domingo, 19 de março de 2017

A ausência de norma que regulamenta o uso de adjuvantes agrícolas no Brasil, em afronta ao princípio da precaução ambiental


O presente trabalho visa destacar uma possível ameaça ao meio ambiente, causada pelo uso indiscriminado de adjuvantes agrícolas no Brasil, uma vez que se trata de uma prática que é desprovida de regulamentação e normas. O uso de adjuvantes no Brasil afronta diretamente o princípio da precaução ambiental, visto que há falta de conhecimento científico sobre essas substâncias, no que diz respeito aos potencias e imensuráveis danos ao meio ambiente.

Nesta perspectiva, a questão que orienta esse trabalho é a seguinte: diante da ausência de norma regulamentadora que discipline o controle e o uso de adjuvantes agrícolas, quais devem ser as atitudes necessárias para suprir essa carência e mitigar possíveis danos ao meio ambiente?

O Brasil é um dos líderes mundiais no uso de agrotóxicos. Conforme Spadotto e Gomes (2016), o consumo anual de agrotóxicos no Brasil é superior a 300 mil toneladas, e nos últimos quarenta anos, esse aumento foi de 700%, enquanto a área agrícola aumentou apenas 78% nesse período. Em decorrência desse aumento do uso de agrotóxicos, aliado ao avanço das tecnologias agrícolas, substâncias que influenciam a performance dos produtos agrotóxicos também tiveram seu uso aumentado, como é o caso dos referidos adjuvantes agrícolas.

O instrumento legal que norteia a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins no Brasil é a Lei n° 7.802/89, conhecida como lei de agrotóxicos. A regulamentação dessa lei é dada pelo Decreto n° 4.074/02, que define os adjuvantes como sendo produto utilizado em mistura com produtos formulados para melhorar a sua aplicação. A definição dada pelo antigo Decreto regulamentador, Decreto n° 98,916/90, que foi revogado pelo Decreto 4.074/02, definia adjuvantes como sendo substância usada para imprimir as características desejadas às formulações.

Conforme Vargas e Roman (2006), os adjuvantes são substâncias químicas utilizadas junto a produtos agrotóxicos, que não possuem propriedades fitossanitárias, com função modificar a ação dos agrotóxicos e as características físicas da mistura, através da alteração das propriedades da solução, a fim de proporcionar uma melhoria da aplicação, um aumento da eficiência agronômica do produto e minimização de possíveis problemas.

Quanto ao seu modo de utilização, os adjuvantes podem ser incluídos no processo produtivo da formulação dos agrotóxicos, ou podem ser vendidos separadamente, com a finalidade de serem adicionados posteriormente à calda de aplicação dos agrotóxicos em campo.

Em relação ao primeiro caso, há uma interpretação que os adjuvantes são considerados “componentes”, conforme o Lei n° 7.802/89, uma vez que são usados na fabricação de agrotóxicos e afins, e são consequentemente analisados durante a fase de avaliação ambiental do próprio agrotóxico em pleito de registro.

Contudo, para os adjuvantes que possuem indicação de uso junto à calda de aplicação dos agrotóxicos em campo, não há regulamentação específica para o registro e nem para o controle e para o uso dessas substâncias. Como consequência, produtos sem registro, e consequentemente desprovidos de controle ou monitoramento de seu uso, são lançados indiscriminadamente no meio ambiente, sem que se tenha conhecimento acerca dos possíveis riscos e perigos que essas substâncias podem causar ao meio ambiente e as futuras gerações.

O fato exposto afronta diretamente o princípio da precaução ambiental, que prescreve que, diante de situações de incertezas quanto aos riscos de danos ambientais, as normas de direito ambiental devem sempre visar preservação e proteção do meio ambiente como patrimônio público. Nesse caso, diante da ausência de norma ambiental norteada por esse princípio, o uso atual dos adjuvantes agrícolas afronta a segurança ambiental, por não se saber quais riscos a danos o meio ambiente está exposto, e necessitam, urgentemente de esforços que viabilizem sua regulamentação.

O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO AMBIENTAL

De forma primária, faz-se necessário observar a etimologia da palavra precaução, que dá base a esse princípio fundamental. Conforme cita Milare (1998), “Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha a resultar em efeitos indesejáveis.”

Atrelando esse conceito ao contexto ambiental, sabe-se que o meio ambiente é um bem difuso, ou seja, não é de propriedade nem pública nem privada, mas é pertencente a todos. Portanto, sua tutela compete tanto ao Poder Público quanto à coletividade. Tal direito é expressamente previsto no art. 225 da Constituição Federal, que diz que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Assim nasce o princípio da precaução ambiental, sustentado no dever de cautela antecipada que se deve ter ante a uma ação que possa causar danos ao meio ambiente, que por sua vez é um bem de interesse coletivo, inclusive das futuras gerações.

O princípio da precaução está inserido em um contexto em que há incerteza quanto à evidência científica a respeito da existência do possível dano, ou até mesmo a falta dela, sendo que a incerteza não exonera de responsabilidade, mas reforça a criação de um dever de prudência (Hammerschmidt, 2002).

Portanto, em relação ao uso de substâncias químicas no meio ambiente, como por exemplo os adjuvantes agronômicos que estão sendo tratados nesse trabalho, segundo Augusto e Freitas (1998), a aplicação desse princípio envolve não só o reconhecimento e a exposição das inerentes incertezas no que diz respeito aos eventuais efeitos dessas substâncias químicas ao meio ambiente, mas também a admissão de nossa ignorância em relação ao problema e o possível nível de gravidade de seus efeitos. Nesta perspectiva, com a falta de regulamentação e as limitações do conhecimento científico disponível acerca desses produtos químicos, no que concerne aos possíveis riscos ambientais, a preocupação ambiental quanto ao seu uso se torna mais séria, uma vez que até o momento, esses produtos não possuem o risco e nem o conhecimento analítico existente calculado.

