quinta-feira, 30 de março de 2017

Grendene é multada em R$ 3 milhões por publicidade infantil abusiva

Justiça de SP manteve penalidade aplicada pelo Procon/SP após denúncia do Instituto Alana.
quinta-feira, 30 de março de 2017

A Grendene terá de arcar com multa de R$ 3 mi por propaganda abusiva direcionada ao público infantil. A decisão é da juíza de Direito Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª vara de Fazenda Pública de SP, ao negar pedido da empresa de anulação da penalidade e manter multa aplicada pelo Procon/SP.
A penalidade é resultado de uma denúncia feita em 2009 pelo projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, que questionou campanhas publicitárias que visavam a promover os calçados das linhas "Hello Kitty Fashion Time" e "Guga K. Power Games". De acordo com o instituto, as campanhas promoviam a confusão entre realidade e fantasia e estimulavam a erotização precoce, particularmente de meninas.
Abusividade
Para a magistrada, ficou reconhecida a abusividade nas campanhas publicitárias denunciadas. Sobre a propaganda voltada para meninas, entendeu que o contexto "induz a criança a um comportamento de adulto, tendo em vista que indiretamente incute a ideia de 'conquista', isto é, a necessidade ou desejo de a menina/mulher atrair a atenção de meninos/homens, e desta forma, revela-se abusivo". Já sobre a campanha que direcionava crianças a jogar um game online, entendeu que "tal conduta configura publicidade disfarçada, o que é vedado expressamente pelo art. 36 do CDC", motivos pelos quais considerou que o ato administrativo impugnado não merece reparo.
A decisão também reconheceu a autoridade do Procon para aplicação da multa, uma vez que é o órgão do Poder Público competente para fiscalizar a execução das leis de defesa do consumidor.
Relevância social
Para Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do projeto Criança e Consumo, a decisão do Judiciário confirma a relevância social do debate em torno da publicidade infantil e vem reconhecendo a abusividade desse tipo de comunicação. “A criança deve ser protegida com prioridade absoluta, inclusive nas relações de consumo, conforme previsto no artigo 227 da CF, no ECA, no CDC e na Resolução 163 do Conanda."
Na decisão, a juíza destacou a fragilidade do público infantil e que é preciso adotar estratégias cuidadosas na publicidade direcionada a este público.
"A propaganda publicitária, por atingir um público relativamente frágil, o qual ainda não possui um senso de julgamento crítico e capacidade plena de discernimento, deve adotar estratégias cuidadosas e habilidosas, compatíveis com a idade do público alvo, sem favorecer-se de sua inexperiência ou de sua deficiência de julgamento a configurar a divulgação abusiva."
Veja a decisão.
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI256558,21048-Grendene+e+multada+em+R+3+milhoes+por+publicidade+infantil+abusiva

Navalha na carne, e nos empregos

quinta-feira, 30 de março de 2017


Valeu, doutor!
Passado o calor da operação Carne Fraca, e constatado aos quatro ventos que houve evidente exagero, é hora de recolher os despojos. JBS deu férias coletivas em uma dezena de frigoríficos. Centenas de funcionários estão temendo, com razão, pelos seus empregos. Sem boi morrendo, o pecuarista que confinou seu gado fica com um prejuízo fenomenal. Não há couro, de maneira que os curtumes vão parar também. Não havendo matéria-prima, as fábricas de calçado fecham. As empresas que fornecem material como solas, costura, fivelas, perdem também. Está bom, ou quer mais?
Preto no branco
JBS é hoje em dia criminalizado pela política do governo petista de escolher os tais campeões nacionais. O BNDES, no seu braço de participações em empresas (BNDESPAR), sob o comando de Luciano Coutinho, entrou como sócio de algumas empresas, com vultosas quantias. Foi uma escolha governamental. Perdeu-se em alguns casos, mas no geral os investimentos foram bem-sucedidos. No caso do JBS, por exemplo, houve ganho (em 2007 a empresa faturava R$ 4 bi, hoje fatura R$ 160 bi, e o BNDESPAR tem 21,32% do negócio). Note-se: não houve empréstimo. O BNDES é sócio. Se a opção governamental é certa ou errada, é coisa para se discutir, mas não se criminalizar. Se o Estado faz uma escola num terreno e não no outro, não é porque mudou o governo que se vai demolir o prédio e fazer noutro lugar. Enfim, é preciso separar o joio do trigo. Ademais, criminalizar o negócio (diziam de modo estulto que o filho de Lula era dono do JBS...) é jogar contra o próprio patrimônio, pois se o país tem parte no negócio, quanto pior ele ficar, pior para nós todos. De modo que, é bem o momento de olhar com outros olhos.

http://www.migalhas.com.br/Pilulas/256577

Homem terá de pagar indenização de R$ 5 mil por cobrar dívida pelo Facebook, decide TJ

Publicado por Rafael Siqueira

A cobrança de dívida pelo Facebook rendeu a um homem uma condenação por danos morais no valor de R$ 5 mil. A decisão foi tomada pela 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve sentença da 3ª Vara Cível do Foro Regional da Penha de França.

De acordo com o processo, o réu postou na rede social uma foto parcial do autor da ação, que permitia a identificação, e escreveu que queria de volta o dinheiro que havia emprestado há três anos. O autor alegou que tomou conhecimento da cobrança por pessoas de seu círculo de amizade e que a evolução de comentários vexatórios na foto expôs sua intimidade e de sua família, assim como abalou a moral e a honra por ser conhecido no bairro onde mora há mais de 40 anos.

O relator do recurso, desembargador Rui Cascaldi, citou trecho da sentença da juíza Cristina Mogioni em seu voto: “A conduta do réu, por óbvio, extrapola os limites da liberdade de expressão consagrada no artigo , inciso IX, da Constituição Federal, haja vista o indiscutível intuito de violar a dignidade do autor. É cediço que o réu, assim como qualquer outro cidadão tem o direito de se expressar livremente, desde que não haja violação da dignidade alheia. Contudo, no caso dos autos, houve o exercício abusivo desse direito, de modo que deverá se responsabilizar civilmente pela conduta vexatória à imagem do autor”.

O voto foi seguido pelos desembargadores Francisco Loureiro e Christine Santini.

*Matéria de 2016, servindo aqui apenas como curiosidade

Fonte: Amo Direito.

https://rafaelsiqueira7902.jusbrasil.com.br/noticias/443708624/homem-tera-de-pagar-indenizacao-de-r-5-mil-por-cobrar-divida-pelo-facebook-decide-tj?utm_campaign=newsletter-daily_20170329_5064&utm_medium=email&utm_source=newsletter

quarta-feira, 29 de março de 2017

STF disponibiliza para download Constituição Federal comentada

Publicado por Novo CPC (www.novocpc.bloggs.com.br)

Os usuários do site do Supremo Tribunal Federal (STF) podem acessar para pesquisa e download o livro A Constituição e o Supremo. A obra apresenta abaixo de cada artigo da Constituição Federal uma série de julgados relativos à temática abordada no dispositivo.

