido conferiu responsabilidade indenizatória ao dono, ou detentor, do animal por qualquer dano por este causado, salvo havendo prova de culpa da vítima ou força maior.(3)
Somente a pessoa humana é considerada pelo Código como sujeito de direitos, com capacidade para assumir direitos e deveres na ordem civil. (4)
Não há consenso na doutrina acerca da melhor e mais adequada configuração jurídica que deve ser atribuída ao animal não humano, ocorrendo inúmeras e fundadas controvérsias sobre o tema.
Alguns doutrinadores sustentam que deve ser prestigiada a legislação civil vigente que lhe atribui a condição de mero bem móvel, outros, no entanto, entendem que o animal deve ser considerado como um sujeito de direitos equiparado ao próprio ser humano.
Por fim, uma moderna corrente doutrinária defende que o animal deve pertencer a uma terceira categoria jurídica inominada, pois, diferentemente dos objetos, possui sentimentos. Destarte, não pode ser considerado como simples coisa, e também não pode ser erigido à condição de sujeito de direitos, como os humanos.
A propósito do tema em foco, uma Corte de Justiça da cidade de Buenos Aires/Argentina concedeu “habeas corpus” a um orangotango que vivia em cativeiro, concedendo-lhe liberdade para viver em um Santuário, porquanto reconheceu a existência de uma nova configuração jurídica para o animal, qual seja: tratar-se de sujeito de direitos, na categoria de não-humanos (animais).
Art. 82 do CC- São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.(1)
Art. 1.263 do CC- Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.(2)
Art. 936 do CC- O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.(3)
Art. 1º do CC- Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.(4)
Moyses Simão Sznifer
Advogado/Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP; Especialista em Contratos e Obrigações pela ESA/SP; Ex Membro do Ministério Público da União;Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP.

http://moysessimaosznifer.jusbrasil.com.br/artigos/165234206/animal-e-gente?utm_campaign=newsletter-daily_20150206_695&utm_medium=email&utm_source=newsletter

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A morte de 17 franceses vale mais que a de 2.000 nigerianos? A liberdade de imprensa é absoluta?

Trataremos de assuntos extremamente delicados e controversos onde a esfera racional por variados instantes cede espaço para que a esfera da emoção se faça prevalecer. Até para nós, estudiosos do direito, há inelutável dificuldade para se emprestar uma análise cognitiva que se mostre satisfativa. O artigo divide-se em duas temáticas distintas, mas complementares.
Neste momento é que os métodos de Alexy e Dworkin parecem falhos, quando inferimos a necessidade de sopesarmos, ponderarmos bens tuteláveis de tão expressivo valor e realidades, mas o direito não pode se acabrunhar e deve viabilizar uma decisão interpretativa que na maior medida possível mostre-se aproximada da justiça e da equidade.
Pelo menos 400 pessoas morreram na Nigéria em um novo ataque supostamente cometido pela seita radical islâmica Boko Haram no estado de Borno, no norte da Nigéria nos primeiros meses de 2014. Você que leu esta notícia hoje, lembra de tê-la visto nos noticiários? Lembra-se, por quantos dias? Com que perplexidade?
Pois no final da 2ª quinzena de janeiro de 2015 (dia 12), a Organização Humanitária Anistia Internacional calcula que cerca de 2.000 pessoas foram chacinadas pela mesma seita de extremistas islâmicos que teriam assumido o controle de Baga e arredores há 15 dias. Pergunto: Você leitor, teve conhecimento deste fato? Quantas vezes já ouviram ou leram nos noticiários? O mundo está reunindo-se em alguma marcha histórica que reunirá 3,7 milhões de pessoas pelas vidas dos Nigerianos massacrados?
Em outro hemisfério, com outra visibilidade, com outra perspectiva de “comoção mundial”, desta vez na França, 17 mortos, entre eles as 12 pessoas que morreram em um atentado contra a sede do jornal "Charlie Hebdo", este a mais de uma semana tomou conta dos noticiários do mundo, que participou de uma marcha histórica que reuniu grande parte dos principais representantes de Estados e de Governos de todo o ocidente em um verdadeiro “tsunami humano” que tomou conta das ruas de Paris.
Neste momento, sem qualquer grão de hipocrisia, mas de certa forma impactado pelas perspectivas humanas de valor, perguntemos: Franceses valem mais que nigerianos? A morte de dezessete franceses causa maior revolta, repulsa e comoção que a morte de 2000 nigerianos? A morte de brancos europeus é mais dolorosa que a morte de negros africanos?
Estas perguntas deixamos com o fim de provocar uma autorreflexão de nossas representações neste mundo, de nossas diferenças, importâncias e prioridades. Mensuremos nosso potencial para produzirmos hipocrisias em nossas relações humanas e o valor que atribuímos aos humanos, negros, brancos, amarelos ou da cor de pelé que representemos aos olhos do mundo. Será que somos capazes de conscientemente tarifarmos a vida humana pela cor, Estado, fé religiosa ou cultura que representamos?
Já articulamos a respeito deste trágico e lamentável acontecimento ocorrido em território francês, artigo publicado em diversos meios: “A hostil relação entre o terrorismo e as liberdades de expressão democráticas: algumas inferências pontuais”. No artigo tivemos a oportunidade de assentar por outras palavras, que liberdade só é possível de ser atribuída se acompanhada de responsabilidade. Liberdade irresponsável é anarquia e não Estado Democrático de Direito. Assim, devemos assentar que liberdade é um valor relativo e não absoluto, e por isso deve ser sopesado com outros valores que estejam em conflito, para extrairmos o máximo de cada um evitando-se o aniquilamento do outro, aí incluindo-se a liberdade de expressão. Esta, uma visão neoconstitucionalista que ilumina a ciência do Direito Constitucional contemporâneo.
Ao analisarmos boa parcela das charges do jornal "Charlie Hebdo", que teve 12 de seus chargistas brutalmente assassinados, percebemos que muitas destas charges não cumprem o seu papel de promover uma ironia política de bom gosto, ao contrário, muitas delas são grosseiras, de menor potencial criativo e apenas promovem de forma tosca uma violência emocional absolutamente desnecessária.
Aqui não se quer defender a reação absolutamente desproporcional dos extremistas islâmicos, ao contrário, desta reação há que se ter o maior repúdio. Aqui se assenta que, a liberdade de expressão “à priori” é de fato livre, (com o perdão da redundância), mas quando tomada pelo excesso capaz de promover dano sem fundamento razoável em qualquer de suas formas, deve sim, ser responsabilizada na medida de seu excesso. Censura jamais, responsabilidade sempre, que entendamos seus limites.
Talvez, se no passado o Estado Francês houvesse responsabilizado o jornal "Charlie Hebdo" por seus excessos costumeiros absolutamente despropositados e de gosto duvidoso, este absurdo promovido pelos extremistas não houvesse sido praticado, apenas a título de mera suposição, conjeturando. Não estamos aqui culpando como responsável direto o Estado francês por uma reação tão desproporcional de uma fé extremista, mas pode de certa forma haver contribuído para o resultado absolutamente lamentável que prosperou.
Lembremos para finalizar que, para cultura Muçulmana, precipuamente aos extremistas muçulmanos, a vida e a morte possuem outros significados que os atribuídos no seio das culturas ocidentais, em boa parte catequizada pela fé Cristã. Aos muçulmanos (significado: aqueles que se submetem a Alá), o Islã prevalecerá sobre a terra, os extremistas acreditam que a realização da profecia do Islã e seu domínio sobre todo o mundo, como descrito no Corão, é para os nossos dias. Cada vitória de um extremista Muçulmano convence milhões de muçulmanos moderados a se tornarem extremistas. Matar e morrer por Alá, para os extremistas do Islã, é sinal de um poder absoluto que passam a ostentar para um posterior descanso no paraíso do além-vida.
Cultura absolutamente estranha e doentia aos olhos do ocidente, mas que está incrustada na cultura religiosa dos mais ortodoxos do Islã, que recebem já durante nos primeiros anos da infância uma verdadeira lavagem cerebral de uma doutrina desviada do que pregam os bons praticantes do Islã.
Nesta absoluta discrepância do entendimento de vida e morte que carregamos e que os extremistas muçulmanos carregam, que deveríamos, se não por respeito ao que nos parece absolutamente doentio e desviado da boa fé, por questão de segurança dos não praticantes do Islã, abdicarmos de satirizar o que para eles é intocável. Senão por repeito, por inteligência.

