segunda-feira, 20 de março de 2017

Barroso acusa desonestidade generalizada e degeneração de costumes no Brasil

“Não há como minimizar o que aconteceu no Brasil: desonestidade generalizada, degeneração difusa das práticas e costumes, no varejo e no atacado.” O diagnóstico é do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Em artigo exclusivo para a ConJur, Barroso faz a retrospectiva do STF em 2016, apontando o que considera erros e acertos da corte.
O Supremo, diz o ministro, tem sido um agente do progresso civilizatório brasileiro, mas, como todo o Judiciário, tem alguns problemas crônicos — como o alto custo e a lentidão — e outros decorrentes do momento de crise vivenciado pelo país. “Exposto em uma vitrine, com cada despacho ou decisão fiscalizados por uma multidão polarizada, quando não vem pedra de um lado, vem do outro”, diz o artigo.
Entre os elogios à atuação do tribunal, o ministro cita a decisão que permitiu a prisão de réus antes do trânsito em julgado das condenações, que, segundo ele, é boa para a sociedade e até para os advogados que atuam na área penal: “A nova orientação é importante para a sociedade, pois torna mais efetivo, entre outros, o combate à corrupção e à criminalidade de colarinho branco. É relevante, ainda, para a advocacia, que fica exonerada da sina ingrata de ter que interpor sucessivos recursos descabidos e procrastinatórios”.
Outra decisão elogiada por Barroso é a que permitiu o corte de ponto de servidores públicos que entram em greve. Ao decidir assim, afirma o ministro, o tribunal retirou o incentivo às greves no setor público, cuja paralisação é mais maléfica para a população mais pobre.
Entre as críticas sofridas pela corte que o ministro considera “justas” está o que ele classifica como excesso de decisões monocráticas em casos de grande relevância para o país. Como solução para isso, sugere um pacto com seus colegas de tribunal, para que qualquer questão institucionalmente relevante seja decidida em colegiado.

Ministro sugere pacto com colegas para reduzir número de decisões monocráticas.
Nelson Jr./SCO/STF

O artigo também é crítico ao que chama de “ativismo extrajudicial impróprio”. Juízes não podem ser comentaristas político dos fatos do dia, ataca Barroso, ressalvando que tal ativismo “não se confunde com a possibilidade — por vezes, com o dever — de um ministro do STF dialogar com a sociedade, justificando posições assumidas. Ou participar, sem engajamento político, de debates institucionais”.
Em sua retrospectiva, o ministro discute ainda casos polêmicos como o afastamento do então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o não afastamento do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Além disso, rebate críticas à decisão da 1ª Turma do STF que, na prática, definiu que não é crime o aborto de fetos de até três meses.
“As pedras no caminho, somadas às que foram arremessadas com estilingues diversos, causaram arranhões e amassados na lataria. Mas, à primeira vista, não parece ter havido dano ao chassi e ao motor”, conclui Barroso.
*Esta é a primeira parte da Retrospectiva 2016 feita pelo ministro Roberto Barroso a pedido da ConJur. Na segunda parte, que será publicada nesta quinta-feira (5/12), o ministro lista os principais julgamentos do ano no Supremo Tribunal Federal.
Clique aqui para ler o artigo na íntegra.
Revista Consultor Jurídico, 4 de janeiro de 2017, 15h21
http://www.conjur.com.br/2017-jan-04/barroso-acusa-desonestidade-generalizada-degeneracao-costumes

