segunda-feira, 15 de maio de 2017

Seguro de responsabilidade civil: entenda o que o médico deve saber antes de contratar


A judicialização da saúde tem tirado o sono dos médicos e demais profissionais da área da saúde. Diante deste grave problema, muitos profissionais buscam a saída que lhes parece ser a mais óbvia: a contratação de apólices de seguro de responsabilidade civil profissional. Contudo, o que parece ser uma solução, além de não resolver o problema, pode se tornar mais uma grande dor de cabeça para o médico.

A verdade é que a maior parte das apólices de seguros disponíveis no mercado conferem ao profissional uma falsa sensação de segurança; na hora mais importante, deixam o médico “na mão”, quando não agravam ainda mais os problemas já existentes.

Mas como identificar estes problemas e escolher, dentre as opções do mercado, a melhor apólice de seguros disponível para esta finalidade? Veremos a seguir alguns dos principais problemas e riscos advindos da contratação dos seguros de responsabilidade civil profissional, neste estudo feito a partir da análise objetiva dos termos gerais das 6 apólices mais contratadas pelos médicos e demais profissionais da saúde no Brasil.

AUMENTO VERTIGINOSO DOS VALORES DAS INDENIZAÇÕES

Nota-se que, ainda de forma pouco expressa, as principais entidades do meio médico estimulam os profissionais a assumirem o próprio risco, evitando a contratação de apólices de responsabilidade civil profissional. O principal motivo apontado pelas entidades é que a prática de contratação de coberturas securitárias aumenta paulatinamente o valor das condenações judiciais. E tal crítica de fato procede. Basta verificar que nos EUA, na década de 50 um óbito era indenizado em 150 mil dólares. Atualmente, quando praticamente todos os médicos americanos possuem seguros com altíssimos valores, um óbito é indenizado em 10 milhões de dólares.

O que motiva este aumento das indenizações é o fato de que 4 das 6 das apólices disponíveis no mercado possuem, ainda que indiretamente, a regra da “denunciação à lide”, o que obriga ao médico que, em caso de processo, chame a seguradora à lide, quando esta passa a figurar como ré, juntamente com o profissional. Ainda, a apólice de seguros é juntada obrigatoriamente aos autos. Tais fatos por si só descaracterizam a pessoalidade e subjetividade da análise do caso, aumentando vertiginosamente as chances de condenação. Lado outro, a apólice de seguros “sugere” ao juiz um valor para indenização, elevando assim as indenizações a patamares inimagináveis.

Embora as apólices passem a impressão de “total cobertura” contra os problemas atinentes aos casos cobertos, existem inúmeras excludentes pontuais que reduzem enormemente as chances de prejuízo às Cias seguradoras, e deixam os segurados desassistidos na hora em que mais precisam do apoio.
 
DATA BASE PARA COBERTURA

Assim como na maioria dos seguros, 5 das 6 apólices desta natureza possuem a característica de só conferirem cobertura a fatos geradores ocorridos durante o período de vigência, e reclamados em até 3 anos após o fato. Isso diminui bastante a “utilidade” das apólices de seguros, pois é sabido que muitas ações que tratam do tema proposto são ajuizadas após um prazo muito superior a 3 anos. Ora, o próprio Código de Defesa do Consumidor já garante aos pacientes um prazo de 5 (cinco) anos para reclamação. E há diversos fatores que podem estender este prazo até mesmo para décadas. No caso de vícios ocultos, por exemplo, a prescrição (ou seja, a contagem do prazo) do direito do paciente somente se inicia após a descoberta do dano, o que pode levar um tempo indefinido. No caso de danos causados a menores de idade, a prescrição só se inicia após atingida a maioridade. Desta forma, 3 anos de “garantia” após o fato, que é a regra na maioria dos seguros, é muito pouco.

Há de se ressaltar ainda que a maioria das apólices somente confere cobertura a fatos ocorridos durante a vigência da mesma, enquanto somente 1 das 6 apólices analisadas confere cobertura retroativa de até 20 (vinte) anos, conferindo maior tranquilidade ao profissional. 

EXIGÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DE FATOS QUE POSSAM GERAR PROCESSOS

4 das 6 apólices da modalidade exigem que o médico notifique previamente a seguradora acerca de qualquer fato relevante que possa dar origem a uma reclamação judicial. Uma delas não faz a exigência, e a última faculta ao segurado o aviso.

Ora, caso todos os processos de fato se originassem em um efetivo erro profissional, seria fácil ao segurado cumprir com esta determinação. Contudo, tendo em vista que atualmente qualquer coisa pode motivar um processo (independentemente de haver erro efetivo), é impossível que os médicos cumpram com tal determinação.

Seria o caso de os profissionais avisarem às seguradoras de quase todos os atos praticados (não somente atos médicos, diga-se de passagem). A cada consulta, a cada atendimento, a cada cirurgia, caberia uma notificação às seguradoras.

O quadro se grava quando notamos que a prática das seguradoras que exigem tal medida é compor tais “notificações” para análise do risco do segurado. Ou seja, caso o médico cumpra com a determinação, provavelmente o aviso prévio de um possível problema causará o declínio da renovação do seguro do médico.

CUSTOS COM DEFESA NOS PROCESSOS

Embora a maioria das apólices analisadas informem arcar com os custos da defesa do médico no processo, verificamos ao ler as letras minúsculas que a verdade não é bem essa. A maioria arca somente com os honorários do processo cível (5 das 6 analisadas), e, ainda assim, vinculando o valor aos limites da tabela da OAB. Uma única apólice cobre todos os custos até o fim do processo, em todas as áreas possíveis (cível, administrativa, ética e criminal).

