sábado, 30 de dezembro de 2017

Jailson queria vender um bem para um filho: ele teria que obter o consentimento dos outros filhos e da esposa? (Informativo 611 do STJ)

Publicado por Fernando Nonnenmacher

Jailson lembrou do letreiro luminoso e colorido (com fonte Comic Sans) que havia na frente do escritório de advocacia do Dr. Pimpão e resolveu consultá-lo. Afinal, pensou Jailson: “Se eu vou no dentista para prevenir cáries, eu devo também consultar o Dr. Pimpão para prevenir um rebuliço familiar”.

Quando Jailson entrou na sala do Dr. Pimpão, um terrível café lhe foi entregue pela secretária. Parecia ter sido feito na semana anterior, guardado na geladeira e requentado especialmente para ele. De qualquer sorte, a xícara era bonitinha e Jailson sequer fez cara feia.

Questionado sobre qual seria seu problema, Jailson contou pro Dr. Pimpão que constituiu, juntamente com um sócio, uma empresa, chamada de “Muita Coisa Serviços de Nadismo Ltda.”. O que esta empresa fazia? Esta empresa ensinava as pessoas a não fazerem nada. E isso era muita coisa para aqueles que não sabiam como fazer isso. Por isso, a empresa deu muito certo e cresceu.

Prosseguiu (o Jailson) explicando que, depois de criar a empresa, ele casou com a Kelem e, durante a união, eles tiveram dois filhos. Como, na época, ainda não existia aqueles sites com sugestões de nomes para filhos, Jailson e Kelem deram, ao menino, o nome de Kelson, e, à menina, o nome de Jailselem. “Nomes tão bonitos quanto o letreiro luminoso e colorido do Dr. Pimpão”, reconheceu Jailson mentalmente com um sentimento de arrependimento.

Jailson ainda contou que, mais tarde (como talvez você já saiba), ele se divorciou da Kelem, porque os dois não se entendiam sobre o modo correto de apertar a pasta de dentes (clique aqui se você não conhece essa história). Dr. Pimpão até fez um aparte e deu a sua opinião, sobre como achava ser a forma correta de apertar o tubo. Após, Jailson observou que, na partilha dos bens do casal, ele permaneceu com todas as quotas da empresa, enquanto a Kelem ficou com outros bens.

Explicou o Jailson que, depois de ajudar por muito tempo as pessoas a aprenderem a não fazer nada, queria ele próprio, agora, praticar um pouco de vácuo existencial. Por isso, queria ceder onerosamente (ou simplesmente vender) suas quotas na empresa (a parte dele na empresa) para seu filho, o Kelson, pra ele continuar a atividade, juntamente com o outro sócio. Neste rol de ideias, Jailson questionou o advogado (o Dr. Pimpão), a respeito do cuidado que deveria ter com a realização do negócio, pois estava pressentindo que poderiam ocorrer problemas por parte de sua filha, a Jailselem, e por parte de sua ex, a Kelem.

Quando Jailson parou de falar, o Dr. Pimpão notou que Jailson tinha percebido, ao olhar através do vidro da mesa transparente, que o advogado vestia, juntamente com uma camisa e uma gravata, uma bermuda, uma meia marrom e um sapato preto.

Dr. Pimpão, para estancar de uma só vez qualquer má impressão, tratou de explicar, antes de qualquer coisa, que nunca vestiu calças na vida profissional. Disse, ainda, que sempre usava bermuda, mesmo diante do juiz. Justificou ele: “Quem não poder ser surpreendido por aí com as calças curtas são meus clientes. Eu posso, e devo, em um país com terrível calor, andar de bermuda. E assim faço, na frente do juiz ou quem quer que seja”.

Após esse momento de excentricidade master-blaster do Dr. Pimpão, o advogado mudou o foco e passou a orientar o Jaílson. “Você pode realizar essa cessão onerosa de quotas ao seu filho Kelson. Porém, você deve ter o cuidado de obter, na cessão, o consentimento da sua filha Jailselem, para evitar que, mais tarde, ela possa impugnar a validade dessa cessão. Em relação a sua ex, a Kelem, não é necessário o consentimento dela, porque vocês não são mais casados”.

Dr. Pimpão gostava de falar bastante e não economizou nas explicações. Disse que, na forma do art. 496, do Código Civil de 2002, quando um pai vende algo para um filho, é necessário que a mãe (cônjuge do vendedor) e os demais filhos (os demais descendentes do vendedor) consintam expressamente com esta venda. Acrescentou, ademais, que a cessão onerosa de quotas empresariais, em que pese esse nome pomposo, nada mais é que uma compra e venda especial, que possui como objeto quotas empresariais. Por isso, a necessidade de consentimento, prevista para a compra e venda, também se aplica à cessão onerosa de quotas empresariais, consoante, inclusive, decidiu o STJ (Dr. Pimpão se referia ao julgamento do STJ no AgRg no AREsp 604.909/RJ, em 25/11/2014).

Jailson então perguntou o motivo pelo qual seria necessário esse consentimento. Dr. Pimpão explicou que a necessidade de consentimento existe pra evitar que o pai simule uma venda (faça de conta que se trata de uma venda, quando, na verdade, se trata de uma doação) e, assim, prejudique a legítima da mãe (cônjuge), bem como prejudique a legítima dos filhos (legítima aqui é a parte da herança que é devida aos herdeiros, por força de lei).

Jailson, fazendo cara de quem tinha entendido, perguntou: “E o que acontece se não houver o consentimento?”. Pimpão anotou que, não obtido o consentimento, aqueles que não consentiram poderiam pedir a anulação da venda em juízo, também nos termos do art. 496, do Código Civil.

Jailson agora já tinha captado a mensagem, como diria Rolando Lero. Pra realizar a cessão onerosa de quotas da sociedade empresária para seu filho Kelsom, precisaria do consentimento da sua filha Jailselem. Mas, porque Jailson não tinha mais cônjuge (já havia se divorciado de Kelem), não seria necessário o consentimento dela. Caso Jailson não tomasse essa cautela, a Jailselem poderia vir a pedir a anulação do negócio e estragar a festa.

