domingo, 9 de abril de 2017

É possível o juiz decretar o divórcio em sede liminar?

Publicado por Daniele Petchevist

Segundo o entendimento do Juiz de Direito Titular Alberto Raimundo Gomes dos Santos, da 6ª Vara de Família da Comarca de Salvador, Bahia, SIM!
A decisão interlocutória é de junho de 2014, no entanto, merece especial atenção tendo em vista a brilhante fundamentação pois resguarda o direito do cônjuge que pretende pedir o divórcio.

Há vários motivos para tal pedido. Existem casos em que um dos cônjuges não quer o divórcio e fará de tudo para prolongar o processo até mesmo se esquivando da citação, ou o Requerido se encontra em lugar incerto e não sabido há muitos anos, ou simplesmente a espera da sentença pode ser longa o bastante para manter os ex-cônjuges com o status de casado por vários meses, ou anos.

Vejamos a decisão:

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Processo nº: 0518107-66.2013.8.05.0001
Classe – Assunto: Divórcio Litigioso - Dissolução
Requerente: I. J. D. O.
Requerido: R. D. C. C. D. O.
Vistos, etc.

Quanto ao pedido antecipatório lançado em audiência de fls. 17, muito embora não exista comprovação pelo Autor, da alegada propriedade de bens, constituídos durante a relação matrimonial e, acompanhando entendimento adotado pela Eminente Juíza de Direito, Dra. Francisca Cristiane Simões Veras Cordeiro, em decisão fartamente fundamentada emitida nos autos do processo nº 0004428-81.2012.805.0004, em curso na Vara Cível da Comarca de Alagoinhas/BA, abaixo transcrita in verbis, observando que a antecipação da tutela quanto à decretação do Divórcio do casal, não ofende ao princípio do contraditório, tendo em vista que, manter-se casado, é matéria apenas de direito e, quanto as demais questões, que porventura possa a Ré pretender se indispor, poderão ser objeto de debate continuado nos próprios autos, liberando portanto as partes para realização da felicidade afetiva:

"Decido. 3 – Com o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, houve a supressão da exigência de se observar o decurso do lapso temporal da separação de fato, restando unicamente a aplicação do direito, sendo desnecessária instrução probatória em audiência. 4 – Por outro lado, os alimentos em favor da filha menor do casal serão objeto de discussão neste mesmo processo, sendo certo que o divórcio ou o novo casamento dos pais não modificará os direitos e deveres destes [pais] em relação aos filhos (art. 27 da Lei do Divórcio e art. 1.579 do CC). Ademais, conquanto não tenha a Autor carreado aos autos prova da inexistência de bens suscetíveis de partilha, certo também é que a prévia partilha dos bens não constitui requisito para a decretação do divórcio, conforme teor do art. 1.581 do Código Civil e da Súmula n. 197 do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual eventual discussão acerca da existência de bens a partilhar não tem o condão de impedir a decretação do divórcio. 5 – Nesse passo, vê-se que o objeto cognitivo do Divórcio Litigioso é extremante restrito, estando vedada a discussão de culpa ou qualquer descumprimento de obrigação conjugal, não sendo admissível que controvérsias outras, como a partilha de bens e os alimentos, se interponham como óbice para o reconhecimento da dissolução do vínculo matrimonial. 6 – Nesse sentido, colhe-se a precisa lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald1: “Seguindo a linha facilitadora do divórcio e lembrando do requisito único exigido pela Lei das Leis, não se pode deixar de perceber que o objeto cognitivo do divórcio litigioso é extremamente restrito, pois o acionado não mais poderá alegar a culpa ou o descumprimento de obrigações conjugais, em sua defesa de mérito, em razão da vedação de tais discussões. Não se admite, assim, que controvérsias outras sirvam de óbice ao reconhecimento da dissolução do vínculo matrimonial, perdendo-se o juiz no meio de discussões relacionadas, por exemplo, à fixação de alimentos ou à reparação de danos morais.” 7 – Na espécie, portanto, ausente qualquer controvérsia sobre o casamento e manifestando-se incisivamente o autor não haver qualquer possibilidade de reconciliação, eis que as partes já possuem, inclusive, outros relacionamento, sendo definitiva sua posição de divorciar-se da ré, preenchido está o requisito de que trata o art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil, sendo patente o acolhimento do pedido antecipatório, não havendo se falar em tal modalidade de antecipação de tutela em subordinação aos requisitos do art. 273, “caput” e incisos I e II, do CPC. 8 – Nesse sentido, colaciona-se decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementada: “Divórcio Judicial. Tutela antecipada. Indeferimento. Inconformismo. Separação de fato há mais de 02 (dois) anos incontroversa. Incidência do artigo 273, § 6º do CPC. Desnecessidade de preenchimento dos requisitos do artigo 273, caput e incisos I e II do CPC. Decisão reformada. Agravo de instrumento provido.” (Agravo de Instrumento nº 571.837-4/4-00, Rel. Des. Piva Rodrigues, 9ª Câmara de Direito Privado, julgado em 02/09/2008) 9 – Posto isso, DEFIRO o pedido de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, formulado na inicial, a fim de DECRETAR O DIVÓRCIO de R. B. D. S. J. E A. R. F. D. S. B., extinguindo o vínculo matrimonial. 10 – Não havendo recursos interpostos contra a presente decisão, expeça-se mandado de averbação ao respectivo Cartório de Registro Civil (art. 32, da Lei n. 6.515/77), consignando-se que a divorcianda voltará a usar o nome de solteira: A. R. F. D. S. E S.