Assim, ao reconhecer e adotar o princípio da precaução nesse caso, por meio concreto de regulamentação específica que discipline a matéria, o consequente resultado seria a mudança de responsabilidade das provas científicas para o gerador de riscos, passando-se a exigir que este desenvolva estudos completos antes do emprego de uma substância, competindo ao setor regulamentador avaliar esses estudos e aferir o risco, a fim de mitigar impactos ambientais relativos ao uso desses adjuvantes.

Portanto, esse fundamental princípio norteador do direto ambiental vem sido afrontado, uma vez que, diante da dúvida e incerteza acerca dos riscos ambientais que os adjuvantes podem acarretar ao meio ambiente, seu uso não devia ser permitido, uma vez que, visando a proteção ao meio ambiente contra esses possíveis riscos, não há legislação que discipline seu uso. Ao contrário, seu uso tem sido realizado de forma indiscriminada e sem parâmetros, o que significa que o meio ambiente pode estar sendo altamente afetado, ao ponto de até mesmo comprometer sua integridade às futuras gerações.

PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL DOS ADJUVANTES AGRÍCOLAS

A recomendação agronômica referente ao uso de adjuvantes agrícolas junto aos agrotóxicos têm como objetivo buscar a melhoria do desempenho do agrotóxico. Essa melhoria ocorre, uma vez que essas substâncias possuem diversas propriedades umectantes, aderentes, detergentes, emulsificantes, dispersantes, dentre outras, que auxiliam ou modificam a ação dos agrotóxicos. Muitas vezes seu uso é relacionado à melhoria de aplicação nas operações de pulverização, visando proporcionar maior eficiência e performance dos agrotóxicos, evitando desperdícios e reduzindo a deriva (Oliveira, 2011).

Contudo, seu uso indiscriminado no meio ambiente pode causar inúmeros efeitos adversos, uma vez que essas substâncias podem possuir uma toxicidade intrínseca, bem como alterar os efeitos ambientais dos agrotóxicos.

Dentre esses efeitos adversos ao meio ambiente, os adjuvantes promovem a retenção, adesão, penetração da calda de aplicação; podem elevar os resíduos de fungicidas e influenciar na taxa de degradação; aumentam a circulação sistêmica dos agrotóxicos nas plantas e animais; (Ryckaert et al., 2007); bem como podem aumentar o nível de resíduos de agrotóxicos no solo e em plantas (Kucharski et al., 2012); e ser mais tóxicos para os organismos não alvos do que os próprios ingredientes ativos (Chen e Mullin, 2014).

Como exemplo desse último efeito adverso ao meio ambiente, são encontrados relatos na literatura de que produtos formulados a base de glifosato são mais tóxicos a organismos aquáticos do que o próprio ingrediente ativo isolado. Tal fato ocorre devido ao uso adjuvantes do tipo surfactante na formulação (Coalova et al., 2014).

Outro exemplo de adjuvantes que afetam o meio ambiente são os adjuvantes organosiliconados, que mesmo em baixas concentrações podem impactar polinizadores como as abelhas, interferindo em seu aprendizado olfatório e o forrageamento das abelhas (Mullin et al., 2015).

Desse modo, conforme é demonstrado pelas evidências retiradas dos artigos científicos acima relatados, existem diversos casos na literatura que comprovam que os adjuvantes agrícolas impactam negativamente diversos compartimentos ambientais. Assim, faz-se extremamente necessário que a regulamentação do uso dessas substâncias seja dada, a fim de que os adjuvantes que estão sendo utilizados no Brasil sejam avaliados, sob o ponto de vista de seus efeitos adversos ao meio ambiente, com intuito de preservar e conservar o meio ambiente, evitando possíveis danos e perdas ambientais que podem ser até mesmo irreversíveis.

LAPSO DA LEGISLAÇÃO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL RELATIVA À ADJUVANTES

Conforme citado previamente, A lei de agrotóxicos, Lei n° 7.802/89, é dispositivo legal que regulamenta a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins. Essa lei define o termo “agrotóxicos, seus componentes e afins”, em seu art. 2°, inciso I, alínea “a”, como sendo: os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens e na proteção de florestas, nativas ou implementadas e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos.

O primeiro Decreto regulamentador dessa Lei foi Decreto n° 98.816/90, que definiu, separadamente, em seu art. 2°, incisos XX, XXI e XXII, agrotóxicos, componentes e afins, respectivamente. A definição de “afins” nesse decreto diz que são os produtos e os agentes de processos físicos e biológicos que tenham a mesma finalidade dos agrotóxicos, bem como outros produtos químicos, físicos e biológicos utilizados na defesa fitossanitária, domissanitária e ambiental, não enquadrados no inciso XX.

Com base nessa definição de “afins”, os adjuvantes, definidos nesse decreto como substância usada para imprimir as características desejadas às formulações, poderiam ser tratados como “afins”, e portanto, estavam amparados por esse decreto e consequentemente pela lei de agrotóxicos.

Contudo, com a edição do novo decreto regulamentador, o Decreto n° 4.074/02, “agrotóxicos, seus componentes e afins” foi definido, em seu art. 1°, inciso IV, como um termo unificado, e não separado conforme o decreto anterior, sendo: “ Produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento”.