Diante das explicações do Dr. Pimpão, Jailson ficou preocupado com mais uma coisinha (que, na verdade, era um coisão, mas tudo bem). Jailson explicou pro Dr. Pimpão que, alguns anos atrás, naquele período em que ainda convivia com a Kelem (e os dois discutiam frequentemente sobre o modo correto de apertar o tubo de pastas de dentes), conheceu uma moça.

Dr Pimpão, neste momento, se ajeitou na poltrona, como se já soubesse o final da história. Jailson continuou explicando que, naquele período, teve um caso com esta moça e os dois tiveram um filho. Porém, asseverou que nunca contou isso para a Kelem, porque ela era muito braba (clique aqui se você duvida da brabeza da Kelem). Ademais, informou que não reconheceu a paternidade da criança.

Nesse enredo, Jailson tinha uma dúvida. Se o filho não reconhecido ajuizasse uma investigação de paternidade e Jailson viesse a ser reconhecido como pai, ele queria saber se esse filho poderia pedir a anulação da cessão de quotas empresariais ao Kelson.

Dr Pimpão respirou, coçou o nariz, alisou os pelos que tinha nas orelhas e então orientou o Jailson. “Você não precisa se preocupar. O filho reconhecido posteriormente à cessão onerosa de quotas empresariais não poderá pedir a anulação do negócio”.

Jailson permaneceu imóvel na cadeira, com uma expressão de quem tinha revelado um grande segredo, que talvez merecesse uma orientação equivalente a um pouco mais do que seria permitido em um tweet, isto é, um pouquinho mais que 180 caracteres.

O Dr. Pimpão, percebendo a insegurança de seu cliente, referiu que, conforme decidiu o STJ, no julgamento do REsp 1.356.431-DF, em 8/8/2017 (noticiado no Informativo 611), o negócio oneroso de cessão de quotas que seria realizado para Kelson não poderia futuramente ser anulado por um outro filho que viesse a ser reconhecido posteriormente. Segundo o STJ, isso não seria possível, por força daquilo que se denomina segurança jurídica ou situação jurídica definitivamente constituída.

Diante destes caracteres adicionais e destas palavras proferidas pelo STJ, Jailson se deu por satisfeito e nada mais precisava ser dito. Alguns dias depois, Jailson perfectibilizou o negócio de cessão de quotas para seu filho Kelson, observando todas as formalidades que eram cabíveis. E o que aconteceu depois? Bom, a partir daí, Jailson passou a ser um consumidor daquilo que antes ministrava com maestria: a arte de “não fazer nada”.

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quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

"Somos esse tipo de corte, que proíbe vaquejada e libera aborto", critica Gilmar

Por 


A declaração se deu nesta sexta-feira (27/10), um dia após o ministro trocar acusações com o colega de STF Luís Roberto Barroso. “Parte desse grupo que votou na vaquejada conduziu uma decisão que tentava introduzir o aborto no Brasil, dizendo que aborto até três meses, sem decisão do Plenário, seria legítimo, num caso que discutia não o tema diretamente, mas excesso de prazo para pessoa que praticou aborto. A decisão poderia ter sido favorável à pessoa, pelo excesso de prazo, mas não precisava entrar no tema. Entrou no tema, porque se viu possibilidade de fazer maioria. De vez em quando nós somos esse tipo de corte, que proíbe a vaquejada e permite o aborto”, disse.
Gilmar palestrou no encerramento do XX Congresso Internacional de Direito Constitucional, promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, em Brasília. Ele fez um balanço do cenário do país desde a promulgação da Constituição de 1988, apontando “vícios e distorções” da Carta. Apesar de ter a Constituição tem um viés “estatizante”, ela garantiu o mais longo período de institucional da história do país, pontuou.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um grande esforço para retirar todos os excessos que diziam respeito a essa visão "estatizante", de acordo com Gilmar, que citou como exemplo a privatização dos meios de telecomunicação.
Outra reforma institucional importante do governo FHC, "que, hoje em dia, não se dá muito valor", segundo o ministro, foi a instituição do Ministério da Defesa, que retirou o status de ministro dos chefes da Aeronáutica, Exército e Marinha.
Ele também culpou as omissões do Congresso pela ampliação dos poderes do STF. Um exemplo foi o impeachment de Dilma Rousseff, quando o Supremo teve que praticamente regular todo o processo, no entendimento do ministro. Ele afirmou que as pedaladas fiscais demonstraram a irresponsabilidade da gestão do Executivo naquele momento e que, se tivesse continuado daquela maneira, hoje a situação da União poderia estar parecida com a de estados em grave crise financeira, como o Rio de Janeiro.
Matheus Teixeira é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2017, 21h01
https://www.conjur.com.br/2017-out-27/stf-proibe-vaquejada-libera-aborto-critica-gilmar-mendes

A liberdade religiosa e o Direito. É possível pregar um discurso de que as religiões são desiguais?

Publicado por Elder Nogueira

Um conhecido sacerdote da Igreja Católica, escreveu um livro (“Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de cura e libertação”), voltado aos católicos, no qual faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé.

O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele, acusando-o de ter cometido o crime do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (conhecida como Lei do Racismo):
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
(...)
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime.

A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de praticar proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião.

Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo.

Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os “inferiores” para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual, neste caso não haverá conduta criminosa.

Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.

Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo.

O STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e, ainda que isso gere certa animosidade, não se pode extrair de suas palavras a intenção de que os fiéis católicos escravizem, explorem ou eliminem pessoas adeptas ao espiritismo. Não há, portanto, tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.

A publicação escrita pelo sacerdote católico dedica-se à pregação da fé católica, e suas explicitações detêm público específico. Sua intenção foi a de orientar a população católica sobre a incompatibilidade verificada, segundo sua visão, entre o catolicismo e o espiritismo.

Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior a outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo.

