sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Filho perde ação ao não comprovar que sofreu danos com ausência do pai

O abandono afetivo dos pais não é suficiente para gerar o dever de reparar — é preciso provar que a ausência trouxe reais prejuízos à formação do indivíduo. Foi o que afirmou a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao julgar improcedente um recurso proposto por um homem que pedia indenização do pai. Na avaliação do colegiado, o autor não comprovou ter sofrido qualquer sequela resultante da omissão.
Segundo a relatora do caso, desembargadora Elisabete Filizzola, a jurisprudência tem admitido a possibilidade de reparação nos casos de abandono afetivo, porém somente quando se verificam danos aos direitos tuteláveis dos filhos.
Neste sentido, ela citou o Recurso Especial 1.159.242, relatado pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça. Referência jurisprudencial sobre esse tema, o julgado não discutiu “o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas gerarem ou adotarem filhos”.
Segundo a desembargadora, a ministra ressaltou, no julgamento ocorrido em 2012, que, “estabelecida a assertiva de que a negligência em relação ao dever de cuidado é ilícito civil, importa, para a caracterização do dever de indenizar, estabelecer a existência de dano e do necessário nexo causal”. E que a forma simples de verificar a ocorrência desses elementos é a existência de laudo formulado por especialista, que aponte a existência de uma determinada patologia psicológica e a vincule, no todo ou em parte, ao descuidado por parte de um dos pais. Na avaliação de Elisabete, isso não ocorreu no recurso que relatou.
Segundo informações do processo, o autor buscou a Justiça após completar 21 anos. Na ação, ele alegou que perdeu a mãe quando tinha seis anos de idade e que, desde então, ficou sem amparo afetivo por parte dos genitores, uma vez que diante da tragédia, jamais fora procurado pelo pai. O autor contou que o genitor cumpriu com a obrigação alimentar “apenas para evitar a prisão civil”, mas que no ano de 2011, o réu o procurou a fim de se eximir dessa responsabilidade.
A primeira instância negou o dano moral, após as testemunhas sugeridas pelo autor não comparecerem à audiência na qual deveriam confirmar as alegações dele. O rapaz, então, recorreu. Mas para a relatora do recurso, o depoimento dele “é pouco, principalmente por não discorrer adequadamente sobre um dos elementos fundamentais da responsabilidade civil: o dano decorrente da alegada omissão do réu”.
“É bem verdade que a demonstração da simples ausência paterna [...] não chegaria a ser fundamental ao deslinde da controvérsia, afinal, o próprio réu admite não ter mantido contato com seu filho ao longo de sua criação, muito embora atribuindo o fato a fatores alheios à sua vontade. O que, na verdade, não dispensava cabal demonstração era mesmo o dano alegadamente suportado pelo autor. Como já referido, não é suficiente à responsabilização civil do genitor o só fato de ter sido ‘ausente’ na criação de sua prole, se dessa ‘ausência’ não resultaram quaisquer sequelas psicológicas à formação humana do indivíduo ou mesmo outras eventuais circunstâncias negativas à sua vida atual. Tais sequelas consubstanciam o verdadeiro dano, elemento da responsabilidade civil sem o qual ela não existe”, afirmou.
Para a desembargadora, aceitar a tese de que a simples omissão do genitor no cuidado com seus descendentes acarreta automaticamente na responsabilização civil pode elevar o clima de intranquilidade social e jurídica. De acordo com Elisabete, são inúmeros os exemplos de filhos, “a despeito de absoluta ausência de amparo afetivo de um dos genitores”, que cresceram e se formaram como seres humanos “perfeitos, equilibrados e imunes a quaisquer distúrbios de ordem psíquica” motivados pela ausência paterna. A decisão foi unânime.
Clique aqui para ler o acórdão. 


Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2015, 16h44
 http://www.conjur.com.br/2015-set-05/filho-perde-acao-nao-provar-sofreu-danos-falta-pai