Os interessados podem fazer o download da obra completa ou realizar pesquisa por tema ou artigo. Por exemplo, ao pesquisar pelas palavras “dignidade da pessoa humana” o usuário encontrará associados ao inciso III, do artigo da Carta Magna, julgados que tiveram como tema esse princípio constitucional. Um deles é a Proposta de Súmula Vinculante 57, ocasião em que foi aprovada a Súmula Vinculante 56, segundo a qual “a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”. O enunciado foi aprovado na sessão plenária realizada em 29 de junho de 2016.

Na sessão de direitos e garantias fundamentais, estão relacionados vários julgamentos relevantes que debateram o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança ou à propriedade. Um dos principais julgados nessa sessão é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3330, em que foi considerado constitucional o Prouni, tendo como fundamento o princípio da igualdade.

A 5ª edição da versão eletrônica do livro A Constituição e o Supremo (atualizada com os julgados do Tribunal publicados até o DJE de 1º de fevereiro de 2016 e Informativo STF 814) pode ser baixada nos formatos PDF, EPUD e MOBI. A versão com atualização diária está disponível no link Portal do STF>Publicações>Legislação Anotada. Sobre a disponibilidade da versão impressa, consulte olink da Livraria do Supremo.

Os usuários podem colaborar com o conteúdo enviando comentários para o e-mail preparodepublicacoes@stf.jus.br.
Leis infraconstitucionais

Além do texto constitucional, a Secretaria de Documentação do STF, responsável pela publicação, também oferece acesso às Leis 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e OAB), 9.868/99 (ADI, ADC e ADO) e 9.882/99 (Lei da ADPF) anotadas com decisões proferidas pelo Supremo na matéria correlata.

Fonte: STF

https://cursoonlinenovocpc.jusbrasil.com.br/artigos/443205735/stf-disponibiliza-para-download-constituicao-federal-comentada?utm_campaign=newsletter-daily_20170328_5059&utm_medium=email&utm_source=newsletter