Segundo o Min. Edson Fachin, a afirmação do autor de que a sua religião é superior e que ela deverá resgatar e salvar os espíritas:
"apesar de indiscutivelmente preconceituosa, intolerante, pedante e prepotente, encontra guarida na liberdade de expressão religiosa e, em tal dimensão, não preenche o âmbito proibitivo da norma penal incriminadora".

Por derradeiro, cumpre citar que o discurso discriminatório criminoso somente se materializa se forem ultrapassadas três etapas indispensáveis:
uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos (existem religiões diferentes entre si);
outra de viés valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles e, por fim (a minha religião é "superior" às demais); e, por fim,
uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior.

Se o discurso proselitista prega que a religião supostamente "superior" tem o objetivo de auxiliar os adeptos de outras religiões (tidas como equivocadas), neste caso, não há discriminação. Isso porque se ficou apenas nas duas primeiras etapas acima expostas, não se ultrapassando a terceira (mais danosa).

Assim, a tentativa de persuasão, de convencimento pela fé, sem contornos de violência ou que atinjam diretamente a dignidade humana, não é crime.

https://elderns.jusbrasil.com.br/noticias/532696635/a-liberdade-religiosa-e-o-direito?utm_campaign=newsletter-daily_20171219_6441&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Indícios de adoção irregular justificam manter criança em orfanato, diz STJ

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu manter uma criança em orfanato por conta de indícios de crimes contra o estado de filiação, suspeitas de pagamento para obtenção de criança em outro processo e ausência de laços afetivos com a família substituta.
O caso envolve um menino de um ano de idade, filho de uma moradora de rua, acolhido por um casal e que acabou sendo registrado em nome do marido. O Ministério Público, porém, quis anular o registro e encaminhar o menor de idade para a família natural ou adoção.
O problema, segundo o MP, é que o casal simulou gravidez para os conhecidos e já tem a guarda de outro menino mais velho, filho da mesma mãe natural, o que indicaria promessa de ajuda financeira.
Em primeira instância, o juiz determinou o acolhimento em abrigo por entender que a permanência da criança com a família acarretaria — como ocorreu com o irmão — a formação de vínculo afetivo que esvaziaria qualquer medida para combater a chamada “adoção à brasileira”.
O relator no STJ, ministro Moura Ribeiro, destacou que a situação é delicada e excepcional, pois envolve criança de um ano de idade que foi levada para um abrigo quando tinha apenas dois meses.
Moura Ribeiro apontou circunstâncias “relevantes, preocupantes e até graves”, como indícios de reiteração na prática de crime contra o estado de filiação e de simulação de gravidez.
“A decisão objeto do writ, com efeito, não é manifestamente ilegal ou teratológica, bem como não visou somente privilegiar o disposto no parágrafo 13 do artigo 50 da Lei 8.069/90 em detrimento do bem-estar da criança, mas sim proporcionar que ela tenha um desenvolvimento sadio, ainda que seja provisoriamente no sistema de acolhimento institucional, tendo em conta as condutas nada ortodoxas da família substituta e os padrões éticos não são recomendáveis para a educação e desenvolvimento sadio do infante”, afirmou o ministro.
Ele rejeitou, assim, pedido de Habeas Corpus em nome do casal. A decisão e o número do processo não foram divulgados, porque a ação tramita em segredo judicial. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 19 de dezembro de 2017, 10h01
https://www.conjur.com.br/2017-dez-19/indicios-adocao-irregular-justifica-manter-crianca-orfanato

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Tratamento de obesidade em clínica pode ser custeado por plano de saúde

Os planos de saúde são obrigados a custear a internação de pacientes com obesidade mórbida em hospitais ou clínicas especializadas em emagrecimento, caso esta seja a indicação do médico, ainda que não haja previsão contratual para tal cobertura. Este é o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
No julgamento, a turma rejeitou pedido para modificar acórdão que obrigou o plano de saúde a custear tratamento de emagrecimento de usuário com obesidade mórbida, grau III, em clínica especializada. De forma unânime, porém, o colegiado acolheu parcialmente o recurso para afastar da condenação a indenização por danos morais ao paciente.
“Havendo indicação médica para tratamento de obesidade mórbida ou severa por meio de internação em clínica de emagrecimento, não cabe à operadora negar a cobertura sob o argumento de que o tratamento não seria adequado ao paciente, ou que não teria previsão contratual, visto que tal terapêutica, como último recurso, é fundamental à sobrevida do usuário, inclusive com a diminuição das complicações e doenças dela decorrentes, não se configurando simples procedimento estético ou emagrecedor”, afirmou o relator do recurso da operadora, ministro Villas Bôas Cueva.
Na ação, o paciente pediu o custeio do tratamento alegando insucesso em outras terapias tentadas anteriormente. Ele afirmou ainda que não poderia se submeter à cirurgia bariátrica em virtude de possuir várias doenças, sendo a sua situação de risco de morte.
Segundo Villas Bôas Cueva, a legislação é clara ao indicar que o tratamento da obesidade mórbida é de cobertura obrigatória pelos planos de saúde, nos termos do artigo 10, caput, da Lei 9.656/1998.
O relator destacou que, quando há indicação médica, o tratamento pode ser feito com internação em estabelecimentos médicos, tais como hospitais e clínicas, mesmo que, em regra, as operadoras prefiram oferecer aos usuários tratamentos multidisciplinares ambulatoriais ou indicações cirúrgicas, como a cirurgia bariátrica.
Ordens médicas
Villas Bôas Cueva frisou que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que o médico ou o profissional habilitado – e não o plano de saúde – é quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença.
O ministro destacou que a restrição legal ao custeio, pelo plano de saúde, de tratamento de emagrecimento restringe-se somente aos tratamentos de cunho estético ou rejuvenescedor, principalmente os realizados em SPAs, clínicas de repouso ou estâncias hidrominerais.
“Desse modo, mesmo que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não se aplique às entidades de autogestão, a cláusula contratual de plano de saúde que exclui da cobertura o tratamento para obesidade em clínica de emagrecimento se mostra abusiva com base nos artigos 423 e 424 do Código Civil, já que, da natureza do negócio firmado, há situações em que a internação em tal estabelecimento é altamente necessária para a recuperação do obeso mórbido, ainda mais se os tratamentos ambulatoriais fracassarem e a cirurgia bariátrica não for recomendada”, explicou o ministro.
Danos morais
Apesar de negar parte do recurso da operadora de plano de saúde, o relator deu parcial provimento no que se refere à indenização por danos morais. O ministro afastou a compensação concedida pelo Tribunal de Justiça da Bahia e restabeleceu os efeitos da sentença, que previa apenas o direito de o usuário do plano de saúde fazer o tratamento contra a obesidade em clínica especializada de emagrecimento.
De acordo com Villas Bôas Cueva, como a recusa do tratamento em clínica especializada somente se deu no bojo do processo judicial – visto que o autor da ação não havia provocado previamente a operadora em âmbito administrativo –, não há que se falar em recusa indevida de procedimento, o que afasta a alegação de dano moral indenizável. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 
REsp 1.645.762
Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2017, 15h03
https://www.conjur.com.br/2017-dez-15/tratamento-obesidade-clinica-custeado-plano