Mãe perde poder familiar por maus-tratos e negligência com filhas menores

Por entender que a mãe de duas filhas menores de Gravataí (RS) não tinha interesse nas meninas nem capacidade de cuidar delas, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para destituir o poder familiar da mulher por maus-tratos e abandono das crianças.
Em decisão unânime, os ministros acolheram um recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul sob a alegação de maus-tratos e negligência da mãe. O MP também apontou que as duas meninas estão bem cuidadas, vivendo em família substituta, já tendo sido ajuizada a ação de adoção.    
Segundo o MP, uma das meninas chegou a ser internada em um hospital local com “lesões disseminadas em várias partes do corpo, edemas, desnutrição, má higiene”, fato comunicado pela assistente social ao Conselho Tutelar, que encaminhou a menor para um abrigo. Um diagnóstico médico constatou que “a criança estava com fungo proveniente do lixo”.
Destituição da guarda
O juízo de primeira instância julgou procedente o pedido de destituição familiar. Decisão que foi revista pelo TJ-RS, ao acolher recurso da Defensoria Pública para manter as meninas com a mãe por considerar que “não restou evidenciado abandono afetivo”. Inconformado, o MP recorreu ao STJ.
Responsável pela relatoria do caso, o ministro Raul Araújo ressaltou que as crianças permanecem sob os cuidados da família substituta desde 2009, “por força da guarda provisória inicialmente deferida que perdurou no tempo por força das circunstâncias fáticas do caso concreto”.
“Não se pode desprezar na hipótese dos autos a situação fática consolidada pelo tempo, em prol do melhor interesse das menores, desconsiderando a convivência e total adaptação na família substituta que acolheu as crianças, meio no qual já estão inseridas desde 2009, plenamente assistidas e bem cuidadas pelos pretensos pais adotivos”, avaliou.
O ministro considerou que abandono material e a “despreocupação da mãe biológica em relação à prole foram confirmados” e que, apesar do alegado interesse em permanecer com as filhas, a mãe encontra-se em local desconhecido, deixando as filhas sob os cuidados da família substituta.
“Identificando-se, no início da ação, situação grave de risco e abandono, e não subsistindo, atualmente, nenhuma comprovação de capacidade da genitora para cuidar das filhas, nem havendo vínculo afetivo entre elas com a mãe biológica, deve prevalecer o melhor interesse das menores, já inseridas em família substituta”, concluiu Araújo. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 5 de janeiro de 2017, 11h42
http://www.conjur.com.br/2017-jan-05/mae-perde-poder-familiar-maus-tratos-negligencia-filhas

Direito ao esquecimento - direito à memória e limitações ao esquecimento.

Apura-se o que vem a ser o direito ao esquecimento, em que pilares se funda, quando seria viável pleiteá-lo e quais seriam seus limites.

Em uma sociedade saturada de informações e imersa em um ambiente que favorece a veiculação e o resgate de fatos, imagens e até áudios, a recorrente reminiscência de eventos pretéritos poderá ser por demais indomada, para certas pessoas. Sob o argumento da liberdade de informação, memória e conhecimento situações constrangedoras, opiniões capciosas e até crimes devidamente punidos podem vir à tona sem maiores motivos, exacerbando a pena oportunamente aplicada, ou recrudescendo um pesar já cicatrizado, isto devido à facilidade de identificação e resgate de informações na rede mundial de computadores.

Este artigo, atento a essa realidade, pretende fornecer ao leitor um breve apurado do que viria a ser o direito ao esquecimento, em que pilares se funda, quando seria viável pleiteá-lo e quais seriam seus limites.

Originariamente concebido na doutrina americana através da alcunha right to be let alone, o direito ao esquecimento acabou sendo vastamente tratado pela doutrina nacional, a ponto de se lastrear por diversas situações. O termo foi proposto pelos norte-americanos Samuel Warren e Louis Brandeis, e pode ser livremente traduzido para direito de ser deixado só, mas também concebe o direito de ser deixado em paz, de estar só e como se preferiu no Brasil, direito ao esquecimento.

A vastidão terminológica poderá ter contribuído para a enorme gama de situações abarcadas pelo conceito. O alargamento de possibilidades oferecidas pela internet injetou uma série de novas oportunidades à aplicação deste direito, propiciando o questionamento sobre a ponderação entre direitos classicamente antagônicos, o direito à informação, que se desdobra no direito à memória, e o direito à vida privada, consectário da dignidade.

Em solo nacional, o direito ao esquecimento possui assento na Constituição Federal de 1988, por mais que não seja possível identificá-lo explicitamente, convencionou-se depreendê-lo do direito à vida privada, honra e dignidade (art. 5º, X da CFRB/88 e art. 21 do CC).

Apesar da origem estadunidense do termo, talvez seja o caso alemão Lebach que tenha suscitado a análise deste tema. Trata-se do caso de um condenado alemão, que, ao se aproximar do momento de sua liberdade, portanto, já no fim do cumprimento de sua pena, foi surpreendido com a notícia de que uma emissora de televisão iria televisionar uma reportagem sobre o seu crime, bem como tratar a respeito de uma suposta prática de homossexualidade em seu presídio.

A par desta novidade, o detento requereu à justiça alemã que o canal fosse proibido de transmitir este programa, alegando que somente desta forma seria possível impedir a ocorrência do dano, fundando seu pedido na incoerência de serem ressuscitados fatos pretéritos e sobre os quais já não mais se repercute, a ponto de comprometer sua vivência e reintrodução na sociedade. Seu pedido foi deferido, o que contribui para alavancar a tese.

