segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Consumidor pode reclamar problemas em redes sociais, sem ofender empresa

Quando adquirimos um produto e este vem apresentar vícios ou defeitos, é normal entrarmos em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da fabricante do produto para requerer a troca do produto por um com as mesmas características daquele que adquirimos ou então solicitar a devolução do valor pago. Mas sabemos que nem sempre é fácil resolver o problema dessa forma, e precisamos reclamar junto ao Procon ou judicialmente para solucionar esse imbróglio.
Após o comprador passar por diversos transtornos e dissabores por conta da desatenção e descaso que algumas empresas cometem, alguns consumidores acabam “desabafando” em sites de reclamação e até mesmo em redes sociais. Contudo, alguns se questionam: fazer publicações em redes sociais reclamando de determinado produto ou serviço é legal ou posso ser prejudicado nesse caso?
A Constituição Federal de 1988 consagra como direito fundamental inerente a todas as pessoas a livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (art. 5º, inciso IV). Assim, de acordo com Mendes, Coelho e Branco (Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. 2008, p. 359), “[...] a liberdade de expressão é um dos mais relevantes e preciosos direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reivindicações dos homens de todos os tempos”.
Embora essa liberdade esteja prevista na Constituição, o consumidor não tem o direito de fazer publicações injuriosas, difamatórias e/ou caluniosas a respeito da empresa, tendo em vista que a fornecedora do produto ou serviço, assim como qualquer outra pessoa, também é amparada pela Constituição Federal, que preceitua que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, inciso X).
Portanto, vê-se que ao mesmo tempo em que a constituição dá a liberdade para o indivíduo manifestar o seu pensamento, também assegura a inviolabilidade da honra e imagem de outra pessoa.
Dessa forma, pode-se concluir que o consumidor tem o direito de se manifestar em redes sociais para reclamar de problemas no produto ou serviço adquirido, desde que o conteúdo do texto a ser veiculado não ofenda a outra pessoa, mas sim que apenas revele e narre o fato ocorrido, sem distorção dos acontecimentos e xingamentos, sob pena de o autor da publicação ser penalizado judicialmente pelos excessos que cometer. 
Paulo Henrique Pelegrim Bussolo é estudante de Direito e colaborador do escritório Giovani Duarte Oliveira Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2016, 11h25
http://www.conjur.com.br/2016-ago-20/paulo-bussolo-consumidor-reclamar-problemas-redes-sociais-ofensas