terça-feira, 28 de março de 2017

Prisão civil do devedor de alimentos deve ser a última alternativa

Por 

A prisão civil do devedor de alimentos segue sendo a única possibilidade prevista no sistema internacional de proteção dos direitos humanos para a prisão por dívidas, ademais de ter sido estabelecida, juntamente com a prisão do depositário infiel (esta afastada por força de Súmula Vinculante do STF), na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso LXVII, dispondo sobre a legitimidade da prisão nos casos de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar.
A justificativa de tal previsão é mais do que sabida e em si reconhecida, visto que a restrição do direito de liberdade do devedor é tida como indispensável à garantia da própria sobrevivência ou, ao menos e em geral, da satisfação de necessidades essenciais do credor. Por tal razão, a própria possibilidade da prisão civil constitucionalmente prevista, a despeito de constituir fundamento da restrição de direito (da liberdade do devedor), é ela própria uma garantia fundamental.
Todavia, como em geral todo direito e garantia fundamental, o seu alcance — aliás, como previsto no próprio dispositivo constitucional citado — será objeto de regulamentação legal, e, via de consequência, interpretação pelos juízes e tribunais, de tal sorte que a própria legislação regulamentadora poderá vir a ser, a depender do caso, declarada inconstitucional ou ser objeto de uma interpretação conforme a constituição ou mesmo não recebida pela nova ordem constitucional.
De todo modo, se no sistema processual anterior, do Código de Processo Civil de 1973, já existiam algumas importantes controvérsias, em especial quanto ao regime prisional, dada a omissão legislativa a esse respeito, o problema volta a ter papel de destaque mediante a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), que introduziu alguns importantes ajustes no âmbito do procedimento especial que regula a execução da obrigação alimentar.
Com efeito, tendo em conta que o objetivo do instituto da prisão civil não é em si de caráter punitivo, portanto, não tem por escopo a prisão em si considerada, mas constitui meio processual para compelir o devedor a saldar sua dívida alimentar, o Código de Processo Civil de 1973, no seu artigo 733, parágrafo 1º, previa que o juiz decretaria a prisão pelo prazo de 1 a 3 meses no caso de o devedor não pagar nem se escusar, ou nos casos em que a escusa apresentada for afastada por improcedente pelo Poder Judiciário.
Dentre os principais aspectos relacionados com a prisão civil já no regime anterior ao novo CPC, destacam-se, para efeito de nossa breve análise, o entendimento de que a prisão deveria ser cumprida em regime fechado (entendimento consagrado pela jurisprudência dominante) e que, de acordo com a Súmula 309 do STJ, a prisão apenas seria possível em relação às três últimas parcelas devidas, devendo as demais parcelas vencidas serem executadas pela via regular.
A despeito do entendimento referido, nem todos os magistrados e tribunais davam acolhida ao entendimento fixado pelo STF no que diz com o regime fechado, optando por impor o recolhimento ao estabelecimento prisional no período da noite e aos finais de semana (o Tribunal de Justiça do RS sufragava em sua ampla maioria tal entendimento), ao mesmo tempo evitando o contato direto dos presos por dívida alimentar com presos comuns em regime fechado e, de modo especial, assegurando-lhes a possibilidade de auferir recursos para seu próprio sustento e para cumprir com suas obrigações alimentares. Além disso, convém recordar que o STJ admitia o regime de prisão domiciliar em casos de grave enfermidade ou idade avançada.
Aliás, tal alternativa — designadamente a do trabalho durante o período diurno e prisão em regime fechado apenas em caso de reiterado e injustificado inadimplemento — chegou a ser aventada ao longo dos debates sobre o tema travados no Congresso Nacional.
Não foi, contudo, o que prevaleceu, pois o novo CPC, no seu artigo 528, parágrafo 4º, prevê que a prisão do devedor de alimentos deverá ser cumprida em regime fechado, mas ressalva que o preso deverá ficar separado dos presos comuns. Além disso, a exemplo do regime do CPC anterior, o novo CPC (artigo 528, parágrafos 5º e 7º) prevê que o cumprimento da pena (embora de pena no sentido próprio do termo não se trate!) não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas, ademais de estabelecer que apenas o débito relativo às três prestações anteriores ao ajuizamento da ação e às que se vencerem no decurso do processo autorizam o decreto prisional.
Assim sendo, quanto à prisão em si, o novo CPC inovou basicamente naquilo que integrou no texto legal o que já constituía entendimento jurisprudencial consagrado, além do que já contava com previsão legislativa expressa.
Isso, contudo, não significa que o novo CPC não tenha inovado na matéria, pois no artigo 528, parágrafo 1º, ficou estabelecido que caso não pago o débito ou não justificado o inadimplemento, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial respectivo, isso antes mesmo da prisão civil, protesto que cabe tanto em relação a alimentos provisórios quanto definitivos e que será determinado pelo juiz de ofício, ou seja, mesmo sem requerimento específico por parte do exequente. 
Além disso, nos termos do artigo 529, parágrafo 3º, do novo CPC, o juiz poderá determinar o desconto de até 50% dos vencimentos líquidos do devedor, de modo a viabilizar um desconto adicional (por conta da execução de alimentos) ao desconto regular judicialmente determinado na ação de alimentos.
Dentre os inúmeros pronunciamentos sobre o tema, dada a sua permanente atualidade e relevância, vale colacionar matéria publicada no Informativo do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), em 9 de novembro, destacando-se manifestação do professor Paulo Lôbo, advogado e diretor da entidade, questionando o instituto da prisão em si, como vetusto e não adequado ao patamar civilizatório, devendo o mesmo ser utilizado apenas em casos excepcionais e de reiterado descumprimento. Além disso, foi referida jurisprudência do STF reconhecendo a ilegitimidade jurídica da prisão quando demonstrada a incapacidade econômica do devedor, bem como decisões do STJ afastando a prisão dos avós quando o pai tiver condições de assumir o pagamento da dívida alimentar.
À vista do quadro sumariamente traçado, é perceptível, do ponto de vista da interpretação e da aplicação dos direitos fundamentais, que mesmo na esfera da divida alimentar existem aspectos que reclamam um adequado equacionamento, no sentido de que sejam respeitados os critérios que balizam o controle de constitucionalidade das restrições a direitos fundamentais.
Reitere-se, nessa quadra, o que já foi adiantado, isto é, que mesmo tendo a prisão civil do devedor de alimentos expresso respaldo constitucional, a lei regulamentadora e a decisão judicial que a aplica não poderão desbordar de determinados critérios, pois a imposição da prisão não poderá resultar em violação de direitos fundamentais do devedor de alimentos, ademais de guardar sintonia com os critérios da proporcionalidade e da proibição de excesso de intervenção.
Ora, ainda que aqui não se pretenda mapear todos os aspectos problemáticos nem se poderá aprofundar o debate, alguns pontos merecem ser destacados e podem indicar um caminho a trilhar.
Em primeiro lugar, em observância ao subcritério da necessidade, poder-se-á considerar como alternativa prioritária que a prisão do devedor de alimentos somente deverá ser decretada apenas depois de esgotados outros meios de coerção, como, por exemplo, o protesto da decisão judicial que desacolhe a justificativa apresentada pelo devedor ou mesmo o desconto em folha adicional, ambos previstos no novo CPC.
Note-se que tal alternativa (protesto judicial) é de ser privilegiada ainda que o artigo 528, parágrafo 1º, do novo CPC disponha que o Juiz determinará o protesto e decretará a prisão. Contudo, para que o protesto não implique seja postergado de modo desarrazoado o adimplemento da dívida alimentar, há de ser fixado prazo adequado às circunstâncias, para, transcorrido o mesmo sem reação positiva do devedor, ser então decretada a prisão.
Além disso, a própria fixação do regime fechado, ainda que o cumprimento seja em separado dos presos comuns, não convence do ponto de vista de sua legitimidade constitucional, seja por se tratar de meio mais gravoso do que o regime semiaberto (recolhimento durante o período noturno e aos finais de semana), seja pelo fato de que poderá até mesmo comprometer a possibilidade de o devedor pagar o seu débito vencido, assim como regularizar o pagamento das prestações vincendas. Dito de outro modo, tanto devedor quanto mesmo o credor, ao menos em determinadas situações (o que poderá e deverá ser apreciado à luz das circunstâncias do caso concreto) poderão ter seus direitos fundamentais afetados de modo mais intenso.
Mesmo que se entenda que o regime deva ser o fechado (o que, em regra, não nos parece legítimo, salvo em caso de reiteração da inadimplência injustificada), no caso de ser inviável acomodar os presos por dívida alimentar dos presos comuns há de ser aplicado o regime da prisão domiciliar, que, de resto, já deve ser assegurado aos presos comuns quando inexistir estabelecimento prisional incompatível com o cumprimento da pena em regime que não seja o fechado, consoante recente Súmula do STF. Aliás, mesmo o recolhimento no período da noite e aos finais de semana não se revela alternativa constitucionalmente legítima quando a acomodação dos presos por dívida alimentar não puder ser levada a efeito de modo separado dos presos comuns.
O que não resulta legítimo do ponto de vista constitucional, por mais relevante que seja — e o é — a satisfação das necessidades alimentares pelos responsáveis pelo seu adimplemento — é que pais, mães e avós sejam, na esfera cível, submetidos a condições até mesmo mais gravosas (como dá conta o problema do regime prisional e da prisão domiciliar) de presos comuns provisórios ou definitivos, ou que, por força de prisão civil, sejam — no que diz com as condições de cumprimento da prisão — equiparados aos presos comuns.
Assim, em homenagem aos critérios da proporcionalidade, não apenas a prisão civil do devedor de alimentos deverá ser a última alternativa (pois a prisão em si não é ilegítima do ponto de vista constitucional), mas, quando aplicada, não poderá implicar condições tão ou mesmo mais gravosas aos presos por dívida alimentar do que àquelas impostas aos presos comuns, que, de acordo com correta orientação do STF, também devem ser preservados em relação a condições desumanas e degradantes de cumprimento da pena.
Além do mais, importa que se promovam alternativas eficazes para, em não sendo possível erradicar, ao menos reduzir e, em sendo o caso, mitigar os efeitos da prisão por dívida alimentar, sem deixar de atender as necessidades dos credores de alimentos. No limite, em situação de comprovado desemprego do alimentante ou não tendo o Estado condições de assegurar o cumprimento da prisão em condições minimamente compatíveis com a dignidade pessoal do devedor da obrigação alimentar, há que prever políticas públicas de assistência social supletiva, aperfeiçoando a proteção social das crianças e adolescentes ou outras pessoas credoras de verba alimentar, de modo a garantir uma fórmula de responsabilidade compartilhada, ademais de social e humanamente mais compatível com a dignidade da pessoa humana tanto de credores quanto dos devedores.