Leonardo Sarmento - Professor constitucionalista
http://leonardosarmento.jusbrasil.com.br/artigos/160835774/a-morte-de-17-franceses-vale-mais-que-a-de-2000-nigerianos-a-liberdade-de-imprensa-e-absoluta?utm_campaign=newsletter-daily_20150119_618&utm_medium=email&utm_source=newsletter

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

"Hiperlitigiosidade": o problema de um povo que não sabe resolver os seus problemas

Nós precisamos enfrentar essa crise de “hiperlitigiosidade” com certo realismo e com ideias criativas para diminuí-la. Acho também que, no futuro próximo, a própria advocacia vai ter que se reajustar, e o grande advogado vai ser aquele que conseguir evitar o litígio e conseguir uma composição."(Ministro Roberto Barroso in Diálogos sobre Justiça. Número 2. Maio/Agosto de 2014, p. 14)
Esta frase do Roberto Barroso é crucial para o futuro do mundo jurídico. Comecemos então com a tal “Lide”. O que é Lide? Todo estudante de Direito já decorou a fórmula criada por Carnelutti: é conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.
Uma Lide é a essência de uma sociedade: o desencontro. Sim, o desencontro. Todos nós, em vários momentos de nossas vidas, temos um desencontro, um conflito com alguém (ou algo: uma ideia, por exemplo). É inerente ao convívio social um interesse e, no contraposto, a pretensão resistida. Assim, desta forma, não defenderemos nunca uma sociedade harmoniosa, santificada, cordial etc. Vamos sempre entrar em conflito.
Eis a grande questão: resolver como? Será necessário sempre “entrar com uma ação na justiça” para garantir nosso Direito? Será que para a justiça ser feita é preciso ir ao mais profundo e longíquo lugar de um litígio? Respondo: não, queridos leitores. Absolutamente, não. O excesso de litígio é sinal de uma sociedade imatura, que não consegue resolver seus problemas de uma forma rápida - e civilizada (claro, não estou dizendo que o litígio é barbaridade…) - e de um corpo de advogados despreparados (e talvez seja de propósito) para indicar um caminho alternativo: o da conciliação.
Hiperlitigiosidade os problemas de um povo que no sabe resolver os seus problemas
É importante que se diga que o conceito de Lide em Carnelluti é de mão dupla: existe interesse e pretensão resistida de ambos os lados. Para os dois há direitos a serem defendidos. A priori os dois estão certos. E aí? Por que não uma conciliação? Por que ter que enfrentar toda burocracia e perda de tempo do longo caminho processual que se inicia na petição inicial e vai até a sentença (e eu nem vou falar das infinitas possibilidades de recursos…)?
A conciliação, do meu ponto de vista, pegando carona no Roberto Barroso, é o futuro da Justiça. Encontrar soluções é mais interessante. Pensemos como Vinicius de Moraes na música “Samba da Benção” ao dizer que:
A vida não é brincadeira, amigo;
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida.
Conciliar é possível. Conciliar é necessário. Entrar em acordo é o conselho que primeiro eu procuro dar. Não dá mais pra viver numa sociedade do “um ganha e outro perde", mas adotemos a teoria criada pelo matemático John Nesh: o princípio do ganha-ganha, pelo qual todos dialogando e cedendo saem beneficiados sem haver perdedores.
Hiperlitigiosidade os problemas de um povo que no sabe resolver os seus problemas
Então eis um desafio diante de nós. É lógico que nem sempre dá pra entrar em acordo, é lógico que o processo pode ser complicado demais pra negociar numa mesa de mediação e arbitragem, mas muitos de vocês talvez concordem comigo que em muitos casos"é conversando que a gente se entende”. Ou não?
Quem for contrário que se manifeste e exponha o porquê litigar e ir até o STF ou STJ é mais interessante e útil do ponto de vista econômico e social.
Um abraço a todos.
Wagner Francesco - teólogo e acadêmico de Direito.

