terça-feira, 6 de junho de 2017

Danilo Gentili versus Maria do Rosário: qual o limite do humor?

Publicado por Hyago de Souza Otto

Vídeo postado na rede social Facebook pelo humorista Danilo Gentili causou polêmica e repercutiu nos últimos dias. Nele, o apresentador abre correspondência enviada pela Deputada Federal Maria do Rosário e rasga uma notificação.

Em seguida, o humorista esfrega os papéis em seus órgãos genitais, retira e coloca no mesmo envelope, endereçando-o de volta à parlamentar.

Após, o humorista explica a atitude, sob o argumento de que não cabe ao parlamentar dizer o que um humorista pode ou não dizer, pois o salário da Deputada é pago pelo contribuinte, não o contrário.

Não demorou para o vídeo ser compartilhado centenas de milhares de vezes, em diversas páginas, e a opinião pública passar a divergir sobre a atitude. Alguns, saudando o humorista pelo ato de desobediência civil; outros, criticando o ato.

O TJRS, por sua vez, proferiu decisão determinando a retirada do vídeo do ar. Mas, afinal, qual o limite do humor?

Sob o aspecto constitucional, o artigo 5º dispõe, em seu inciso IX, a liberdade de expressão: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

O exercício da profissão de humorista, como qualquer outro trabalho, é, também, evidentemente assegurada no aspecto constitucional: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

O artigo 220 da Constituição Federal assevera, em seu § 2º: "É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".

A liberdade de expressão é, portanto, a princípio constitucional.

Evidentemente, nenhum direito constitucional é absoluto, pois colisões entre dois ou mais princípios da mesma natureza são inevitáveis, caso em que se deve utilizar a técnica da ponderação para averiguar o âmbito de abrangência dos princípios em choque.

O art. 187 do Código Civil estabelece o abuso de direito: "Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

Mas também ressalta o art. 188 do mesmo diploma normativo: "Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido".

No âmbito da reparação civil, o art. 927 estabelece: "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

O ponto é distinguir o regular exercício da profissão (in casu, de humorista) e da liberdade de expressão e o abuso, que pode caracterizar ilícito e a consequente reparação.

O ato deve se desviar do legítimo e partir para a simples intenção de ofensa, de denegrir a imagem alheia.

O perigo de utilizar como parâmetro do abuso o sentimento de ofensa é que ele é subjetivo e demasiadamente relativo. Portanto, qualquer um que tivesse ridicularizada alguma característica ou mesmo opinião pessoal levaria a questão para a esfera da ilicitude, inviabilizando a própria atividade.

Ou seja, quando uma piada ou crítica for exercida de forma ampla, via de regra, não haverá ato ilícito. Diz-se via de regra porque sempre é possível violar um direito se extrapolado seus limites imanentes.

A violação, no entanto, deve ficar clara, transcender qualquer questão ideológica ou opinião do homem médio. O simples mau gosto de uma piada ou mesmo a falta de educação não podem ser confundidos com ato ilícito.

Cabe aos receptores de uma mensagem desagradável a opção de continuar a acompanhar os "serviços" de determinado profissional ou não.

Quando a questão volta-se a autoridades públicas, a controvérsia é muito pior, pois as críticas ou piadas voltam-se a agentes específicos. Esses indivíduos, todavia, submetem-se a inevitável exposição e consequentemente a críticas, piadas, opiniões em geral.

Tanto é que a utilização da imagem desses indivíduos é relativizada do âmbito de proteção civil, por uma autoexposição inerente à função.

É preciso, contudo, que o agente não extrapole as críticas, partindo para o pessoal do exercente da função, exceto se houver uma convergência entre as características e uma questão profissional.

Em uma República, todos são iguais. O Estado Democrático de Direito limita a atuação de todos, inclusive do Estado, às disposições normativas.

A amplitude principiológica, não obstante, dificulta estabelecer padrões objetivos de conduta. E a utilização de regras restritas para regular o que é ou o que não é ilícito torna inviável a vida em sociedade: a lei não tem como regular todas as situações possíveis e a violação sempre dependerá do caso concreto.

Sobre o vídeo em questão, em momento algum o humorista ataca a Deputada como pessoa, mas sim o ato em si (a notificação), ridicularizando-o; não se verifica qualquer abuso por parte do profissional que de forma recorrente recebe voto de censura de parlamentares que não se conformam com as críticas recebidas, como no episódio com o Senador Paulo Paim.

A mensagem passada pelo humorista é clara: ele não aceita receber represálias por suas opiniões e piadas de quem deveria servir o povo. Pode-se discordar da forma como exposta a opinião, ou mesmo de seu mérito, nem por isso, o ato é ilícito.

Não se pode utilizar o Estado Democrático de Direito para cercear as opiniões contrárias, sob pena de esse formato ser utilizado para por um fim ao seu próprio regime democrático.

É inegável que o direito à liberdade de expressão não serve de escudo para ofender terceiros, mas o caso em questão não indica tal espécie de violação.

Muito embora a censura terminantemente vedada pelo ordenamento jurídico seja prévio, a fim de calar ou regular uma opinião, a repressão posterior também pode ser arma para calar indivíduos, que passam a temer represálias. E o que seria isso se não uma forma de censura?

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