Do mesmo modo, nesse novo decreto, os adjuvantes também tiveram a definição alterada para produto utilizado em mistura com produtos formulados para melhorar a sua aplicação.

Entretanto, essa nova definição não permite mais que os adjuvantes sejam considerados agrotóxicos. Tal fato, também impede, consequentemente, que sua avaliação ambiental seja realizada, uma vez que essa avaliação ambiental, de competência do Ministério do Meio Ambiente, e executada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, prevista no art. 7°, inciso II desse mesmo Decreto dispõe que cabe ao Ministério do Meio Ambiente: realizar a avaliação ambiental, dos agrotóxicos, seus componentes e afins, estabelecendo suas classificações quanto ao potencial de periculosidade ambiental. Assim, diante dessa nova redação, os adjuvantes ficaram sem o amparo legal para poderem ser avaliados sob o ponto de vista ambiental.

Até o momento, apenas o anexo IV da Portaria Ibama n° 89/96 prevê quais são os testes e informações necessárias para realização da avaliação ecotoxicológica de produtos atípicos, que por sua vez engloba apenas adjuvantes do tipo espalhantes adesivos e os óleos mineral e vegetal, mas que não cobrem todos os tipos de adjuvantes.

Como resultado, a grande maioria dos adjuvantes agrícolas têm sido utilizados sem o devido registro, bem como sem a devida avaliação ambiental, não permitindo aos órgãos regulamentadores tenham o controle de seu uso no Brasil, nem que sejam analisados e estimados os riscos que essas substâncias possam causar ao meio ambiente.

Tal fato afronta diretamente o princípio da precaução ambiental, uma vez que, diante de todas essas incertezas científicas acerca dos possíveis danos ambientais que esses adjuvantes possam causar, a medida correta a ser realizada seria o impedimento do uso desses produtos, ou seja, aplicação do in dubio pro ambiente.

Contudo, no Brasil, o contrário tem sido realizado: os órgãos participantes do registro de agrotóxicos (Ministério da Agricultura e Pecuária – MAPA, IBAMA e Agência Nacional de Vigiância Sanitária – ANVISA) estão inertes a esse fato, não havendo nenhuma medida de impedimento acerca de seu uso, bem como, até o momento, não há nenhuma medida que vise regulamentar essa situação.

PERSPECTIVA PARA A REGULAMENTAÇÃO DOS ADJUVANTES AGRÍCOLAS NO BRASIL

Devido à preocupação e relevância com substâncias químicas como os adjuvantes agrícolas, em diversos países, seu registro é algo regulamentado e bem definido. Como exemplo, no Canadá, o registro de adjuvantes se faz necessário em casos que o produto tenha como propósito a melhoria da eficácia e/ou o desempenho biológico do agrotóxico, apresentando efeitos que são capazes de modificar características físicas ou químicas do produto formulado agrotóxico (PMRA, 2016).

Com uma legislação mais restritiva, a Austrália registra todos os tipos de adjuvantes, que são separados em duas categorias: as que aumentam a eficácia do agrotóxico e as que facilitam a aplicação. Contudo, ambas as categorias são enquadradas como agrotóxicos e necessitam de registro, uma vez que são substâncias ou misturas de substâncias que modificam o efeito de agrotóxicos de forma direta (APVMA, 2016).

Desse modo, diante desse cenário global, faz-se necessário que no Brasil também haja a regulamentação do uso desses produtos adjuvantes, de modo a cumprir com os propósitos de proteção ambiental e sustentabilidade, amplamente exigidos e requisitados no contexto global atual, bem como cumprir, consequentemente, com o princípio da precaução ambiental, que tem sido erroneamente ignorado nesse atual contexto.

Desse modo, para que isso ocorra no âmbito nacional, deve ser realizada uma interpretação divergente da que é dada em relação a legislação pertinente. Assim, como os adjuvantes são produtos utilizados exclusivamente com agrotóxicos, e podem modificar diretamente as propriedades físico-químicas e/ou melhorar a eficiência dos agrotóxicos, acarretando em uma possível alteração biológica da fauna e/ou da flora, estes produtos deveriam ser enquadrados na definição de “agrotóxicos, seus componentes e afins”.

Isso porque a própria definição de “agrotóxicos, seus componentes e afins” dada pelo Decreto n° 4.074/02, que já foi previamente abordada esse trabalho, destaca que esse termo se trada de produtos de cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, e conforme todo o exposto, os adjuvantes não são componentes inertes, ao contrário, são de fato substâncias modificadoras das propriedades físico-químicas dos agrotóxicos e que possuem a capacidade de alterar componentes biológicos do meio ambiente, podendo causar impactos ambientais.

Posteriormente, após essa mudança de interpretação, faz-se extremamente necessária a elaboração de um instrumento legal que regulamente como será dada a avaliação ambiental dos adjuvantes agrícolas, definindo quais dados técnico-científicos serão solicitados aos requerentes de registro, como estudos, testes, protocolos a serem seguidos, etc.

CONCLUSÃO

Conforme o exposto, a regulamentação dos adjuvantes agrícolas é de extrema importância, devido ao seu grande potencial de gerar efeitos adversos ao meio ambiente, principalmente devido ao uso indiscriminado. A atual maneira que esses produtos são utilizados afronta diretamente o princípio ambiental da precaução, uma vez que, por ausência de conhecimento científico acerca de seus efeitos, essas substâncias não deveriam sequer ser utilizadas.