http://wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/artigos/165184274/hiperlitigiosidade-o-problema-de-um-povo-que-nao-sabe-resolver-os-seus-problemas?utm_campaign=newsletter-daily_20150205_688&utm_medium=email&utm_source=newsletter

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Digressões Jurídicas: quando a liberdade de expressão invade o espaço no mundo reservado à fé.

Manifestações em redes sociais que ferem valores religiosos também sinalizam extremismo e falta de consciência. As ideias que propagam quaisquer formas de intolerância, desrespeito, violência, escárnio ou racismo devem ser repudiadas, a fim de que a harmonia entre os direitos à liberdade de expressão e à crença seja mantida. 

A reflexão que eu gostaria de propor aos colegas desta comunidade jurídica diz respeito à imagem abaixo:


Esta não é a primeira e nem será a última postagem que debocha escancaradamente de líderes ou personagens religiosos a circular pelas redes sociais. Aliás, é perceptível que imagens como esta ganharam ainda mais notoriedade após o atentado à sede do Charlie Hebdo, no início do mês de janeiro. Geralmente, essas manifestações são encontradas em grupos ou páginas de pessoas com orientação ateísta, mas, de modo viral e inconsciente, acabam sendo compartilhadas por diferentes perfis de usuários e grupos nas redes sociais.
Quem não é ateu e aprecia tais imagens, enxergando nelas “apenas humor”, talvez não consiga perceber a ofensa sofrida pelas milhões de pessoas que sustentam sua fé segundo os ensinamentos de uma religião. O exercício de se colocar no lugar do ofendido é um método eficiente para que o inconveniente zombador perceba que está agindo erroneamente. Entretanto, exigir do ateu que ele se coloque no lugar de um teísta é algo complexo e, por isso mesmo, faz com que muitas manifestações ofensivas ganhem vida. Nesse mar de motivações surgem brechas para intolerâncias de ambas as partes, que muitas vezes culminam em conflitos e ataques, alimentando a lei de ação e reação.
Alexandre Moraes utiliza a seguinte citação de Pinto Ferreira para esmiuçar o tratamento que o Estado Democrático confere ao direito à liberdade:
“o Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade [de expressão], que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob o aspecto negativo, referente à proibição da censura”. (FERREIRA, Pinto. Comentários... V.1, p.68 apud MORAES, grifo nosso).
A nossa Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade de expressão independente de censura (art. 5º, IX) e a livre manifestação de pensamento (art. 5º, IV); todavia, não se esquece de proteger a liberdade de consciência e de crença, dando-lhes o escudo da inviolabilidade. Para compreender a ofensa e a ilegalidade dessas manifestações basta refletir acerca deste caráter inviolável que a nossa Lei Maior conferiu ao direito de liberdade religiosa (de crença), previsto no art. 5º, VI. Aprofundando-se um pouco mais na interpretação teleológica do dispositivo mencionado e na doutrina de Alexandre Moraes, percebemos a necessidade de que o aspecto negativo proíba, além da censura, as manifestações de liberdade de expressão que violem e ofendam o direito à liberdade religiosa. A inviolabilidade visa proteger um direito fundamental que participa ativamente na construção da pessoa humana. Concluímos ainda que, a partir do momento em que um direito passa a ser exercido sem o equilíbrio necessário, ele acaba por interferir no exercício do outro, causando conflitos e desequilíbrios no mundo jurídico. A proibição não deveria partir de um ato do Estado, mas da própria consciência de cada pessoa que resolve manifestar suas ideias em público.
O Professor e Desembargador Roy Reis Fiede, na relatoria de agravo de instrumento interposto pelo MPF contra a Google para que fossem retirados vídeos com conteúdos de intolerância e discriminação religiosa, assim fundamentou sua decisão:
“...a liberdade de exteriorização do pensamento, em particular – a exemplo de outros direitos fundamentais -, não pode ser, de nenhum modo, interpretada de forma absoluta, posto que, em certas situações, poderá haver efetivo prejuízo social no que tange, entre outros, ao sinérgico desrespeito aos valores éticos da pessoa e da família”.
Sem o respeito às diversidades e a ponderação naquilo que se expressa não há como consolidar a democracia no Brasil e nem lutar pela paz mundial. Ativar o “filtro” da consciência não é um ato de autocensura, mas sim uma demonstração de sabedoria, equilíbrio e maturidade.
Fica por aqui esta proposta de reflexão acerca de um tema capaz de ensinar muito àqueles que apreciam o exercício do pensar.