Esse, sem dúvida, é mais um dos tantos desafios postos ao legislador, aos atores do sistema judiciário e ao meio acadêmico, evitando-se posições de caráter intolerante e mesmo fundamentalista, típicos de uma infrutífera lógica do tudo ou nada. 
Ingo Wolfgang Sarlet é professor titular da Faculdade de Direito e dos programas de mestrado e doutorado em Direito e em Ciências Criminais da PUC-RS. Desembargador no RS e professor da Escola Superior da Magistratura do RS (Ajuris).
Revista Consultor Jurídico, 18 de novembro de 2016, 8h00
http://www.conjur.com.br/2016-nov-18/direitos-fundamentais-prisao-civil-devedor-alimentos-ultima-alternativa

A decisão jurídica no contexto da bipolaridade entre o universal e o singular

Frequentemente, a decisão jurídica é retratada, no ambiente cultural do estilo de vida romano-canônico[1], como uma atividade de mediação: apresenta-se como uma atividade que procura ajustar um universal a um singular, isto é, trata-se de agir como um medium para conformar a universalidade do justo à particularidade da discussão jurídica concreta, ou ainda, a generalidade da lei à concretude singular do caso[2].
Existe, evidentemente, uma série infindável de discussões para determinar o que é propriamente o universal do Direito. Qual a relação dessa universalidade com a ideia de Justiça? Há um justo natural? Ou são as forças históricas que o constituem enquanto instituição orgânica da sociedade? E a lei deve ser entendida como? Seria ela ato formal de um poder legislativo legitimamente constituído? Ou seria o resultado da vida de um povo? Por outro lado, também é polêmica a conformação daquilo que seja, propriamente, o singular do caso concreto. São as provas produzidas em um dado processo judicial? São as circunstâncias que o circundam[3]?
Uma abordagem, um pouco mais sofisticada do ponto de vista teórico, procura afirmar que a universalidade do Direito deriva de um quadro mais amplo dentro do contexto histórico-social. Tratar-se-ia de uma perspectiva macroscópica do fenômeno jurídico. De outra banda, o caso concreto judicializável representa um pequeno recorte dentro desse espaço geral de conformação. Tratar-se-ia, portanto, de uma manifestação microscópica do fenômeno jurídico.
A tarefa do agente decisório seria, nesse contexto, aproximar essas duas dimensões do fenômeno jurídico oferecendo, a partir daí, uma espécie de síntese que seria, propriamente, a decisão. De todo modo, é certo que — no contexto do estilo de vida jurídico do Direito Romano-Canônico — a decisão se apresenta como o resultado de uma mediação entre o universal (Direito/lei) e o singular (caso concreto judicializável).
Talvez a maior disputa em torno das configurações conceituais que gravitam na órbita da decisão jurídica se dê com relação à representação de como essa mediação tem lugar. Vale dizer, do tipo de estratégia que se utiliza para estabelecer uma aproximação racional do problema gizado. Se levarmos em conta as repostas que foram dadas ao longo da modernidade para essa questão, certamente teríamos como ponto de partida a questão da subsunção. Melhor seria dizer, talvez, do dogma da subsunção.
O dogma da subsunção opera em dois níveis distintos. Em primeiro lugar, há que se destacar um aspecto político-jurídico, de justificação. Em um segundo momento, existe uma determinação técnica-operacional.
a) Do ponto de vista político-jurídico, o dogma da subsunção efetua — por meio de uma série de justificativas que são articuladas a partir de argumentos retirados de um horizonte cultural determinado — uma redução epistemológica do problema do conceito de Direito. Concebe-se, nesse sentido, o Direito como sendo o conjunto das disposições que compõem as leis de um determinado Estado nacional. O conceito de Direito é equiparado, nesse sentido, ao conceito de lei.
Por outro lado, os movimentos de recepção do Direito Romano preparam as condições para o processo que culminou com a codificação do Direito Privado. De fato, a autoridade dos estudos universitários acerca da formação dos conceitos jurídicos e sua respectiva aplicação às relações jurídicas de Direito Privado que surgiam a partir do advento do Estado liberal contribuíram, significativamente, com a consolidação desse elemento cultural que produziu a equiparação entre lei e Direito.
b) Desse elemento político decorre logicamente uma consequência técnica ou metodológica. Trata-se da seguinte proposição: se o conhecimento do universal, da generalidade do Direito, já está dado pelo conhecimento da lei, então o trabalho do agente jurídico que exara a decisão judicial será aplicar esse conteúdo universal aos casos concretos apreciados.
A técnica inicial de decisão que servirá como mecanismo de aplicação do Direito será a conhecida subsunção. Nesse caso, opera-se dedutivamente da premissa maior que é a lei em direção à premissa menor, o caso. Esse aspecto lógico abstrato — também chamado de conceitualista — está na base de movimentos culturais como a escola da exegese francesa e a jurisprudência dos conceitos, alemã. Os grandes códigos civis do século XIX serão operacionalizados (no caso da escola da exegese) e pensados (no caso da jurisprudência dos conceitos) tendo a decisão judicial como resultado desse procedimento estritamente subjuntivo de acomodação do caso judicial ao suporte fático previsto na legislação.
Evidentemente, esse aspecto metodológico da questão gera, por sua vez, consequências políticas que podem, igualmente, ser pensadas a partir do horizonte cultural da época. Em primeiro lugar, acaba por concentrar o monopólio da decisão efetiva no plano da política e não, propriamente, da juridicidade. Quem decide de forma, digamos, soberana são as instâncias legislativas ou os espaços da erudição universitária. O corpo judiciário — que, nesse mesmo momento, passa a se formar enquanto organização burocrática desprendida do personalismo monárquico — agiria aqui com uma função “farmacêutica” de identificação de uma patologia que inquine a relação jurídica examinada, com a consequente determinação do remédio jurídico adequado, previsto, desde logo, pelos sistemas codificados.
Um código unificador de leis claras, por sua vez, permite experimentar a sensação de que o ideal de planificação e planejamento social presente no âmago das doutrinas iluministas poderia ser alcançado. Vale dizer, é uma expectativa própria desse tempo histórico que decisões tomadas no passado possam antecipar consequências futuras. Antecipar, no caso, decisões futuras.
Ou seja, há uma expectativa clara no sentido de que, se alguém descumpre alguma regra jurídica, cometa um ato ilícito etc., seja possível prever qual será a decisão que será tomada pelo agente estatal que ficará incumbido de tomar a decisão. Há, também, uma consequência econômica muito clara, uma vez que a previsão antecipada a respeito das decisões que serão tomadas no futuro permitiria aos agentes econômicos planejar melhor suas ações, bem como visualizar a consequência de seus atos. Criar-se-ia, assim, um elevado grau de certeza quanto ao resultado jurídico das relações econômicas. Nesse momento, o mercado é o grande interessado na afirmação da segurança jurídica. Do mesmo modo, podemos destacar, ainda, aspectos sociais importantes. No caso, a planificação jurídica estabelecida pela codificação funcionava como uma garantia de que os interesses burgueses, no caso francês, e que os interesses da aristocracia, no caso germânico, seriam, de alguma forma, preservados.
Ainda no século XIX, uma série de tensionamentos culturais começaram a impor algumas mudanças nas configurações conceituais da decisão jurídica. Nalguns casos, a própria pressão política da magistratura — que, já no final do século, começa a se fortalecer ganhando cada vez mais autonomia com a radicalização do Estado de Direito e o desligamento do processo civil do âmbito do Direito Material — levará a essa “mudança de rota”. Esse dado pode ser visualizado, por exemplo, na obra de Oskar von Bülow, que reivindicava maior espaço para a magistratura no processo de formação do Direito. Para ele, a verdadeira “recepção do Direito Romano” não teria ocorrido no seio da universidade, mas, sim, por meio das decisões tomadas pela magistratura que embalavam o Direito vivo, o Direito do caso[4].
Com efeito, a obra de Bülow pode ser considerada a mais remota manifestação crítica contra o dogma da subsunção; um primeiro, e ainda tímido, ataque ao conceitualismo da pandectística. Por outro lado, no ambiente do Direito francês, Francois Geny escreve, senão a primeira, certamente a mais famosa, crítica metodológica ao modelo de decisão estabelecido pelo exegetismo. Geny atacava exatamente esse aspecto predominantemente lógico-formal que o paradigma do dogma da subsunção carregava consigo. Sua grande intenção, como é sabido, era oferecer uma alternativa metodológica a esse “paradigma dominante” e que incorporasse um tipo de método científico mais adequado para o estudo do Direito. No caso, o método adequado teria inspirações sociológicas — em vez de lógico-filosóficas — e teria suas atenções voltadas para o fato jurídico em detrimento do entendimento meramente conceitual.
Essa investigação sociológica permitiria demonstrar a existência de determinadas relações sociais que, apesar de necessitarem de uma regração normativa, ficavam fora da zona de cobertura da estrutura codificada do Direito. Haveria, portanto, zonas “livres de direito” no seio da sociedade.
Assim, é importante ressaltar que a controvérsia das lacunas e a correlata questão da criação jurisprudencial do Direito é mais uma consequência do que, propriamente, intenção primordial do referido movimento. Na verdade, os esforços originários desse movimento estão vinculados a uma pretensão que poderíamos mencionar, com algumas ressalvas, como “epistemológica”: há uma reivindicação de correção quanto ao objeto da ciência jurídica e, em consequência, de seu aparato metodológico. No caso, busca-se o deslocamento do objeto da questão conceitual pura em direção aos fatos sociais, vale dizer, o objeto de estudo do jurista não seriam conceitos estabelecidos pela história ou por alguma legislação qualquer, mas, sim, os próprios fatos sociais. Mais do que os conceitos, é a sociedade que interessa ao Direito. De outra banda, a alteração do objeto implicava a correlata superação do método predominante de decisão: o paradigma da subsunção. No caso, propõe-se uma ênfase mais indutiva e menos dedutiva no processo de decisão das questões jurídicas.
Embora seja particularmente interessante e ilustrativo o modo como Kaufmann representa essa discussão entre os juristas do conceito e os juristas do Direito livre (inclusive em suas versões moderadas como no caso do Jurisprudência dos interesses), entendemos que ele não consegue captar toda a complexidade que reveste a questão. Conforme ressaltado em nota, Kaufmann vê a controvérsia que se estabelece aqui como uma repetição da querela medieval em torno dos universais: os juristas do conceito seriam os realistas — para quem só existem os universais; ao passo que os juristas do Direito livre seriam os nominalistas — para quem só o particular existe, propriamente. Os universais seriam apenas produtos intelectuais.
Ocorre que nem os conceitualistas eram assim puramente realistas (o problema da razão, da subjetividade, é uma constante também aqui) nem, tampouco, os libertários representariam um rigoroso nominalismo (como a reivindicação tem caráter científico, há uma preocupação com a afirmação de determinadas verdades “universais”).
No fundo, a grande questão que se coloca é a disputa entre Filosofia e Sociologia; trata-se de determinar se há espaço para a reflexão filosófica nos quadros de uma ciência social. Por certo que há uma pluralidade de formas de se trabalhar com a Filosofia ou com a Sociologia. Chamamos a atenção para isso na introdução: há em nosso contexto atual uma verdadeira competição de paradigmas em cada um dos campos do conhecimento.