Redação leva ao sucesso ou ao fracasso nas profissões jurídicas

Por 
No Direito, a palavra escrita é o principal veículo de comunicação. Ninguém põe em dúvida que este não é o único requisito para o sucesso, pois a oratória, expressão corporal, apresentação pessoal, habilidade no trato com as pessoas e outras formas de conduzir-se são essenciais.
Todavia, no Brasil prepondera o processo escrito sobre o oral. Portanto, petições, memoriais, recursos e outras peças são a forma de tentar convencer o julgador do acerto da tese adotada. Transmitir o direito a quem o decide é uma arte que, se não for bem utilizada, pode pôr a perder todo um trabalho.
Mas a relevância da escrita não se resume a petições junto ao Poder Judiciário. Vai muito além. Trabalhos acadêmicos serão examinados por um professor ou uma banca. Cartas ofertando serviços serão avaliadas pela diretoria. Orientações a clientes não podem suscitar dúvidas de interpretação. Decisões administrativas ou judiciais necessitam levar ao interessado, com clareza, qual a sua situação jurídica. E assim por diante, nas múltiplas situações que a riqueza da vida nos proporciona.
No entanto, ainda que isto seja óbvio, cada vez mais os estudantes e profissionais, principalmente jovens, mas não só eles, têm dificuldades de transmitir, de forma clara e correta, o que lhes passa na cabeça.
A veiculação equivocada pode trazer consigo duas diferentes espécies de dificuldades: erros gramaticais e redação incompreensível. Ambas, de formas diferentes, prejudicam a exposição dos fatos.
Os erros de português podem ser de pequena gravidade e em nada atrapalhar a exposição dos fatos. Por exemplo, a nova redação, fruto do acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ainda não foi absorvida pela maioria das pessoas. Portanto, colocar idéia com acento agudo, já abolido, não dificultará o entendimento de quem lê e, portanto, nenhum prejuízo causará.
Já dirigir-se a um cliente com a construção: “Quero agradecê-lo pela confiança” suscitará dúvidas sobre a competência do profissional e, eventualmente, poderá até resultar na recusa de contratação. O verbo agradecer é transitivo indireto, portanto o pronome deve ser lhe e não lo,usado com verbos transitivos diretos.
Muitas vezes confunde-se  e a em expressões de tempo.  com h indica passado, por exemplo: “O réu há muito vinha praticando as infrações”. Para exprimir tempo futuro, diz-se: “Ela, daqui a dois dias, devolverá a criança ao pai, como combinado”.
Há muitos erros no emprego da crase, que merecem atenção. Por exemplo, só pode ser usada antes de palavras femininas. A conjunção que atrai o pronome se (p. ex., “é preciso que se apresentem amanhã” e não “é preciso que apresentem-se amanhã...”).
O particípio do verbo chegar é chegado e não chego, como muitas vezes se diz e se escreve. Aonde só deve ser usado após verbos transitivos indiretos, que pedem a preposição a; em outros casos usa-se onde.
Estas falhas de redação, todavia, vêm recentemente sendo sobrepujadas por descrições incompreensíveis, problema absolutamente diverso e até mais grave. Sim, mais grave, porque o leitor simplesmente não entenderá o que está escrito.
O que leva uma pessoa a transmitir de forma confusa as suas ideias?
Certamente, não há um fator único. Uma pessoa filha de imigrantes provavelmente terá mais dificuldades com o português, que poderá ser mais pobre em sinônimos e em construção de frases. No passado, alguns eram criados falando o idioma de seus pais (por exemplo, alemão) e só aprendiam o português quando entravam na escola.
Outro fator pode ser a falta de boas leituras. A era da tecnologia, com propostas visuais muito mais atraentes, desestimula a leitura de livros, revistas ou jornais impressos. É certo que uma pessoa que na infância usou seu tempo apenas com vídeos ou jogos eletrônicos terá maior dificuldade de exteriorizar o que pensa. E não só para escrever, mas também para falar.
Pode haver também uma dificuldade de concatenação de ideias. Por vezes, o cérebro não raciocina com uma sequência lógica e as pessoas expõem os assuntos que lhe vêm à mente de forma desordenada. Isto é comum em petições que vão e voltam ao mesmo assunto, repetindo-o inutilmente e cansando o leitor.
Este tipo de dificuldade não é privativo de jovens estudantes. Alcança profissionais já colocados no mercado de trabalho, por vezes com titulação acadêmica ou até mesmo ocupando importantes posições profissionais.
Artigos de doutrina, muitas vezes, têm uma escrita envolvida em tantas frases confusas, em ordem indireta e com palavras em desuso, que não se sabe se o autor não consegue ser claro ou se assim redige para mostrar erudição. O resultado será sempre negativo, porque suas ideias não serão transmitidas simplesmente por não serem compreendidas. Mesmo que os leitores não o revelem, temendo ser tidos por ignorantes.
Petições iniciais merecem cuidado. Uma boa técnica para evitar a escrita dispersa é organizar as ideias em bloco. Por exemplo, primeiro descrever os fatos (quem, quando e onde), sem detalhes inúteis. Só depois dar as razões de direito, aí mencionando normas, doutrina e jurisprudência, estes só se o caso for complexo. Finalmente, o pedido, que deve ser certo e determinado, pois a sentença baseia-se nele (princípio da correlação).
Relatórios de acórdãos, frequentemente, não informam qual a controvérsia. Por excesso de trabalho, com certeza, muitas vezes limitam-se a copiar trechos da sentença e não expõem ao leitor o que está sendo discutido. Por vezes, a própria ementa não traduz o que se decidiu. Péssimo.
Que fazer? A solução é simples: é preciso repensar a forma de comunicação escrita. Para muitos, evidentemente, nada há a ser feito, redigem bem e só lhes resta comemorar esta vantagem na competitiva vida profissional. Para os outros é preciso mudar.
O problema vem da base, evidentemente. No entanto, aqui não se tem a pretensão de encontrar solução para todos os problemas do ensino no Brasil. O campo de análise é mais restrito e menos pretensioso.
A primeira medida deve partir do interessado, seja estudante de Direito ou um profissional já com direito a vaga especial na garage, sob o título de idoso. Quem quer se aprimorar não aguarda oferta, vai à procura.
Mas aos que não têm tal poder de iniciativa, as Faculdades de Direito devem propiciar aos seus estudantes cursos especiais ou suplementares de português e redação. Professores especializados ensinarão técnicas de transmissão de ideias, eliminando-se, por exemplo, palavras inúteis, frases desconexas e redações confusas.
A OAB poderia fornecer cursos específicos aos interessados, que poderiam ir além da redação, incluindo também técnicas de estilo. Por exemplo, orientando a evitar-se nas petições o excesso de negrito ou frases em vermelho, que dão à peça aparência de baixa qualidade.
Tal tipo de curso revela, inclusive, vícios de linguagem dos quais o autor não se dá conta ou escrita incompreensível aos mais novos. Por exemplo, escrever sempre na ordem indireta, o que dificulta a compreensão ou escrita totalmente fora de época como “o ilustre representante do parquet” ou “nesse Egrégio Areópago”.
Em suma, estudar, seja qual for a idade ou a posição profissional ocupada, jamais deve ser vergonha para ninguém. Ao contrário, revela grandeza. Por outro lado, faculdades de Direito, instituições públicas, escritórios e demais interessados, devem manter cada vez mais elevado o nível dos seus estudantes ou profissionais, pois isto só fará crescer o seu conceito.