Murilo Wya Almeida - Estudante de Direito
 http://ministromarley.jusbrasil.com.br/artigos/164522076/digressoes-juridicas-quando-a-liberdade-de-expressao-invade-o-espaco-no-mundo-reservado-a-fe?utm_campaign=newsletter-daily_20150203_676&utm_medium=email&utm_source=newsletter

 

Considerações acerca do pacto antenupcial I

1.1 Introdução
Em primeiro lugar desejamos a todos um feliz 2015, salientando o privilégio de discutirmos questões notariais e registrais nesse rotativo tão prestigiado.
Abordaremos hoje o pacto antenupcial, instituto ímpar do ordenamento jurídico, não só diante da multiplicidade em questões suscitadas, mas também pela complexidade de sua natureza e estrutura dentro da sistemática atual.
Apesar da figura do pacto antenupcial integrar o ordenamento brasileiro desde o domínio português, no âmbito das Ordenações, mantém-se a sua atualidade tanto nas discussões teóricas, quanto nas práticas. É importante a discussão acerca de sua natureza jurídica, dos limites à autonomia privada em sua celebração, além de questões formais decorrentes do processo de habilitação.
A importância de se determinar a natureza jurídica do pacto é, mais que meramente uma questão teórica, operacional, pois é por meio dela que se determinará até que ponto os conceitos próprios da Parte Geral do Código Civil – relativos à validade e capacidade, por exemplo – podem ser a ele aplicados. Urge também delinear com maior clareza os limites ao objeto do pacto, tendo em vista a autonomia privada estar limitada pela função social e pelo próprio dirigismo contratual. Nesse aspecto, entra em relevo a questão relativa à possibilidade de regramentos não patrimoniais serem objeto de pacto antenupcial, o que torna ainda mais complexa a sua limitação. Seria possível, por exemplo, uma cláusula de "relacionamento aberto" no pacto, mitigando o dever de fidelidade conjugal? Ou, ainda, estabelecer uma cláusula penal confirmatória da obrigação de fidelidade, punindo monetariamente uma eventual traição? Qual o limite da liberdade dos nubentes no estabelecimento das "regras do jogo" relativas ao próprio casamento? Numa sociedade complexa como a nossa, cada vez mais o destinatário da norma quer fazer valer "seus direitos" e exige do tabelião uma verdadeira ginástica para moldar um regramento deficitário à situação pessoal extremamente complexa.
O pacto antenupcial surgiu com a finalidade precípua de facultar aos nubentes a escolha do regime nupcial de bens, isto é, a norma do patrimônio dos nubentes que irá valer no casamento1. Assim, apesar da lei brasileira prever um regime supletivo2, que incide na ausência de convenção diversa, aos nubentes é via de regra facultado pactuar eles próprios o regime de bens que em seu matrimônio incidirá. Vigora, portanto, no ordenamento, o princípio da liberdade dos pactos antenupciais3.
Na prática, os contraentes adotam regime subsidiário da comunhão parcial de bens, não realizam pacto e habilitam casamento da maneira mais singela possível, desconhecendo a riqueza de situações que poderiam previamente acordar no pacto. O registrador civil que tem obrigação de informar o regime de bens acaba tendo dificuldade até diante da questão econômica de orientar as partes na confecção do pacto.
No Direito luso-brasileiro sempre foi usual a liberdade de convenção antenupcial. A gênese do costume é histórica, dado o sincretismo jurídico cultural presente no regime português, que refletia além do velho direito português fundado em seus costumes locais, o romanismo, o germanismo, bem como infiltrações feudais e canônicas, sem prejuízo do regime de comunhão universal também presente nas ordenações como o regime "segundo o costume do reino"4.
De fato, o pacto antenupcial encontra precedentes já nas Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1446 em Portugal. Nestas, porém, o regime de bens entre os conjugues era tratado de forma superficial e sem menção expressa ao pacto antenupcial. Em 1521, nas Ordenações Manuelinas, foi prevista a possibilidade de pactuação do regime de bens pelos nubentes, ao dispor que "todos os casamentos que forem feitos em Nossos Reynos, e Senhorios, se entendem ser feitos por carta de metade, salvo quando antre as partes outra cousa for acordado e contractado, porque entonce se guardará o que antre eles for concertado", apesar de não prever a forma e o objeto do pacto5.
Às Ordenações Manuelinas sucederam-se as Filipinas, que por sua vez trouxeram previsão semelhante quanto à possibilidade de escolha do regime de bens pelos nubentes através do pacto antenupcial. Nas Ordenações Filipinas vigia a liberdade de estipulação das convenções antenupciais quanto à administração dos bens dos conjugues6. Havia, não obstante, restrições a cláusulas ilícitas, ou seja, que ofendessem a lei, os bons costumes ou os fins naturais e sociais do casamento. Tais cláusulas, assim como as delas dependentes, seriam eivadas de nulidade, o que, porém, não acarretava a anulação do restante do pacto7.
No esboço de Código Civil publicado em 1861, Teixeira de Freitas tratou com acuidade da figura do pacto, abordando questões materiais, como o objeto do pacto, e questões formais concernentes a capacidade, nulidades, forma, etc. Restou portanto evidenciar a importância da figura do pacto antenupcial, como é possível se verificar com a leitura do art. 88: "os esposos podem excluir a comunhão de bens, no todo ou em parte, e estipular quaisquer pactos e condições, devendo-se guardar o que entre eles for contratado"8.
