segunda-feira, 10 de abril de 2017

Pai Presente: De Portugal, pai reconhece filho que mora em Fazenda Nova usando o WhatsApp

03/04/2017 15h54

“Oi pai!” Essas foram as primeiras palavras ditas por um garoto de 11 anos ao ver, emocionado, o pai, que mora em Portugal, pela câmera do celular do juiz Eduardo Perez Oliveira. A tecnologia foi utilizada de forma inovadora para que fosse feito o reconhecimento espontâneo de paternidade através do Programa Pai Presente, executado pela Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO). Representado na ocasião pela avó materna, o menor teve, de imediato, o sobrenome do pai acrescentado ao seu.

O juiz Eduardo Perez, que é coordenador do programa há cinco anos em Goiânia, contou que o pai da criança não pôde comparecer ao Brasil para reconhecer o filho, bem como de redigir e enviar documento autenticado do país onde mora. Por se tratar de situação excepcional, o magistrado então, após ser procurado pelo Conselho Tutelar para que o ato fosse realizado pela internet, a exemplo de caso anterior, no qual foi usado o skype (software que permite comunicação pela Internet através de conexões de voz e vídeo) para que um pai fizesse o reconhecimento do filho dos Estados Unidos por meio do Pai Presente, resolveu usar o recurso de áudio e vídeo do WhatsApp para concretizar o procedimento. “O programa de reconhecimento de paternidade existe para garantir não só a dignidade dos filhos reconhecidos, mas também dos pais. É cediço que, por qualquer documento, ainda que particular, o pai pode reconhecer o filho, que dirá por um sistema de áudio e vídeo, com a certificação da identidade dos envolvidos ”, ressaltou.

A seu ver, situações exageradamente burocráticas no aspecto jurídico impedem que seja garantido, tanto aos pais quantos aos filhos, a regularização da situação. Se a lei fosse aplicada com rigor, o reconhecimento da paternidade só poderia ser feito por expedição de carta rogatória ou as partes teriam que aguardar o retorno do pai ao Brasil. "Ao acompanhar o caso, não tive dúvidas de que a paternidade era real, espontânea e válida. Exigir uma burocracia inócua para o fato, impedindo o gozo de um direito que não prejudica ninguém, cuja ausência causa transtornos ao menor e à sua família, seria um atentado ao ordenamento legal e à Justiça que jurei defender”, asseverou o juiz.

Justamente pela tecnologia servir ao homem, Eduardo Perez lembrou que cabe ao juiz aplicar a norma segundo sua melhor finalidade social, nos termos do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). “O uso dessa ferramenta permitiu que o pai ausente há milhares de quilômetros de distância, em outro continente, se tornasse presente na vida do seu filho, que agora ostentará em sua certidão o nome do pai e dos avós paternos. Essa é a função desse programa e, quantas vezes forem necessárias, garantida a segurança documental, buscarei meios para que a paternidade aconteça”, frisou. (Texto: Myrelle Motta - assessora de imprensa da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás)

Fonte: http://tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-tribunal/15035-pai-presente-de-portugal-pai-...

Execução: como se dá a responsabilidade executiva secundária?

Publicado por EBRADI

De modo geral, podemos dizer que a finalidade da execução é a satisfação do credor, que exige por meio de um título executivo, cuja eficácia executiva decorre da lei, uma vez que só o legislador pode estabelecer quais são os títulos executivos.

Quanto aos títulos executivos, vale mencionar a existência de títulos judicial e extrajudicial, sendo que a diferença primordial entre os títulos executivos judiciais e os títulos executivos extrajudiciais reside no fato de que os primeiros (judiciais) foram gerados por atividade jurisdicional ou a ela equiparada (sentença arbitral).

Diante da alteração promovida pela lei 11.232/05, introduziu-se no sistema posto o instituto do cumprimento de sentença. Desse modo, a execução do título executivo judicial passa a ser mais uma fase do procedimento, perdendo sua autonomia procedimental.