Mãos à obra.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2016, 8h01
http://www.conjur.com.br/2016-ago-21/segunda-leitura-redacao-leva-sucesso-ou-fracasso-profissoes-juridicas

Do direito de arrependimento nas reservas de vagas em hotéis feitas fora do estabelecimento comercial

Há possibilidade de cancelamento de reservas de vagas em hotéis feitas pelo consumidor fora do estabelecimento comercial, especialmente pela internet?

Resumo: O presente artigo visa analisar a possibilidade de cancelamento de reservas de vagas em hotéis feitas pelo consumidor fora do estabelecimento comercial, especialmente pela internet. Para tanto, enfatizam-se, no presente trabalho, os direitos e os ônus inerentes a essa prática. Baseando-se em artigos do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/1990) e na jurisprudência pátria, serão abordadas questões inerentes ao tema de forma a esclarecer dúvidas comuns de consumidores e dos operadores do direito, expondo em quais situações é possível o ressarcimento de valores ao consumidor que adianta o pagamento de valores, mas opta pelo cancelamento da reserva.
Palavras-chave: Reserva de hotel; Internet; Arrependimento.

1 INTRODUÇÃO

É frequente a realização de reservas hoteleiras por telefone ou por meios eletrônicos, através de aplicativos e contato direto com os hotéis e pousadas que utilizam esses meios de comunicação com os seus clientes. Nessa nova maneira de negociar a estadia, muitas vezes, os consumidores acabam se precipitando e pagando pela reserva sem ter certeza de que realmente vão usufruir do serviço.

Diante dessa situação, quando ocorre o arrependimento da compra, surgem diversas circunstâncias relacionadas à aplicabilidade da legislação consumerista, principalmente no que diz respeito às famosas “tarifas não reembolsáveis”.

O objetivo do presente artigo é analisar a possibilidade de cancelamento das reservas à luz da legislação nacional, em especial do Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, inicialmente, serão abordados conceitos fundamentais, seguindo-se para o estudo dos principais dispositivos legais e o entendimento jurisprudencial sobre o tema.

Por fim, serão apresentadas as conclusões de forma a apontar se há situações em que o consumidor pode requerer o ressarcimento dos valores pagos de forma antecipada, seja de forma integral ou parcial, ou se os hotéis podem reter de forma integral as quantias antecipadas.


2 DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RESERSAS HOTELEIRAS

O direito de arrependimento possui previsão legal no art. 49 do CDC. Antes de se passar ao estudo do indigitado dispositivo, faz-se necessário apresentar alguns comentários sobre o direito consumerista de forma a aplicá-los ao ramo das atividades hoteleiras.
2.1 DA RELAÇÃO DE CONSUMO

O CDC pode ser conceituado como um conjunto de normas que objetivam proteger e defender os direitos dos consumidores, disciplinando as relações de consumo e estabelecendo os padrões de conduta que devem ser adotados tanto pelos usuários como pelos fornecedores dos serviços. Nesse diapasão, há grande dificuldade em diferenciar os sujeitos da relação de consumo, quais sejam, consumidores e fornecedores.

Diante disso, no art. 2º do código supracitado, é apresentado o conceito de consumidor, afirmando ser este “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, ou seja, é qualquer pessoa que compra um produto ou solicita um serviço com o fim de satisfazer suas necessidades pessoais. Desse modo, na situação estudada, considera-se como consumidor a pessoa que realiza a reserva no estabelecimento hoteleiro, mesmo que não venha a usufruir de fato do serviço.

De outro modo, o art. 3º da mesma lei aponta para o conceito de fornecedor, sendo este “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Logo, também se observa que os estabelecimentos hoteleiros devem ser colocados como fornecedores na situação em que se estuda no presente artigo.

Sendo assim, haja vista a existência da figura do consumidor frente a um fornecedor, é possível aplicar ao caso em análise o CDC com todas as suas implicações, afastando-se as normas da mesma natureza ou em sentido contrário do Código Civil (Lei nº 10.406/2002). É mister frisar que esse diploma objetiva imperativamente proteger o sujeito consumidor em suas relações implicitamente vulneráveis com os fornecedores, uma vez que se trata de uma relação entre desiguais.