O "homem do lar" também tem os seus direitos

Nas relações modernas, às vezes os papéis se invertem — a mulher trabalha fora, e o marido cuida da casa. Mas atenção: o “homem do lar” também tem direitos garantidos por lei.
Sim, eles existem. Homens que invertem os tradicionais papéis atribuídos aos sexos e — a exemplo do que fez John Lennon em meados dos anos 1970 — ficam em casa cuidando dos filhos enquanto a mulher trabalha fora não são assim tão raros quanto se poderia supor. E, se a relação chegar ao fim, esse homem poderá se encontrar numa situação típica de muitas donas de casa que abdicaram da vida profissional em prol da família: a dificuldade de se reintegrar ao mercado de trabalho e, portanto, de se sustentar sem a ajuda do cônjuge. O que fazer, então?
A lei tem uma resposta que pode surpreender os que ainda acham que a função do homem é pagar, e a da mulher, receber. Se o ex-marido ou companheiro provar na Justiça que não tem condições de trabalhar, ou que seus rendimentos são insuficientes, a mulher terá de lhe pagar pensão alimentícia — desde que sua situação financeira o permita. E tem mais. Se o regime do casamento for o da comunhão universal de bens, ele terá direito à metade de todo o patrimônio do casal após a separação. Se o regime for o da comunhão parcial de bens ou se o casal viveu em união estável, o homem terá direito à metade dos bens comprados durante o casamento ou a união. E isso é válido mesmo que os bens estejam apenas em nome da mulher, e mesmo que o homem não tenha contribuído financeiramente para sua aquisição.
Antes que essas informações provoquem indignação geral entre os membros do sexo feminino, é preciso lembrar que a Constituição de 1988 estabelece direitos iguais para ambos os sexos. Entre esses direitos está o da divisão de bens após a separação. Assim como o homem não pode se recusar a dividir com a mulher a parte que cabe a ela, alegando, por exemplo, que ele comprou determinados bens sozinho, o mesmo é válido para a mulher.
Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça expediu sentença favorável a um homem de Minas Gerais que reivindicava metade do patrimônio adquirido pela companheira durante o período que os dois viveram em união estável. Nos 12 anos em que estiveram juntos, a mulher havia comprado diversos bens. Quando a união chegou ao fim, ela doou aos filhos todos os imóveis adquiridos na constância da união estável, além de vender outros bens que estavam em seu nome, mas que também foram adquiridos ao longo da união. No entanto, sua tentativa de não partilhar o patrimônio não deu certo. Por decisão judicial, ela teve de dar ao ex-companheiro a parte que lhe cabia. Apesar de ele não ter contribuído diretamente para a aquisição desses bens, no entender dos juízes, o trabalho doméstico é considerado uma contribuição indireta. A mulher teve, ainda, que pagar-lhe uma indenização por conta dos bens que ela já havia vendido. Como se vê, o “homem do lar” também tem os seus direitos.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, Membro Efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB-SP, autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Família: Perguntas e Respostas” – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com.br

Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.
Revista Consultor Jurídico, 6 de setembro de 2015, 9h00

 http://www.conjur.com.br/2015-set-06/ivone-zeger-homem-lar-tambem-direitos

Pai é condenado a indenizar moralmente em RS 100 mil filho que não teve afeto

Um pai que trata com frieza e não presta apoio afetivo e financeiro um filho deve indenizá-lo moralmente. O entendimento é do juiz Francisco Camara Marques Pereira, da 1ª Vara Cível de Ribeirão Preto, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que condenou um pai a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais ao filho, vítima de abandono afetivo. Cabe recurso da decisão.
O autor alegou que ingressou com ação de paternidade e, embora o genitor sempre se negasse a realizar o exame de DNA, teve confirmada a filiação após muitos anos de trâmite. Disse que seu pai agia sempre com frieza, ao contrário do sentimento que dispensava aos demais irmãos biológicos, que sempre tiveram apoio moral, afetivo e financeiro, fatos que lhe causaram danos de ordem moral, decorrente do sofrimento, da ausência e rejeição da figura paterna.
Em sua decisão, o juiz esclareceu que o pai resistiu de todas as formas possíveis para reconhecer o autor como seu filho, se furtando a prestar alimentos, colaborar com a criação, educação e todas as demais obrigações que decorrem da paternidade.
“Segundo fatos incontroversos, o autor não gozou dos benefícios e do afeto dispensados aos demais filhos do réu, restando evidentes a segregação e a rejeição contra ele manifestadas de forma exclusiva, o que caracteriza ofensa à sua personalidade, honra e dignidade. Bem por isso entendo que se encontram caracterizados os requisitos necessários à obrigação de indenizar”, escreveu Pereira. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.
Processo 1032795-91.2014.8.26.0506

Revista Consultor Jurídico, 6 de setembro de 2015, 9h02
http://www.conjur.com.br/2015-set-06/pai-condenado-indenizar-filho-nao-teve-afeto-apoio-moral

