terça-feira, 7 de março de 2017

Pais não podem deduzir filho como dependente ao mesmo tempo no IR

A guarda compartilhada foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 11.698/2008, que regulamentou referido instituto[1], sendo posteriormente, pelo advento da Lei 13.058/2016, sua aplicação alçada a regra a ser observada, mesmo na hipótese de ausência de consenso entre os genitores, quando todos, pai(s) e mãe(s), se revelarem aptos a exercer o poder familiar[2], devendo sempre prevalecer os interesses dos filhos em detrimentos das conveniências egoísticas dos pais.

A característica principal da guarda compartilhada é a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do(s) pai(s) e da(s) mãe(s) que não vivem sob o mesmo teto, no que concerne ao exercício do poder familiar em relação aos filhos comuns, sendo certo que entre os deveres derivados do desempenho de tal autoridade, além da guarda, encontram-se o de sustento e educação dos filhos.

Diversos dispositivos legais reforçam que o dever de assistência, criação[3], sustento e educação dos filhos é atribuído a todos os pais (pais e mães)[4], de forma conjunta e concomitante[5], na proporção dos rendimentos do trabalho e dos bens de cada um dos genitores envolvidos[6].

A obrigação alimentar dos pais e mães com os filhos é verdadeiro dever familiar, incondicional, previsto constitucionalmente, sendo que todos, conjuntamente, deverão contribuir, em pecúnia ou na forma de hospedagem e sustento, na proporção de seus recursos, a fim de prover, sempre que possível, as necessidades dos filhos, assegurando a estes os recursos e meios que assegurem sua subsistência, saúde, educação, segurança, vestuário e lazer, da forma mais compatível possível com a condição social experimentada por sua família, permitindo seu sadio e pleno desenvolvimento físico, psíquico e mental.

O deferimento da guarda compartilhada aos pais não exonera, nem suspende ou posterga a obrigação alimentar destes com os filhos, obrigação esta que permanece, integralmente, como uma das atribuições inerentes ao dever de proteção integral à criança e ao adolescente. No compartilhamento da guarda todos os pais se revestem, para todos os fins, do atributo de alimentantes dos filhos, ainda que omissa a sentença, uma vez que tal qualidade deriva de disposições, constitucionais e legais, expressas.

O Código de Processo Civil de 2015, confirmando a persistência da obrigação alimentar, expressamente prevê que nas homologações de divórcio ou nas separações consensuais, ambos os cônjuges deverão informar qual o valor cada um destinará a título de contribuição para criação e educação dos filhos[7]. Desta feita, em qualquer decisão judicial que preveja a incidência do regime da guarda compartilhada, obrigatória e expressamente, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentados de forma válida[8], deverá constar o valor referente aos alimentos que cada um, pai(s) e mãe(s), prestará aos filhos.

A fixação da verba alimentar direcionada à assistência, criação, sustento e educação dos filhos, deve ser arbitrada seguindo o “quadrinômio: necessidade do alimentando, proporcionalidade, razoabilidade e possibilidade dos alimentantes, sempre tendo em mente que o montante mensal nunca poderá ser superior às reais necessidades dos filhos, sob pena de servir de fomento ao ócio, desestimular os estudos e a formação profissional e gerar o enriquecimento sem causa dos alimentandos”[9].

Apesar de ser fato notório, sempre oportuno se faz salientar que, se a verba alimentar não pode fomentar o ócio e gerar o enriquecimento ilícito do alimentando, muito menos poderá gerar tais resultados em relação a terceiros, principalmente em relação pais.

Outro ponto que merece ser ressaltado é que na guarda compartilhada, quando os pais residirem na mesma cidade, em regra, os filhos terão, em regra, duplicidade ou pluralidade de domicílios[10], conforme permitido legalmente[11]. Outro efeito decorrente da guarda compartilhada é que a criança ou adolescente passa a ostentar a condição de dependente[12], para todos os fins de direito, inclusive previdenciários, de todos os pais aos quais tal guarda foi atribuída.

Feitos os necessários apontamentos a respeito das características do regime da guarda compartilhada e seus reflexos nas obrigações e relações oriundas do vínculo jurídico de filiação, cabe agora analisar quais são os efeitos tributários gerados pela aplicação de tal modalidade de guarda, em especial, no que se refere ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

No campo tributário a primeira questão a ser resolvida é a seguinte: se os filhos ostentam, como demostrado, a qualidade de dependentes, para qualquer fim, de todos os pais aos quais a guarda compartilhada foi deferida, tais genitores poderiam, concomitantemente, deduzir, mensalmente ou na declaração de ajuste anual, o montante legal referente aos filhos, atribuindo a estes a qualidade de dependentes[13]?