Enquanto, o título executivo extrajudicial tem as duas autonomias (funcional e procedimental), pois é um processo autônomo em que se busca a satisfação do direito estampado no título.

No que atine a responsabilidade na execução, devemos apontar que nem sempre a pessoa do executado se confunde com a do devedor. Uma vez que executado é aquele que ocupa um dos polos da relação processual, dentro de uma tutela de execução, enquanto devedor é aquele que está obrigado a cumprir uma obrigação dentro de uma relação de direito material.

Justifica-se tal separação diante da teoria dualista alemã, denominada Haftung e Schuld, pela qual se afirma que há pessoas que tem débito e responsabilidade, enquanto há outras que pessoas que embora não tenham débito, tem responsabilidade, como o fiador. Estes são denominados terceiros responsáveis.

Nesse sentido, o artigo 790 do CPC/15 estabelece a responsabilidade executiva secundária, entendida como a responsabilidade das pessoas que podem ter seu patrimônio atingido de maneira legítima, embora não façam parte, em regra, da realização processual inicial.

Dentre as hipóteses, ressalta-se os seguintes responsáveis secundários executivos:
I. Sucessor: nos casos de obrigações reais (recai sobre a coisa) ou reipersecutórias (direito de sequela).
II. Sócios: incide nos casos em que a lei expressamente permitir que os bens dos sócios sejam atingidos pelo ato de execução, como: a. desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC/02 e art. 28 do CDC); b. art. 135 do CTN; c. responsabilidade do ex-sócio por até dois anos depois de sua retirada da sociedade; e d. dissolução irregular (art. 1024, CC/02).
III. Terceiro possuidor de bens do devedor: os bens do devedor ficaram sujeitos à execução em curso, quando transferidos a terceiro, seja em fraude de execução ou não.
IV. Cônjuge: a responsabilidade do cônjuge é estabelecida por lei. O regime matrimonial diz a possibilidade ou não dos bens do cônjuge serem atingidos pelos atos de execução.
Neste ponto, importa mencionar que a dívida contraída para economia doméstica, independentemente do regime matrimonial, permite que os bens do cônjuge sejam atingidos pelos atos de execução.
V. Companheiro: a lei processual coloca o companheiro ao lado do cônjuge, mas só será possível a defesa dos bens pelo companheiro quando a existência da relação não tiver que ser provada nos autos da execução.

Ou seja: deve haver prova pré-constituída acerca da existência da relação, seja por um contrato de convivência registrado, uma decisão judicial reconhecendo a existência de sociedade de fato, entre outros.

Pois, para a lei processual civil, companheiros são aqueles que vivem em união estável pública e notória (comprovada), situação esta em que se terá a comunhão parcial de bens.

A EBRADI – Escola Brasileira de Direito tem como missão transformar a educação jurídica, colaborar para humanização do direito e alçar nosso aluno a um patamar de excelência no mercado de trabalho, e tem como visão ser referência nacional e internacional de qualidade no ensino do direito.

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Quais são as 8 formas de pagamento indireto?

Publicado por EBRADI

O pagamento, juridicamente falando, é o adimplemento. Ou seja: o cumprimento de uma obrigação, tendo como consequência a extinção da obrigação. Mas, a extinção da obrigação não exime as partes da responsabilidade pós-contratual que decorra do contrato adimplido.

O pagamento pode ser direto ou indireto. Considera-se pagamento direito aquele em que o cumprimento se dá nos exatos termos em que foi acordado. Já o pagamento indireto, consiste no cumprimento da obrigação é feita de forma diversa a acordada.

Vejamos as formas de pagamento indireto:

1. Consignação em Pagamento: consiste no ato de depósito da res debita.

Sob o aspecto do direito material implica na exata extinção da obrigação. Enquanto sob o aspecto do direito processual é uma ação para consagrar o pagamento.

Vale dizer que a consignação em pagamento tem como elemento imprescindível a recusa do credor em receber a res debita, denomina-se, aqui, mora creditoris (atraso do credor).