Com relação a possibilidade de concessão da tutela antecipada para a decretação do Divórcio do casal, sem o estabelecimento do contraditório, entendo que não poderá haver prejuízo para a Ré, visto que não existe a reversão do Divórcio para a manutenção do casamento, em razão da vontade expressa de um dos cônjuges, que demonstra a ruptura da relação afetiva, conforme entendimento já firmado por vários Tribunais, a exemplo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PEDIDO DE DIVÓRCIO ANTES DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. EC 66/2010. Possibilidade de ser concedida uma sentença parcial de mérito, em face da nova redação do parágrafo 1º do artigo 162 do CPC. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70059163402, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 07/04/2014).

Também sobre o tema, doutrinou o professor Gelson Amaro de Souza, em artigo publicado no site eletrônico http://www.gelsonamaro.com, conforme consulta realizada na data de hoje, às 13:59 horas:

" 10.2. Direito de defesa. Diz MONTENEGRO FILHO[52] que o que lhe incomoda é a supressão do contraditório e da ampla defesa. O engano é evidente, porque esses princípios foram erigidos em benefício do réu, e se este já é vencedor na ação, não sofre prejuízo e não há interesse em contestar (art. do CPC) e nem em anular o julgamento que lhe é favorável (art. 248, § 2º do CPC). Sem interesse jurídico não se vê razão para o réu querer contestar a ação e nem para arguir eventual nulidade. A atuação do réu deve ser sempre no seu interesse jurídico e, quando este interesse inexiste, não se dá ensejo para contestação. O direito de defesa existe para evitar prejuízo. Todavia, quando inexistente prejuízo, não se vê razão para se falar em defesa. Neste caso a defesa é desnecessária. Não se deve praticar ato no processo desnecessariamente. Nenhum ato processual deve ser praticado sem finalidade Bem lembrou IHERING: “De qualquer forma, que o fim possa vincular ao ato, ou de que natureza venha a ser, sem finalidade, este ato é inconcebível. Agir simplesmente, e agir em virtude de um fim significam o mesmo; Uma ação destituída de finalidade é um absurdo tão grande quanto um efeito sem causa” [53]. 10.3. Contraditório. O que se falou em relação à ampla defesa ou o direito de defesa serve também para demonstrar que se não há prejuízo para a parte, não se há reclamar a ausência de contraditório. A parte não pode sofrer prejuízo sem que antes lhe seja proporcionado o contraditório. No entanto, se nenhum prejuízo trouxe a ausência de contraditório, não se há de reclamar desta ausência. Está previsto no artigo 249, § 2º do CPC, que não se deve proclamar nulidade e nem repetir o ato se o mérito puder ser julgado a favor da parte. Neste passo é que CAMIÑA MOREIRA [54] já deixou assentado em brilhante lição, que não é imprescindível o contraditório para se ter julgamento de mérito e coisa julgada. Princípios basilares do processo como o contraditório, a ampla defesa e o devido procedimento legal, foram instituídos em benefício da parte para evitar que ela sofra prejuízo. No entanto, se nenhum prejuízo advier à parte, nada há a reclamar. É o que acontece quando o mérito é julgado a favor do réu, em que a sua citação em nada importa e mesmo desta não o prejudique. A ausência da citação nenhum prejuízo trás ao réu (art. 249, § 2º do CPC). Exigir-se o atendimento do contraditório quando a sua presença em nada altera o resultado final e, a sua ausência, em nada prejudica a parte, é dar mais valor à forma do que ao direito. É andar na contramão da moderna processualística. 10.4. Interesse do réu no processo MONTENEGRO FILHO[55 ]afirma que a nova norma contraria premissas básicas do contraditório e nem indaga se o réu teria interesse na continuidade do processo. O mesmo equívoco se vê em GOUVEIA MEDINA[56], ao dizer que ao réu pode não interessar o abortamento da ação, na medida em que tenha pretensão a deduzir contra o autor, por via de reconvenção. E “ao réu não se faculta nenhuma forma de impugnação da sentença de extinção prematura do processo”. Ora, não se faculta ao réu recorrer da sentença de improcedência porque esta lhe é favorável e o recurso só facultado a quem é prejudicado (parte ou terceiro) na forma do art. 499 do CPC[57]. O réu jamais poderá ter interesse na continuidade do processo que, logo de início é julgado pelo mérito e a seu favor. Isto porque, que interesse poderia ter no prosseguimento, para contestar e postular o mesmo resultado? De outra forma, até mesmo para a ação precisa ter interesse (art. do CPC) [58]. Se a ação pode ser julgada a favor do réu sem contestação, não há interesse jurídico em contestar. Pensar que o réu possa ter interesse em contestar somente para auferir verba sucumbencial, além de injurídico é também imoral. Também, participar do processo só para apresentar reconvenção é outro absurdo. Primeiro, porque nem sempre o réu tem direito à reconvenção. Depois, porque o autor poderá desistir da ação sem o consentimento do réu, desde que o faça antes de decorrido o prazo para o réu contestar (art. 267, § 4º do CPC)[59]. Com a desistência do autor antes do prazo de resposta, fica o réu impedido de reconvir. Logo, não é o julgamento de mérito inicialmente que vai prejudicar o réu, até porque se extinta a ação sem julgamento de mérito (art. 267, do CPC), também não poderá reconvir. Não é a impossibilidade reconvir que deve impedir a extinção do processo liminarmente, com ou sem julgamento de mérito. Quando se promulga uma lei nova, é normal que ela provoque divergência em sua interpretação e assim não poderia ser diferente com esta que acrescentou o art. 285-A do CPC. Todavia, é bom lembrar com REALE[60], que não se deve analisá-la isoladamente, exige-se interpretação sistemática e em conjunto com as outras regras já existentes. Conclusões Apresentadas essas premissas, pode-se concluir que a nova norma inserida no art. 285-A do CPC, representa um bom começo, mas deveria ser mais aberta para se permitir que o mérito seja julgado inicialmente, sempre que a improcedência do pedido salte aos olhos do julgador. Que essa norma nada tem de inconstitucional e nem viola ou contraria princípios processuais, ao contrário, está em sintonia com a nova dinâmica do processo e o princípio de que o processo é instrumental em relação ao direito material."