Três décadas mais tarde, foi previsto no decreto 181 de 24 de janeiro de 1890 (regulamentação do casamento civil), que a eficácia do pacto se condicionava à celebração do casamento. Apesar de manter a liberdade de regulamentação do regime de bens pelos nubentes, o decreto incluiu novas restrições, impondo, em determinados casos, o regime dotal e o de separação dos bens9.
Nos projetos seguintes, Felício dos Santos e de Antônio Coelho Rodrigues, trouxeram novidades, como a adoção de regimes mistos, deixando, porém, de tratar do tema de forma tão abrangente quanto o projeto de Teixeira Freitas. Por fim, o último dos projetos do código de 1916 foi o de Clóvis Bevilaqua, sem mudanças materiais significativas quanto à regulação do pacto, apesar de ter consolidado questões formais, como a necessidade do registro público do pacto nupcial, lavrado por meio de escritura notarial.
O art. 256 do Código de 1916, versava que "é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver", disposição esta reproduzida no Código atual, no art. 1639.
Muitos autores classificam o instituto como contrato sob condição suspensiva, logo, com eficácia condicionada à celebração do casamento, evento futuro e incerto. Ora, não é possível confundir a vontade de casar com a celebração do casamento em si, esta última não pode ser considerada um condição convencionada pelas partes, pois é antes um fato necessário imposto pela própria lei, independendo portanto da vontade particular, uma verdadeira "conditio iuris"10.
Ademais, sequer é consensual a qualificação do pacto antenupcial como contrato. É certo que a função primária do pacto antenupcial é o estabelecimento do regime de bens, o que o torna um negócio jurídico de intuito substancialmente patrimonial, o que o aproxima dos contratos. Contudo, a própria natureza patrimonial do pacto fica enfraquecida se consideramos a possibilidade de inclusão de cláusulas não patrimoniais, como se verá mais adiante. É bom lembrar aqui que a dignidade da pessoa humana (art. 13) no direito de família, implica em despatrimonialização e o que prestigia a aposição de cláusulas não patrimoniais.
Além disso, é possível apontar algumas características que afastam o pacto antenupcial – assim como pactos em geral – da categoria dos contratos. O contrato pode ser definido como um negócio jurídico fundado num acordo de vontades, cujo fim é criar, modificar ou extinguir direitos, ensejando assim a circulação de riquezas. O "acordo", em sentido amplo, integra o contrato, mas, em seu sentido técnico é estrito – como sinônimo de pacto – não se confunde com ele. De fato, se no contrato há uma composição de interesses contrapostos, no acordo há a fusão de interesses convergentes, paralelos entre si. Para os romanos, ainda, a distinção fundava-se nos efeitos: do pacto não decorreria a geração de direitos e obrigações mútuas para as partes, como ocorreria nos contratos11. Assim, apenas os contratos originavam direito de ação. No caso do pacto, o direito de defesa restringir-se-ia à via da exceptio, ou seja, na oposição de um fato impeditivo à outra parte12.
Nesse diapasão, seria impreciso classificar o pacto antenupcial como contrato, já que pactos e contratos constituem categorias jurídicas distintas. Para Pontes de Miranda, nesse sentido, o pacto antenupcial seria uma figura sui generis "que entre o contrato de direito das obrigações, isto é, o contrato de sociedade e o casamento mesmo, como irradiador de efeitos. Não se assimila, porém, a qual quer deles: não é simplesmente de comunhão, de administração, ou do que quer que se convencione; nem ato constitutivo de sociedade, nem pré-casamento, ou, sequer parte do casamento"13.
Logo, o que temos, na verdade, é uma figura que pode ser classificada como um negócio jurídico de direito de família. Segundo D. Gozzo, o pacto nupcial pode assim ser classificado como negócio jurídico sui generis do Direito de Família, tem seu locus próprio no ordenamento jurídico. Possui as características próprias desse tipo de negócio, a saber, o pessoalismo, o formalismo, o ser nominado e o ser legítimo14. É um negócio pessoal uma vez que só os nubentes podem dele fazer parte. Aqui é bom mencionar, é exceção quanto à possibilidade de doação antenupcial feita por terceiro aos contraentes, no pacto. É, ademais, formal, já que deve ser realizado mediante escritura pública, e nominado, pois possui previsão legal.
Essa concepção, que afasta o pacto antenupcial da categoria dos contratos, justifica certas peculiaridades do mesmo. Por exemplo, embora o Código Civil permita nas aquisições de direitos a figura da representação, o mesmo não ocorre nos pactos antenupciais. Isso, pois, se trata de disciplina de direito de família, em que incide bloqueio de legitimação e, que prescinde ainda, da análise dos efeitos que resultam do próprio negócio jurídico15.
Em arremate a todo o arrazoado, o pacto antenupcial é figura própria, sem qual quer identidade com os demais institutos no sistema jurídico, ocupando locus próprio, intrinsecamente ligado ao matrimônio. Nessa mesma linha de raciocínio, o pacto antenupcial tem peculiaridades que refogem aos demais institutos do direito civil.
No próximo Registralhas, abordaremos as implicações práticas dessa figura sui generis tão necessária para regular relações econômica e não econômicas da sociedade conjugal nos casamentos do século XXI. Até lá, alegria! 