2.2 DO DIREITO AO ARREPENDIMENTO

O direito ao arrependimento é uma importante regra relativa à desistência de compras realizadas fora do estabelecimento comercial. Neste dispositivo estão abarcadas diversas situações, como aquela em que o fornecedor dirige-se ao trabalho do consumidor, por exemplo.

Tal direito não se condiciona às razões ou motivos que levaram ao consumidor desistir da compra, assim como não é necessário haver qualquer tipo de vício ou defeito no produto. De outro modo, é importante ressaltar que o prazo para manifestação da desistência se limita a sete dias “a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço”.

De outro modo, no caso da compra ter sido realizada em meio eletrônico, é crucial a existência do direito em análise, uma vez que o consumidor não teve acesso físico ao produto antes de obtê-lo. Assim, por mais que sejam exibidas imagens esclarecedoras sobre o que se deseja comprar, nada substitui o contato direto do consumidor com o bem, contato este que consiste no adequado exame do produto.

Nesse prisma de abordagem, resta claro que deve ser aplicado o CDC nas hipóteses deste artigo. Este prevê, em seu art. 49, o direito de arrependimento retromencionado para as compras ou contratação de serviços quando solicitados fora do estabelecimento comercial nos seguintes termos:

“O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”.

O intuito dessa norma é proteger o consumidor que adquire produto ou serviço por um dos meios citados no artigo acima e arrepende-se no período de 07 (sete) dias. Nesse caso, a desistência ocorre sem nenhum tipo de ônus ao contratante, devendo haver a restituição atualizada dos valores, conforme o parágrafo único do artigo 49 do diploma consumerista.

De outro modo, percebe-se que o direito de arrependimento não depende de qualquer impropriedade do objeto, podendo ser livremente exercitado desde que cumpridas as previsões legais. Ressalta-se, ainda, que na hipótese do cancelamento ocorrer depois desse período, a devolução dependerá da previsão contratual que, normalmente, está disponível no regulamento do próprio site do hotel ou empresa.

Ademais disso, apesar de não ter sido expressamente citada, as compras realizadas pela internet também se sujeitam ao direito previsto no artigo citado, uma vez que não se trata de um rol exaustivo. Tal equívoco decorre do ano de instituição da internet ao público, a qual se deu em 1993, enquanto a lei instituidora do CDC data de 1990.

Dessa forma, embora o referido diploma não faça menção à hipótese trazida à baila, não há que se falar em prejuízos, pois, uma vez presentes os requisitos constantes no artigo 49 e tratando-se de uma relação de consumo, é evidentemente aplicável o CDC.

Além disso, percebe-se que o direito de arrependimento não pode ser confundido com a resolução dos contratos em razão do vício de qualidade ou quantidade, hipótese constante no art. 18 do CDC. Tal previsão aponta que o consumidor só poderá pedir restituição do dinheiro se o produto tiver defeito não sanável no prazo de 30 (trinta) dias. Nesse ínterim, é importante observar que a legislação em análise não possui o fito de prejudicar os fornecedores, mas sim de trazer maior equidade na relação jurídica estabelecida.

Diante do exposto, ao realizar reservas hoteleiras fora do estabelecimento, o consumidor terá o prazo de 07 (sete) dias para desistir, independente das famosas “tarifas não reembolsáveis” constarem no site da compra. De outro modo, por mais que tal informação seja claramente repassada pelo fornecedor ao contratante do serviço, amparado na legislação consumerista supradescrita, este terá a possibilidade de, dentro do chamado “prazo de reflexão”, desistir da compra, sendo devidamente reembolsado da quantia gasta.

Nesse contexto, a expressão “tarifa não reembolsável” faz alusão a uma taxa geralmente cobrada pelos estabelecimentos hoteleiros quando ocorrem desistências ou cancelamentos das reservas realizadas. Normalmente, tais valores e taxas são mencionados nas condições dos quartos e são recomendadas apenas quando o consumidor tem certeza das datas que pretende reservar, assim como o tipo de quarto que deseja.

Apesar de tal prática ser recorrente, se o consumidor desistir dentro do referido prazo de sete dias, não há que se falar em valores pendentes de pagamento, devendo o desistente ficar atento quanto ao período previsto.

2.3 DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

Como se observa, muito embora a legislação nacional traga as referidas benesses para o consumidor, não é raro que hotéis questionem a devolução de valores quando os consumidores se arrependem da compra ou reserva feita.

Desse modo, vários foram os casos levados ao conhecimento do Judiciário. No presente tópico serão analisadas duas situações de modo a expor como os magistrados, em especial os que atuam nos Juizados Especiais, têm se manifestado a respeito do tema.

