quarta-feira, 17 de maio de 2017

O "Efeito Cliquet" e o "Efeito Pêndulo" no Direito Constitucional


Publicado por Hyago de Souza Otto

A doutrina de Direito Constitucional costuma associar os direitos sociais ao chamado "Efeito Cliquet", uma espécie de proibição de 'retrocessos' neste âmbito. O nome é dado em alusão a uma espécie de catraca, que anda apenas para um lado.

Parte da ideia de que, criado um avanço nos direitos sociais, ele não poderá retroceder, como se o conceito evolutivo fosse puramente linear, em um só sentido.

Difunde-se ainda a ideia de que a Constituição Federal teria disposto sobre tal efeito nas cláusulas pétreas, assegurando que o Poder Derivado poderia acrescer direitos sociais, mas não suprimir.

A questão, contudo, não é tão simples assim.

O § 4º do art. 60 da Constituição Federal não trata dos Direitos Sociais, mas dos "Direitos e Garantias Individuais"(inciso IV).

A Constituição Federal discorre sobre os "Direitos e Deveres Individuais e Coletivos" no artigo ; os "Direitos Sociais", por sua vez, encontram-se alocados no artigo da Carta Magna, ambos localizados no Título II, que discorre sobre os "Direitos e Garantias Fundamentais".

Apenas o artigo 5º trata, portanto, de Direitos de índole individual.

Direitos sociais têm caráter coletivo, não individual. São Direitos de 2ª geração (ou dimensão), de caráter prestacional (positivo, um fazer). Por isso, recebem tratamento diferente e são postos em dispositivo distinto.

Se o Constituinte tivesse o objetivo de impedir que se restringissem os Direitos Sociais, teria tratado deles de forma específica ou, ao menos, não de forma tão obscura. E nem se pode tratar do gênero "Direitos e Garantias Fundamentais", pois isso abarcaria até mesmo questões políticas (partidos, nacionalidade, etc.).

O objetivo do Constituinte foi claro ao tratar, no artigo 5º, de liberdades individuais e, em seguida, impedir a restrição de tais direitos negativos no art. 60. Os direitos individuais não podem ser equiparados a outros, de caráter positivo, sujeitos a fatores econômicos.

Como se não bastasse, o § 4º do art. 60 discorre sobre Emenda "tendente a abolir" (...) "direitos e garantias individuais". A simples restrição de um direito não significa uma tendência a abolir; o problema efetivo é tentar esvaziar o preceito constitucional (acabar, fulminar).

Ressalte-se, inclusive, que parte da doutrina afirma que o dispositivo se volta a restrição de norma derivada do Poder Constituinte Originário, não do Derivado. Ou seja, é natural que direitos surjam via Emenda Constitucional, podendo, posteriormente, ser restringidos. É a posição mais coerente.

Afinal, a criação de um direito pode derivar de equívoco legislativo. Nem sempre um direito é benéfico ao seu titular.

Inflacionar a Constituição de Direitos não é capaz de alterar o mundo dos fatos. Ainda que se reconheça a força impositiva da Constituição (Konrad Hesse), se não houver um conjunto de ações visando à efetivação de seus dispositivos, se o orçamento do país for insuficiente ou se não houver instituições suficientemente fortes para concretizar o dispositivo, de nada valerá a folha de papel.

É como instituir, em um país miserável, que todos serão ricos. Ora, o que gera riqueza é o mercado, a produção, o trabalho. Mesmo que o Estado, com boas intenções, deseje que todos vivam com conforto, uma caneta não tem poderes sobrenaturais.

É preciso cautela ao tratar da evolução social como algo linear. Uma sociedade tem necessidades (que não necessariamente são materiais), mutáveis conforme o momento.

A título de exemplo: se, há alguns anos, a exigência era de limitação do Poder do Estado e seus excessos, hoje, a necessidade é de maior segurança aos particulares. No futuro, é possível que os excessos do Estado na manutenção da ordem exijam uma redução de seu poder punitivo.

Veja-se, portanto, que não há uma linearidade, uma real continuidade evolutiva, um avanço absoluto de direitos e deveres constitucionais. Há um suprimento de necessidades individuais que refletem um momento histórico.

O papel do Estado é alterado, diminuído e aumentado de forma variável. Se os direitos caminhassem de forma linear, o tamanho do Estado, proporcional a seus deveres, em pouco tempo tornar-se-ia gigante, custoso, impagável (o que, decorrentemente, inviabilizaria a economia e traria miséria aos seus integrantes).

"Avanços" são meras alterações que favorecem, agradam uma maior ou menor camada da sociedade. Há, sim, um núcleo intangível, de índole supraconstitucional ou mesmo de caráter internacional, que limita um mínimo existencial, mas isso não está ligado diretamente ao direito positivo.

A Constituição não pode ser tida como um fim em si mesma. Por isso, não existe um "Efeito Cliquet" propriamente, mas, sim, um "Efeito Pêndulo", em que as mudanças constitucionais refletem os anseios populares, indo e voltando, como uma espécie de gangorra. Não exata, não perfeita: variável.

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