[1] A expressão estilo de vida é de Erich Rothacker e compõe o quadro epistemológico de sua Antropologia Cultural. O autor explora o mesmo conceito em outro trabalho — de inspiração similar —, intitulado Filosofia da História (Cf. Rothacker, Erich. Problemas de Antropología Cultural. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1957, pp. 126 e segs.; Cf. Rothacker, Erich. Filosofía de la Historia. Madrid: Pegaso, 1951, capítulo II, passim). Os autores comparativistas, de uma maneira geral, referem-se ao common law e ao Direito Romano-Canônico como famílias (David, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002, passim), tradições (Merymann, John Henry. Pérez-Perdomo, Rogelio. The Civil Law Tradition. 3 ed. Stanford: Stanford University Press, 2007, passim) ou sistemas (Losano, Mário. Os Grandes Sistemas Jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2006, passim.).
[2] A tensão entre o universal e o singular que existe no âmbito da decisão jurídica é apresentada de maneiras diversas por diversos autores. Particularmente interessante é a exposição que faz Jan Schapp (Problemas Fundamentais da Metodologia Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1985, pp. 13 e segs.).
[3] Veja-se, nesse sentido, a discussão feita por Arthur Kaufmann em seu Analogia e Natureza da Coisa, no interior do qual o autor propõe uma espécie de realismo moderado que procura equilibrar as posições extremas entre o universal e o particular. Para Kaufmann os “juristas dos conceitos” (jurisprudência dos conceitos/pandectistica) representariam um modo de pensar a questão em que se dá total primazia ao universal como se este possuísse existência autônoma. Por outro lado, os adeptos do Direito Livre ou dos movimentos teleológicos, tais quais o finalismo de Ihering e a jurisprudência dos interesses de P. Heck, seriam seguidores de um “nominalismo extremo”, para o qual só existe o particular, os universais estariam apenas “na inteligência”. Assim, para sair desse confronto de extremos — que Kaufmann retrata segundo a terminologia da “controvérsia dos universais” que teve lugar no medievo entre os realistas escolásticos e os nominalistas — dever-se-ia postular uma posição mediadora, que temperasse em doses equilibradas os argumentos extremados. Assim, recorre ele ao conceito de analogia entis desenvolvido pela filosofia tomista para postular uma correspondência entre ser e dever-ser, entre o universal e o singular (Cf. Kaufmann, Arthur. Analogía e Naturaleza de la Cosa. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1956, passim).
[4] Cf. Losano, Mario G. Sistema e Estrutura no Direito. Vol. II. São Paulo: Martins Fontes, 2010, pp. 153-154.
* Texto atualizado às 14h do dia 19/11/2016 para correção.
Rafael Tomaz de Oliveira é advogado, mestre e doutor em Direito Público pela Unisinos e professor do programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) e da Faculdade Guanambi (BA).
Revista Consultor Jurídico, 19 de novembro de 2016, 8h00
http://www.conjur.com.br/2016-nov-19/diario-classe-decisao-juridica-contexto-entre-universo-singular

