quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A luz "acabou"? Saiba quais são seus direitos!

O blog Defesa do Consumidor compartilha orientações do Coordenador do Procon/MG sobre os principais direitos dos usuários em caso de interrupção do serviço de energia elétrica. Confira. A energia pode faltar, mas o exercício da cidadania nunca!
Importante! O texto foi reproduzido na íntegra. Todavia onde menciona Anatel o correto é Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica)


No verão, interrupções no fornecimento de energia elétrica são mais comuns que em outras épocas do ano. Fortes chuvas, raios e quedas de árvores são algumas das principais causas para o problema. Por isso, nesse período o consumidor precisa ter uma atenção especial com seus eletrodomésticos. Tais equipamentos, principalmente computadores, geladeiras e TVs, são muito sensíveis e podem queimar.
Como em todas as situações da vida, o melhor a fazer é evitar transtornos. Portanto, a primeira providência a ser tomada em caso de chuvas acompanhadas de trovões é desligar o maior número possível de aparelhos eletrodomésticos da tomada. Depois que a energia cai, seu retorno repentino pode vir acompanhado de um pico de voltagem mais alto que o suportado pelos aparelhos, ocasionando a sua queima.
Porém, caso o problema aconteça, o consumidor tem o direito de ser ressarcido pela concessionária de energia, com base na Resolução 414 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e no Código de Defesa do Consumidor. O coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Marcelo Barbosa, orienta que o primeiro passo é entrar em contato com a empresa para formalizar a reclamação. “O consumidor deve informar qual equipamento foi danificado e pedir que a concessionária verifique se o problema foi de fato causado pela variação abrupta de energia”, afirma. Barbosa lembra que é fundamental exigir o protocolo de atendimento.
A Resolução 414 da Anatel determina que a empresa tem 45 dias para dar uma solução ao caso. Assim, dentro desse período a companhia vai indicar ao consumidor uma lista de oficinas de assistência técnica autorizadas a fazer a perícia no equipamento. O cliente não deve levar o produto a um local não credenciado pela concessionária, alerta o coordenador do Procon Assembleia.
Constatado que o defeito foi provocado pelo pico de energia, o aparelho deve ser consertado. Se isso não for possível, a empresa tem a obrigação de ressarcir o consumidor, seja oferecendo um produto semelhante ao que estragou, seja reembolsando com o valor equivalente.
Outros problemas – Os prejuízos provocados pela falta de energia não se limitam à queima de equipamentos eletroeletrônicos. Muito tempo sem luz pode fazer com que os produtos que estão na geladeira apodreçam. Nesse caso, o ressarcimento, apesar de possível, é mais complicado.
O consumidor precisa provar para a concessionária que tais produtos estragaram por causa da falta de energia. Entre as formas de conseguir isso estão fotografias, testemunhas e anotações relativas ao tempo que o local ficou sem energia. Com toda a documentação possível reunida, o consumidor deve procurar a companhia e pedir a compensação do prejuízo. A empresa não tem prazo para dar uma resposta. Se não houver acordo, o único caminho é a via judicial.
Por norma, a falta de luz deve ser restabelecida em até três horas em área urbana e em até seis em área rural. Caso isso não aconteça, o consumidor tem direito de ser compensado com crédito na conta até dois meses depois do incidente. Para ter controle do tempo exato que ficou sem energia, deve-se registrar cada período de interrupção no fornecimento. O Procon Assembleia orienta que o consumidor ligue para a concessionária assim que acabar a luz e anote datas e horários de desligamento e de retorno da eletricidade, lembrando sempre de exigir o protocolo de atendimento.
Fonte – Procon Assembleia – Assessoria de Imprensa
Disponível também em: Defesa do Consumidor
DICA: Se o consumidor após realizar reclamações junto a concessionária de energia elétrica e agência reguladora não obtiver êxito, deve procurar um advogado e, se for o caso, ingressar na justiça.

http://diligenciasbhforumtribunais.jusbrasil.com.br/artigos/266995173/a-luz-acabou-saiba-quais-sao-seus-direitos?utm_campaign=newsletter-daily_20151214_2447&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Boa-fé objetiva: Seguradora só pode alterar contrato se provar desequilíbrio atuarial