Bibliografia.
Betti, Emilio, Teoria generale delle obbligazioni, v. III, Milano, Giuffre, 1954.
Bevilaqua, Clóvis, Direito da Família, 5ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1933, p. 185.
Bevilaqua, Clóvis, Direito da Família, 5ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1933.
Cretella Jr., José, Curso de Direito Romano, Rio de Janeiro, Forense, 1998.
Gomes, Orlando, Direito de Família, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999.
Pontes de Miranda, Francisco C., Tratado de Direito Privado – Parte Especial, Dissolução da Sociedade Conjugal e Eficácia Jurídica do Casamento, t. VIII, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.
Tese (Mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1988.
__________

Por Vitor Frederico Kümpel

 *O artigo foi escrito em coautoria com Giselle Viana, graduanda da Faculdade de Direito da USP e pesquisadora jurídica.
__________
1F. C. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado – Parte Especial, Dissolução da Sociedade Conjugal e Eficácia Jurídica do Casamento, t. VIII, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 314.
2De acordo com o art. 1.640 do Código Civil, no silêncio das partes, ou diante da nulidade ou ineficácia do pacto, "vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial".
3O. Gomes, Direito de Família, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 173.
4F. C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 1 supra), p. 306.
5D. Gozzo, Pacto Antenupcial, Tese (Mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1988, p. 6.
6Ordenações Filipinas, 4, XLVI, pr 7: "Todos os casamentos feitos em nossos Reinos e senhorios se entendem serem feitos por Carta de ametade; salvo quando entra as partes outra cousa for acordada e contractada, porque então se guardará o que entre elles foir contractado."
7C. Bevilaqua, Direito da Família, 5a ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1933, p. 184.
8Apud D. Gozzo, Pacto cit (nota 5 supra), p. 9.
9O art. 59 do aludido diploma, por exemplo, estabelecia a obrigatoriedade do regime dotal nas hipóteses elencadas no artigo antecedente, que abarcava, por exemplo, a hipótese da nubente menor de 14 anos ou maior de 60 (art. 58, parágrafo 1º), ou dos conjuges parentes em 3º grau (art. 58, parágrafo 3º).
10D. Gozzo, Pacto cit. (nota 5 supra), p 47.
11J. Cretella Jr., Curso de Direito Romano, Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 247.
12E. Betti, Teoria generale delle obbligazioni, v. III, Milano, Giuffre, 1954, p. 7.
13F. C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 1 supra), p. 313.
14D. Gozzo, Pacto cit. (nota 5 supra), p 42.
15F. C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 1 supra), p. 310

http://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI215003,91041-Consideracoes+acerca+do+pacto+antenupcial+I

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A ilegalidade da exigência de 3 provas pelo INSS para reconhecimento da União Estável

