quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Breves considerações acerca dos direitos da personalidade

Entende-se por direitos da personalidade aqueles que têm por objetivo resguardar a dignidade da pessoa humana, de forma que “ninguém pode, por ato voluntário, dispor de sua privacidade, renunciar à liberdade, ceder seu nome de registro para utilização por outrem, renunciar ao direito de pedir alimentos no campo de família, por exemplo”[19].
Nesse sentido, verifica-se que a dignidade da pessoa humana prevista constitucionalmente constitui um marco jurídico dos direitos da personalidade, como referência constitucional unificadora de todos os direitos constitucionais[20].
Segundo a doutrina, os direitos da personalidade não se tratam propriamente de direitos, mas sim de valores, dos quais irradiam direitos que têm por base a personalidade[21]. Assim, os direitos da personalidade buscam tutelar a integridade física, a honra, a imagem, da pessoa humana.
Em suma, os direitos da personalidade, são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, isto é, são direitos comuns da existência, pois são permissões dadas pela norma jurídica às pessoas para defender um bem que a natureza lhe conferiu[22].
Observa-se, portanto, que o objeto dos direitos da personalidade “é o bem jurídico da personalidade, como conjunto unitário, dinâmico e evolutivo dos bens e valores essenciais da pessoa no seu aspecto físico, moral e intelectual”[23].
Esse objeto dos direitos da personalidade fica bem claro com a leitura da Constituição Federal de 1988, principalmente o seu artigo 5º, inciso X, o qual disciplina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”[24].
Afora os direitos previstos no inciso X, do artigo 5º, da Constituição, a título ilustrativo, outros direitos de natureza constitucional, tais como a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade (art. 5º, caput); o direito a resposta (artigo 5º, inciso V); o direito de autor (artigo 5º, inciso XXVII); a proteção à participação individual em obras coletivas e à reprodução da imagem e da voz humanas (artigo 5º, inciso XXVIII)[25].
E aqui, cabe ressaltar que todos os direitos citados estão tutelados em cláusula pétrea da Constituição, de forma que não se extinguem pelo não uso, tampouco é possível impor prazos para sua defesa.
Não obstante a Constituição Federal tenha disciplinado alguns direitos da personalidade, como acima mencionado, note-se que esta não teve o condão de exauri-los, tendo em vista que nos termos do § 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal, os direitos e garantias expressos no texto constitucional não excluem outros arrolados em lei.
É possível concluir que, apesar da Constituição Federal prever em cláusula pétrea alguns direitos da personalidade, isso não impede que a legislação infraconstitucional amplie o referido rol.
O atual Código Civil, conforme relatado no tópico anterior, disciplinou o tema no Título I, Capítulo II, artigos 11 a 21, sendo que tais dispositivos legais, nos termos dos ensinamentos de Silvio de Salvo Venosa, referem-se especificamente ao direito e proteção à integridade do corpo da pessoa, ao seu nome e imagem, bem como à inviolabilidade da vida privada da pessoa natural.[26].
Tal como a Constituição Federal, o rol contido nos artigos 11 a 21 do Código Civil não buscam exaurir o rol de direitos da personalidade, haja vista que “a ofensa a qualquer modalidade de direito da personalidade, dentro da variedade que a matéria propõe, pode ser coibida, segundo o caso concreto”[27].
Nesse sentido, relevante mencionar que se encontram direitos da personalidade no Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/40), no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), na lei de transplante de órgãos (Lei n. 9.434/97 e Decreto n. 2.268/97), na lei de proteção à propriedade intelectual (Lei n. 9.610/98), na lei de propriedade industrial (Lei n. 9.279/96), entre outras leis infraconstitucionais[28].
Cumpre destacar, igualmente, que a personalidade tem seu início a partir do nascimento com vida, pois é a partir desse momento que se tem uma pessoa titular de direitos e obrigações[29].
Acerca do assunto, relevante destacar que nascendo vivo e morrendo logo em seguida, o novo ente adquiriu personalidade e, por conseguinte, passou a ser sujeito de direitos e obrigações.
Considerando que a existência da pessoa termina com a morte, é somente com esta que cessa a personalidade. Nesse sentido, importante mencionar que o direito estrangeiro admite as manifestações da personalidade post-mortem, a exemplo do Código Civil Português que em seu artigo 71, inciso I, dispõe expressamente que “os direitos da personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respectivo titular”[30].