Ocorrendo desequilíbrio atuarial, a seguradora tem o direito de se recusar a renovar seguro de vida nos moldes em que vinha sendo contratado, ofertando um novo produto. No entanto, tem de provar este desequilíbrio, a fim de não ferir a boa-fé objetiva.
Por não haver essa prova, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou condenação de uma seguradora a renovar o contrato de seguro de vida de um consumidor de Porto Alegre, mantendo as garantias inicialmente contratadas, sem majoração do prêmio em razão da alteração da faixa etária. Com isso, o contrato só será reajustado pelos índices legais acertados na assinatura do seguro, em 1986.
A Porto Seguro ameaçou rescindir unilateralmente o contrato em 2007, alegando impossibilidade de manter os termos pactuados há 21 anos, para adequar os produtos à ‘‘nova realidade jurídica e econômica’’ no segmento do seguro de pessoas no Brasil. As justificativas para a modificação foram poder atender a normativa da Circular Susep 302 (editada em 2005) e o artigo 774 do Código Civil — a recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez. Ou seja, ou o autor aceitava os ‘‘novos produtos’’ ou restava extinto o contrato antigo.
O juiz Sílvio Tadeu de Ávila, da 16ª Vara Cível do Foro Central da capital, observou que, entre 2003 e 2007 — quando já tinha conhecimento dos novos cenários —, a seguradora continuou renovando a apólice do autor. ‘‘Casualmente’’, entretanto, um mês após o segurado completar 61 anos, a empresa notificou-o para que escolhesse novos planos, se assim o desejasse. ‘‘Destarte, inegável que a conduta da ré é antijurídica e abusiva, reclamando a prestação judicial, devendo ser mantido o contrato nos moldes em que foi inicialmente firmado, a fim de respeitar os princípios da segurança jurídica e estabilidade das relações’’, escreveu na sentença.

Relativização contratual
O relator que negou a apelação da seguradora na 6ª Câmara Cível, desembargador Ney Wiedemann Neto, escreveu no acórdão que a relação contratual não deve se restringir tão somente àquilo que está escrito no contrato. É mais do que isso. Ambas as partes estão obrigadas a cumprir os deveres secundários ou instrumentais de lealdade, consideração, respeito, exigidos pela boa-fé objetiva, prevista no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). A mesma obrigação vem expressa no artigo 422 do Código Civil. Com isso, a ‘‘denúncia do contrato’’ teria de ser motivada.
‘‘Ao determinar o cancelamento do seguro de vida, tampouco a seguradora juntou estudo atuarial demonstrando o suposto aumento da sinistralidade que teria acarretado o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de seguro. São meras ilações ou argumentos de retórica, só isso’’, constatou Wiedmann.
O relator salientou que os contratos de consumo de longa duração merecem tratamento diferenciado da concepção clássica da liberdade de contratar. ‘‘Em casos de sucessivas renovações de contratos de seguro, especialmente de vida, o segurado acaba por ser imbuído a acreditar na segurança e manutenção do vinculo contratual, sendo abusiva a rescisão unilateral imotivada e a negativa de renovação, por expressa afronta ao princípio da boa-fé objetiva e aos direitos do consumidor’’.
O acórdão foi lavrado na sessão de 19 de novembro.
Clique aqui para a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2015, 7h24
http://www.conjur.com.br/2015-dez-14/seguradora-alterar-contrato-provar-desequilibrio-atuarial