Além disso, tal regulamentação é de grande interesse a diversos setores da sociedade, uma vez que implica em maior proteção e cuidado para com o meio ambiente, que é um bem comum de interesses de todos, por trazer saúde e bem-estar. Assim, como o estado possui a tutela do meio ambiente, essa regulamentação tem que partir dos órgãos ambientais competentes pela matéria.

Além desses benefícios, ao garantir a regulamentação dos adjuvantes, o estado poderá participar mais ativamente e de forma coercitiva de procedimentos de controle, fiscalização e monitoramento do uso dessas substâncias, garantindo um processo transparante para tanto para as empresas requerentes de registro, quanto para o controle do estado.

REFERÊNCIAS

APVMA-Australian Pesticides and Veterinary Medicines Authority. 2016 Guidelines for the Registration of Agricultural Adjuvant Products. Disponível em: <http://archive.apvma.gov.au/transition/guidelines/docs/adjuvant_guideline.pdf>. Acesso em 15 de dez. de 2016.

AUGUSTO, L.G.S. & FREITAS, C.M. O Princípio da Precaução no uso de indicadores de riscos químicos ambientais em saúde do trabalhador. Ciência & Saúde Coletiva, 3(2):85-95, 1998.

CHEN, J. & MULLIN, C. A. Determination of nonylphenol ethoxylate and octylphenol ethoxylate surfactants in beehive samples by high performance liquid chromatography coupled to mass spectrometry. Food Chemistry, v.158, p. 473–479, 2014.

COALOVA, I; RIOS DE MOLINA MDEL, C.; CHAUFAN, G. Influence of the spray adjuvant on the toxicity effects of a glyphosate formulation. Toxicology in Vitro, v. 28, p. 1306–1311, 2014.

HAMMERSCHMIDT, D. O Risco na Sociedade Contemporânea e o Princípio da Precaução no Direito Ambiental. Revista Seqüência, n. 45, p. 97-122, 2002.

KUCHARSKI, M; SADOWSKI, J.; WUJEK, B.; TRAJDOS, J. Influence of adjuvants addition on lenacil residues in plant and soil. Polish Journal of Agronomy, v. 5, p. 39–42. 2011.

MILARÉ, E. Princípios fundamentais do direito do ambiente. Revista Justitia, vols. 181/184, 1998.

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OLIVEIRA, R.B. Caracterização Funcional de Adjuvantes em Soluções Aquosas. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agronômicas, Botucatu, 2011.

PMRA-Pest Management Regulatory Agency Health Canada. 2016. Disponível em: <http://www.hc-sc.gc.ca/cps-spc/alt_formats/pacrb-dgapcr/pdf/pubs/pest/pol-guide/dir/dir9315-eng.pdf> . Acesso em 10 de dez. de 2016.

RYCKAERT, B.; SPANOGHE, P.; HAESAERT, G.; HEREMANS, B.; ISEBAERT, S.; STEUBART, W. Quantitative determination of the influence of adjuvants on foliar fungicide residues. Crop Protection., v. 26, p.1589–1594, 2007.

SPADOTTO, C. A.; GOMES, M. A. F. G. Agrotóxicos no Brasil. Disponível em: <http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/agricultura_e_meio_ambiente/arvore/CONTAG01_40_210200792814.html>. Acesso em 10 de dez. de 2016.

TU, M.; CALLIE, H; RANDALL, J. Weed Control Methods Handbook: Tools & Techniques for Use in Natural Areas. Utah Regional Depository Paper, 533, 2001.

VARGAS, L.; ROMAN, E. S. Conceitos e aplicações dos adjuvantes. Passo Fundo: Embrapa Trigo. 10 p. (Embrapa Trigo. Documentos Online, 56). Disponível em: <http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/do/p_do56.htm"http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/do/p_do56.htm>. Acesso em 10 de dez. de 2016.

ARAGÃO, Clara Wandenkolck Silva. Uso de adjuvantes agrícolas no Brasil: afronta ao princípio da precaução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4986, 24 fev. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/55894>. Acesso em: 19 mar. 2017.