Ora, daqui se extrai que, também, existe o inadimplemento da obrigação por parte do credor, mas o mais importante em se saber é que tal mora creditoris traz prejuízo ao devedor (multa, juros e etc.), sendo assim, o pagamento em consignação é faculdade do devedor a fim de evitar maiores problemas.

2. Sub-rogação: esta consiste em uma troca real ou pessoal.

A sub-rogação real reside na troca de um vínculo que recai sobre uma coisa, por exemplo, a venda de um bem incomunicável para a compra de outro, que, em regra, seria comunicável em razão do casamento em comunhão parcial de bens, terá seu vínculo trocado, sendo considerado incomunicável em razão da origem do dinheiro.

Já a sub-rogação pessoal consiste na troca da pessoa da relação obrigacional, de modo que um terceiro interessado passa a ter as mesmas condições do antigo credor.

Dada a troca de sujeitos, a obrigação perante o primeiro credor está adimplida.

A sub-rogação é, entretanto, diferente do direito de reembolso, pois na primeira (sub-rogação) o novo credor tem todos os direitos e características do antigo, inclusive, títulos executivos; enquanto no segundo (reembolso), tem-se apenas o direito de receber.

Ou seja, na sub-rogação, o indivíduo torna-se credor dentro dos moldes do contrato originário, enquanto no direito de reembolso, o indivíduo não se ampara às cláusulas do contrato extinto.

3. Imputação do Pagamento: consiste na indicação daquilo que será possível de ser quitado. Uma vez que se tem recursos limitados frente a várias prestações na pendência de serem adimplidas.

Para falarmos em imputação do pagamento, devemos nos atentar aos seguintes pressupostos:

a) Várias dívidas vencidas;

b) De mesma natureza, fungíveis ou de mesma forma de pagamento;

c) Todas dívidas em relação ao mesmo credor;

Cumpre mencionar que, salvo pacto contrário, a indicação cabe ao devedor e que em tal modalidade não se quita dívida em parte, o pagamento deve ser integral.

4. Dação em pagamento: consiste na entrega de prestação diversa da contratada.

A dação em pagamento é uma exceção à res debita, dentro de um contexto em que o pagamento já em está em atraso.

Se a dação em pagamento recair sobre título de crédito, será entendida como cessão de crédito. Ademais, se o credor for evicto, restaura-se a obrigação primitiva, uma vez que perdida a coisa, por força de sentença, a coisa alheia usada para a quitação perde efeito sobre a obrigação.

5. Novação: consiste em um novo negócio jurídico celebrado a fim de extinguir a obrigação anterior.

Para tal, é imprescindível a existência do animus novandi, ou seja: a vontade de novar - permitir que o novo negócio extinga a obrigação anterior.

Além disso, o novo negócio jurídico deverá se atentar aos requisitos gerais de sua constituição, bem como a legitimidade para o negócio jurídico, já que só o credor e o devedor podem o fazer, salvo na hipótese de procuração com poderes específicos.

A novação pode ser:

a) Novação Objetiva: o novo negócio jurídico recairá sobre o objeto do pagamento, como na hipótese de uma troca da prestação de aluguel para uma de empréstimo.

b) Novação Subjetiva: o novo negócio jurídico recairá sobre o sujeito. Esta pode ser:

i. Novação subjetiva por expromissão: ocredor faz novo negócio jurídico com um novo devedor, com concordância do devedor.

ii. Novação subjetiva por delegação: o devedor primigênio faz novo negócio com um novo devedor com a aquiescência do credor.

Vale mencionar que a novação é diferente da renegociação, pois na última não há a extinção da obrigação anterior. Logo, altera-se só os termos do negócio. Bem como a novação é diferente dos negócios de transmissão, pois a primeira tem caráter extintivo, enquanto os segundos têm caráter modificativos.

6. Compensação: consiste em um pagamento ficto, uma vez que este se dá pelo "encontro de contas", já que as partes são ao mesmo tempo credores e devedores uma das outras. Ou seja, tem-se a reciprocidade de dívidas decorrentes de relações jurídicas diferentes entre as mesmas partes.