Meação não impede indisponibilidade de bens obtidos de forma irregular

Bens e valores obtidos de forma ilícita e revertidos em benefício da família podem ficar indisponíveis, apesar de meação com cônjuge — desde que se que comprove a origem irregular. Por isso, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou sentença que negou o desbloqueio de 50% dos bens de um casal de Ponta Grossa (PR), cujo marido, servidor público, está sendo processado por improbidade administrativa. A decisão da corte foi proferida na sessão de 8 de novembro.
No primeiro grau, o juiz da 6ª Vara Federal de Curitiba entendeu que a meação da parte autora não merece ser preservada, diante dos fortes indícios de que os bens obtidos pelo casal ao longo do tempo foram produto de atos ilícitos (simulação de contratos de prestação de serviços e sonegação fiscal). Além disso, observou que a autora não advoga para nenhum cliente, a não ser para o esposo, vivendo de "bicos" de artesanato, cuja renda não alcançava, em 2006, sequer R$ 1 mil por mês.
Face a este quadro, o juízo de origem concluiu que a mulher contribuiu muito pouco (ou quase nada) para a formação do patrimônio do casal. Por consequência, não há razão plausível para restringir a medida de indisponibilidade dos bens em virtude da invocação do direito de meação. Afinal, ficou evidente que o eventual proveito econômico resultante dos atos ilícitos criminais do marido se deu em benefício do casal.
"A meação da esposa não responde pelos atos ilícitos praticados pelo marido, a não ser que fique demonstrado que o enriquecimento indevido tenha beneficiado o casal, incidindo, nessa última hipótese, a exceção antes consagrada no art. 246, parágrafo único, do antigo Código Civil, e agora mantida, com outra redação, nos artigos 1.663, § 1º, e 1.664 do atual Código Civil, dispositivos legais aplicáveis também ao regime de comunhão universal, ex vi [por determinação] do artigo 1.670 do mesmo diploma legal", registra a sentença.
Apelação mantém sentença
Em apelação ao TRF-4, a mulher do servidor alegou que a multa eventualmente imposta ao marido não pode passar de 50% do patrimônio dele, haja vista a meação a que tem direito. Garantiu que não há qualquer prova na Ação Civil Pública de que os bens acautelados são produto de crime. Além disso, argumentou que estes bens foram adquiridos até o início do ano de 2007, anterior aos supostos fatos que deram ensejo ao processo. Por fim, apontou estar em grave situação financeira.
O relator do recurso na corte, desembargador Fernando Quadros da Silva, no entanto, manteve a decisão, por também não considerar legítima a pretensão da embargante, já que não ficou delimitada a origem lícita dos bens em discussão. Em síntese, reforçou que, havendo indícios fortes de que o patrimônio amealhado é produto de conduta ilícita, não é possível sua liberação.
"Vale destacar, ainda, que sobre os bens acautelados na Ação Civil Pública somente foi decretada a sua indisponibilidade, não houve lavratura de termo de penhora, muito menos arrematação dos bens ou qualquer ameaça de alienação dos bens acautelados. Logo, a meação da embargante não sofre qualquer risco de expropriação, não havendo falar em reserva da meação de bens, dos quais tão somente foi decretada a indisponibilidade", explicou Quadros no acórdão. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4.
Apelação Cível 5043791-09.2015.4.04.7000/PR
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2016, 7h53
http://www.conjur.com.br/2016-nov-20/meacao-nao-impede-indisponibilidade-bens-obtidos-forma-irregular

Opinião: É preciso entender o negro e dar espaço para ele achar sua personalidade