Concurso público: Pessoa com Síndrome de Asperger pode ocupar vaga para deficiente

Para todos os fins legais, a Síndrome de Asperger, doença genética semelhante ao autismo, deve ser considerada uma deficiência. Assim entendeu o desembargador Ribeiro de Paula, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao permitir que uma mulher com a doença preencha uma vaga reservada para pessoa com deficiência em um concurso público.
O desembargador manteve decisão da primeira instância segundo a qual a pessoa com Síndrome de Asperger deve ser incluída na Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei Federal 12.764/12).
A autora da ação passou em segundo lugar no concurso para fiscal da Fazenda em Osasco, em vagas reservadas para deficientes. No entanto, no exame médico, médicos da prefeitura de Osasco alegaram que a candidata não tinha nenhuma deficiência.
Ela, então, em um pedido de mandado de segurança, apresentou diversos relatórios psiquiátricos desde o ano de 2013, assinados por diferentes profissionais, dizendo que ela tem a Síndrome de Asperger. 
O juiz José Tadeu Picolo Zanoni, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, avaliou que, conforme esses relatórios e informação prestada por psiquiatra, a mulher tem como “hipótese diagnóstica” o transtorno do espectroautista. Segundo a sentença, aplicam-se para pessoas com esse perfil garantias fixadas pela Lei 12.764/2012, que estabelece política sobre o assunto.
“Não há dúvidas de que a impetranteé pessoa com deficiência, e, portanto, apta a concorrer às vagas reservadas paradeficientes”, concluiu Zanoni. A decisão anulou o atestado de inaptidão dos médicos da Prefeitura de Osasco e emitiu atestado de aptidão definitivo para a posse do cargo.
A votação da 12ª Câmara do TJ-SP que manteve a decisão foi unânime, com a participação dos desembargadores Edson Ferreira e Souza Meirelles.
Mandado de Segurança 1009260-43.2017.8.26.0405
* Texto atualizado às 22h40 do dia 17/12/2017 para correção.
Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2017, 6h33
https://www.conjur.com.br/2017-dez-16/pessoa-sindrome-asperger-ocupar-vaga-deficiente