Especificamente, no caso dos autos, a Emenda Constitucional 66/2010, extirpou do ordenamento jurídico o debate sobre a culpa no rompimento do relacionamento matrimonial como causa para decretação do Divórcio, estabelecendo no entendimento da grande maioria dos doutrinadores nacionais como premissa a necessidade da realização da vida afetiva dos cônjuges, uma vez declarada a incapacidade de reestruturação da sociedade conjugal, podendo, inclusive, ser decretado o divórcio, com a resolução da partilha de bens posteriormente, a exemplo da Súmula nº 197, do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, diante dos fundamentos acima adotados, CONCEDO A TUTELA ANTECIPATORIA do direito reclamado pelo Autor e, DECRETO O DIVÓRCIO DO CASAL I. J. D. O. e R. D. C. C. D. O. , reservando qualquer discussão sobre a partilha de bens, para o seguimento do feito.

Cite-se e Intime-se a Ré para, querendo, contestar a ação em 15 (quinze) dias, sob pena de revelia, nos termos do quanto preceitua o art. 319, do CPC.

Depois de decorrido o prazo recursal, expeça-se mandado ao Cartório de Registro Civil competente para averbação do Divórcio concedido, constando a manutenção do nome de casada da Ré, em razão do seu direito de optar, o que poderá ser modificado, com a expressão de sua vontade, após o contraditório.

Cite-se. Intime-se. Expeça-se uma via original deste despacho com força de MANDADO DE CITAÇÃO e INTIMAÇÃO para ser cumprido pelo Oficial de Justiça designado para o endereço abaixo indicado, através do qual MANDA este Juízo que, em cumprimento ao presente, extraído do processo acima indicado, EFETUE A CITAÇÃO/INTIMAÇÃO de R. D. C. C. D. O, residente no XXXXX, nesta Capital, conforme DECISÃO acima proferida e diante da petição inicial, cuja cópia segue anexa, como parte integrante deste. PRAZO: O prazo para responder a ação, querendo, no prazo de lei (art. 297, CPC), contados da juntada do mandado no processo. ADVERTÊNCIA: Não sendo contestada a ação no prazo marcado, presumir-se-ão aceitos como verdadeiros os fatos articulados pelo autor na petição inicial (art. 285 c/c o art. 319, do CPC).

Salvador (BA), 26 de junho de 2014.

ALBERTO RAIMUNDO GOMES DOS SANTOS
Juiz de Direito Titular.


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