Violência patrimonial tem passado despercebida no Direito das Famílias

Por mais inacreditável que seja, homens continuam batendo em mulher, escondendo patrimônio para evitar partilhá-lo e praticando todo tipo de violência, beneficiando-se de sua força física e econômica. Os dados estatísticos são alarmantes: apenas em Minas Gerais, de janeiro a junho de 2015, 283 mulheres foram assassinadas. Mas o pior é que parece não haver mais indignação para essa barbárie. Enquanto isto, a lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, completou nove anos em 7 de agosto de 2015. Foi uma lei que “pegou”. Assim como a lei da Alienação Parental (12.318/2010), a população sabe de sua existência, e isto, por si só, já traz efeitos benéficos no sentido de implementação de uma nova cultura em razão de sua força e de seus efeitos pedagógicos. Foi um avanço, mas não ainda o suficiente, embora seja uma das leis de proteção a mulheres mais avançadas do mundo. Seu nome homenageia uma brasileira que, em vez de ficar lamentando o seu lugar de vítima, fez disso uma ação política, elaborando e articulando a aprovação de uma lei para diminuir a violência doméstica. Com essa lei, passou-se a compreender que a violência doméstica não é uma questão privada. E, assim, jogou-se por terra o conhecido dito popular: “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Um Estado que não aceita a violência doméstica é aquele que prega e valoriza os direitos humanos e o macroprincípio da dignidade da pessoa humana.
A história da violência contra as mulheres é antiga, mas continua atual, apesar de elas serem cada vez mais arrimo de família. O Data Senado divulgou recentemente números constrangedores que deveriam escandalizar a nossa consciência civilizatória: uma em cada cinco brasileiras é vítima de violência doméstica ou familiar. O maior número de agressões recai sobre as que têm menos escolaridade. O inimigo está dentro de casa ou já foi de casa. Os maridos ou companheiros são os responsáveis por 49% dessa barbárie; e ex-maridos ou ex-namorados, por 21%; os namorados, por 3%. Obviamente que a lei, por si só, não resolveu nem resolverá o problema, mas já ajudou a diminuir bastante os índices de violência, na medida em que deixou de considerar tais questões como um crime de menor potencial ofensivo (cf. súmula 542 STJ). Antes, era “barato bater em mulher”. A punição, de acordo com a lei então aplicável (Lei 9.099/95), era de no máximo dois anos de prisão, que na verdade sempre se transformava em penas pecuniárias, isto é, cestas básicas e multas.
Um dos maiores méritos da Lei Maria da Penha foi romper com a banalização da violência contra as mulheres. Com isso, ampliou-se e popularizou-se o conceito de violência doméstica, e, pela primeira vez, um texto normativo usou a expressão afeto, incorporando as novas concepções do Direito de Família: “(...) configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (...) II – no âmbito da família (...) III – em qualquer relação íntima de afeto (...) (artigo 5º)”. (grifamos)
O fim das relações amorosas nem sempre é tão pacífico e civilizado como deveria ser. É comum que os restos do amor se transformem em agressões físicas e verbais. Discussão e até uma certa dose de agressividade podem integrar a cena familiar e o fim do amor, mas violência, não. É na intimidade do casal e da família que se vive e se externa afeto, carinho e também agressividade. Amor e ódio constituem uma polaridade que tempera a vida humana. É na intimidade dos desejos contidos, das inseguranças, que vem a explosão da violência. Pode-se até compreender tal complexidade, mas nada a justifica.
O conceito de violência sofreu variações ao longo da história e ganhou importância e maior significado para o Direito com o movimento feminista, ao reivindicar para as mulheres um lugar de sujeito de direito e de desejo tanto quanto os homens. Embora o potencial de agressividade que gera a violência doméstica esteja presente em homens e mulheres, a violência no âmbito doméstico, na maioria das vezes é praticada pelos homens. Daí a razão de as medidas de proteção da Lei Maria da Penha serem dirigidas apenas às mulheres. Claro que mulheres também fazem maldade e agridem homens, mas isso é outra história, e às vezes tão sútil, que na maioria das vezes não é detectável no mundo objetivo do Direito.
A violência se alimenta de grandes paixões negativas, tais como ódio, frustração, medo, sentimento de rejeição, crueldade e, principalmente, desejo de dominação associado ao potencial de agressividade que há em todo ser humano. Ela pode se expressar por meio de atos de força física, ameaças e intimidações, mas pode se expressar também pela dominação, ocultação e sonegação de patrimônio ou de seus frutos, que seriam partilháveis (cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha in Dicionário de Direito de família e sucessões – Ilustrado, p. 721).
Essa forma de violência, caracterizada na Lei Maria da Penha como violência patrimonial (artigo 5º), é mais comum do que se imagina. No fim das relações conjugais, pelo menos uma das partes fica sempre com a sensação de perda. Esse imaginário, a sensação de vazio e de que o outro está em vantagem, ou de que não é justo que o outro fique com a parte do patrimônio, é o que gera a violência patrimonial. Os exemplos mais comuns são a sonegação e o não repasse dos frutos dos bens que deveriam ser entregues ao outro, beneficiando-se da parte que seria do outro ex-cônjuge/companheiro. A retenção de recursos econômicos/financeiros e o não pagamento de pensão alimentícia também podem se caracterizar como o tipo penal prescrito na Lei Maria da Penha. A invocação e caraterização da violência patrimonial é um instrumento a mais para fazer valer os direitos da parte economicamente mais fraca, historicamente as mulheres, mas tem passado despercebido da maioria da população e dos profissionais que lidam no cotidiano do Direito das Famílias.

Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM.
Revista Consultor Jurídico, 6 de setembro de 2015, 8h00

http://www.conjur.com.br/2015-set-06/processo-familiar-violencia-patrimonial-passado-despercebida-direito