Direito ao desenvolvimento existe, desde que sustentável ambientalmente

A preocupação com o desenvolvimento sustentável vem de longe. A deterioração ambiental foi o principal foco do chamado Clube de Roma, na década de 1970. O grupo, liderado por Dennis Meadows, elaborou um documento de impacto na comunidade internacional chamado Os Limites do Crescimento. Em síntese, a conclusão do documento é que a taxa de crescimento demográfico, os padrões de consumo e a atividade industrial eram incompatíveis com os recursos naturais. A solução para esse impasse seria a estabilização econômica, populacional e ecológica. O texto gerou grande polêmica e foi atacado pelos setores defensores do desenvolvimento econômico tradicional. Todavia, foi defendido por ambientalistas no sentido da busca de um desenvolvimento sustentável e compatível com a proteção do meio ambiente[1].
Os sociólogos Dunlap e Liere, por sua vez, realizaram importante estudo em que fizeram constar uma visão global emergente, à qual eles chamaram de novo paradigma ambiental (New Environmental Paradigm – NEP). Os elementos mais importantes desse novo paradigma ambiental foram o reconhecimento dos limites do crescimento, a preservação do equilíbrio da natureza e a rejeição da noção antropocêntrica de que a natureza existe apenas para o uso humano[2]. A esses elementos, acrescentaram em posterior estudo mais dois: a rejeição do excepcionalismo (no sentido de que os homens não são sujeitos a restrições naturais) e o potencial para mudanças ambientais catastróficas ou ecocrises[3].
O conceito de direito ao desenvolvimento sustentável restou moldado conjuntamente, entretanto, pela Declaração de Estocolmo (1972), pela Estratégia Mundial de Conservação (1980), pela Carta Mundial da Natureza (1982) e, finalmente, pelo Relatório Brundtland[4] (1987), em torno do conceito de sustentabilidade[5].
A Comissão Brundtland divulgou relatório denominado Nosso Futuro Comum[6] e conceituou a base do desenvolvimento sustentável como sendo “[...] a capacidade de satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer os estoques ambientais para as futuras gerações”[7]. Daí se extraem dois elementos éticos que são essenciais para a ideia de desenvolvimento sustentável: preocupação para com as necessidades das gerações atuais (justiça ou equidade intrageracional) e preocupação para com as necessidades das gerações futuras (justiça ou equidade intergeracional)[8].
Bosselmann defende um terceiro elemento ético a ser agregado aos dois primeiros, que seria a preocupação com o mundo natural não humano, isto é, justiça ou igualdade entre as espécies[9]. Observa-se, aí, uma perspectiva para além do antropocentrismo e semelhante ao ecocentrismo[10]. Tal visão aproxima a justiça ecológica do mundo não humano. A Nova Zelândia, por exemplo, apresenta uma das legislações ambientais mais avançadas do mundo em matéria de desenvolvimento sustentável, com uma abordagem ecocêntrica, fornecendo definições holísticas de meio ambiente[11].
Novos códigos ambientais gerais informados e vinculados ao desenvolvimento sustentável podem ser observados na Holanda, na Escandinávia, na Alemanha e na Austrália. Novas molduras para a sustentabilidade foram criadas por países europeus na forma de Planos Verdes (Holanda, Suécia e França) e como Estratégias Nacionais (Reino Unido, Alemanha, entre outros). Estratégias similares foram adotadas no Canadá, nos Estados Unidos e na Austrália[12].
No Brasil, existem referências ao desenvolvimento no Preâmbulo e nos artigos 3º, 170 e 225 da Constituição Federal de 1988[13]. Direito ao desenvolvimento, em sentido estrito, segundo parte da doutrina, com a qual se discorda pela ausência do elemento sustentabilidade, seria um direito fundamental que integraria o ordenamento jurídico brasileiro. Encontraria lastro no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição brasileira, segundo o qual os direitos e as garantias ali expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil faça parte[14]. Entretanto, o melhor entendimento é que o desenvolvimento é apenas um princípio constitucional e um direito fundamental se nele estiver entranhado o pilar da sustentabilidade ambiental. Desenvolvimento com base numa matriz energética baseada nos combustíveis fósseis, no desmatamento, na ganância de empreendimentos patrocinados por agentes econômicos poluidores/predadores, com uma visão utilitária do meio ambiente, não pode ser considerado um princípio constitucional e muito menos um direito fundamental.
Desenvolvimento sustentável apenas funciona, como princípio e direito fundamental, à medida que incorpora a ideia de sustentabilidade ecológica. Dentro de uma visão holística, pode-se referir que o conceito de desenvolvimento sustentável é igual ao desenvolvimento ambientalmente responsável e socialmente não excludente[15]. Organizações não governamentais, nesse sentido, têm adotado a Carta da Terra como defesa de uma visão ecocentrista que possa superar o antropocentrismo, fixada pela Rio 92, e colocar um maior enfoque na questão ambiental em consideração aos direitos dos seres vivos e da natureza como um todo.
Na Carta da Terra, encontram-se valores para um futuro sustentável, notadamente em seu princípio 1º, que defende o respeito à terra e à vida em toda a sua diversidade. Tal princípio é o núcleo da justiça ecológica quando reconhece que todos os seres são interdependentes e todas as formas de vida têm valor independentemente dos seres humanos.
Os primeiros princípios, 1º a 4º, tratam do cuidado para com a comunidade da vida. Os princípios 5º a 8º são relacionados à integridade ecológica e descrevem a justiça interespécies, que tem faltado na construção do discurso do desenvolvimento sustentável. Nos princípios 9º a 12º, é abordada a justiça social e econômica. Os princípios 13º a 16º referem-se à democracia, à não violência e à paz. Enfocam, todos eles, a justiça nas perspectivas intrageracional e intergeracional.
Ações estatais devem incutir hábitos comportamentais na sociedade com a veiculação de campanhas públicas de estofo para se poupar água, eletricidade, madeira e evitar o uso indiscriminado de combustíveis fósseis[16]. São relevantes as políticas de prevenção de incêndios nas florestas, de reciclagem de lixo e o abandono do uso de embalagens plásticas no campo ambiental. No plano econômico cabe, por certo, incentivar o estímulo da poupança pública e individual, a contenção de gastos, o consumo sustentável, evitar o desperdício de alimentos, bem como promover a austeridade e a responsabilidade fiscal sem avareza. No plano da saúde, devem as campanhas públicas priorizar a prevenção de doenças e a higienização da população de modo concomitante com o acesso ao atendimento médico e aos medicamentos necessários. No plano político, campanhas de conscientização cívica sobre a importância do voto e o combate à corrupção podem trazer resultados positivos no aspecto da boa governança.
O Estado deve orientar e estimular o comportamento social promotor do desenvolvimento ambiental, econômico, político e humano, de maneira sustentável e harmônica, em benefício das presentes e futuras gerações de homens e seres vivos não humanos que fazem parte da biodiversidade. Nesses termos, é possível fixar um conceito razoável de direito fundamental ao desenvolvimento sustentável nesta era das mudanças climáticas marcada também pela escassez de produção de energia renovável.

