quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A morte de um indigente e a morte dos Chapeconhenses

Publicado por Sérgio Henrique da Silva Pereira

Antes de começar, um fato em minha vida.

Dei “Bom dia!” para uma amiga. Perguntei se tudo estava bem. A resposta me deixou paralisado, por ser incomum:
— Como posso dizer que 'está tudo bem' se vejo pessoas morando nas ruas e passando fome?

Esse fato ocorreu na década de 1990.

Geralmente quando se pergunta "Tudo bem com você?" esperamos [hábito] que a pessoa responda "Tudo bem!". Esse "Tudo bem!" significa: não tem doença ou se recuperou de doença; não está com dificuldades financeiras. Ou seja, o Paraíso Celestial na Terra. Interessante, e já fiz isso, quando se fala "Mais ou menos!", a outra pessoa muda o seu semblante. Começando a falar dos problemas pessoas para a outra pessoa, pela expressão corporal, a conversa passa a ser desconfortante para quem ouve os "lamentos naturais da vida".

A situação de desconforto de quem ouve pode ser: sua incapacidade de não saber confortar o lamuriante; o medo de se envolver e não suportar a carga emocional exigida para ajudar o lamuriante; o receio de que a lamuriante peça ajuda financeira. Quanto à ajuda financeira, o bolso reclama. Quanto ao bolso, duas situações: os limites financeiros reais para ajudar; o pensar que se a pessoa está na situação ruim é pelo motivo de não ser capacitado para gerir seus próprios bens e sentimentos.

Já assisti uma reportagem. Apresentadora e convidados. Alguns desses convidados disseram que há pessoas que adoram reclamar de tudo na vida. São "vampiras", e que tais pessoas devem ser evitadas. Na Bíblia da Psiquiatria [DSM — Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders/Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais], o Transtorno Ciclotímico. Bom, assunto para especialista na área de psiquiatria — importante que estou me baseando no DSM-IV, não no DSM-V.

Retirando o fator doença, pergunto se alguma alma não pode procurar consolar quem esteja em condição aflitiva. À realidade é que, pelas crenças religiosas — não segue Jesus, logo sofre —, ou científicas — darwinismo social e eugenia negativa —, o lamuriante está pagando pelos seus próprios erros. O erro de não seguir Jesus, o erro de nascer como inferior [darwinismo social e eugenia negativa].

Nasci em 1968, com toda certeza vivenciei os utilitarismos religiosos e políticos. Religiosos, só catolicismo; político, só a democracia. Contudo, nesses cenários de benevolência se construiu perseguições religiosas e políticas. O "anormal" deveria ser trucidado. A democracia brasileira se igualava à democracia da Grécia Antiga: vencem os melhores, perdedor é escravizado; apenas nas crenças ditas verdadeira, senão seria mais um Sócrates a beber cicuta.

1988, Nova Democracia. Direitos humanos sendo aplicados jamais vistos na História brasileira. Defesa das minorias. E isso causou revoltas aos que se sentiam 'superiores'. Foi preciso pressões internacionais para garantir os direitos humanos, como no caso da Lei Maria da Penha.

O artigo tem fulcro na notícia 'Invisíveis até na morte': a luta de um morador de rua para evitar que sua mulher fosse enterrada como indigente. Que sentido e valor têm uma vida humana? Quem tem mais valor a ponto de movimentar toda logística de empresas de jornalismo para dar cobertura sobre acontecimentos considerados "gravíssimos"? E qual a tabela de diferenciação usada para categorizar reportagens e matérias em "média, grave e gravíssimo" acontecimento? Temos parâmetros para considerar uma possível resposta dentro das técnicas de jornalismo: a forma que será transmitida a notícia; a importância que o público dará conforme seu entendimento de importância social.

As técnicas de jornalismo mudam. Por exemplo, no desastre de dirigível alemão, o repórter colocou emoção, pura emoção humana, sem qualquer trabalho psicológico prévio, como fazem os atuais estudantes de Comunicação. O Brasil é reconhecidamente como "o país do futebol". Dizer que é o ópio do povão [estratificação social baixa ou quociente de inteligência baixa] é puramente de uma ideologia "raça superior", que não cabe mais neste e futuros séculos.