A primeira situação apresentada foi analisada pela 3ª Turma recursal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal a respeito de uma situação em que foi cobrado indevidamente o valor investido pelo consumidor, após este, respeitando o prazo previsto no CDC, ter desistido da hospedagem. Vejamos:

“CONSUMIDOR. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. HOSPEDAGEM. SERVIÇO CONTRATADO FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. INTERNET. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. PRAZO DE REFLEXÃO. DEVIDO O REEMBOLSO DO VALOR ADIMPLIDO. COBRANÇA INDEVIDA APÓS O CANCELAMENTO. [...] 2. APLICA-SE O DISPOSTO NO ART. 49 DO CDC ÀS COMPRAS EFETUADAS POR MEIO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES, POIS REALIZADAS FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. [...] 3.NOS TERMOS DO ART. 49 DO CDC, O CONSUMIDOR PODE DESISTIR DO CONTRATO NO PRAZO DE 7 (SETE) DIAS, A CONTAR DE SUA ASSINATURA OU DO ATO DE RECEBIMENTO DO PRODUTO OU SERVIÇO, SEMPRE QUE A COMPRA OCORRER FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL (PRAZO DE REFLEXÃO) [...]. (TJ-DF - ACJ: 20130710102899 DF 0010289-48.2013.8.07.0007, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Data de Julgamento: 17/09/2013, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 19/09/2013 . Pág.: 256)

Na referida decisão, o site Booking.com Brasil Serviços De Reserva De Hotéis alegou ser apenas a administradora do site que disponibiliza anúncios de hotéis, sendo inexistente, por isso, o dever de indenizar. Além disso, a parte ré ressalta que a tarifa utilizada para pagar a reserva no hotel não é reembolsável, conforme acordo firmado pelas partes.

No entanto, o consumidor comprovou que a devolução do valor indevidamente cobrado deve ser em dobro, diante da inexistente de erro justificável. Ademais, restou justificado, nos termos do art. 7º e 34 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do réu pelos danos advindos ao consumidor.

A segunda situação a ser apresentada foi julgada, em 2015, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Trata-se do caso em que uma companhia aérea cobrou ao consumidor o pagamento de uma multa devido à desistência da compra de passagem que foi efetuada pela internet, ocorrendo tal abstenção dentro do prazo previsto na legislação consumerista.

Diante desse contexto, o tribunal posicionou-se no sentido de que, por ser um direito facultativo do consumidor e operado dentro do prazo legal, arrepender-se de uma compra virtual não o sujeita a aplicação de multa. Vejamos alguns trechos da decisão:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZATÓRIA. COMPRA DE PASSAGENS AÉREAS PELA INTERNET. EXERCÍCIO DE DIREITO DE ARREPENDIMENTO. COBRANÇA DE MULTA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. No caso vertente, não houve recusa ao cancelamento da compra efetuada pela internet, mas houve indevida cobrança de multa no valor de R$322,03, pois não obstante as tentativas do autor de exercitar sem restrições o seu direito de arrependimento, a tese sustentada pela ré em sede de contestação deixa claro que a ré nega a aplicação pura e simples do direito de arrependimento,condicionando-a a determinadas circunstâncias não estabelecidas pela Lei 8.078/90 e art. 740 do CC. 2. [...] (TJ-RJ - APL: 00010249320158190079 RJ 0001024-93.2015.8.19.0079, Relator: JDS. DES. JOÃO BATISTA DAMASCENO, Data de Julgamento: 27/11/2015, VIGÉSIMA SÉTIMA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Data de Publicação: 30/11/2015 00:01)

Após a leitura dos julgamentos apresentados foi possível vislumbrar que o direito analisado não se sujeita ao arbítrio dos fornecedores, pois é uma garantia direcionada aos consumidores. Ademais, uma vez exercido no prazo de reflexão, não há que se falar no pagamento de nenhuma quantia extra, devendo haver a devolução da quantia paga pelo produto ou serviço. 
 
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, é possível vislumbrar a preocupação do Código de Defesa do Consumidor com as relações de consumo efetivadas fora do estabelecimento comercial, sendo estas em sua maioria realizadas pela internet. Restou claro que o objetivo do referido diploma legal é trazer maior equidade nos vínculos estabelecidos entre consumidores e fornecedores, apontando para a possibilidade de desistência da compra a qual se refere o art. 49 do CDC, o chamado “direito de arrependimento”.

Após o estudo dos dispositivos legais e do entendimento dos tribunais pátrios apresentados é notável que o direito de arrependimento consiste em uma importante ferramenta legal para os consumidores, conferindo maior segurança entre suas relações com os fornecedores. Ademais, infere-se com a leitura do presente artigo que tal direito não está condicionado às razões da desistência, sendo este executável desde que cumpridas às exigências previstas na legislação consumerista.