[1] SOUZA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011. p. 142. e GIDDENS, Anthony. Sociology. Cambridge: Polity Press, 2006. p. 614.
[2] DUNLAP, Riley; VAN LIERE, Kent. The new environmental paradigm: a proposed measuring instrument and preliminary results. Journal of Environmental Education, Madison, v. 9, n. 4, p. 10-19, 1978.
[3] DUNLAP, Riley et al. Measuring endorsement of the new ecological paradigm: a revised NEP Scale. Journal of Social Issues, Washington, v. 56, n. 3, p. 225-442, 2000.
[4] A Assembleia-Geral das Nações Unidas, por meio da A/RES/38/61, no ano de 1983, constituiu uma comissão para elaborar um relatório sobre questões atinentes ao meio ambiente (Comissão Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente), incluindo o desenvolvimento sem o comprometimento dos recursos naturais. Essa foi a origem do Relatório Brundtland.
[5] BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 40.
[6] Comentando o Relatório Brundtland, Garcia afirma que “o desenvolvimento sustentável se apresenta como a solução capaz de conciliar as dinâmicas econômicas, sociais, ecológicas e como problema, em virtude da complexidade de obter essa conciliação. Dele se diz um princípio normativo sem norma”. GARCIA, Maria da Glória F. P. D. O Lugar do Direito na Proteção do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2007. p. 448.
[7] WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: brundtland report. Oxford; New York: Oxford University Press, 1987. p. 13.
[8] BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 97.
[9] BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 99.
[10] Quando se refere ao ecocentrismo, é impensável olvidar as lições de Thoreau que antecederam em mais de cem anos o Dia da Terra. Em Walden, ele celebra “a doce e benéfica sociedade na natureza” (THOREAU, Henry David. Walden, or life in the woods and on the duty of civil disobedience. New York: New American Library, 1962. p. 92 e 97.). E, no ensaio Walking, ele argumenta, em tom polêmico para a época, a noção de homem “como parte e parcela da natureza ao invés de membro da sociedade” (THOREAU, Henry David. Walking. Red Wing: Cricket House Books, 2010, p. 657-660). Aldo Leopold faz uma reformulação nas intuições ecológicas do pensamento de Thoreau com forte apelo ético. Sua ideia de comunidade biótica incorporou o valor de viver em harmonia com a natureza, contrariamente ao caminho da conquista, do controle e da dominação do meio ambiente. Para Leopold, a conservação é um estado de harmonia entre o homem e a Terra (LEOPOLD, Aldo. A sand county almanac: with essays on conservation form round river. New York: Ballantine Books, 1966. p. 240-243). Para Rachel Carson, discípula de Leopold, “o controle da natureza é uma frase concebida na arrogância, nascida na era da biologia e da filosofia de Neanderthal, quando supostamente a natureza existia para a conveniência do homem”. CARSON, Rachel. Silent spring. Boston: Hougton Mifflin, 1962. p. 189.
[11] Na Nova Zelândia, o Environment Act (1986) e o Conservation Act (1987) abordam de modo ecocêntrico e holístico o meio ambiente, e o Resource Management Act (RMA), mais recentemente, adotou uma abordagem ética de administração sustentável dos recursos naturais. Ver: GRUNDY, Kerry James. Sustainable managment: a sustainable ethic. Sustainable Development, New Jersey, v. 5, n. 3, p. 119-229. Dec. 1997.
[12] BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 107.
[13] O direito ao desenvolvimento vem previsto no próprio preâmbulo da Constituição Federal de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]”. Segundo Anjos Filho: “Em relação ao regime e aos princípios constitucionalmente albergados, é necessário considerar, inicialmente, que o preâmbulo da Constituição consignou que o Estado Democrático criado pela Assembléia Nacional Constituinte teve como uma de suas finalidades assegurar o desenvolvimento como um dos valores supremos da nossa sociedade. Vale lembrar que embora haja discussão doutrinária sobre a existência de força normativa no preâmbulo, não há maior dissenso quanto ao fato de que o mesmo é um importante vetor da hermenêutica da própria Constituição”. ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao Desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 269.
[14] Para Anjos Filho: “Embora o direito ao desenvolvimento não esteja incluído de maneira expressa no Título II da Constituição de 1988, que trata dos direitos e garantias fundamentais, nem tampouco tenha sido explicitamente mencionado em qualquer outro dispositivo constitucional, o regime e os princípios por ela adotados, bem como os tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil é parte, permitem concluir no sentido da sua integração ao direito positivo brasileiro como um direito fundamental”. ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao Desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 268-269.
[15] Bosselmann assevera que “não pode haver prosperidade sem justiça social e não pode haver justiça social sem prosperidade econômica; e ambas devem estar dentro dos limites da sustentabilidade ecológica”. BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 53.
[16] No Brasil, a Lei 9.795/99 disciplina a educação ambiental, em todos os níveis de ensino, nos seguintes termos: “Art. 1º Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. BRASIL. Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9795.htm>. Acesso em 1º.jul.2015.
Gabriel Wedy é juiz federal, doutor e mestre em Direito. Visiting Scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School – EUA e professor coordenador de Direito Ambiental na Escola Superior da Magistratura - Esmafe/RS.
Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2017, 8h00
http://www.conjur.com.br/2017-fev-25/ambiente-juridico-direito-desenvolvimento-existe-sustentavel-ambientalmente

Paternidade afetiva X socioafetiva – em ambas, uma questão de escolha


Estima-se que 28% das crianças do mundo vivem sem seu pai biológico, das quais quase 25 milhões estão na América. Embora mães, avós, tios e outros parentes exerçam o poder familiar em condições de promover bem-estar físico e emocional, o fato é que toda criança merece um amor incondicional, e é na família bem estruturada que este sentimento se realiza em sua formatação mais intensa e sólida, permitindo a consolidação de vínculos e relacionamentos futuros.