Banco responde por furto em estacionamento oferecido a clientes

A instituição financeira que oferece estacionamento a seus clientes, mesmo que gratuito, responde pelos delitos ocorridos no local. De acordo com o desembargador federal Hélio Nogueira, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, é pacífico o entendimento de que o banco é responsável por delito praticado nas dependências e adjacências da agência, na medida em que a segurança é essencial à sua atividade.
Assim, o desembargador reformou sentença e condenou a Caixa Econômica Federal a indenizar por danos materiais um cliente que teve furtado o aparelho de som automotivo nas dependências da agência do banco em 2004.
Para o desembargador, é devida a condenação do agente financeiro ao pagamento do dano material sofrido pelo autor, conforme prescreve o caput do artigo 927 do Código Civil. que "aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
O cliente afirmou que se dirigiu à instituição financeira a fim de requerer o levantamento do FGTS da mulher. Deixou o automóvel em estacionamento disponibilizado pelo banco e, na volta, notou que o aparelho de som do veículo havia sido furtado.
Em primeira instância, o pedido do cliente foi julgado improcedente por entender que não se configurou no caso o contrato de depósito, instituto apto a gerar responsabilidade à instituição financeira, uma vez que fornecia estacionamento a título gratuito, sem qualquer contraprestação pelos usuários. Não disponibilizava, também, qualquer funcionário para exercer a guarda e vigia dos veículos estacionados, limitando-se, tão somente, a oferecer espaço para a guarda dos veículos.
Indignado, o autor apelou ao TRF-3 alegando ser dispensável a configuração do contrato de depósito, pois o mero fato de o banco disponibilizar estacionamento gratuito atrai clientela, devendo, assim, se responsabilizar pelos pertences que ali se encontram.
Ao reformar a sentença, o desembargador federal Hélio Nogueira ressaltou que o oferecimento pelo banco de estacionamento em local de seu domínio, ainda que não remunerado, atrai clientela, justamente por oferecer aos seus clientes comodidade e a sensação de segurança como atrativo ao uso de seus serviços bancários, como parte do negócio jurídico. "Assim, quando tal expectativa gerada pela demandada é frustrada, é seu dever indenizar os clientes que captou pelos danos sofridos."
Para ele, nesses casos, a responsabilidade da instituição financeira no caso é objetiva, consoante disposição do artigo 14, parágrafo 1º do Código de Defesa do Consumidor.
“Assim, em decorrência dos riscos inerentes à sua atividade, impõe à CEF dever de segurança em relação ao público e, sobretudo, à sua clientela, obrigação que não se afasta com a mera alegação de caso fortuito ou força maior. Embora, no caso em tela, exista evidente concausa (causa simultânea) de terceiros, não há como a instituição financeira se eximir da responsabilidade pela ocorrência do evento ante o seu descuido e indiligência na prestação de serviço”, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-3.
Clique aqui para ler a decisão.
Apelação Cível 0002563-30.2004.4.03.6103/SP

Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2015, 13h56
http://www.conjur.com.br/2015-dez-14/banco-responde-furto-estacionamento-oferecido-clientes