Por fim, foi possível vislumbrar que no caso das reservas hoteleiras realizadas on line ou por telefone, os estabelecimentos são plenamente responsáveis pela indenização devida ao consumidor, o qual deve exercer sua garantia de reembolso prontamente, sob pena de não mais poder exigi-la. Logo, uma vez exercitado o direito de arrependimento, caberá ao fornecedor restituir imediatamente os valores pagos, retornando os contratantes ao status anterior a contratação. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FILHA, Maria José de Souza. Direito de arrependimento do consumidor nas compras feitas pela internet.Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12907>. Acesso em: 15 jul. 2016.
BESSA, Leonardo Roscoe. Proteção contratual. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2009. Cap. 11. p. 276-318.
DESCONHECIDO. Consumidor tem direito de se arrepender de compra, aponta entendimento do STJ. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mai-03/consumidor-direito-arrepender-compra-aponta-stj>. Acesso em: 15 jul. 2016.
DESCONHECIDO. Matéria especial do STJ aborda direito de arrependimento: Regra é prevista no artigo 49 do CDC.. 2015. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI219859,101048 Materia+especial+do+STJ+aborda+direito+de+arrependimento>. Acesso em: 15 jul. 2016
DESCONHECIDO. Direito ao arrependimento de compra. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil/direito-ao-arrependimento-de-compra>. Acesso em: 18 jul. 2016.
SILVA, Vandeler Ferreira da. Direito de arrependimento. 2016. Disponível em: <http://www.infoescola.com/direito/direito-de-arrependimento/>. Acesso em: 14 jul. 2016.

QUEIROZ, Luana Marina Lima de. Direito de arrependimento nas reservas de hotéisRevista Jus Navigandi, Teresina, ano 21n. 479921ago. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/51427>. Acesso em: 22 ago. 2016.

STF não é legislador constituinte, mas guardião da Constituição

Por 
*Artigo publicado originalmente pelo jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira (12/7).
Tive a oportunidade, durante os trabalhos constituintes e a preparação dos comentários à Constituição, com meu saudoso colega Celso Bastos, de participar de audiências públicas e de discutir com numerosos constituintes a necessidade de independência dos Poderes, com autonomia assegurada para suas funções.
Em palestras, programas de televisão e rádio, artigos para jornais, estudos doutrinários e, principalmente, nos contatos com Ulysses Guimarães e Bernardo Cabral, foi-se conformando minha opinião sobre o novo modelo de lei maior e o perfil dos três Poderes.
Asseguradas pelo artigo segundo da Constituição, a autonomia e a independência foram respeitadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) durante vários anos, até que uma rápida modificação da composição da corte, em poucos meses, alterou esse posicionamento.
A partir de 2003, com os presidentes do PT, chegaram à suprema corte inúmeros ministros -hoje, oito dos 11 magistrados foram indicados por petistas.
Desde que lá sustentei pela primeira vez, em 1962, o Supremo não sofrera mudanças bruscas, de tal maneira que qualquer novo integrante adaptava-se rapidamente ao espírito próprio do colegiado, prestigiando sua jurisprudência. Dizia-se, então, que a Justiça fazia-se nas instâncias inferiores, cabendo ao Pretório Excelso dar estabilidade às instituições.
Por essa razão, sempre foi uma corte de legisladores negativos, ou seja, voltada a não dar curso às leis inconstitucionais, respeitando os Poderes políticos em sua função legislativa. De resto, foi o que ficou definido no artigo 103 da Lei Suprema -tanto que, nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, quando o Congresso omite-se inconstitucionalmente, não pode a suprema corte legislar, mas apenas solicitar ao Poder Legislativo que produza a norma.
A rápida mudança, todavia, de sua composição e a introdução da TV Justiça, que permitiu o acesso de círculos não jurídicos às discussões nos tribunais, tornaram o STF um protagonista além de suas próprias fronteiras, passando de legislador negativo para positivo.
Assim, legislou sobre fidelidade partidária, eleição de candidatos derrotados para substituir governadores afastados, alargamento de hipóteses de união estável para pessoas do mesmo sexo, instituição da impunidade para o aborto eugênico, culpabilidade sem trânsito em julgado, com encarceramento nas ações penais antes da decisão final, assunção de funções exclusivas do Legislativo para afastamento de parlamentares e definição de regimentos internos do Legislativo, quando o seu próprio regimento interno é intocável, além de outras intervenções normativas de menor impacto.
Tenho, reiteradamente, declarado admiração aos 11 ministros da suprema corte, mas nem por isso, muito mais velho que eles, sinto-me confortável em vê-los, poder técnico que são, transformarem-se em poder político.
Creio que esse protagonismo crescente resulta em insegurança jurídica e, ao invés de ser, como era no passado, uma corte que garantia a estabilidade das instituições, por mais que sua intenção seja essa, termina por trazer um nível de instabilidade maior, visto que contra a lei inconstitucional pode-se recorrer ao Judiciário, mas contra a invasão de competências não há a quem recorrer.
Creio que valeria a pena a reflexão, não só por parte dos eminentes juristas que compõem a máxima instância mas também de professores, doutrinadores e operadores de direito, sobre se o momento não é de retornar-se a efetiva autonomia e independência dos Poderes, nenhum deles invadindo seara alheia, valorizando-se, assim, o artigo segundo da Lei Suprema.