A importância da prova indireta para apurar a nulidade de um testamento

Por 
O testamento, como se sabe, é negócio jurídico personalíssimo, unilateral, formal e revogável, que permite a alguém dispor de seus bens, no todo ou em parte, para depois de sua morte. Diz-se “personalíssimo” porque somente o próprio disponente pode fazê-lo, não se admitindo, no caso, o poder de representação; unilateral e gratuito, porque não há contraprestação exigida do herdeiro ou legatário, ainda que a instituição do beneficiário se faça com modo ou encargo; formal e solene, por constituírem, as suas formalidades e solenidades, a principal garantia de cumprimento da vontade do testador; e essencialmente revogável, já que a vontade do testador pode se alterar após a lavratura do testamento.
Como ensina Zeno Veloso, “uma das principais características do testamento é a de ser um ato revogável. O testamento contém disposição de última vontade, e a vontade é ambulatória, (...) O testador pode modificar, livremente, alterar, quando lhe aprouver, o que declarou no testamento”[1].
Como negócio jurídico, o testamento se submete aos requisitos gerais de validade previstos no artigo 104 do Código Civil[2]. Além dessas hipóteses, a ausência ou redução do discernimento também constitui causa de nulidade do testamento, ainda que formalmente capaz o testador. Isso porque o legislador disse expressamente que não poderiam testar os que, no ato de fazê-lo, não tivessem pleno discernimento (artigo 1.860)[3], sendo nulo o negócio jurídico quando a lei “proibir-lhe a prática, sem cominar sanção” (CC, artigo 166, VII).
A ausência ou redução do discernimento não se vincula ao estado de capacidade, razão pela qual afastaremos destas reflexões qualquer discussão sobre as relevantes inovações na disciplina das incapacidades advindas com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Recordando a longa tradição de nosso Direito e com base no Direito Comparado, ressalta Zeno Veloso que “o que se requer, fundamentalmente, em matéria de capacidade testamentária ativa, é que o indivíduo possa exprimir livremente a sua vontade, que tenha compreensão, discernimento, que saiba, enfim, o que está fazendo. Em consequência de enfermidade ou doença mental, ou de moléstia que repercuta no cérebro, a pessoa pode ficar com a razão comprometida, o espírito intensamente debilitado, sem possibilidade de querer autonomamente, de perceber as situações, de avaliar o que ocorre no mundo exterior, não tendo liberdade para deliberar, não exercendo espontaneamente o seu querer, e este é pressuposto essencial em sede de testamentos”[4].
Se, ao testar, o testador não tinha o pleno discernimento, o testamento é nulo, sendo desinfluente se o disponente se encontrava ou não sob curatela. O discernimento deve ser contemporâneo à facção do testamento. Sua redução ou ablação superveniente não invalida o ato, nem o testamento de quem não tinha discernimento se valida com a superveniência da capacidade de livre expressão da vontade (CC, artigo 1.861). Mas aqui reside o grande imbróglio: provar a presença, redução ou ausência de discernimento de alguém que pode já haver morrido muitos anos antes de instaurada a dúvida ou aberta a discussão. Como o direito de impugnar a validade do testamento só vai caducar cinco anos após a data do seu registro (CC, artigo 1.859), exsurge, com frequência, enorme dificuldade para se apurar se o testador realmente gozava de pleno discernimento quando dispôs por ato de última vontade.
Quando um herdeiro, sentindo-se prejudicado, afirmar que o testador não gozava de discernimento e esse fato é contraditado pelo herdeiro beneficiado pelo testamento, serão “necessárias normas positivas para determinar, entre um que afirma e outro que nega, qual dos dois tenha que provar sua asserção para impedir que sirva como certa a asserção do contrário”[5]. Essas normas nos mostrarão o caminho para alcançar ou demonstrar a verdade sobre os fatos afirmados, ora limitando o campo dos fatos a conhecer, ora regulando o processo de conhecimento pelo juiz[6].
Entre essas regras destaca-se o artigo 370 do CPC/15, a impor ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito[7].
Em se tratando de demanda que tenha por objeto a invalidade de um testamento, as provas indiretas constituem as verdadeiras “rainhas” das provas, as provas por excelência. Em um texto clássico, publicado na Revista dos Tribunais no início do século passado, Luiz Frederico S. Carpenter já advertia sobre a impossibilidade de se fazer prova direta sobre a incapacidade do testador[8].
Na investigação sobre a nulidade do ato de última vontade, por ausência ou redução do discernimento do testador, deve o juiz fazer uso da prova indireta, concretizada por presunções, ou por indícios, ou por sinais, ou por suspeitas, ou por adminículos. Somente esses elementos poderão comprovar a falta de discernimento de quem já não existe mais, fisicamente, no plano dos fatos.
As provas indiretas, segundo João Monteiro, “não estão escritas nas folhas dos autos pois resultam de um ‘operação lógica’, de maior ou menor proficuidade, consoante o maior ou menor grau de sagacidade do espírito de quem as estiver investigando: isto é, resultante ‘de combinações ideais, inqualificáveis a priori, enfim, resultam de conjecturas que o espirito induz por via de induções ulteriores’”[9].
No caso de nulidade decorrente da falta de discernimento do testador, a prova indireta mais eficaz (e talvez a única passível a se chegar à verdade dos fatos) é o laudo pericial retrospectivo ou perícia psiquiátrico-forense póstuma retrospectiva.
Trata-se de prova pericial médica indireta, tendo em vista a morte do testador, destinada à averiguação de seu estado de saúde prévio e concomitante à lavratura do testamento, e que pode e deve ser requerida com amparo no artigo 370 do CPC/15.
A prova pericial médica indireta consiste na realização de perícia com base exclusivamente em documentos médicos e informações relativas ao histórico do paciente, com o fito de desvendar o estado de saúde pretérito do falecido, a partir de rastros e pistas deixadas no tempo. Sobre o cabimento dessa espécie de perícia, pertinente transcrever, ainda, a doutrina de Fredie Didier Jr: “Há, porém, certas modalidades de perícias que, por seu resíduo histórico, se aproximam da prova testemunhal, embora desta ainda nitidamente se diferenciem. São as chamadas perícias retrospectivas ou indiretas. Por meio das mesmas, se faz um exame técnico dos vestígios presentes de fatos passados, para se concluir acerca da prova desses fatos. Na doutrina há dupla natureza na função do perito. O perito percipiendi, que faz a verificação dos fatos existentes, e o perito deducendi, que interpreta os vestígios de fatos passados”[10].
Como o autor do ato de última vontade já morreu, a existência ou não de enfermidade apta a comprometer-lhe o discernimento, na data em que lavrado o testamento, não pode ser provada, a não ser por meio de perícia médica indireta. O especialista do juízo analisará o prontuário médico do morto e confirmará, a partir da análise dos resultados dos exames realizados pelo de cujus, confirmativos das enfermidades de que padecia, se as doenças retiraram-lhe ou não o pleno discernimento para testar.
Nada impede, ao contrário, aconselha, que o perito faça entrevistas com as pessoas que conviveram com o testador à época do ato, justamente para cotejar a realidade estática dos documentos com a dinâmica presencial da vida. Para Pontes de Miranda, “se de algum fato, ou estado pretérito, precisa o perito para chegar às respostas aos quesitos, o caminho é a informação testemunhal, testemunhas informadoras (...) encontradas pelo perito”, que pode “ouvi-las sem forma de juízo, dando de tudo, no laudo, notícia circunstanciada”[11].
A jurisprudência é uníssona quanto ao cabimento da perícia indireta quando falecido o periciando[12]. Assim, havendo dúvida razoavelmente embasada sobre o pleno discernimento do testador em relação ao ato de testar, o juiz deve determinar a produção de prova pericial indireta.