Por 
O dia da consciência negra foi fixado em 20 de novembro por ser o aniversário da morte de Zumbi do Palmares. Dentre tantas objeções que ouço, uma questão que se apresenta para mim é a sua representatividade.
Tentar explicitar as origens e indagações que surgem por conta da instituição de um dia para os negros foi o que me levou a escrever este texto, que se apresenta extremamente diminuto para o tamanho do quadro envolvido.
O primeiro ponto é o questionamento de “por que não o dia da consciência humana”. Ora, se a intenção é chamar atenção para a necessidade de igualdade racial, como uma abstração iria ajudar?
Pensar na consciência humana é tão genérico que acaba excluindo do âmbito da discussão aquilo que se quer envolver.
Seguindo por este caminho, um aspecto precisa ser esclarecido: a necessidade de autoafirmação e ratificação de determinado assunto, qual seja, a desconstrução do etnocentrismo.
Um grande problema que enfrentamos é a necessidade de eterna justificação da luta pela emancipação dos afrodescendentes. Se antes era uma verdade absoluta a desqualificação, hoje o discurso se concentra em (i) que inexiste racismo e (ii) falar da diferença é errado, porque todos são iguais.
Existe uma pesquisa interessante sobre o racismo, que consiste em duas perguntas: se ele existe e se o entrevistado se considera racista. 98% das pessoas afirmaram que há racismo no país e 95% não se considera racista. Quando não se reconhece a própria responsabilidade dentro de um determinado problema, exclui-se a possibilidade de identificá-lo com clareza e, por conseguinte, a sua resolução, abstrativizando a questão e apontando a um ente disforme aleatório.
Ainda como um conceito aberto e em construção, entendo a sistemática do racismo como uma instituição que se espalha por todos (ou grande parte) dos nichos da sociedade contemporânea. O caráter genérico dessa figura se dá por sua presença concreta em todas as partes da sociedade, diferente do que se coloca normalmente como à margem, acredito que ele esteja potencialmente presente na maioria das vezes.
Isso se dá quando analisamos alguns dados estruturais de nossa sociedade.
O Brasil tem 53% de negros e 46,3% de brancos em sua população. Quando observamos as faixas de renda, esse equilíbrio some. Na zona classificada como extremamente pobre, evidencia-se que 71% é composta por negros, traduzidos em 5,6 milhões de pessoas. Ainda na base, mas subindo um degrau, considerada pobre, o correspondente é de 75% negros, ou 7,3 milhões de pessoas.
Recentemente chegou ao conhecimento da população um dado, no mínimo, curioso: dos 5.568 municípios do país, em 2.512 cidades não há candidato negro (preto ou pardo) disputando as eleições para o cargo de prefeito. Isso quer dizer que em 45,11% das cidades sequer existe negros que se candidatem ao cargo de chefe do executivo local.
De acordo com o último Censo racial do CNJ, em 2010, no Brasil, temos apenas 1,4% de juízes negros. No MP-SP, apenas 3% de promotores negros.
Por último, um fato assustador: segundo o Ministério da Saúde, somente no ano de 2014, no Brasil, 44.582 negros morreram por homicídio. Isso quer dizer que todos os dias morreram 123 negros, correspondendo a 2,4 vezes mais do que brancos, demonstrando um crescente em relação aos demais anos em que a taxa de mortalidade era de 34,7 em 2011, 36,2 em 2012 e 36,4 em 2013.
Assim, quem hoje não vê diferença entre brancos e negros, precisa de óculos para memória e para mínima capacidade crítica. Explico: historicamente todos sabem que o ponto de partida do desenvolvimento da personalidade do negro, enquanto ser humano, é absolutamente recente, já que até a abolição da escravatura, sua classificação era coisa.
Então, falo de 128 anos a partir de uma liberdade formal (abolição da escravatura no Brasil) versus séculos e séculos de pleno desenvolvimento do curso do destino do mundo. Creio que este argumento não pode ser ignorado quando se analisa as diferenças existentes.
Daí a imprescindibilidade de se refletir sobre o papel do negro hoje. Quando falo em pertencimento, penso em dois planos, quais sejam o da pessoa e o de integrante da sociedade.
Enquanto ser humano, urge a necessidade de não somente observar e entender o negro como um sujeito, mas sim de conceder a ele o espaço de desenvolvimento de identidade para o alcance pleno de sua personalidade.
No âmbito da integração, está a lógica da anuência e aceitação da diversidade. Assim, uma das referências mais fortes que me vem à cabeça é um samba da Vila Isabel do carnaval de 1988, de Luiz Carlos da Vila, sobre esta data que representa tanta coisa, cuja letra peço licença para transcrever:
“Valeu Zumbi / O grito forte dos Palmares / Que correu terras, céus e mares / Influenciando a Abolição / Zumbi valeu / Hoje a Vila é Kizomba / É batuque, canto e dança / Jongo e Maracatu / Vem, menininha, pra dançar o Caxambu / Ô nega mina / Anastácia não se deixou escravizar / Ô Clementina / O pagode é o partido popular / Sarcedote ergue a taça / Convocando toda a massa / Nesse evento que congraça / Gente de todas as raças / Numa mesma emoção / Esta Kizomba é nossa constituição / Que magia / Reza, ajeum e orixá / Tem a força da Cultura / Tem a arte e a bravura / E um bom jogo de cintura / Faz valer seus ideais / E a beleza pura dos seus rituais / Vem a Lua de Luanda / Para iluminar a rua / Nossa sede é nossa sede / De que o Apartheid se destrua”.
Em uma música com um pouco mais de um minuto, na qual o poeta conseguiu captar e resumir todo o conteúdo deste texto e ganhar o carnaval do referido ano, é possível destacar todo o grito de independência de identidade pretendida ainda hoje pelos negros, que contribui para o atingimento do nível de parte, enquanto identificável pertencente a um grupo, bem como de participante, no sentido da atuação relevante no contexto social.
Interessa atentar, ainda, para o destaque das mais variadas características particulares do povo de matriz africana, chegando-se a eleger uma constituição própria, revelando uma separação imposta, como exemplo do Apartheid, em que se pede o seu fim. Daí, a dicotomia identificadora e integrativa exposta neste texto.
Ser parte e ser referência é o objetivo, pois, do processo de busca pela igualdade étnica que se deve discutir, pensar e projetar pelo dia da consciência negra.
Não quer dizer que a carga histórica de luta por identidade de um povo seja fixada somente por um dia; o raciocínio é inverso, existe um dia oficialmente designado para lembrar a necessidade de olhar ao passado para escrever um novo futuro, sem que se olvide que os esforços necessários são realizados diariamente. Por este motivo, recorrer à consciência a respeito da situação da desigualdade racial é importante.
Uma frase atribuída a Martin Luther King diz que “a maior tragédia do período de transição social não é o clamor dos maus, mas o silêncio dos bons”. Portanto, é preciso repisar que fechar os olhos para os fatos da desigualdade histórica e atual, é anuir com a perpetuação de uma situação que não se deve permitir permanecer da forma que continua se apresentando.

Assim, entendo que enquanto existir a necessidade de integração e independência, enquanto a distância imposta pelos vários anos de submissão não for substituída pela igualdade de oportunidade, será plenamente justificável a manutenção e reverberação de um dia da consciência negra, nem que se preste a mera discussão, porque, como ensina um provérbio africano “o sol caminha devagar, mas atravessa o mundo” e assim espero que consigamos um dia.
Irapuã Santana do Nascimento da Silva é assessor de ministro no Supremo Tribunal Federal, mestre e doutorando em Direito Processual pela UERJ. Professor da pós-graduação do UniCEUB.
Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2016, 10h44
http://www.conjur.com.br/2016-nov-20/irapua-silva-dia-consciencia-negra