Pode-se dizer, ainda, que os direitos da personalidade são dotados de características, tais como as abaixo relacionadas:
Os direitos da personalidade são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis e inexpropriáveis. São absolutos, ou de exclusão, por serem oponíveis erga omnes, por conterem, em si, um dever geral de abstenção. São extrapatrimoniais por serem insuscetíveis de aferição econômica, tanto que, se impossível for a reparação in natura ou a reposição do status quo ante, a indenização pela sua lesão será pelo equivalente. São intransmissíveis, visto que não podem ser transferidos à esfera jurídica de outrem. Nascem e se extinguem ope legis com o seu titular, por serem dele inseparáveis. Deveras ninguém pode usufruir em nome de outra pessoa bens como a vida, a liberdade, a honra, etc. são, em regra, indisponíveis, insuscetíveis de disposição, mas há temperamentos quanto a isso. Poder-se-á, p. ex., admitir sua disponibilidade em prol do interesse social; em relação ao direito da imagem, ninguém poderá recusar que sua foto fique estampada em documento de identidade. Pessoa famosa poderá explorar sua imagem na promoção de venda de produtos, mediante pagamento de uma remuneração convencionada. Nada obsta a que, em relação ao corpo, alguém, para atender a uma situação altruísta e terapêutica, venha a ceder, gratuitamente, órgão ou tecido. Logo, os direitos da personalidade poderão ser objeto de contrato como, por exemplo, o de concessão ou licença para uso de imagem ou de marca (se pessoa jurídica); o de edição para divulgar uma obra ao público; o de merchandising para inserir em produtos uma criação intelectual, com o escopo de comercializá-la, colocando, p. ex., desenhos de Disney em alimentos infantis para despertar o desejo das crianças de adquiri-los, expandindo, assim, a publicidade do produto. Como se vê, a disponibilidade dos direitos da personalidade é relativa. São irrenunciáveis já que não poderão ultrapassar a esfera de seu titular. São impenhoráveis e imprescritíveis, não se extinguindo nem pelo uso, nem pela inércia na pretensão de defendê-los, e são insuscetíveis de penhora.
(...) Os direitos da personalidade são necessários e inexpropriáveis, pois, por serem inatos, adquiridos no instante da concepção, não podem ser retirados da pessoa enquanto ela viver por dizerem respeito à qualidade humana. Daí serem vitalícios; terminam, em regra, com o óbito do seu titular por serem indispensáveis enquanto viver, mas tal aniquilamento não é completo, uma vez que certos direitos sobrevivem. Deveras ao morto é devido respeito; sua imagem, sua honra e seu direito moral de autor são resguardados. São ilimitados, ante a impossibilidade de se imaginar um número fechado de direitos da personalidade. [31]
Apesar do Código Civil fazer menção, em seu artigo 11, apenas as características da intransmissibilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade, o exercício dos direitos da personalidade não poderá sofrer limitação, salvo hipóteses expressamente previstas em lei, haja vista que o ser humano é titulares destes.
Acerca do assunto, oportuno mencionar que de acordo com o Enunciado nº 4, da primeira Jornada de Direito Civil, “o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.
Pode-se citar como exemplo dessa limitação a dispensa de anuência para divulgação da imagem quando se tratar de pessoa notória, referir-se a exercício de cargo público, para atender à administração ou serviço da justiça ou de polícia, para garantia da segurança pública e do interesse público, necessidade de resguardar a saúde pública, e obtenção da imagem em que a figura é apenas parte do cenário, identificação compulsória ou imprescindível a algum direito público ou privado[32].
Além das características acima mencionadas, pode-se dizer que os direitos da personalidade ainda classificam-se em: direitos à integridade física (nos quais se inserem o direito à vida, ao próprio corpo e ao cadáver), e direitos à integridade moral (que versam sobre direito à honra, à liberdade, à imagem, ao nome e à moral).
Assim, verifica-se que o ser humano é titular de prerrogativas individuais reconhecidas pelo ordenamento jurídico – tanto constitucional, quanto infraconstitucional, e como adiante será demonstrado, expressamente reconhecidos pela jurisprudência.
Trecho do artigo: GRAMINHO, Vivian Maria Caxambu. Direito ao nome e as exceções ao princípio da imutabilidadeRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22n. 498422 fev. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/55836>. Acesso em: 23 fev. 2017. 

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