É deveras importante que cada membro da unidade familiar cumpra seu papel de modo a permitir o desenvolvimento emocional saudável da criança, havendo alguns prejuízos por ausência ou debilidade da figura dos principais cuidadores (genitores), como veremos a seguir, em relação à imprescindível participação do pai e da construção de vínculo afetivo deste para com a prole.

Com a evolução da sociedade, a família deixou de ser uma unidade econômica para ter uma dimensão afetiva. O grupo familiar mantém-se unido em razão dos vínculos de afeto entre os seus sujeitos, auxiliando, assim, na composição do indivíduo íntima e afetivamente.

A família passa a ser um instrumento de realização pessoal do ser humano, para promoção da felicidade das pessoas nela envolvidas. Não há outro fim para sua existência e especial proteção do Estado, tanto que é reconhecida pela nossa Constituição Federal como a base da sociedade.

Em minha trajetória profissional e de vida sempre acreditei que é na família, ou em decorrência de sua falta, que se originam muitos dos problemas sociais, como a marginalidade, a corrupção, a violência e tantos outros comportamentos inaceitáveis em termos de coletividade. É em casa, e é desde cedo, que se constrói uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária. Para alcançar esse objetivo da República Federativa do Brasil precisamos atingir o âmago das problemáticas nacionais, e ouso concluir que a transmissão de valores e princípios basilares é pautada na existência de afeto familiar. Afinal, nada ensina ou prepara com tanto poder como o amor.

Em verdade, no núcleo familiar, é o afeto que serve de justificativa tanto para a conjugalidade, quanto para a parentalidade. Sob esta ótica, o afeto parental decorre de uma origem comum, enquanto que o afeto conjugal visa a um destino comum. O objeto deste estudo é o primeiro, e, para sua integralidade, é saudável que esteja atrelado ao segundo tipo de afeto, porque ambos integram a unidade familiar.

Nesse sentido, para Sérgio Resende de Barros (Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Frey, 2004, p. 113), o afeto familiar é aquele que “enlaça e comunica as pessoas, mesmo quando estejam distantes no tempo e no espaço, por uma solidariedade íntima e fundamental em suas vidas – de vivência, convivência e sobrevivência – quanto aos fins e meios de existência, subsistência e persistência de cada um e do todo que formam”.

A análise de comportamentos por teorias psicológicas revela que pessoas que cresceram em um ambiente estável e constituído por afeto possuem melhor desenvolvimento das habilidades cognitivas e destacada desenvoltura em meio social. Ou seja, é possível atingir o ápice na aplicação de dons e talentos a partir de uma segurança emocional construída na unidade familiar.

Em contrapartida, ambientes de conflitos, ausência da figura paterna ou materna, ou em que as necessidades psicológicas e emocionais das crianças são ignoradas, normalmente induzem o indivíduo a criar janelas de memória que tornam prejudiciais o desenvolvimento de suas potencialidades, assim como obstaculiza a entrega para relacionamentos em suas mais diversas facetas, como amizade, casamento e dentro da equipe de trabalho. Pessoas que não foram cercadas de amor ou que não se sentiram protegidas e cuidadas apresentam dificuldades de assumir a sua formação particular na vida adulta, mascarando sentimentos e emoções com hipóteses traumáticas.

É sabido que a mãe exerce um papel fundamental enquanto principal cuidadora nos primeiros anos de vida, suprindo todas as necessidades físicas dos filhos, e que tem uma inclinação natural para desempenhar esse papel com manifestações carinhosas e afetuosas, como acomodar a criança em seu peito para acalmá-la ou para carregá-la numa posição horizontal e próxima ao coração, assim permitindo o reconhecimento do som familiar das batidas do seu coração, que remontam às mais primitivas lembranças do indivíduo durante a gestação, enquanto acolhido e seguro se sentia.

Todavia, tão essencial quanto o exercício da maternidade é a presença efetiva e participativa do pai durante todo o desenvolvimento da prole. É o genitor, ou quem faz o seu papel, que auxilia no despertar da criatividade, do interesse por brincadeiras e por descobrimentos. Complementar e indissociável da função materna, a paternidade é que demonstra ao filho a importância da confiança e da desenvoltura enquanto pessoa.

Ao contrário do que ocorria antigamente, quando o pai era o responsável apenas pelo suprimento das necessidades materiais da unidade familiar, e a mãe concentrava a responsabilidade de educar e criar os filhos, hoje em dia cada vez mais se afirma a importância de uma paternidade comprometida e participativa.

Movimentos como o iniciado pelo jornalista Marcos Piangers, por meio do livro O PAPAI É POP, revelam que mais do que nunca os homens sentem a necessidade, por si e pelos filhos, de assumir seu papel com maestria, proporcionando a oportunidade de a prole se desenvolver em plenitude em todas as áreas da sua vida, para cuja colaboração não medem a presença física e contemplativa.

Importante constância da relação paterno-filial, por meio de um desejo de ser pai e que implica em um querer ser filho, exige um relacionamento diário e afetuoso, o que transcende uma obrigação legal de reconhecimento da paternidade por si só.