A Lei de Benefícios da Previdência Social estabelece que a companheira ou companheiro que convivem em união estável é dependente um do outro, fazendo jus aos benefícios previdenciários na condição de dependente do segurado que falecer. Referida regra está inserida no artigo 16 da Lei 8.213/91.
A Constituição Federal determina, para efeito da proteção do Estado, que é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
O Código Civil esclarece o que é União Estável da seguinte forma: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Para ser configurada a união estável não é necessário a convivência de um período de cinco anos ou qualquer outro prazo, pois a lei não estabelece um período mínimo para que seja caracterizada uma união estável. Independentemente do tempo de convivência em união estável, é necessário que esta união contemple alguns elementos, a saber:
  • Deve ser entre Homem e Mulher (existem exceções);
  • Convivência deve ser pública;
  • A união deve ser duradoura; Deve ter por objetivo a constituição de uma família.
Em relação ao primeiro elemento em que a lei estabelece que a união estável dever ser entre homem e mulher, a jurisprudência reconhece a possibilidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo. Entendemos que tal posicionamento é equivocado do ponto de vista legal, pois caberia ao Poder Legislativo determinar referida regra e não o Poder Judiciário.
Porém, do ponto de vista econômico e social, referida medida parece ser adequada. Esta discussão requer a redação de um artigo próprio, devido às suas especificidades que não é objeto deste escrito. A questão da união estável ser duradoura, não significa que deve ter um prazo mínimo para ser caracterizada a união estável.
A lei não estabelece nenhum prazo, mas isto deve ser analisado individualmente em cada caso concreto, pois podemos afirmar que uma união de apenas 3 meses pode ser suficiente para caracterizar a união estável, desde que presentes os outros elementos. Também podemos afirmar, por outro lado, que uma união de 1 ano pode não ser considerada como união estável, na hipótese dos demais elementos não estarem presentes nesta relação.
Para fins de concessão de benefício de pensão por morte, o companheiro ou companheira está qualificado como dependente de primeira classe, isto significa que a dependência econômica é presumida e não exige prova. A Constituição Federal, o Código Civil, assim como a Lei de Benefícios Previdenciários 8.213/91, não exigem prova documental da existência da união estável. Desde que preenchidos os elementos necessários para caracterização da união estável, este fato deve ser reconhecido por todos, inclusive pelo INSS.
Muitos benefícios de pensão por morte são indeferidos pelo INSS por motivo de falta de prova de qualidade de dependente quando não são apresentados 3 provas documentais da existência da união estável. Entendemos que a exigência por parte do INSS de 3 provas documentais para aceitar a união estável alegada pela requerente do benefício de pensão por morte é ilegal e fere o princípio da hierarquia das leis.
Não existe, conforme já afirmamos, qualquer regra que determine a prova inequívoca da união estável para qualquer efeito ou finalidade, desde que presentes os seus elementos caracterizadores. Nem mesmo na Lei 8.213/91 que trata da concessão de benefícios previdenciários, existe qualquer regra ou restrição em relação ao reconhecimento da união estável. Porém, o INSS utiliza o Decreto 3.048/99 para justificar a exigência de 3 provas documentais para reconhecimento da união estável. Não temos o propósito de entrar em questões teóricas ou filosóficas, mas, entendemos que existe uma hierarquia das leis, devendo prevalecer a de maior hierarquia sobre a de menor.
Assim, podemos afirmar, sob o ponto de vista da prova da união estável que: Constituição Federal é a regra mais importante; Código Civil é a segunda regra mais importante; Lei de Benefícios Previdenciários é a terceira regra mais relevante. Nenhum dos regulamentos legais acima exigem qualquer prova documental para o reconhecimento da união estável.
É evidente que para se evidenciar a união estável, o companheiro ou companheira deve apresentar algum documento, fotografia, existência de filhos em comum, além de outros elementos para que seja esclarecida a existência de referida união.
No âmbito da Justiça Cível são aceitos todos os documentos que possam evidenciar a união estável, assim como, na falta de prova documental, é possível evidenciar tal fato por intermédio de prova exclusivamente testemunhal. Sabemos que para fins de prova de tempo de serviço ou contribuição, é exigido a existência de início de prova material, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal. Porém, referida regra não se aplica para prova de união estável, pois não há nenhum dispositivo legal determinando que a prova da união estável, para fins previdenciários, deve ser por intermédio de início de prova documental.
O INSS utiliza como fundamento para exigir 3 provas documentais da união estável a regra constante no artigo 22, § 3º do Decreto 3.048/99, conforme segue:
§ 3º Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, devem ser apresentados no mínimo três dos seguintes documentos:
I - certidão de nascimento de filho havido em comum;
II - certidão de casamento religioso;
III - declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente;
IV - disposições testamentárias;
V - (Revogado pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
VI - declaração especial feita perante tabelião;
VII - prova de mesmo domicílio;
VIII - prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil;
IX - procuração ou fiança reciprocamente outorgada;
X - conta bancária conjunta;
XI - registro em associação de qualquer natureza, onde conste o interessado como dependente do segurado;
XII - anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados; XIII - apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária;
XIV - ficha de tratamento em instituição de assistência médica, da qual conste o segurado como responsável;
XV - escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome de dependente;
XVI - declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; ou
XVII - quaisquer outros que possam levar à convicção do fato a comprovar.
Em regra, quando não apresentado ao INSS pelo menos 3 provas da relação acima, o benefício de pensão por morte é indeferido por falta de prova de qualidade de dependente.
Até mesmo uma decisão judicial de reconhecimento de união estável é desprezada pelo INSS. Assim, para exemplificar o absurdo que é praticado pelas agencias do INSS, a dependente pode apresentar os seguintes documentos abaixo relacionados que, mesmo assim, não terá o reconhecimento da sua união estável para fins previdenciários, vejamos:
  • Certidão de nascimento de 4 filhos;
  • Fotografias com o companheiro;
  • Decisão judicial que reconhece a união estável;
  • Cinco testemunhas que acompanharam a união estável de mais de 20 anos; Contrato de locação onde o companheiro sobrevivente reside, firmado pelo falecido.
Os documentos acima indicados foram objeto de um caso real onde uma dependente requereu o benefício de pensão por morte e teve o seu pedido indeferido pelo INSS por não ter reconhecido os documentos acima apresentados.
A justificativa do INSS é que a certidão de nascimento de 4 filhos em comum com o segurado falecido é reconhecida como apenas uma prova, assim como não reconhece fotografias, provas testemunhais e decisão judicial de reconhecimento de união estável. Entendemos que a posição do INSS, além e injusta, é ilegal, pois faz exigência que não está prevista na lei e utiliza de interpretação equivocada para exigir as 3 provas documentais.
Seguem as nossas justificativas:
Não pode o Decreto 3.048/99 que é uma regra inferior à Constituição Federal e ao Código Civil, assim como está abaixo da Lei de Benefícios 8.213/91, estabelecer regras que não constam nestes regulamentos legais. Cabe apenas e tão somente ao Decreto esclarecer e viabilizar a aplicação da lei e não criar restrições inexistentes.
Na pior das hipóteses, mesmo aceitando a aplicação do Decreto 3.048/99 como justificativa da exigência das 3 provas materiais, no próprio Decreto não existe regra específica exigindo provas para a união estável, pois o § 3º do artigo 22 que é utilizado como fundamento pelo INSS para exigir as provas, trata-se de exigência de prova da dependência econômica e não da união estável. Uma vez que a dependência econômica do companheiro é presumida, não é lógico utilizar o mesmo critério que é utilizado na dependência econômica para a união estável.
Não é correto impedir a produção de prova testemunhal da união estável, pois não há impedimento legal para que referida prova seja apresentada em favor do dependente.
O inciso XVII do artigo 22, § 3º do Decreto 3.048/99, estabelece que o INSS deve aceitar qualquer outro documento que levar à convicção do fato a ser comprovado. Na prática o referido dispositivo é inexistente para o INSS, pois este órgão só aplica e interpreta a legislação em seu favor e em prejuízo do dependente que busca a concessão do benefício. Esta situação é evidenciada com o indeferimento do benefício mesmo com a apresentação de dezenas de provas que não estão identificados no rol estabelecido pelo INSS. Existem vários outros argumentos para justificar a irregularidade cometida pelo INSS em relação à exigência de 3 prova documentais para aceitar a existência da união estável para fins de concessão do benefício de pensão por morte, mas vamos nos limitar aos quatro fundamentos já lançados que, do nosso ponto de vista, já são mais do que suficientes para justificar a concessão do benefício no âmbito administrativo.