Mais de quarenta pessoas mortas, dentre eles jornalistas e jogadores do chapecoense. Um desastre aéreo, pelas investigações, que houve falha muito antes do avião decolar. E tem que ser investigado e, da conclusão, responsabilizar civil e criminalmente os responsáveis. Mas analisando o cearense Cláudio Oliveira e sua dor humana por perder Ana Paula. Primeiro temos que considerar que Cláudio é morador de rua e cearense. Pelos estereótipos, esse ser humano é um incapacitado, um “cabeça grande” que merecia seu fim: morador de rua. Sua companheira também deveria ter o mesmo fim, pois também era moradora de rua e, como tal, sem nenhuma capacidade física e emocional para saber viver na Selva de Pedra do Homo Sapiens.

As empresas brasileiras de jornalismo e os próprios governantes — pergunta humanística — todos deram alguma importância à dor de Cláudio Oliveira? Digo que não. Por quê? Por que ele não está numa posição social considerada “superior”. Sua posição social causa perplexo, mas mero sentimento humano robótico de ler, comover-se, e tomar um bom chá gelado. A vida prossegue. Se a CRFB de 1988 tem dentre seus princípios a dignidade humana e dentre os objetivos tornar uma sociedade humanizada, digo que não há isonomia, o reconhecimento que qualquer morte de qualquer brasileiro é uma dor nacional. Lembro-me de uma aluna que me falou — a aula se baseava em cidadania versus humanismo — que ela tinha plano de saúde particular, e que quem não tivesse era pelo motivo de não ter trabalhado arduamente para conseguir o melhor da vida. Ou seja, pela meritocracia cada qual consegue o melhor da via. Quem segue meus artigos já sabe o que respondi.

Costumo usar o termo Máquina Antropofágica. Já recebi e-mails, até pelo JusBrasil, quando a consulente queria saber de onde eu obtive tal termo — ela estava fazendo pós em Criminologia. "Minha invenção!”, respondi. A Máquina Antropofágica é isto: a luta pela sobrevivência esquecendo-se de quem fica para trás. O Estado nada faz de efetivo para assegurar a dignidade humana em sua plenitude. Em alguns casos, como escrevi em Jornalismo: sensacionalismo ou falta de conhecimento sobre Direitos Humanos? e Desmistificando o Brasil do amor e de Deus: a saga de um país desumano, e outros artigos, a Máquina Antropofágica, apesar das diferenças conceituais de etnia e religião superiores, o topo da estratificação social consagra e chancela quem é superior. Por exemplo, o sertanejo. Antes das gravadoras renomadas pensarem em tocar tais músicas, por questões de utilitarismo regional discriminatório, as músicas sertanejas ficavam restrito nas regiões norte e nordeste. O Funk era considerado como expressão de" cultura inferior ", e agora está até em festas de casamento de qualquer classe social. Como se depreende, tudo depende das engrenagens da Máquina Antropofágica seletiva.

A dor dos familiares do Chapeconhense e a mesma dor humana sentida por qualquer ser humano, até do morador de rua. Com toda certeza, os moradores que amavam os jogadores quererão justiça, assim como os demais moradores de outras regiões. Pergunto, por que não formar um mutirão contra a indignidade humana reinante no Brasil quanto aos péssimos serviços públicos prestados pelas concessionárias, à corrupção em geral — desde o furtador de energia elétrica até os crimes de colarinho branco?

E os indígenas que são trucidados por latifundiários e traficantes? Será que também não merecem os mesmos tratamentos dos jornalistas e dos governantes? Cada morte de qualquer brasileiro representa uma falha na cultura brasileira. Cada criança que ingressa no crime é uma falha da própria sociedade. Se a sociedade quer punir o infrator, a sociedade é antes de tudo culpada por não exigir dos administradores a materialização das normas constitucionais. Seja na CRFB de 1988 ou no ECA, tanto a sociedade quanto o Estado, a dignidade humana é responsabilidade de cada ser humano em solo brasileiro, e até de quem esteja em outro país.

Sérgio Henrique da Silva Pereira - Jornalista, professor, escritor, articulista, palestrante, colunista. Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora, Investidura - Portal Jurídico, JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação.

http://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/416931134/a-morte-de-um-indigente-e-a-morte-dos-chapeconhenses?utm_campaign=newsletter-daily_20161221_4546&utm_medium=email&utm_source=newsletter

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