O divórcio como quebra da base objetiva do testamento

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Na aprazível cidade de Maceió, ao lado do amigo de longas e profícuas jornadas, Zeno Veloso, e sua mulher, Lilian, estávamos nos preparando para conhecer o Museu de Arte Sacra Pierre Chalita, quando Zeno lança questão inquietante:
“Simão, tu que és sabido em matéria de sucessões, responde esta: sujeito faz um testamento, casado, com filhos, e deixa a parte disponível para sua esposa. O testamento tinha apenas esse objetivo e mais nada. Depois de alguns anos, o casamento naufraga e eles se divorciam. O testador morre sem ter revogado o testamento. Pergunto: o ex-cônjuge recebe a herança testada?”.
A questão é espinhosa e merece alguma reflexão. Efetivamente, o argumento pela manutenção da eficácia do testamento é forte. O testador não revogou o testamento, não lhe retirou a eficácia, o que poderia ter feito após o divórcio. Assim, o testador quereria ver a deixa produzir todos os efeitos após a sua morte. Não é essa, em regra, a orientação adequada. Para explicar a questão, precisamos partir de duas premissas.
1. Quebra da base objetiva e os Coronation Cases
A primeira premissa é que o testamento, assim como contrato, é negócio jurídico, e nesse ponto não há qualquer controvérsia. Não só Pontes de Miranda como Antonio Junqueira de Azevedo, cada um por meio de uma visão do instituto, concluem que o testamento é realmente negócio jurídico. Na linguagem ponteana, é a autorregulamentação da vontade da pessoa, que pretende certos efeitos e, por isso, se vale do testamento.
O testamento revela a vontade declarada do testador que não pretender ver, em sua sucessão, a vontade presumida pela lei (vocação hereditária, por exemplo) ser aplicada. O negócio jurídico causa mortis tem o condão de afastar a incidência das regras da sucessão legítima que são sucedâneas, supletivas à vontade do de cujus.
É por isso que o testamento, assim como o contrato, nasce da vontade, e seus efeitos decorrem da vontade. É fruto da autonomia privada[1].
A segunda premissa diz respeito à velha e repisada (muitas vezes malpisada) cláusula rebus sic stantibus[2]. A premissa dos contratos é que esses devem ser cumpridos, porque obrigam (pacta sunt servanda). Contudo, se alteradas as circunstâncias fáticas entre o momento da formação e da execução, o contrato pode se extinguir, resolver, pois o contrato só obriga estando assim as coisas, rebus sic stantibus.
A cláusula, fruto da contribuição dos canonistas ao Direito Civil, nasce na Idade Média e é retomada nos fins do século XIX, quando dos trabalhos de codificação do BGB. A partir dessa cláusula medieval, surgem modernas teorias: pressuposição, base do negócio (objetiva e subjetiva), bem como a teoria da imprevisão.
Essa última, de grande aplicação na França, tem seu ápice com a Lei Faillot, que permitia a revisão e extinção de todos os contratos após a 1ª Guerra Mundial. Tem por inspiração a decisão do Conselho de Estado a respeito do preço do gás fornecido em Bordeaux. A mais alta instância decisória administrativa permitiu que o preço fosse reajustado por força da guerra, evento imprevisível e que altera substancialmente o preço do gás.
A quebra da base objetiva do negócio teve sua aplicação nos famosos Coronation Cases quando da coroação do Rei Eduardo VII, na Inglaterra[3]. A coroação de um monarca é espetáculo de grande apreço entre os britânicos. Eduardo VII sucedera sua mãe, a Rainha Vitória[4], monarca mais longeva da História daquele povo, após 64 anos de reinado. Para assistir ao desfile de coroação (26 de junho de 1902), contratos de locação da varanda (balcony) foram celebrados entre os proprietários de imóveis (locadores) e pessoas que queriam uma visão privilegiada do cortejo (locatários).
Contudo, por motivos de saúde do Monarca[5], a coroação foi adiada para agosto daquele ano. O problema jurídico que surgiu foi saber se o pagamento do preço deveria ser pago pelos locatários. Para os locadores, não houve perda do objeto do contrato, nem sua impossibilidade, já que o uso das varandas prosseguia possível. Para os locatários, apesar de possível o uso era inútil, já que a coroação não ocorreria e desfile não haveria.
A solução jurídica adotada foi a adoção da teoria da quebra objetiva do negócio, como desdobramento histórico da velha cláusula rebus. Ninguém havia locado varandas para utilizar a varanda como espaço de lazer. A locação tinha um único objetivo: a visão privilegiada do cortejo real. Isso porque, normalmente, para se ver um cortejo real, o volume de pessoas e a aglomeração é tão grande que praticamente nada se vê.
Mudou a base objetiva porque mudaram as circunstâncias. A locação tinha por base a passagem do cortejo real. Sem a passagem do cortejo, frustrou-se o fim contratual, e o contrato é considerado extinto, resolvido, sem o dever de se pagar o aluguel.
2. Quebra da base objetiva e o divórcio
No caso em questão, temos um testamento em que o testador nomeia como herdeira “sua esposa”, “sua mulher”, Maria. Contudo, após o testamento ocorreu o divórcio, e o testamento não foi alterado, manteve-se inalterado. A pergunta que se faz é se há ineficácia do testamento em razão do divórcio. Haveria caducidade em decorrência do divórcio superveniente?
Cabe a interpretação da vontade do morto para a solução da questão. Deixar bens “para minha esposa, minha mulher” significa que a vontade do testador não era de beneficiar Maria, mas sua mulher, com quem dividia a comunhão de vida, com quem tinha convivência more uxorio, baseada no vínculo de afeto. A vontade perde seu substrato fático, há uma mudança das condições objetivas do testamento. Entre a formação e a eficácia do testamento mudaram as bases objetivas, as circunstâncias. Logo, o testamento perdeu seus efeitos. É clara situação de caducidade.
Situação distinta se verifica se o testamento já é feito após o divórcio ou separação de fato do casal. Nessas hipóteses, a vontade do testador é clara: ele quer beneficiar Maria, e não sua mulher. Assim, o testamento permanece eficaz.
Todavia, podemos avançar no raciocínio com algumas ponderações: se o casal se divorcia, mas prossegue convivendo em união estável, o que ocorre com o testamento? A situação é mais comum do que parece. O casal pode se divorciar inclusive por força de eventuais credores, mas prosseguir com a convivência familiar, sob a forma de união estável. Pode, ainda, o casal se divorciar e, por razões do coração, se reconciliar não por meio de novo casamento, mas de união estável.
Nessas hipóteses em que, no momento da morte a comunhão de vidas prosseguia, mesmo após o divórcio, a qualidade de herdeiro se mantém.
Assim, como fica a resposta a Zeno Veloso? Cada caso é um caso? Não, casuística não é ciência, é casuística.
Há uma presunção relativa de caducidade (ineficácia) do testamento quando o divórcio ocorre, porque a base do negócio jurídico se alterou. Mudaram as condições fáticas entre a existência do testamento e sua posterior eficácia mortis causa. Entretanto, se a comunhão de vida prossegue, se após o divórcio mantém-se, a convivência more uxório, cabe ao sobrevivente provar tal fato afastando a presunção relativa de caducidade do testamento.
Por fim, se o próprio testador informar que após o divórcio o cônjuge deixa de ser herdeiro ou que mesmo após o divórcio o ex-cônjuge mantém a qualidade de herdeiro, dúvida não há que prevalecerá a vontade declarada do morto.
De qualquer forma, terminamos a manhã no Museu de Arte Sacra de Maceió. Museu fantástico, que vale a visita. 


[1] Auto + nomos = própria lei.
[2] In contractus qui habent tractum sucessivum et dependentia de futuro, rebus sic stantibus inteliguntur.
[3] É Antonio Junqueira de Azevedo quem narra o caso.
[4] A Rainha Vitória só foi ultrapassada recentemente por Elizabeth II, cujo reinado se iniciou em 1952 e ainda prossegue.
[5] O Rei Eduardo, obeso e fumante contumaz, passou por uma operação em razão de problemas estomacais.
José Fernando Simão é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.
Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2016, 8h00
http://www.conjur.com.br/2016-nov-20/processo-familiar-divorcio-quebra-base-objetiva-testamento