No ordenamento nacional, é comum o retorno midiático de histórias de fatalidades e de trágicos episódios de violência, como o que provocou o julgamento do RESP 1.335.153-RJ, conhecido como o caso Aida Curi. Trata-se de um episódio de extrema violência experimentado por uma jovem mulher, que, após ser raptada e estuprada, foi assassinada por três homens. Considerando a longa data desde a ocorrência do sinistro e o desejo da família de evitar qualquer referência ao incidente, a veiculação de um programa tratando especificamente deste assunto gerou um profundo desconforto aos familiares, que se viram dispostos a pleitear com fulcro no direito ao esquecimento.

O caso é icônico, já que, a partir dele, fixou-se um critério pelo qual seria possível filtrar e se orientar na consideração ao direito ao esquecimento. Por meio do julgado estabeleceu-se que fatos historicamente reconhecidos pelos meios ordinários, quando combinado com a impossibilidade de se representar o fato sem se desvincular o nome de certo personagem, não poderiam ser acobertados pelo manto do direito ao esquecimento, conforme elucida a egrégia decisão:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA

Um outro ponto de intenso debate é o do campo de aplicação do direito ao esquecimento. Em um primeiro momento, imagina-se que a sua aplicação se limitaria à seara penal, quando, na realidade, a esfera civil, devido à internet, aos jornais, às revistas e aos programas de televisão têm provocado o retorno de uma série de eventos já considerados passados e devidamente esquecidos pelo público.

É inquestionável que, nos casos dos ex-presidiários e até mesmo de pessoas denunciadas em inquéritos policiais, os efeitos da memorização incessante são mais visíveis após o abandono do ergástulo.

Entretanto, a evolução da técnica e da informática propiciou a expansão do campo de aplicação da teoria.

Uma vertente interessante deste direito envolve as pessoas públicas, que, devido a algum trabalho bastante prestigiado na TV ou na Internet, obra ou situação bastante reproduzida, optem por largar em definitivo a visualização e o assédio que envolve o mundo das pessoas famosas, e se vejam continuadamente interrompidos neste intento, interpelados pela mídia e pelo público, o que frustra o dito intento. Percebe-se, por meio deste exemplo, vivido, inclusive, por uma série de artistas brasileiros, que o direito ao esquecimento se desdobra até este ponto.

Ao se ver assediado desta maneira, o indivíduo poderá ingressar com ação judicial, pleiteando a interrupção da violação do seu direito à privacidade e à honra, estampada na figura do esquecimento.

Apesar da fácil aplicação abstrata do direito às situações múltiplas, ele não deixa de ser alvo de críticas. Para o ministro Min. Luis Felipe Salomão, em icônica decisão na REsp 1.335.153-RJ, o uso desenfreado da medida poderia apresentar alguns resultados, senão nocivos, ao menos complicados, tais como:

Primeiramente, o direito avança contra à liberdade de expressão e imprensa, e, por mais que estas já possuam uma forma sistemática de aplicação, ainda não compatibilizaram de forma completa com este direito, restando ao julgados pátrios estabelecer pontualmente a forma mais tersa de fazê-lo incidir.

A garantia ao esquecimento sugere a não publicação ou propagação da informação, e, caso esta já tenha sido prolatada, a inibição da sua divulgação, primeiramente na fonte e após nos canais em que possa ser detectada. Isto representaria o desaparecimento de informações, o que desencadeia uma perda da história, afrontando diretamente o direito a memória.

Há a própria preocupação com o desaparecimento público das informações e do acesso a estas informações, principalmente quando versar sobre delinquentes reconhecidamente perigosos, titulares de um histórico criminoso hediondo.

A par destes efeitos, o supramencionado ministro sugere que fatos de interesse coletivo devem prevalecer sobre a intimidade, por mais que isto represente o soerguimento momentâneo de uma garantia constitucional sobre outra, para que se beneficie a sociedade, em detrimento de um único indivíduo.

REFERÊNCIAS:

CABRAL, Bruno Fontenele. Disponível em < https://jus.com.br/artigos/28362/the-right-to-be-let-alone-consideracoes-sobre-o-direito-ao-esquecimento#_edn6 >. Acesso em 18 de Fev, 2017.
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001, p. 88.
MARTINEZ, Pablo Dominguez. Direito ao esquecimento: a proteção da memória individual na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p.36


SILVA, Ingrid Caroline Andrade da; WANNESKA, Kássia Wanneska de Sousa et al. Direito ao esquecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5009, 19 mar. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/56059>. Acesso em: 20 mar. 2017.