A resposta ao quesito acima, segundo a legislação vigente, é negativa, uma vez que parágrafo 4º do artigo 35 da Lei 9.250/1995, é expresso ao determinar que “é vedada a dedução concomitante do montante referente a um mesmo dependente, na determinação da base de cálculo do imposto, por mais de um contribuinte”. Isto posto, caso todos os guardiões pretendam atribuir ao filho a qualidade de dependente para fins de imposto de renda, deverão os mesmo chegar a um acordo e decidir a qual deles caberá tal privilégio, sob pena de, na falta de consenso, arcarem com as consequências derivadas de tal infração à legislação tributária.

Por outro lado, como os pais, na guarda compartilhada, conjuntamente ostentam a qualidade legal de alimentantes dos filhos, se preferirem, poderão, até mesmo de forma concomitante, qualificar os filhos em suas declarações como alimentando, para fins de determinação da base de cálculo do imposto de renda[14]. A vantagem de atribuir aos filhos a condição de alimentando ao invés de dependente, reside no fato de que a dedução atinente à pensão alimentícia, diversamente do que ocorre com as deduções relacionadas aos dependentes, não encontra limitação legal[15].

A única ressalva a ser feita é que uma mesma despesa específica não poderá ser utilizada simultaneamente por ambos os pais, para fins de determinação da base de cálculo do tributo, não podendo haver duplicidade de dedução, sob pena de glosa. Cientes de seus direitos, cabe aos guardiões analisarem as opções que estão à sua disposição, fazer seu planejamento tributário e, ao final, escolher a opção que oferece a tributação mais justa, lembrando que os filhos só podem ter uma única qualificação na declaração anual de ajuste, não podendo figurar ao sincronicamente como dependente e alimentando na mesma declaração.

Assim, chega-se à conclusão de que a guarda compartilhada, quando aplicada de acordo com suas características legalmente definidas, buscando a plena proteção do melhor interesse dos filhos, com transparência, boa-fé, lealdade e igualdade de direitos e deveres entre os genitores, além de ser, indiscutivelmente, a melhor solução para garantir o pleno desenvolvimento físico, psíquico e mental das crianças e adolescentes, prestando ainda como instrumento de prevenção à alienação parental[16],também se mostra a melhor alternativa para as finanças dos pais, uma vez que, devido à custódia física conjunta (pluralidade de domicílios) e a divisão equilibrada[17] do tempo de convivência com os ascendentes envolvidos, as despesas dos menores serão absorvidas e divididas de forma mais igualitária, de forma proporcional aos rendimentos e bens de cada um dos pais[18], possibilitando, ainda, em alguns casos, a obtenção de benefícios tributários, podendo até mesmo ocasionar a redução da base de cálculo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, diminuindo o valor do tributo a ser pago e/ou aumentando o valor da restituição a ser recebida.

[1] Código Civil. Art. 1.583, §1º.
[2] Código Civil. Art. 1.584, §2º.
[3] Constituição. Art. 226, §5º e art. 229.
[4] Lei nº 8.069/1990. Art. 22.
[5] Código Civil. Art. 1.566, IV, art. 1.579, art. 1.696, art. 1.701 e art. 1.724.
[6] Código Civil. Art. 1.688.
[7] Código de Processo Civil. Art. 731, IV.
[8] Código de Processo Civil. Art. 489, §1º, incisos I a IV.
[9] SILVA, Fernando Salzer. Guarda compartilhada – A divisão dos direitos e deveres decorrentes da obrigação alimentar destinada aos filhos. Migalhas. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI254141,11049-Guarda+compartilhada+A+divisao+dos+direitos+e+deveres+decorrentes+da.
[10] SILVA, Fernando Salzer. A questão da fixação do domicílio dos filhos na guarda compartilhada. Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2017, 6h46. Disponível em http://www.conjur.com.br/2017-fev-18/fernando-salzer-silva-fixacao-domicilio-guarda-compartilhada.
[11] Código civil. Art. 71.
[12] Lei 8.069/1990. Art. 33, §3º.
[13] Lei 9.250/1995. Art. 35, §3º.
[14] Lei 9.250/1995. Art. 4º, II e art. 8º, II, f.
[15] STJ. REsp 812465/RS. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator: Ministro Luiz Fux. Data da Publicação/Fonte: DJe 29/05/2008
[16] Lei 12.318/2010. Art. 2º, caput, Parágrafo único, incisos I a VII.
[17] Código Civil. Art. 1.583, §2º.

Fernando Salzer e Silva é advogado e procurador do estado de Minas Gerais.
Revista Consultor Jurídico, 4 de março de 2017, 9h37

http://www.conjur.com.br/2017-mar-04/fernando-salzer-pais-nao-podem-deduzir-filhos-dependentes-ir

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