Destarte, é um pagamento ficto exatamente por quitar a dívida sem que fosse feita nenhuma transferência em dinheiro ou coisa.

Diante disso, a compensação pode ser:

a) Compensação legal: opera por força de lei, tendo como requisitos: i. Fungibilidade da prestação; ii. Dívidas vencidas; e iii. Dívidas líquidas, ou seja: certa quando a existência e o valor. b) Compensação convencional: decorre da vontade das partes, tendo como requisitos: i. Fungibilidade da prestação; ii. Dívidas vincendas; iii. Dívidas ilíquidas; iv. Forma expressa.

c) Compensação judicial: decorre de sentença judicial, quando alegada a reciprocidade de dívidas na reconvenção.

7. Confusão: consiste na hipótese de o credor e o devedor passarem a ser a mesma pessoa em uma mesma relação jurídica.

Desse modo, quando a confusão for temporária, assim que cessada tal, reestabelecer-se-á a dívida. Mas, caso seja permanente: dar-se-á a extinção da dívida.

8. Remissão de dívida: consiste em um ato de perdoar - abdicar ao direito de receber o crédito.

A remissão de dívida pode ser: total ou parcial, tendo como requisito apenas a forma expressa - com interpretação restrita.

Por fim, vale mencionar a existência da possibilidade da ocorrência de transação, consiste em um acordo, em transigir (negociar). Para se falar em tal, deve-se haver: concessões recíprocas, ou seja: ambas partes abrirem mão de algo que lhes era de direito, extinguindo a obrigação.

A EBRADI – Escola Brasileira de Direito tem como missão transformar a educação jurídica, colaborar para humanização do direito e alçar nosso aluno a um patamar de excelência no mercado de trabalho, e tem como visão ser referência nacional e internacional de qualidade no ensino do direito.

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Decida o leitor: quem é o laico? Quem é o intolerante? Até quando vamos tolerar a intolerância?

Por William Douglas

O jornal O GLOBO, em 28/02/2017, publicou o seguinte artigo de minha autoria:

Um procurador do Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública e de improbidade administrativa em face do Diretor-Geral do Arquivo Nacional.
Alega que este teria violado o Estado laico ao autorizar a realização de encontros religiosos de 30 minutos – no horário de almoço – no auditório do órgão.
Alega violação da Constituição e que houve dano ao Erário público (gasto com luz, ar-condicionado e equipamento de som), requerendo a suspensão dos seus direitos políticos, perda do cargo e ressarcimento. Em suma, trata o Diretor como se fosse um corrupto.
O membro do MPF confunde Estado laico com Estado ateu. Equívoco grosseiro pensar que tais encontros violam o Estado laico. Violação seria, por exemplo, autorizar a reunião apenas para uma única religião, ou não permitir igual espaço para ateus.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, pediu ao arcebispo de Belo Horizonte para benzer seu gabinete. Desconheço ter havido processo contra ela.

Estado laico x estado ateu?

O STF já decidiu que Estado laico não é sinônimo de Estado ateu ou perseguidor de quem tem fé.
Estado laico significa que não há uma religião oficial. Enfim, todos temos direito de escolher nossas crenças ou o ateísmo e todos devem ser respeitados pelo Estado.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio tem, em dias distintos, reuniões de católicos, de evangélicos e de espíritas, todos em perfeita ordem e harmonia. E quem não quer ir não vai. Aliás, há capelas e espaços ecumênicos em diversos órgãos públicos desde sempre, sem que nunca tenha aparecido alguém para querer cobrar a energia elétrica dos respectivos recintos.
Se o Diretor autorizasse os servidores a, no horário de almoço, comemorarem um aniversário ou assistirem a um evento esportivo, teria o referido representante do MPF ajuizado ação? Provavelmente não.
Isto confirma a perseguição religiosa: aniversário e esportes pode; religião, não. É fato que confraternizações são acontecimentos positivos para o sentimento de equipe e para o bom ambiente de trabalho (que resulta em maior produtividade e menor absenteísmo). Todos tolerados e parte de nossa cultura.