[1] cf. VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado. 10ª ed. Coord. Ricardo Fiuza/Regina Beatriz. São Paulo: Saraiva, 2016, p.1.956.
[2] Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
[3] Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.
[4] VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado cit., p. 1.959.
[5] CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. Campinas/SP: Bookseller, p. 40. Prossegue o autor, ressaltando que “a afirmação de uma parte e a negação da outra, ou seja, diante da discussão de um fato: é necessário proporcionar-lhe o meio ou indicar-lhe a via para resolver a discussão, ou, seja para determinar na sentença o fato não determinado pelas partes. Se esta via é a da busca da verdade ou, em outras palavras, do conhecimento do fato controvertido, haveremos realizado para a posição do fato um sistema idêntico ao estabelecido para a posição do direito, ainda que dentro de limites mais restritos, e tudo se reduzirá a um problema lógico de conhecimento do fato controvertido, por parte do juiz” (p. 44).
[6] “(...) Somente se fala de prova a propósito de alguma coisa que foi afirmada e cuja exatidão se trata comprovar; não pertence à prova o procedimento mediante o qual se descobre uma verdade não afirmada senão, pelo contrário, aquele mediante o qual se demonstra ou se encontra uma verdade afirmada” (CARNELUTTI, Francesco. Op. cit., p.67).
[7] Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
[8] Cf. RT 71/401-ago/1929.
[9] APUD CARPENTER, Luiz Frederico S. Da prova indirecta – da importância da prova indirecta nos actos de fraude e, especialmente, nos testamentos falsos. Testamentos falsos e, portanto, nulos – Testamentos nulos, se bem que não falsos. In: Família e sucessões: direito das sucessões / Yussef Said Cahali, Francisco José Cahali organizadores. – São Paulo: Editora São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2011 – (Coleção doutrinas essenciais; v. 6), pp. 714/715.
[10] Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira. Curso de Direito Processual Civil - Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. Vol. 2, 4. ed., Salvador, BA: Ed. JusPodivm, 2009, p. 231-232.
[11] Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo III, 2ª ed. Rio de janeiro: Forense, 1958, p.438.
[12] (1) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SEGURO PRESTAMISTA - FALECIMENTO DA SEGURADA - ALEGAÇÃO DE DOENÇA PREEXISTENTE - NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL MÉDICA, INDIRETA - NULIDADE DA SENTENÇA - AUSÊNCIA DE PROVA INDISPENSÁVEL À SOLUÇÃO DO LITÍGIO. (...) A questão central, que está em discussão nos autos, é a preexistência, ou não, da doença que casou a morte da segurada, hipótese de risco expressamente excluído, ponto este cujo esclarecimento é indispensável para que se verifique se deve a primeira requerida ser condenada ao pagamento da indenização securitária. A nosso aviso, não há como se fazer prova a respeito, a não ser através de perícia médica indireta, que deverá analisar o prontuário da autora, que contém os resultados de exames complementares realizados, confirmativos da doença que causou a morte, laudos de radiografias e resultado do exame anátomo-patológico. O destinatário da prova é o Juiz e, se os elementos presentes nos autos não são suficientes para desvendar a verdade dos fatos, deve ele determinar a produção das provas necessárias, de ofício ou a requerimento da parte. Não se pode perder de vista que o Processo Civil contemporâneo vem afirmando, cada vez com maior ênfase, que o julgador não pode se contentar com a mera verdade formal, cumprindo-lhe atender o princípio da verdade possível, isto é, buscando alcançar aquela verdade mais próxima possível do real, respeitando o devido processo legal. (TJMG - Apelação Cível 1.0080.15.001068-6/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Mariné da Cunha , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/10/2016, publicação da súmula em 18/10/2016) (2) RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. PREPOSTOS DO RÉU QUE SUPOSTAMENTE TERIAM FALHADO NA REALIZAÇÃO DO PARTO DA AUTORA, DANDO CAUSA AO ÓBITO DO RECÉM-NASCIDO (ASPIRAÇÃO DE MECÔNIO). DEMANDA JULGADA IMPROCEDENTE EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA. EXAME TÉCNICO QUE PODERIA TER SIDO REALIZADO DE FORMA INDIRETA. ACOMPANHAMENTO DA PARTE NA PRODUÇÃO DA PROVA QUE É MERA FACULDADE. PRECEDENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA VERIFICADO. PERÍCIA ESSENCIAL AO CORRETO DESLINDE DA CAUSA. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM RECURSO PROVIDO. (TJSP;Apelação 0014629-25.2005.8.26.0609; Relator (a): Paulo Alcides; Órgão Julgador: 28ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro de Taboão da Serra - 3ª V.CÍVEL; Data do Julgamento: 13/12/2016; Data de Registro: 14/12/2016) (3) INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - Improcedência - Óbito do pai e companheiro dos autores - Alegação de atraso em sua remoção pela requerida para hospital de sua rede credenciada, mesmo diante da gravidade do caso (enfarto), o que teria contribuído para o falecimento -Necessidade da realização de perícia indireta nos prontuários médicos do falecido a fim de se poder aferir acerca do nexo de causalidade entre a conduta praticada pela requerida e o óbito - Prova testemunhal insuficiente - Sentença anulada, ex officio, para determinar a realização da perícia,prejudicado o exame das demais questões postas no apelo (TJ-SP - Apelação APL 994081247777 SP - Data de publicação: 07/12/2010).
Mário Luis Delgado é advogado, professor da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp), doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP, presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), diretor de Assuntos Legislativos do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro (IDCLB).
Revista Consultor Jurídico, 17 de dezembro de 2017, 8h00
https://www.conjur.com.br/2017-dez-17/processo-familiar-importancia-prova-indireta-apurar-nulidade-testamento