Ora, somente em relação aos honorários advocatícios, notamos que, caso o médico já não possua uma assessoria jurídica à disposição, o prejuízo é certo na maioria dos casos. As apólices, em regra, se comprometem a arcar com honorários em valores sugeridos da tabela da OAB para ações cíveis comuns, o que dificilmente se aproxima de 10% do valor cobrado por um especialista em Direito Médico. Ou seja, o médico tem que escolher entre arcar com os honorários de um bom profissional, ou arriscar-se com alguém de outra área. Parte das apólices ainda limita essa escolha por parte do segurado, determinando que a escolha deve ser “em comum acordo”.

Por fim, conforme ressaltado acima, a maioria dos seguros somente dá essa “ajuda” aos segurados na área cível, ou seja, nos processos que visam a indenização financeira. O médico é abandonado à própria sorte nas eventuais ações éticas, administrativas e criminais que venham a acontecer, chegando a gastar em alguns casos, somente com honorários advocatícios nas demais ações, valor maior do que recebe de indenização da seguradora na ação cível.

COBERTURAS ADICIONAIS (CUSTAS PERICIAIS, TUTELAS DE URGÊNCIA)

Em regra, as apólices de seguro de responsabilidade civil profissional conferem cobertura à indenização financeira determinada ao final do processo. Mas isto não significa que o médico terá todo o apoio necessário no curso do processo. Um dos exemplos é o caso das tutelas de urgência, que se deferidas pelo juiz no curso do processo fazem com que o médico pague algo ou arque com despesas mensais até o final do processo (home care, etc). Ou seja, ainda que tenha uma verba para indenização ao final do processo, o médico pode já ter desembolsado valor maior do que este, mensalmente, no curso do processo. Das 6 analisadas, somente 1 prevê o pagamento de tutela de urgência.

Há ainda o caso das custas periciais, em que das 6 analisadas, 3 arcam com os valores e as outras 3 apontam excludentes diversas na apólice de seguros (paga valor ínfimo, paga a título de reembolso ou é omissa), o médico desembolsa altos valores a título de honorários periciais, e ainda, com a contratação de seu assistente pericial.

DANOS NÃO COBERTOS / SUB-LIMTES DE COBERTURA

Mais um grande problema detectável na esmagadora maioria das apólices de seguros é em relação aos danos não cobertos. Em regra, o médico contrata uma apólice e acredita que possui aquele valor disponível para pagamento de qualquer indenização. Mas essa não é a verdade.

Das apólices analisadas, 4 outorgam cobertura somente contra danos corporais, danos materiais e danos morais. Ou seja, nestes casos não há qualquer previsão de cobertura para o caso de condenações em danos estéticos e danos existenciais. Caso o juiz condene o profissional nominando a condenação em alguma destas categorias, o médico simplesmente está sem qualquer cobertura. Dentre as outras 2 apólices, uma contempla além dos danos já citados os danos estéticos, e a outra (mais completa) prevê além daqueles e dos danos estéticos, os danos existenciais.

Há ainda os casos de apólices que preveem sublimites de cobertura. Neste caso, uma apólice no valor de, por exemplo, 100 mil reais, pode prever 50 mil para danos corporais, 30 mil para danos materiais e 20 mil para danos morais. Assim, havendo uma condenação de 100 mil de danos corporais, o segurado teria que arcar com metade do valor, ainda que apólice nomine o valor de 100 mil reais.

EXCLUSÃO DE COBERTURAS ESSENCIAIS (CULPA GRAVE / ATO DO BOM SAMARITANO)

Como se não bastassem todos os pontos até então abordados, notamos que na maioria dos casos as seguradoras incluem excludentes que limitam a atuação do profissional. Das 6 apólices analisadas, somente 2 cobrem o “ato do bom samaritano”. Ou seja, a seguradora impede que o médico atue quando necessário diante de um pedido de socorro, sob pena de declínio de sua cobertura.

Existe ainda em 4 das 6 apólices analisadas a excludente nos casos onde há culpa grave do médico. Ou seja, a seguradora avalia, a seu próprio critério, quando a culpa do segurado é grave, e com este argumento declina da cobertura securitária. Trata-se de uma excludente esdrúxula, considerando que o seguro é contratado exatamente para esta finalidade.

COMO SE PROTEGER?

Por estes motivos, é indispensável que o médico tenha atenção antes de contratar uma apólice de seguros. Sendo certo que a maioria esmagadora das apólices disponíveis no mercado são um verdadeiro engodo, cabe ao profissional antes de contratar, ler as condições gerais do seguro acompanhado de um bom advogado e fugir das modalidades que possuem os problemas acima descritos.

Obviamente, a melhor forma de se proteger contra tais problemas é ter um profissional qualificado para lhe auxiliar e orientar na gestão jurídica do seu risco profissional, atuando preventivamente para evitar a incidência de processos judiciais. Mas uma boa apólice de seguros é sempre uma boa saída para complementar as medidas preventivas e conferir total segurança ao profissional da área da saúde.

Quer saber como se proteger efetivamente contra processos judiciais, ou ter uma orientação adequada acerca das condições gerais do seu seguro? Entre em contato com a Assis Videira e agende uma reunião.

PINHEIRO, Renato de Assis. Seguro de responsabilidade civil: o que o médico deve saber antes de contratar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5065, 14 maio 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/57499>. Acesso em: 15 maio 2017.

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