STJ concede preferência a condôminos na compra de coisa divisível

Inicio minha participação nesta importante coluna, mantida pela Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo, agradecendo ao honroso convite formulado pelo professor Otávio Luiz Rodrigues Jr.. Escrever para a ConJur e para a coluna Direito Civil Atual é motivo de muito orgulho.
Tratarei do direito de preferência do condômino na compra de fração de imóvel indiviso à luz do artigo 504 do CC/2002, tendo por base a recente decisão proferida pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.207.129/MG, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, julgado no dia 16 de junho de 2015.
O artigo 504 do CC/2002 dispõe que “não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto [...]” (grifou-se).
Com base em tal premissa, a Justiça de Minas Gerais negou o direito de preferência a um casal que pretendia adquirir parte de uma fazenda da qual já era coproprietário. Segundo o Tribunal de Justiça mineiro, o imóvel era passível de cômoda divisão, razão pela qual a regra do artigo 504 do CC/2002 seria inaplicável.
O litígio chegou ao STJ e relembrou a discussão que era travada em torno do tema por suas turmas de Direito Privado. Ambas, sob a égide do CC/1916, sustentavam posições diametralmente opostas.
A 3ª Turma, influenciada por Pontes de Miranda, Silvio Rodrigues e Carvalho Santos, adotava interpretação restritiva. Entendiam seus membros que admitir a preferência aos proprietários de imóveis meramente indivisos aumentaria extraordinariamente a restrição estabelecida na norma. Fosse essa a vontade do legislador — ressaltou o ministro Eduardo Ribeiro no julgamento do REsp 60.656-0/SP, ocorrido em 1996 —, teria consignado que ao condômino não era dado vender sua parte a estranhos. Na oportunidade, acrescentou que a inconveniência de se introduzir um estranho na comunhão não se verifica quando o bem pode ser dividido. E lembrou que no projeto do CC/1916 não havia alusão à coisa indivisível, cuja modificação resultou de emenda introduzida no Senado por Rui Barbosa.
De fato, uma análise literal dos artigos 504 do CC/2002 e 1.139 do CC/1916, aliada à ideia de divisão cômoda, faz supor que o direito de preferência ali previsto seja restrito aos imóveis indivisíveis. Aliás, Carvalho Santos, com apoio em Melquíades Picanço, sustentava que a possibilidade de divisão era razão suficiente para afastar os dissabores da entrada de um estranho na comunhão[1].
Contudo, para Clóvis Beviláqua, os inconvenientes decorrentes da entrada de um estranho no condomínio são os mesmos, seja o bem divisível ou indivisível. Segundo deixou assente em sua obra, a distinção não se justifica, porque no estado de comunhão as coisas estão indivisas. E acrescentou que a emenda de Rui Barbosa não foi feliz[2].
Pontes de Miranda, a despeito de defender a interpretação restritiva, teceu críticas ainda mais severas à emenda. Destacou que Rui Barbosa, sem refletir suficientemente sobre o tema e com superficialidade de argumentos, fez constar a expressão “coisa indivisível” para afeiçoar o texto ao artigo 1.566 do CC português de 1867. Este, todavia, era defeituoso e, por obra da doutrina, foi complementado, passando a constar “coisa indivisível ou indivisa[3].
Imperativo consignar que após a publicação da obra de Pontes de Miranda, o legislador português promulgou seu atual CC (Decreto-lei 47.344, de 25/11/1966[4]), o qual foi além. A norma deixou de fazer referência a imóvel indivisível ou indiviso[5], estendendo, com isso, a preferência ao comunheiro de condomínio pro diviso. E em outro dispositivo, ainda concedeu o direito de preferência aos proprietários de terrenos confinantes[6].
Nesse contexto, a 4ª Turma do STJ, influenciada por Clóvis Beviláqua, Caio Mário da Silva Pereira, Carvalho de Mendonça, e, mais recentemente, por Otávio Luiz Rodrigues Junior, José Osório de Azevedo Júnior[7] e Nelson Rosenvald, consagra a interpretação mais abrangente.
Um dos fundamentos constantes de seus julgados está em que a finalidade da norma é impedir que estranhos ingressem no condomínio. Para o ministro Luis Felipe Salomão, ao conceder o direito de preferência aos demais condôminos, pretendeu o legislador conciliar os objetivos do vendedor com o intuito dos demais proprietários, evitando desentendimentos decorrentes da entrada de um estranho no grupo.
Aliado a isso, deve-se manter a coerência do sistema, sobretudo com o disposto no artigo 1.314, parágrafo único, do CC/2002, segundo o qual “nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros”. A leitura desse dispositivo, conjugada com a do artigo 504 do CC/2002, induz à conclusão de que a venda de parte ideal do bem a estranhos depende do consenso dos demais comunheiros, haja vista que a posse, o uso e o gozo, nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, são “um minus em relação à transferência de propriedade”.