Para mim, o Supremo não é um "legislador constituinte", mas, pelo artigo 102, exclusivamente um guardião da Carta da República.
Ives Gandra da Silva Martins é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.
Revista Consultor Jurídico, 12 de julho de 2016, 13h00
http://www.conjur.com.br/2016-jul-12/ives-gandra-supremo-nao-legislador-constituinte

Risco do direito ao esquecimento é afastar sociedade de seu passado, diz PGR

A tentativa de impedir a circulação de notícias sobre fatos antigos caminha lado a lado com o risco de impedir que a sociedade conheça seu passado e reflita sobre ele.  É o que afirma o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em parecer contra pedido de indenização apresentado por familiares de uma mulher retratada pela Rede Globo no programa Linha Direta.
Os irmãos de Aida Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro, querem que o Supremo Tribunal Federal reconheça o direito ao esquecimento e mande a emissora pagar indenização por explorar fato ocorrido há várias décadas, com “objetivo meramente comercial”. O pedido já foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça, mas os autores apontam que o caso envolve questões constitucionais, como o direito à inviolabilidade da honra e da intimidade.
Janot considera que esse entendimento poderia vedar informações a estudiosos como sociólogos, historiadores e cientistas políticos. Como consequência, esses atores sociais ficariam “impedidos de ter acesso a fatos que permitam à sociedade conhecer seu passado, revisitá-lo e sobre ele refletir”. Segundo ele, mesmo acontecimentos aparentemente sem interesse histórico podem adquirir importância com o passar do tempo, como registros de rotina na época da escravidão.
Para Janot, não cabe ao Judiciário definir direito ao esquecimento na falta de lei.
O procurador-geral diz que não nega a existência desse direito nem aponta qualquer incompatibilidade com a Constituição.
Embora o STF já tenha reconhecido a repercussão geral do caso, ele entende que não cabe ao Judiciário definir o direito ao esquecimento, pois “dificilmente lograria êxito em solucionar integral e satisfatoriamente a matéria, em meio a todas as dificuldades que a envolvem”.
Para Janot, a tarefa mostra-se ainda mais complexa "na sistemática de repercussão geral, com base em apenas poucos casos concretos e sem disciplina legislativa”. Ele avalia que cabe ao Poder Legislativo regular a questão e entende que os elementos de cada caso específico exigem análise individual, “com pouco espaço para transcendência dos efeitos da coisa julgada, mesmo em processo de repercussão geral”.
Argumento dispensável
O parecer diz ainda que meios de comunicação não podem adivinhar quais pessoas gostariam de receber atenção pública por fatos pretéritos e quais discordariam da divulgação. Como essas pessoas retratadas ou seus familiares só podem cobrar indenização posteriormente, depois da veiculação da notícia, usar a tese do direito ao esquecimento é dispensável, pois a imprensa já responde por eventuais afrontas à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.
Janot aponta que o próprio STF não considera possível proibir a divulgação previamente, como concluiu no julgamento em que definiu ser desnecessária a autorização para editoras publicarem biografias (ADI 4.815). Sobre o caso Aida Curi, o parecer conclui que é inviável acolher a cobrança de indenização quando o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já analisou fatos e provas e não viu  violação a direitos fundamentais.
Primeiros passos
Em 2013, o STJ reconheceu pela primeira vez a aplicação do direito, em favor de um homem que foi inocentado de participação na chacina da Candelária, ocorrida em 1993, mas acabou retratado como um dos envolvidos também no programa Linha Direta. Já o processo sobre Aida Curi foi negado. A corte entendeu que, se o tempo se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.
O direito ao esquecimento não é recente na doutrina do Direito, mas entrou na pauta jurisdicional com mais contundência desde a edição do Enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF). O texto, uma orientação doutrinária baseada na interpretação do Código Civil, elenca o direito de ser esquecido entre um dos direitos da personalidade.
Clique aqui para ler o parecer.
ARE 833.248
http://www.conjur.com.br/2016-jul-12/risco-direito-esquecimento-limitar-historia-pgr

União Estável e Casamento: diferença dos efeitos jurídicos 'post mortem'

