quarta-feira, 17 de maio de 2017

Como é a Guarda Compartilhada na prática?

Publicado por Iane Ruggiero

Quem deu uma fuçada na internet, já “aprendeu” que guarda compartilhada não é divisão idêntica do tempo de convívio dos filhos com cada um dos pais. Não é “uma semana com um, uma com outro”; “metade da semana com cada um”; nem um mês, um semestre ou um ano com cada um.

Como já se diz muito por aí, “guarda compartilhada é a divisão entre os pais das responsabilidades com relação aos filhos”.

Você deve ter lido também que a guarda em que há a divisão exata do tempo de convívio com cada genitor é chamada guarda alternada. Isso significaria que, por exemplo, a criança ficaria metade da semana com um pai e metade com o outro e, enquanto estivesse com cada um deles, esse genitor seria o responsável por ela. Quanto a esse tipo de guarda, há várias críticas no Brasil. Diz-se muito que ela tiraria o “referencial de lar” da criança.

Ok. Mas, e na prática, como se dá a guarda compartilhada?

Acho importante fazer uma explicação prévia, meio diferente do que você deve ter lido por aí.

É que, na verdade, a guarda compartilhada não precisaria ter sido criada.

(Pausa para a cara de espanto!)

Isso mesmo. Se guarda compartilhada é – como diz a lei em seu texto confuso – a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns, ela já era a regra antes.

Ou seja, há muito tempo a separação dos pais, ou o fato de nunca mesmo terem vivido juntos não afeta em nada os seus direitos e deveres com relação aos filhos. Pais e mães – namorados, casados, “juntos”, separados, divorciados, amigos ou meros conhecidos - sempre tiveram o direito-dever de decidir e promover a melhor educação para seus filhos de quem quer que fosse a guarda (que, aliás, acho um termo antiquado que denota uma ideia de posse... Urgh!).

AMBOS, e não apenas o “guardião”, devem decidir a melhor escola para os filhos; quais atividades extracurriculares devem praticar; se devem ser apresentados a alguma religião e qual; se devem receber mesada e de que valor; quais tarefas e responsabilidades devem ter... Enfim os dois pais devem ser pais, e sempre foi assim.

Isso porque a lei já dizia que, apesar da separação dos pais, ambos mantêm o “poder parental” ou “poder familiar”, antigamente chamado de “pátrio poder”, o que significa isto aí que falei acima: os dois continuam a ser pais.

Mas quem lê a lei, né? Quem lá sabe o que é “poder parental”?

Foi por isso que surgiu uma necessidade SOCIAL da criação da tal guarda compartilhada. Juridicamente, ela não seria necessária. Mas veio atender uma demanda de pais (principalmente homens) que queriam ser pais e não estavam conseguindo.

A lei veio dar um nome novo, chamar a atenção para um fato social e jurídico: pais e mães separados continuam pais e mães do mesmo jeito. E a lei foi feliz nesse sentido. Agora, todo mundo sabe que a regra é a guarda compartilhada e você está aqui lendo esse texto.

Outro ponto que gosto de discordar um pouquinho dos colegas: a divisão do tempo, não exata e milimétrica (tipo cortar a criança no meio a la pegadinha do Rei Salomão), mas equilibrada, não é necessariamente a vilã que gostam de pintar. E não acho que apenas por se dividir o tempo mais igualitariamente o tipo de guarda passe a ser “alternado”.

A questão da divisão do tempo de convívio dos filhos com os pais deve ser analisada a cada caso (independentemente do tipo de guarda), dentro da realidade de cada família, considerando-se, por exemplo, aspectos como proximidade das residências dos pais, horários de trabalho dos pais, familiares e profissionais que auxiliam no cuidado das crianças, proximidade da escola e locais de demais atividades dos menores, organização dos pais e dos menores quanto aos materiais escolares que deverão ser utilizados a cada dia, existência de espaço e pertences próprios para a criança na casa de cada genitor etc.

Vale dizer, existem estudos médicos e psicológicos na Europa, com crianças que vivem “metade do tempo com cada pai”, que indicam não haver prejuízo a elas. Afinal, se ter um referencial de lar é importante para uma criança, quem disse que não se pode ter dois?

Bom, com essas explicações prévias, gostaria de dizer que, NA PRÁTICA, a guarda compartilhada é a mesma coisa que a guarda unilateral. (Cara de espanto #2!)

Isso porque se os pais não quiserem de verdade cumprir o seu dever e dar aos seus filhos o DIREITO DE TER OS DOIS PAIS, a prática será igualzinha: cada um vai fazer do seu jeito e, quando houver desacordo, vão recorrer ao Poder Judiciário.

Exemplos:

a) Guarda unilateral materna. A mãe muda o filho de escola sem sequer avisar ao pai. O pai não concorda e ela se recusa a desfazer a matrícula. Resultado: pai tem que propor ação judicial para discutir a questão.

b) Guarda Compartilhada com domicílio materno. A mãe muda o filho de escola sem sequer avisar ao pai. O pai não concorda e ela se recusa a desfazer a matrícula. Resultado: pai tem que propor ação judicial para discutir a questão.

c) Guarda unilateral paterna. O pai muda de endereço sem sequer avisar à mãe. A mãe não concorda. Resultado: mãe tem que propor ação judicial para discutir a questão.

b) Guarda Compartilhada com domicílio paterno. O pai muda de endereço sem sequer avisar à mãe. A mãe não concorda. Resultado: mãe tem que propor ação judicial para discutir a questão. (“Nossa! Mas ele não poderia!”. “Pois é, mas ele fez.”)

Não sei se fui clara. Mas o resumo é: seja qual for a guarda, se houver um desentendimento entre os pais que eles não consigam resolver por algum meio amigável, a única solução será a ação judicial.

Outra curiosidade prática interessante: o tipo de guarda é uma coisa, o tempo de convívio com cada um é outra. Um pai pode ter a guarda unilateral de seu filho e o regime de convivência determinar que a criança passa metade da semana com a mãe. Por outro lado, um pai e uma mãe podem ter a guarda compartilhada de seu filho e ele morar com a mãe e apenas ver o pai a cada 15 dias.

Vale dizer, exatamente como nos exemplos anteriores, quaisquer que sejam a guarda e o regime de convivência estipulados, caso um dos genitores simplesmente descumpra o que foi determinado e eles não cheguem a uma solução amigável, a ÚNICA saída será propor uma ação judicial.

Por isso acho tão importante fazer esses esclarecimentos. É importante não se iludir e saber que o estabelecimento formal de uma guarda compartilhada não fará com que a guarda seja mesmo compartilhada na prática.

Digo tudo isso para elucidar a todos os meus leitores que, na prática, o que mudará a sua vida e de seus filhos é a maneira como o relacionamento parental for construído e não o nome da guarda que está escrito no papel.

Por isso, em um divórcio/dissolução de união estável, quando há filhos menores, o mais importante a se pensar não é a formalização rápida de um acordo feito às pressas, nem a imposição judicial do que eu acredito que seja a melhor solução, mas, sim, a construção de um relacionamento de pais que, querendo ou não, perdurará por muitos anos.

Para isso, nada melhor do que a construção de um acordo maduro por meio das práticas colaborativas, método que conta com uma equipe interdisciplinar que trabalhará junto com pais e filhos para que as necessidades de todos sejam atendidas de verdade!

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