Fonte: http://ramosprev.com.br/exigencia-provas-inss-união-estável/
Autor: Waldemar Ramos Junior

http://ramosprev.jusbrasil.com.br/artigos/164297564/a-ilegalidade-da-exigencia-de-3-provas-pelo-inss-para-reconhecimento-da-uniao-estavel?utm_campaign=newsletter-daily_20150202_667&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Direitos do embrião

"Já não se pode limitar o direito do nascituro apenas ao de nascer."
Eudes Quintino de Oliveira Júnior


O Direito é uma ciência que não se esgota em uma única dimensão. Assim, por ser evolutivo e protetivo, todo fato novo com relevância social reclama sua participação, com a utilização de ferramentas próprias para a alcançar a eficácia da medida.
A 5ª câmara de Direito Civil do TJ/SC decidiu pela procedência do pedido de indenização referente ao seguro DPVAT. Isto porque, em razão de um acidente automobilístico, a autora da ação contava com 37 semanas de gestação, quando ocorreu a morte do nascituro. A decisão foi calcada na interpretação do disposto no art. 2º do CC: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".
O embrião surge como agente de tutela estatal em várias oportunidades. A Declaração dos Direitos da Criança, promulgada pela Assembleia Geral da ONU, preconiza que a criança, em razão de sua imaturidade física e mental, necessita de proteção legal apropriada, tanto antes como depois do nascimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente acrescenta ainda o direito de proteção à vida e à saúde, proporcionando um nascimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Já não se pode limitar o direito do nascituro apenas ao de nascer. E sim ampliá-lo e agregar a ele o nascer com dignidade, com saúde, com a proteção estatal necessária, extensiva à sua mãe, de quem é dependente na vida pré-natal. Pode o embrião, desta forma, pela projeção alcançada, figurar como interessado em ação de alimentos, investigação de paternidade e outros direitos compatíveis com sua condição de concebido, mas não nascido.
Tanto é que a lei 11.804/08, conhecida impropriamente como "alimentos gravídicos", confere direito à mulher gestante, não casada e que também não viva em união estável, de receber alimentos, desde a concepção até o parto. Para tanto, deverá ingressar com o pedido judicial em desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base em indícios de paternidade, a obrigação alimentar do suposto pai, que poderá contestar, mas em restrito núcleo cognitivo também.
Agora, no entanto, em razão evolução da engenharia genética, já é possível a realização no Brasil de exame não invasivo consistente na procura do DNA fetal circulante na mãe e compará-lo com o material fornecido pelo pretenso pai. O avanço científico é tamanho
que, além do objetivo da paternidade, carrega precisão quase que incontestável no sentido de demonstrar que o embrião seja portador de síndromes de Down, Edwards, Patau, Turner, Klinefelter e Triplo X.
O nascituro, conforme se extrai do regramento pátrio, tem seus direitos preservados, porém não é detentor de capacidade jurídica. Tanto é verdade que, se não tiver pai e a mãe não for a responsável pelo poder familiar, a ele será nomeado um curador, que poderá, dentre outros direitos, representá-lo como donatário e pleitear em favor dele assistência médica. Defere-se ao embrião uma tutela sui generis. O status conferido a ele é totalmente divorciado daquele preconizado pelos romanos, no sentido de que o feto é apenas parte das vísceras da mulherpars viscerum matris –e que dele podia dispor, de acordo com sua conveniência, pois, enquanto não fosse dado à luz não seria considerado ser humano.
Tramita pelo Congresso Nacional o PL 478/07, dos deputados Luiz Bassuma (PT/BA) e Miguel Martini (PHS-MG), que dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Define o nascituro como sendo o ser humano concebido, mas não nascido, compreendendo aquele concebido "in vitro" ou por qualquer outro meio científico eticamente aceito. A respeito da personalidade humana estabelece que a adquire com o nascimento com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através do estatuto, da lei civil e penal. É a repetição do pensamento do médico francês Jérôme Lejeune, pai da genética moderna, responsável pela descoberta de um cromossomo a mais sobre o par 21, quando avaliava uma criança com Síndrome de Down. Sua revelação, porém, contra sua vontade, começou a trilhar pela interrupção da gravidez de embriões portadores da doença. Veio a público defender o pensamento que, mesmo sendo um embrião portador de doença, deveria ser respeitado desde sua concepção até sua morte natural, em nítida luta contra o aborto.
Desta forma, por meio do Direito, o homem vai extrapolando o próprio conceito de concepção e vida humana e novos caminhos vão se abrindo para conferir ao embrião uma tutela mais abrangente. O direito à vida é inerente à pessoa humana e, pelo seu caráter de indisponibilidade, merece proteção desde a concepção, com o direito de nascer. Após, em todas as suas fases, infância, juventude, maioridade, maturidade e velhice, o homem continua recebendo a proteção legal compatível com seu estágio e vai acumulando direitos até se transformar numa fonte inesgotável, chamada de sujeito pleno de direitos.
Desta forma, o embrião, em sua clausura silenciosa, tem voz suficiente para transformar o mundo exterior para que possa recebê-lo com a pompa merecida e, principalmente, para que sua mãe possa ter as melhores condições de vida e saúde para gerá-lo. É um sujeito sem personalidade jurídica própria, mas com muita personalidade, convenhamos. Mesmo sem ter nascido, projeta-se como uma pessoa humana. É bom não esquecer que o homem de hoje foi o embrião de ontem.

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI214867,101048-Direitos+do+embriao