Essa tese já havia prevalecido quando do julgamento do REsp 489.860/SP pela 2ª Seção. No seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, também defendeu que a leitura do artigo 1.139 do CC/1916 (atual artigo 504 do CC/2002) deveria ocorrer de acordo com o artigo 633 do CC/1916 (artigo 1.314, parágrafo único, do CC/2002). Referido recurso havia sido distribuído à 3ª Turma, mas foi afetado à 2ª Seção justamente em razão do desacordo existente entre as turmas de Direito Privado. O julgamento ocorreu em 2004, mas o litígio era regido pelo CC/1916.
Um outro aspecto corrobora a conclusão supra. O artigo 623, inciso III, do CC/1916[8] havia sido modificado pelo Decreto Legislativo 3.725/19, que fez inserir no primeiro, próximo da expressão “indivisa”, uma menção ao artigo 1.139 do mesmo diploma (atual artigo 504 do CC/2002). Tal mudança sugere a intenção de corrigir a impropriedade da restrição prevista no último, ampliando o conceito de indivisibilidade para incluir as coisas indivisas.
Malgrado a expressão “parte indivisa” tenha sido substituída por “parte ideal” na versão atual do dispositivo (artigo 1.314, caput, do CC/2002), não se tem notícias de maiores debates em torno da alteração[9], muito menos que esta tenha ocorrido com o objetivo de restringir o alcance do artigo 504 do CC/2002. Tal rigidez, aliás, não se verificou no legislador de 2002, que, inclusive, estendeu o direito de preferência ao coerdeiro (artigos 1.794 e 1.795 do CC/2002).
Além das interpretações teleológica e sistemática, a atual 4ª Turma recordou de outro fundamento, de ordem pragmática. No julgamento do REsp 9.934/SP, ocorrido em 1993, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira sustentou que provar a indivisibilidade, muitas vezes, é tarefa dificílima, pois nem sempre há consenso entre os coproprietários sobre a espécie de condomínio, se divisível ou indivisível.
De fato, a comprovação da divisibilidade econômico-jurídica — que não era prevista no CC/1916, mas já era assimilada pela jurisprudência[10] — não é tarefa fácil.  Há casos em que a demonstração da divisibilidade demanda intensa atividade probatória, com avaliações, pesquisas de preço e contraprova de ambas as partes, dificultando sobremaneira a solução do litígio.
Com base em tais fundamentos, a 4ª Turma do STJ, por meio do REsp 1.207.129/MG, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, cassou as decisões proferidas pela Justiça Mineira e determinou a remessa dos autos ao primeiro grau para exame dos demais requisitos da ação de preferência. Com isso, manteve a coesão de seus precedentes, em consonância com a posição da Segunda Seção, agora sob a égide do CC/2002.
Acredita-se que tal decisão influenciará a jurisprudência dos demais tribunais pátrios, pois é o primeiro precedente do STJ a tratar especificamente do tema após a entrada em vigor do CC/2002.
É bem verdade que a divergência em torno do tema impede que se arrisque uma previsão para o futuro. A prudência impõe que se aguarde a posição da 3ª Turma, cujos membros atuais não participaram dos julgamentos anteriores, nem atuaram na Segunda Seção quando da uniformização do entendimento em 2004.
De todo modo, o precedente representa uma excelente razão para que se reflita sobre o tema. Quiçá os legisladores venham a propor a exclusão da expressão “em coisa indivisível” do artigo 504 do Código Civil, a exemplo do que fez o Parlamento Português, cuja norma influenciou a redação do dispositivo correspondente no Código Civil brasileiro de 1916.
* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).
1] CARVALHO SANTOS, João Manuel de. Código Civil brasileiro interpretado (principalmente do ponto de vista prático). 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1972. v. 16: arts. 1.122-1.187. p. 169.
[2] BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. ed. histórica. 7. tiragem. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1984. v. 2: IV-VI. p. 249.
[3] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualizado por Cláudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. t. 39: direito das obrigações: compra-e-venda, troca, contrato estimatório. p. 308.
[4] Disponível em: <http://www.stj.pt/ficheiros/fpstjptlp/portugal_codigocivil.pdf>.
[5] Art. 1409º, item 1, do CC português de 1966.
[6] Art. 1380º, item 1, do CC português de 1966.
[7] Referido autor, a propósito, formulou proposta de enunciado sobre o tema na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/volume_I.pdf/view>.
[8] “Art. 623. Na propriedade em comum, compropriedade, ou condomínio, cada condômino ou consorte pode: [...] III – alhear a respectiva parte indivisa, ou gravá-la (art. 1.139)”.
[9] Segundo Carlos Alberto Dabus Maluf, o art. 1.314 do CC 2002 “não foi alvo de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara de Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto” (Código civil comentado. SILVA, Regina Beatriz Tavares da Silva (coord.). 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1246).
[10] RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Código civil comentado. AZEVEDO, Álvaro Villaça (coord.). São Paulo: Atlas, 2008. v. 6, t. 1: compra e venda, troca, contrato estimatório: artigos 481 a 537. p. 290.