Dinâmico, sistema registral permite mutabilidade do nome

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1) Introdução
A importância do nome para a identificação e individualização das pessoas é, mais que uma afirmação jurídica, uma constatação histórica. O nome, de fato, é o principal meio de chamamento no trato social diário, bem como o mais importante elemento de identificação da pessoa natural para fins de imputação.
Embora o interesse individual no nome seja irrefutável, existem outros interesses igualmente legítimos subjacentes à questão, já que o nome, essencial para a distinção dos diversos sujeitos de direito, permite a imputação de direitos e obrigações no desenlace das múltiplas interações sociais (LOUREIRO, 2017, p. 166). A inidentificabilidade do sujeito traz sérios transtornos à operabilidade do sistema, daí afirmar-se que o nome (e sua publicidade) envolve uma questão de ordem pública.
Entretanto, há uma série de situações que impõem a mudança nomástica, seja para alinhar o nome a uma nova realidade jurídica, seja na tutela de direitos da personalidade. Justamente por existir essa variedade de interesses envolvidos, que ora convergem ora se contrapõem, a questão da mutabilidade do nome deve ser tratada com parcimônia, buscando um equilíbrio entre os bens jurídicos cuja tutela, no caso concreto, possa conflitar.
Foi nesse espírito de ponderação que a Lei 9.708/1998 modificou o art. 58 da Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73), que até então, priorizando o interesse social na possibilidade de identificação e individualização das pessoas, determinava peremptoriamente a imutabilidade do nome. Pela nova redação, contudo, tal preceito cedeu espaço à noção – menos radical – de definitividade (KÜMPEL; FERRARI, 2017, pp. 258-259).
Assim, embora não seja propriamente imutável, não se nega o caráter definitivo do nome, o que motiva certos entraves à liberdade de sua modificação, como a exigência de fundamentação e de decisão judicial. Tratar-se-á, a seguir, das principais hipóteses de modificação do nome contempladas no sistema civil atual, bem como seus requisitos e reflexos na disciplina registral.
2) Alteração intermediária imotivada
O art. 56 da LRP prevê uma hipótese de alteração imotivada (independente de fundamentação ou justificativa), de natureza administrativa, estabelecendo que o “interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa”.
Tal dispositivo, entretanto, deve ser lido em conjunto com o art. 58 da mesma lei, segundo o qual não poderá o interessado suprimir prenome simples ou composto na medida em que o prenome é definitivo, podendo ser substituído por apelidos públicos notórios, ou outras modificações legalmente autorizadas.
Sendo assim, a liberdade de alteração imotivada consagrada no art. 56 é balizada, de um lado, pela definitividade do prenome, e de outro, pela tutela aos apelidos de família, daí restarem apenas as chamadas “adições intermediárias”, ou seja, acréscimos (de outros patronímicos ou de apelidos públicos notórios, p.e.) ou supressões (de admones e partículas p.e.) que não prejudiquem nem o prenome, nem o sobrenome (GONÇALVES, 2010, p. 159).
3) Erro de grafia
O erro de grafia era expressamente previsto como exceção à imutabilidade do prenome na redação original da LRP, cujo art. 59, par. único, determinava: “Quando, entretanto, for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do Juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do artigo 56, se o oficial não o houver impugnado.”
Apesar de suprimido pela Lei 9.708/1998, a hipótese encerrada no referido dispositivo (erros evidentes, perceptíveis “à primeira vista”) perdurou na norma genérica do art. 110, disciplinando a retificação de “erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção” e delineando o procedimento para a averbação correspondente.
Com fulcro no art. 110, o erro pode tanto residir no prenome quanto no sobrenome, ou até mesmo nos elementos facultativos. A correção pode ser solicitada na própria serventia, mediante requerimento do interessado, acerca do qual deverá manifestar-se o MP. Se, porventura, este entender que a modificação exige maiores indagações, impõe-se a intervenção do juiz, cuja determinação ensejará averbação da retificação à margem do respectivo assento.
4) Uso
A Lei 9.708/1998, além de mitigar o princípio da imutabilidade do nome, consagrou a tutela do pseudônimo, permitindo que o apelido público notório agregasse ao prenome e até mesmo o substituísse. Não há, porém, consenso quanto aos requisitos que devem ser observados para tal.
Uma corrente mais restritiva sustenta que caberia ao juiz avaliar, no caso concreto, a efetiva notoriedade do apelido, com base em determinados critérios (p.e. VENOSA, 2008, p. 189), enquanto outra, mais liberal, entende que o simples auto chamamento da pessoa configura “apelido público notório”, prescindindo de prova testemunhal que ateste ser aquela pessoa conhecida no núcleo da sociedade por outra denominação.
5) Exposição ao ridículo
O art. 55, par. único, da LRP, mais que uma hipótese de modificação nomástica, prevê um dever negativo aos oficiais de registro civil, que deverão recusar o registro de “prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores”. Caso, porém, se verifique a posteriori o caráter vexatório do prenome já registrado, poderá o titular requerer a modificação, a qualquer tempo.
Afinal, não seria razoável que um ato (muitas vezes irrefletido) por parte do pai ou da mãe – ou até de um outro declarante que pode sequer guardar vínculos de parentesco ou de afeto com a criança – deva prevalecer em detrimento da própria personalidade do indivíduo nomeado.
Muito embora a doutrina e a jurisprudência continuem refratárias quanto ao tema, entende-se que a questão do ridículo não se encerra no aspecto objetivo externo, sendo também uma questão de foro íntimo. Não é razoável exigir que, para autorizar a modificação, haja bullying ostensivo; basta que o titular de direitos se sinta constrangido com seu próprio nome. Até porque, como dito, o nome, sob a perspectiva individual, é um direito da personalidade, cuja tutela deve levar em consideração também aspectos subjetivos da pessoa.
6) Proteção à testemunha
A Lei 9.807/1999, instituindo o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçada, determina, em seu art. 9º, que “em casos excepcionais, e considerando as características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos objetivando a alteração de nome completo”.
A referida lei modificou o par. único do art. 58 da LRP, determinando que “a substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público”.
Ainda, visando aliar a efetividade do programa à segurança jurídica dos livros públicos, incluiu o § 7º ao art. 57 da LRP, dispondo que: “Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração”.