Publicado por Letícia Borges Reis

Atualmente existe uma grande preferência entre as pessoas em constituir entidades familiares de maneira “informal”, alguns justificando referida atitude baseados em superstições e crenças populares de que “casar dá azar”.
Brincadeiras a parte, é sabido que a união estável hoje se equipara ao casamento sob regime geral (Comunhão parcial de Bens), inclusive ambas são consideradas pela Constituição Federal entidades familiares (art. 226CF). Portanto, elas têm o mesmo status, e uma relação é tão importante quanto a outra.
No entanto, apesar da equiparação Constitucional entre estas duas entidades jurídicas, existem algumas diferenças pontuais de ordem prática, como se forma e como se extingue, que será resumidamente exposto. Ademais, a principal diferença, objeto precípuo do presente artigo, é de ordem sucessória: seus efeitos jurídicos após a morte de um dos companheiros (as).
O casamento é formalizado por meio de uma celebração feita por um juiz de paz, formalizado por uma certidão de casamento. É um ato formalíssimo que forma o casamento. Já a união estável se forma "no plano dos fatos". Duas pessoas que passam a viver juntas, formando uma entidade familiar é o suficiente para que exista a união estável. A lei não exige formalidade nenhuma.
As pessoas até podem fazer um pacto de união estável, mas é uma escolha do casal. Esse pacto é feito, de preferência, perante um tabelionato de notas, cartório onde se faz escritura de compra e venda de imóvel, por exemplo, por meio de uma escritura pública, e não tem a mesma formalidade do casamento.
Na extinção do casamento, é necessário formalidades. Se o casal possui filhos menores, ele tem de ser extinto perante o Poder Judiciário, na presença de um juiz de direito. Já no caso de não haver filhos menores e existir um acordo entre as partes, poderá ser feita por escritura pública em um tabelionato de notas.
No caso da união estável, sua extinção se dá no plano dos fatos, assim como é sua formação. Então, se as pessoas deixaram de morar juntas está extinta a união estável. Só é necessário provar que, no plano dos fatos, não existe mais a união. Algumas formas de provar a extinção da união estável são por meio de provas documentais como contratos de locação que estava no nome dos dois e agora está no nome de um, conta conjunta que não existe mais e, principalmente, com testemunhas.
Feitas estas considerações preliminares, passa-se a principal questão deste artigo: efeitos hereditários na união estável.
Quando um casal decide viver sob o mesmo teto, formando, assim, uma entidade familiar, sem maiores formalidades, não faz ideia dos efeitos jurídicos adversos que desse fato pode decorrer, principalmente no que diz respeito ao direito de herança.
Enquanto no casamento formal de regime geral (comunhão parcial), o cônjuge participa por direito de herança de todo o patrimônio adquirido, inclusive dos bens adquiridos pelo de cujus (morto) antes do casamento. Legalmente, o cônjuge é considerado herdeiro necessário.
De outro lado, na união estável não existem os mesmos direitos sucessórios. O direito de herança do companheiro (a) vai atingir somente os bens que foram adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Portanto, se, por exemplo, o de cujus (morto) tinha um bem adquirido antes da união estável, o companheiro não será considerado herdeiro pela legislação vigente.
Referido entendimento, decorre da interpretação do artigo1.790 do Código Civil:
Art. 1.790CC. A companheira ou companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamentena vigência da união estável [...].
Para exemplificar a injustiça da presente previsão legal, a autora Ana Luiza Maia Nevares demonstra com propriedade da seguinte forma:
“Basta pensar uma pessoa que só tenha bens adquiridos antes da união, ou somente tenha adquirido bens a título gratuito, como herança ou doação, e viva durante muitos anos em união estável. Quando essa pessoa falecer, seu companheiro nada receberá, A herança caberá por inteiro aos demais parentes sucessíveis, e o pior, não os havendo, esta será vacante e pertencerá por inteiro ao Estado”. (CC/02, art1.844).[1]
Pois bem, da interpretação legislativa e entendimento de julgados de praticamente todos os Tribunais do País, apesar de haver a equiparação Constitucional do Casamento Civil e União Estável, é possível visualizar a diferença para efeitos sucessórios aos companheiros: o direito sucessório do companheiro se limita e se restringe, em qualquer caso, aos bens que tenham sido adquiridos onerosamente na vigência da união estável.

[1] NEVARES. Ana Luiza Maia A tutela sucessória do cônjuge e do companheiro na legalidade constitucional Rio de Janeiro Renovar 2004 - P 135 / 136 apud http://www.ambito-jurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8878
http://leticiaborgesreis.jusbrasil.com.br/artigos/375768485/uniao-estavel-e-casamento-diferenca-dos-efeitos-juridicos-post-mortem?utm_campaign=newsletter-daily_20160822_3903&utm_medium=email&utm_source=newsletter