quarta-feira, 8 de março de 2017

Trechos de dois votos contrários entre si em ação de retificação de registro civil de transgênero sem cirugia de transgenitalização

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSGÊNERO. MUDANÇA DE SEXO. POSSIBILIDADE, INDEPENDENTEMENTE DE CIRUGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. (...) (TJ-RS. Apelação Cível nº 70069422699, 8ª Câmara Cível, Rel.: Rui Portanova, Julgado em 28/07/2016). 

Apelou o MINISTÉRIO PÚBLICO, pedindo o julgamento de improcedência da demanda. Disse que a alteração prevista na Lei de Registros Públicos visa à correção de erro e, no caso concreto, de erro não se trata e sim da condição de como a parte apelada se observa em relação ao gênero. Aduz que tal situação em nada altera o sexo biológico que deve constar no assento e diz que tal questão é controversa, pois pendente de julgamento o RE 670422, de repercussão geral. Pede o provimento do recurso a fim de que seja mantido o sexo indicado no registro, salvo se a parte se submeter à cirurgia de transgenitalização.

Trecho do voto do Des. Rui Portanova (RELATOR):
(...) Não é pela existência de uma genitália masculina que se define o gênero masculino. Com efeito, essa é apenas uma característica masculina, que não prevalece quando se está diante de uma pessoa transgênero. Além disso, é necessário ver essa questão com os olhos voltados mais para o indivíduo e sua dignidade do que para o meio social. Veja-se que, sexualmente, desde a sua condição íntima até do ponto de vista público e social, MUNIKY não aparecerá como homem, mas como mulher. (...) Nesse passo, a falta de previsão legal específica não justifica a manutenção do “masculino” como sendo a designação do gênero da autora em seu registro civil de nascimento, sendo de rigor a manutenção da sentença, que determinou a alteração do sexo da parte autora em seu registro civil. ANTE O EXPOSTO, nego provimento à apelação. Des. Rui Portanova (RELATOR)

Trecho do voto do Des. Ivan Leomar Bruxel
(...) O pedido consiste na alteração do sexo na certidão de nascimento, isto é, na seara do Registro Civil de Pessoas Naturais, sobre o qual vigem os preceitos do Direito Registral, esse disciplinado pela Lei nº 6.015/73. Esse diploma traz uma série de princípios que são norteadores da atividade registral. E dentre eles está o princípio da verdade real, que tem por finalidade precípua consagrar e concretizar a segurança jurídica. Por este motivo todo e qualquer ato registrado necessita transparecer a verdade existente e atual e não apenas aquela que passou. (...) E a pergunta que exsurge: a parte autora é do sexo feminino? Fisiologicamente não, considerando que não se submeteu à cirurgia de transgenitalização.(...) Assim, a proteção ao terceiro de boa-fé, que acredita fielmente estar estabelecendo relações jurídicas (quaisquer que sejam), deve ser garantida, em nome da segurança jurídica. Aliás, a tendência axiológica do Novo Código Civil é proteger, justamente, o terceiro de boa-fé. Por exemplo, alguém pode acreditar que vai casar com outro do sexo masculino/feminino, mas na verdade está se casando com alguém do sexo feminino/masculino, fisiologicamente falando. Tal situação de engodo não pode ser chancelada pelo Direito.(...) Des. Ivan Leomar Bruxel - Assim é que, ressalvado entendimento pessoal, me rendo ao posicionamento majoritário.- CONCLUSÃO. Voto por negar provimento ao apelo do Ministério Público.

TJ-RS. Apelação Cível nº 70069422699. 8ª Câmara Cível, Rel.: Rui Portanova, Julgado em 28/07/2016.

Fonte: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/369886075/apelacao-civel-ac-70069422699-rs

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