Hermenêutica e Argumentação Aula 7 - Positivismo e Pós-Positivismo


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Hermenêutica e Argumentação - Aula 7

A perpetuação do calvário para a cobrança dos alimentos no CPC (Maria Berenice Dias)

A obrigação alimentar decorrente das relações familiares pode ser assumida espontaneamente — aliás, como deveria ser sempre — e formalizada em juízo ou extrajudicialmente.
Cônjuges e companheiros podem convencionar alimentos a favor de qualquer um deles e dos filhos — ainda que incapazes — em documento particular. Para garantir sua exigibilidade em juízo, dito documento precisa transformar-se em título executivo extrajudicial: ser assinado pelas partes e por duas testemunhas (CPC 784 III); ou ser referendado por Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública, advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por um tribunal (CPC 784 IV).
Para ensejar a cobrança judicial dos alimentos assim fixados, o credor pode buscar a execução fazendo uso do rito da coação pessoal (CPC 911 parágrafo único) ou via execução por quantia certa (CPC 824). A circunstância de serem beneficiados incapazes não compromete nem a validade do documento nem a exigibilidade da dívida.
A busca da homologação judicial é dispensável, face a similitude das vias executórias disponíveis aos títulos judiciais e extrajudiciais.
O divórcio consensual pode ser levado a efeito por escritura pública (CPC 733). No mesmo instrumento, é possível a previsão de alimentos a favor de um dos cônjuges e dos filhos maiores e capazes. Havendo filhos menores de idade, incapazes ou nascituro, necessariamente, o divórcio depende de homologação judicial (CPC 731). A exigência é absurda, porque os alimentos em prol dos descendentes incapazes podem já estarem estabelecidos. Ainda assim é imposta a forma pública para a formalização do divórcio.
Os alimentos ali previstos são títulos executivos judiciais (CPC 515), a ensejar a cobrança via cumprimento de sentença, que autoriza a ameaça de coação pessoal e a expropriação de bens (CPC 528).
Quando se trata de união estável, mesmo existindo filhos incapazes, sua dissolução não precisa ser formalizada e muito menos levada à homologação judicial (CPC 732) ou referendo oficioso (CPC 784 IV). O encargo alimentar a favor dos filhos é que precisa ser formalizado, para garantir eventual cobrança.
Seja qual for a forma de constituição do encargo alimentar — judicial ou extrajudicial —, havendo mora, o adimplemento pode ser exigido por qualquer dos meios executórios (CPC 528 e 911): prisão do devedor ou expropriação de seus bens. Tudo vai depender da quantidade de parcelas vencidas e não pagas. O débito acumulado superior a três prestações não comporta execução pelo rito da coação pessoal (CPC 528, parágrafo 7º).
Quando o encargo alimentar dispõe da chancela judicial, o inadimplemento enseja a incidência de multa moratória de 10% e verba honorária em igual percentual (CPC 523, parágrafo 1º). O marco inicial de incidência desses acréscimos é a data da intimação do devedor, na pessoa do seu advogado ou pessoalmente, pela via postal, com Aviso de Recebimento – AR (CPC 513, parágrafo 2º, I e II).
De modo para lá de injustificável, em sede de execução de título executivo extrajudicial que estabelece encargo alimentar, a lei remete à execução por quantia certa (CPC 913 e 824), em que não há previsão de multa, somente de honorários advocatícios de 10% (CPC 827). E, caso haja o pagamento no prazo de três dias, o valor dos honorários é reduzido pela metade (CPC 827, parágrafo 1º). Ora, a redução dos honorários é um desestímulo para que as partes — ou seus advogados – formalizem o divórcio, a dissolução da união estável ou estabeleçam obrigação alimentar extrajudicialmente. Com isso, perde-se a chance de aliviar o Poder Judiciário. Tudo acaba na Justiça.
No cumprimento de título executivo judicial, o réu ou o procurador que o representa (CPC 513, parágrafo 2º, I) é intimado, para, no prazo de 15 dias, pagar o montante atualizado do débito acrescido de multa de 10% e verba honorária de 10% (CPC 523, parágrafo 1º).
Buscada a cobrança pela via da coação pessoal, o réu deve ser citado pessoalmente, via postal, para em três dias pagar o crédito executado, provar que já pagou ou justificar a impossibilidade de pagar. Não ocorrendo o pagamento ou não aceita a justificativa apresentada, é expedido mandado de prisão. Durante o período de aprisionamento, prossegue a execução expropriatória, com a penhora e avaliação dos bens indicados pelo credor (CPC 530 e 829, parágrafo 2º). A dívida é acrescida do valor da multa e dos honorários, sobre as parcelas executadas e todas as que se vencerem até a data do pagamento (CPC 528, parágrafo 5º).