Fernando Speck de Souza é membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo e Juiz de Direito em Santa Catarina.
Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2015, 10h57

Chargeback, um desafio dos lojistas do e-commerce

Prática realizada pela operadora de cartão de crédito, consistente em deixar de repassar valor a lojista, vem sendo considerada um ato ilícito pelo Judiciário Paulista.

Atualmente, no Brasil, existem aproximadamente 450 mil lojas virtuais, das quais apenas 15% também possuem loja física. O faturamento do setor estimado para o ano de 2015 é de 81,3 bilhões de reais, apesar da atual crise econômica brasileira.

Ao longo dessa trajetória aparentemente saudável sob o viés econômico, inúmeros lojistas vêm sendo surpreendidos negativamente pelas administradoras dos cartões de crédito que, unilateralmente, lastreadas na ausência de reconhecimento da compra realizada pelo titular do cartão, deixam de repassar os valores devidos ao comerciante em função das compras online realizadas pelo cartão. Com essa conduta, o comerciante sofre inquestionáveis e enormes prejuízos, uma vez que entregaram os produtos adquiridos em compras à distância, mas não recebem o pagamento.

Esse evento é denominado chargeback, e configura uma prática longe de ser saudável pelas operadoras de cartão de crédito. Pior ainda, esse evento ocorre à revelia do lojista virtual.

Nos termos do contrato de afiliação ao sistema da administradora de cartões de crédito, o chargeback se caracteriza no momento em que o titular do cartão de crédito, independente do motivo, não reconhece a compra anteriormente efetuada e solicita à sua operadora o estorno do valor da compra em seu cartão.

A instituição financeira, por sua vez, sem qualquer investigação do ocorrido, meramente aceita a solicitação do titular do cartão, estorna o valor na fatura do cartão de crédito do portador e, em consequência, deixa de repassar o valor da compra ao estabelecimento comercial, sob o frágil argumento de que teria ocorrido chargeback, amargando o lojista, portanto, enormes prejuízos.
Ocorre que essa prática realizada pela operadora de cartão de crédito, consistente em deixar de repassar ou debitar esse valor no domicílio bancário do lojista, vem sendo considerado um ato ilícito pelo Poder Judiciário Paulista, conforme recente julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, perante a 37ª Câmara de Direito Privado, processo nº 1071396-60.2013.8.26.0100, de relatoria do ilustre Desembargador Dr. Israel Goes dos Anjos, DJ 05/08/2014.
Nesse julgamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu corretamente que, a despeito de existirem cláusulas contratuais que isentam a operadora do cartão de qualquer responsabilidade pela veracidade de informações prestadas pelos portadores dos cartões de crédito no ato da compra, e que supostamente autorizariam o estorno ou não pagamento pela Administradora ao lojista se o portador do cartão não reconhecesse a transação, é ônus da administradora do cartão provar que o comerciante não cumpriu todas as suas obrigações constantes do contrato.
Vale dizer, o lojista virtual cumpre suas obrigações ao demonstrar que efetuou a venda, que a venda via cartão de crédito foi aprovada pela administradora, e, mais que isso, comprovar que o produto foi entregue.
Portanto, se a operadora do cartão de crédito alegar em sua defesa qualquer tipo de fraude na compra efetuada e não reconhecida pelo portador do cartão de crédito, o ônus da prova recairá sobre ela (CPC, inciso II do artigo 333 - fato impeditivo do direito do comerciante), devendo provar que (i) o comerciante não cumpriu com suas obrigações contratuais (descritas acima) e (ii) que o comprador cometeu a fraude em conluio com o lojista.
Nesse contexto, absolutamente acertada a decisão do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo que condenou a administradora do cartão de crédito à devolução da quantia indevidamente glosada a título de chargeback, corrigida monetariamente da data em que deveria ter sido repassada ao comerciante, acrescida de juros legais desde a citação. Vale ressaltar que esse acórdão foi indicado para a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Conclui-se, portanto, pelo acerto da decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, que deve orientar casos semelhantes eventualmente submetidos ao Poder Judiciário. Afinal, o risco de crédito é da administradora, e jamais poderá ser repassado ao lojista que efetua a venda regularmente pelo cartão e, mais que isso, entrega o produto normalmente.
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*Diego Aguilera Martinez é advogado do escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI231451,21048-Chargeback+um+desafio+dos+lojistas+do+ecommerce