quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A "cura gay" e o porquê da decisão proferida pela Justiça Federal

Publicado por Hyago de Souza Otto

Antes de comentar qualquer assunto, é importante compreendê-lo. Trata-se de uma premissa básica para discussão de qualquer pauta, mais ou menos complexa, mas que, nas redes sociais, raramente é seguida: a grande parte das pessoas toma como verdade absoluta uma mera chamada de notícia ou uma manchete.

Com a dita "cura gay" não é diferente.

O nome em questão, inclusive, soa bastante sugestivo. Há quem pense que há indivíduos tentando curar homossexuais de forma compulsória ou que isso considera a homossexualidade uma doença. Mas não.

De início, o imbróglio foi criado em virtude da Resolução n. 01/99 do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe profissionais da área de tratarem pessoas que busquem auxílio para reverter a sexualidade.

O art. 3º da referida resolução assevera que:
Art. 3º - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.

A redação do dispositivo é, no mínimo, ambígua, sobretudo quando utiliza o termo genérico de "qualquer ação", cuja interpretação pode acabar restringindo de forma ampla a atividade profissional.

Inicialmente, o nome "cura gay" foi dado, de forma pejorativa, a um projeto proposto pelo então deputado Ezequiel Teixeira (PTN-RJ).



Em 2013, uma proposta de Decreto Legislativo, apresentada pelo então deputado João Campos (PSDB-GO) para suspender dois trechos da Resolução n. 01/99 do Conselho Federal de Psicologia, chegou a ser aprovada na comissão de direitos humanos da Câmara dos Deputados, então presidida pelo Deputado Marco Feliciano. O Decreto Legislativo, contudo, foi arquivado.

Nos autos da Ação Popular de n. 1011189-79.2017.4.01.3400, proposta por psicólogos contra o Conselho Federal de Psicologia, os autores contestam a constitucionalidade da Resolução n. 01/99 do C.F.P., porquanto há restrição à realização de estudos científicos sobre o tema e ao auxílio àqueles que o buscam.

Assim, o Juiz Federal Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu parcialmente uma liminar pretendida para conferir interpretação conforme a constituição à referida resolução do C.F.P, a fim de impedir qualquer interpretação que possa:
proibir o aprofundamento dos estudos científicos relacionados à (re) orientação sexual, afetando, assim, a liberdade científica do país e, por consequência, seu patrimônio cultural, na medida em que impede e inviabiliza a investigação de aspecto importantíssimo da psicologia, qual seja, a sexualidade humana.

A princípio, a decisão é irretocável, não se revestindo de qualquer afronta aos direitos dos homossexuais e, de outro lado, respeitando a liberdade científica e a autonomia privada.

Ora, se os ditos avanços alcançados pelos movimentos sociais são alicerçados, justamente, em estudos científicos, não é coerente impedir que eles continuem a ser realizados livremente pelos profissionais da área, a menos que haja algum porém.

A pesquisa científica não pode ser restringida por arbitrariedades impostas por uma simples resolução de um conselho profissional, cujo caráter é estritamente regulamentar.

Em que pese não mais seja considerada uma doença, até mesmo por uma questão terminológica, mesmo a ciência, até hoje, não chegou a uma conclusão do fator que desencadearia, de fato, a homossexualidade: questão hormonal ou simplesmente intelectual.

Portanto, sabe-se o que não é (doença), mas não se tem plena certeza do que é, algo que exige aprofundamento científico.

Se um indivíduo contrata um profissional para receber auxílio e compreender sua situação e/ou mesmo revertê-la (afinal, há diversos casos em que isso ocorreu), não há porque impedir que o cliente e o profissional o façam, é uma opção pessoal. Não se trata de uma cura, mas de um auxílio profissional para os fins pretendidos pelo indivíduo.

Assim como a opção sexual do homossexual, essa liberdade de contratação deve superar qualquer manobra retórica utilizada para cerceá-la, a menos que se trate de charlatanismo, o que só poderia ser afirmado, com convicção, se comprovada a causa da homossexualidade, o que exige, repita-se, mais estudos científicos.

O inciso IV do art. 5º da Constituição Federal assegura ser livre a manifestação do pensamento, apenas vedado o anonimato. O mesmo dispositivo ressalta que:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Conforme assevera o art. 170, a ordem econômica do país funda-se na livre iniciativa, sendo livre o exercício da atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Veja-se, portanto, que a decisão judicial proferida resguarda a liberdade, sobretudo, científica, permitindo aos psicólogos pesquisar sobre a questão sem que haja uma punição do Conselho Federal de Psicologia.

A liberdade de ser ou não ser deve ser respeitada e continuará sendo, sem sofrer qualquer diminuição pela decisão proferida.

O que não pode haver é discriminação com a sexualidade alheia, em respeito ao objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (inciso IV do art. 3º da Constituição Federal).

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