Neste ponto, a paternidade socioafetiva, alvo de tantas decisões judiciais recentes, pode ser reconhecida a partir da existência de um vínculo afetivo não decorrente da fonte geratriz, e que se desenvolve a partir da convivência, da formação de sólidos vínculos emocionais, que afastam a exigibilidade da coidentidade genética para reconhecimento do estado de filho. Trata-se, pois, de uma escolha pautada no amor, na generosidade e na empatia pela vida de um ser de cuja gestação não participou, mas que escolheu amparar, cuidar e proteger como se fosse descendente biológico.

Logo, paternidade socioafetiva é aquela entre pessoas geneticamente estranhas e que estabeleceram vínculos como aqueles que naturalmente existem [ou deveriam existir] entre pais e filhos biológicos. E, desse modo, não há como se negar o estado de filiação em tais casos. Porém, tão importante quanto o reconhecimento judicial de uma paternidade que não está pautada na origem biológica do filho ao qual se quer atribuir tal estado, é o incentivo para que os homens que concederam a carga genética aos seus descendentes também exerçam seu papel com fundamento na afetividade, e não apenas numa obrigação legalmente imposta. Enquanto os socioafetivos escolhem ser pais, os biológicos simplesmente o são em decorrência de uma consequência natural, e precisam optar pelo seu exercício pautado no afeto.

Por consequência, essa postura de o pai assumir o papel de cuidador e não mero coadjuvante e provedor das necessidades do filho implica na criança o reconhecimento da função complementar e única que cada um exerce dentro do núcleo familiar, permitindo, assim, que ele tenha segurança para ser quem é, não apenas fruto do relacionamento dos genitores, mas também merecedor da atenção e do afeto de ambos. Isso porque a família é a entidade estruturante dos sujeitos que a formam, e não o oposto. Os pais não são apenas responsáveis pela educação e proteção dos filhos, mas, sim, pelo seu desenvolvimento emocional, físico, psicológico e espiritual, o que exige dedicação espontânea, e, como já ressaltado antes, não mero cumprimento de lei que impõe a paternidade jurídica.

A ausência ou a precária participação do genitor na criação dos filhos resulta em prejuízos que não podem ser supridos pela máxima eficiência da mãe ou de outros familiares em seus respectivos papéis.

Apesar de inseridos no reino animal, diferenciamo-nos de outras espécies que nascem e em poucos instantes já ganham autonomia de viver e pouco dependem de sua fonte geratriz. Somos frutos do amor e dele dependemos para nos desenvolvermos, tanto que nossa psique e estado emocional devem ser estimulados e moldados pelos cuidadores, que não se limitam ao suprimento das necessidades físicas.

Se assim não for, algumas características importantes do indivíduo não serão despertadas e isto causará prejuízos que se estenderão durante toda a sua vida adulta. A ausência da figura paterna, assim como da materna, provocam perdas irreparáveis para o êxito da plenitude do ser em desenvolvimento. Por consequência, na parte mais recôndita da sua existência e de sua alma, esta criança põe em ação potencialidades não estruturadas que serão incapazes de auxiliar na superação da perda, quiçá elaborá-la e aproveitá-la como uma experiência de vida interior.

Por esta motivação, cuja fundamentação teórica psicológica não se encerra nessa exposição, é preciso estar bem definido que, independentemente da existência de conjugalidade entre os genitores, é preciso haver a resolução de conflito emocional eventualmente existente entre essas duas pessoas adultas, que serão responsáveis pelo desenvolvimento de outro ser totalmente dependente delas. Só assim, em um estado de tranquilidade e parceria, ambos conseguirão colaborar efetivamente para o exercício da paternidade e da maternidade, por si e pelo outro, em razão do bem da prole.

Se eventuais crises entre os dois adultos interferirem na assunção de responsabilidades inerentes à maternidade, e especialmente à paternidade, todo o núcleo familiar será afetado. Quase sempre a crise conjugal se dimensiona como uma crise familiar, atingindo todos os membros, e principalmente os filhos menores, que não possuem a maturidade necessária para distinguir que o conflito extrapola a função dos pais, limitando-se ao relacionamento entre homem e mulher. Com isto, a prole, que deveria ser protegida dessa situação de conflito, passa a sentir a necessidade de se posicionar de um lado, sobretudo quando aplicada a guarda unilateral ou quando não existir coabitação dos pais.

O fato é que, independentemente do motivo que induz no homem o enfraquecimento do seu papel como genitor, é responsabilidade do Estado e da sociedade fortalecer a sua atuação, para que cada vez mais sejamos formados por pessoas emocionalmente estáveis e saudáveis, que conseguirão replicar beneficamente a importância da unidade familiar e da fiel execução dos papéis de cada membro que a compõe.

Concluo reafirmando que o pai não é mero ajudador, auxiliador da mulher e mãe, ele é fundamental para que o filho tenha plenitude de vida, e esta expectativa, que talvez não se inicie na gestação, certamente é consolidada com a troca de olhar no primeiro colo da criança, e deve perdurar durante toda a sua fase adulta. Só assim esses 28% de crianças do mundo que atualmente vivem sem um pai presente poderão encerrar esse ciclo vicioso e desempenhar a função de cuidadores com excelência e estabelecer profundos laços de afetividade e amor.

AUGUSTO, Naiara Czarnobai. Paternidade afetiva X paternidade socioafetivaRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22,n. 49999 mar. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/56227>. Acesso em: 19 mar. 2017.