O referido conselho, admitindo o ingresso da vítima ou testemunha no programa, e considerando as peculiaridades do caso, poderá peticiona ao juiz corregedor ou da Vara de Registros, e este, após ouvir o MP, expedirá mandado de averbação para alteração integral do nome do protegido, sob sigilo indispensável. A alteração, para garantir a completa dissociação entre a nova identidade e a antiga, deve ser obrigatoriamente integral, sendo que o novo nome deve ser completamente diverso do nome originário.
7) Alterações no estado familiar
O sobrenome ou patronímico tem por principal função associar o indivíduo a um determinado grupo familiar, identificando laços de parentesco dentro de uma sociedade. Tais laços, porém, não são necessariamente estáticos, havendo uma série de acontecimentos ao longo da vida da pessoa natural que podem repercutir no seu estado familiar, como o casamento, a união estável, a separação e o divórcio, o reconhecimento de parentalidade, a adoção etc.
Ora, se o sobrenome reflete o estado familiar, tais mudanças podem implicar uma correspondente alteração no sobrenome – seja pela aquisição de apelidos de família, seja pela sua exclusão. No caso do casamento, por exemplo, faculta-se aos cônjuges a inclusão do sobrenome um do outro, tornando notória a união (KÜMPEL; FERRARI, 2017, pp. 267-269).
Recorde-se, porém, que sob a égide do CC/1916 a adoção do patronímico do marido era obrigatória à mulher, operando-se ipso iure por ocasião do matrimônio. Com a redação dada pela Lei 6.515/1977, contudo, a aquisição deixou de ser automática, tornando-se facultativa e consensual. O CC/2002, por seu turno, ampliou tal faculdade também ao marido, prevendo no art. 1.565, § 1º, que “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”.
Note-se que, pela dicção normativa, não seria possível a substituição do sobrenome familiar anterior pelo sobrenome do outro nubente, já que o texto legal fala apenas em “acrescer”. Porém, na prática, e por força das normas de serviço estaduais (como as de São Paulo e de Minas Gerais, p.e.), tanto tem sido admitido a supressão parcial de sobrenome com a adoção do sobrenome do cônjuge, quanto a supressão integral de sobrenome, com a adoção do sobrenome do cônjuge.
Se a aquisição do sobrenome pelo casamento visa indicar a existência do vínculo matrimonial, o que ocorre com o sobrenome adquirido havendo a dissolução desse vínculo? Antes da entrada em vigor do CC/02, vigorava o princípio da transitoriedade, ou seja, a dissolução exigia, por regra, a supressão do nome. Com a entrada em vigor do atual diploma, porém, a manutenção tornou-se a regra, e a supressão restou excepcional, condicionada à renúncia expressa.
A nova orientação coaduna com o a natureza de direito da personalidade reconhecida ao nome, que se incorporaria, de forma inata e permanente, à essência do titular, independentemente da origem ou a forma de aquisição (KÜMPEL; FERRARI, 2017, pp. 273-277).
Note-se que a aquisição do sobrenome do cônjuge pode implicar a modificação de assentos reflexos, como no caso do art. 3º, par. único, da Lei 8.560/1992, que ressalva “o direito de averbar alteração do patronímico materno em decorrência do casamento, no termo de nascimento do filho”. Por exemplo, caso a mãe se case, poderá não só modificar seu assento de nascimento, averbando o nome do marido, mas também averbar a retificação no assento dos filhos (DIAS, 2015, p. 124).
É também possível a retificação do sobrenome do filho nos casos em que a mãe, tendo substituído o próprio sobrenome pelo do marido, volta a usar o nome de solteira após o divórcio, desde que não se prejudique os apelidos de família paternos (BRUM, 2001, p. 45).
8) Adoção
O art. 47, §5º, da Lei 8.069/90 determina que “a sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome”. A alteração do sobrenome decorre da própria finalidade da adoção, isto é, a alocação do adotado em família substituta, implicando seu desligando jurídico em relação à família originária.
Assim, o adotado passa a estar vinculado não só aos adotantes – pelo vínculo de paternidade e/ou maternidade – mas também às famílias destes, passando a pertencer a um novo tronco familiar, o que demanda a substituição do antigo sobrenome, haja vista ser o patronímico o principal indicativo de parentesco perante a sociedade.
9) Conclusão
Há diversas outras questões polêmicas em matéria de mudança do nome, como a alteração do prenome decorrente de mudança de sexo, a supressão de sobrenome paterno ou materno em face de abandono socioafetivo, a aquisição do sobrenome pela união estável (cf. KÜMPEL; FERRARI, 2017, pp. 281-287 e 269-273), dentre outras questões importantíssimas que merecem tratamento mais esmiuçado. Buscou-se apenas breve exposição das principais situações ensejadoras da alteração, previstas pelo ordenamento jurídico, de modo a demonstrar a dificuldade inerente à questão, que tangencia diversos polos de interesse igualmente merecedores de tutela.
Sendo o direito ao nome um direito de personalidade, não soa razoável exigir sempre um justo motivo para a modificação. Se o titular não tem apreço pelo seu nome ou tem interesse em apor outro sobrenome, sem prejudicar a terceiros sob o prisma comutativo ou distributivo, a mudança deveria ser admissível, ainda que calcada apenas no foro íntimo, por um imperativo de autodeterminação pessoal (SCHREIBER, 2014, p. 193).
A tutela de terceiros não deve implicar, necessariamente, restrições à mutabilidade, mas sim o reforço à publicidade (PONTES DE MIRANDA, 2012, p. 114). Por esse viés, os registros públicos, orientados pela busca da segurança jurídica, assumem inestimável importância, pois permitem suprir, por meio da publicidade, a segurança que poderia ser prejudicada pela possibilidade irrestrita de mutação do nome.
Afinal, a segurança jurídica garantida pelo sistema registral não é simplesmente estática, e sim dinâmica, já que alicerçada na constante atualização e correção das informações assentadas, permitindo aferir não apenas a situação jurídica originária do assento registral mas todas as modificações supervenientes (averbações e anotações), e garantindo, assim, a correspondência entre a realidade registral e a realidade jurídica ao longo do tempo.

Bibliografia
Loureiro, Luiz Guilherme. Registros Públicos – teoria e prática, 8ª ed., Salvador, Juspodvm, 2017
Kümpel, Vitor Frederico; Ferrari, Carla Modina. Tratado Notarial e Registral, v. 2, São Paulo, YK, 2017
Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 1 , 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 2010
Venosa, Silvio de Salvo. Direito Civil, v. 1, 8ª ed., São Paulo, Atlas, 2008
Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 10ª ed., São Paulo, RT, 2015
Brum, Jander Maurício. Troca, Modificação e Retificação de Nome das Pessoas Naturais, Rio de Janeiro, Aide, 2001
Schreiber, Anderson. Direitos da personalidade, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2014
Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, v. 7, São Paulo, RT, 2012
Vitor Frederico Kumpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.

Revista Consultor Jurídico, 17 de dezembro de 2017, 11h52
https://www.conjur.com.br/2017-dez-17/vitor-kumpel-dinamico-sistema-registral-permite-mutabilidade-nome