Para se livrar dos encargos moratórios, o devedor deve depositar judicialmente o quantum cobrado (CPC 520, parágrafo 4º e 523, parágrafo 1º), enquanto questiona o valor da dívida, por meio de justificativa, impugnação ou embargos à execução. Como se trata de dívida alimentar, o credor pode proceder ao levantamento dos valores incontroversos.
Quer os alimentos tenham sido fixados liminarmente, quer na sentença final ainda sujeita a recurso, pretendendo o credor buscar sua cobrança “desde logo”, precisa abrir mão da possibilidade de prisão do executado (CPC 528, parágrafo 8º). Ainda que o título não seja líquido certo e exigível, a execução segue o rito do cumprimento definitivo (CPC 523).
Como a interposição de eventual recurso não dispõe de efeito suspensivo (CPC 1.012 II), o cumprimento da sentença pode ser buscado tão logo ocorra sua publicação (CPC 1.012, parágrafo 2ª). Caso o valor do encargo venha a ser diminuído ou afastado — quer na sentença, quer em sede recursal —, é de todo descabido livrar o devedor da obrigação de proceder ao pagamento das parcelas que se venceram nesse ínterim. Emprestar efeito retroativo à redução ou à exoneração levada a efeito, pelo fato de os alimentos não serem definitivos, só estimularia o inadimplemento e a eternização da demanda.
Buscada a cobrança pela via da coação pessoal, para o devedor livrar-se da prisão, deve pagar o valor atualizado da dívida objeto da execução e as demais parcelas vencidas até a data do pagamento (CPC 528, parágrafo 7º). O tema encontra-se inclusive sumulado (Súmula 309 do STJ).
No entanto, na prática mais do que consolidada, o devedor livra-se da prisão mediante o pagamento das parcelas alimentares que constam no demonstrativo discriminado e atualizado apresentado pelo credor (CPC 524). Porém, quando do cumprimento da ordem de prisão, já se venceram novas prestações, e o demonstrativo do crédito, que acompanha o mandado de prisão, está desatualizado.
Acaba o credor por apresentar novo demonstrativo, requerendo novamente a prisão do devedor. Antes o juiz dá vistas ao devedor do novo cálculo e, eventualmente, manda o processo para o contabilista do juízo (CPC 524, parágrafo 2º).
E se nesse ínterim transcorreram mais de três meses, o credor acaba optando por ingressar com nova execução. E mais uma, e mais uma a cada três meses.
O fato estarrecedor é que existe um número de prestações que integram a condenação, não são pagas, e o devedor não é preso!
De nada adianta a lei dizer que, para se livrar da prisão o devedor precisa pagar não só a dívida objeto da cobrança, mas também todas as prestações que se vencerem até a data do efetivo pagamento (CPC 828, parágrafo 8º). O réu livra-se da prisão apresentando ao oficial de Justiça comprovante de pagamento das três parcelas que se venceram antes da propositura da execução, conforme demonstrativo do débito apresentado pelo credor. Essa “garantia” do devedor não tem previsão legal. Trata-se de construção jurisprudencial viciosa, que precisa ser revertida em benefício do credor. Além do valor constante do mandado de prisão, referente aos meses executados, o devedor precisa apresentar ao oficial de Justiça o comprovante do pagamento das prestações objeto da cobrança e mais das que se venceram até aquele momento. Sem essa prova, o pagamento é parcial e não afasta a prisão.
Quem sabe outra solução seria já constar no demonstrativo do crédito uma projeção das prestações vincendas. Caso o credor não apresentar o valor discriminados das parcelas alimentares futuras, cabe ao juiz determinar a sua retificação. Claro que os índices de atualização são variáveis, mas, ao menos o valor do principal, até o dia do pagamento será atendido.
Desse modo, o réu é citado para pagar o valor devido à data do pagamento, conforme a projeção constante no demonstrativo que acompanha o mandado de citação.
Ou isso, ou vai se perpetuar o calvário para a cobrança da obrigação de maior significado que existe: a que garante o direito à vida.
Maria Berenice Dias é advogada especializada em Direito de Família, das Sucessões e Homoafetivo, além de vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam).
Revista Consultor Jurídico, 19 de março de 2017, 8h00
http://www.conjur.com.br/2017-mar-19/perpetuacao-calvario-cobrancados-alimentos-cpc