Constituição Federal

A Constituição traz previsão expressa de diversos valores religiosos. O artigo 3º proíbe qualquer forma de discriminação, como é o caso de impedir confraternização por motivo de fé.
Por fim, a liberdade religiosa é também assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
As religiões, em geral, propõem a paz, a generosidade e o serviço ao próximo, valores que auxiliam tanto o Estado quanto a sociedade. As diversas linhas religiosas contribuem rotineiramente com saúde, educação, filantropia etc., suprindo a inércia do Estado. Há evidente e saudável colaboração recíproca entre o Estado e aqueles que professam alguma religião.
O Procurador do MPF, ao entender que há improbidade e danos ao Erário, esquece-se do princípio da insignificância e dos benefícios indiretos trazidos pela reunião, bem maiores do que os gastos que alega.
Equiparar à corrupção ou aos desmandos uma reunião pacífica para cultivar valores positivos é nonsense. Se há algum arranhão à Constituição, este é o do servidor público que, em atitude completamente desproporcional, quer impor aos religiosos um sistema de degredo ou redução de suas garantias constitucionais.
Querer expulsar do espaço público a religiosidade é querer criar guetos para quem tem alguma característica específica. Foi o que Hitler fez com os judeus.

Até quando a intolerância será tolerada? Até quando haverá perseguição religiosa movida com as armas do Estado?

Para garantir a tolerância, é preciso que aqueles que são intolerantes não possam utilizar os meios públicos para veicular perseguição religiosa, e para que deixem de desperdiçar o tempo, o dinheiro e a paciência do contribuinte.
Em 22/03/2017, o mesmo jornal publicou, da lavra dos Procuradores da República Sergio Gardenghi Suiama e Jaime Mitropoulos, o seguinte texto:

Defesa do Estado Laico
Em artigo publicado neste espaço, o juiz federal William Douglas qualificou de “intolerante” ação de improbidade ajuizada pelo Ministério Público em face do Diretor do Arquivo Nacional, acusado de promover cultos evangélicos no auditório da instituição.
Em benefício do direito à informação, achamos importante prestar alguns esclarecimentos.
Em primeiro lugar, o Diretor do Arquivo efetivamente promoveu reuniões em favor da sua religião, e não “encontros” nos quais múltiplas crenças estavam representadas, como afirmou o magistrado. Os cultos eram semanais e somente cessaram após o fato ter sido denunciado pela imprensa (O GLOBO, 17/7/2016).
Portanto, a ação trata exatamente da preferência a uma religião em detrimento das demais.
Em segundo lugar, a liberdade constitucional de culto nada tem a ver com a proibição de que as dependências, equipamentos e servidores de uma instituição pública sejam usados para proselitismo religioso.
Todos são livres para fazerem pregações e cultos, mas um arquivo público ou um tribunal não se prestam a esta finalidade, mas sim a outras, do interesse de cidadãos crentes e não crentes.
A esse respeito, é importante aprofundar a discussão para além do lugar-comum “o Estado é laico, e não ateu”.
Não é demais lembrar as guerras e perseguições históricas contra os que não professam esta ou aquela crença.
Talvez uma das principais lições que podemos extrair da História seja a da importância de se garantir a separação entre o interesse público, representado pelo Estado, e os interesses e valores das várias religiões.
Tal princípio encontra-se previsto na Constituição, que proíbe o Estado de manter com representantes de igrejas relações de dependência ou aliança.
Assim, se o Estado não deve impedir o exercício da fé, tampouco pode permitir que grupos religiosos loteiem ou capturem o serviço público, utilizando as estruturas custeadas por todos para promover seus interesses particulares.
Erro grosseiro comete quem afirma que os defensores da laicidade pregam a intolerância, pois é exatamente o contrário disso: em um mundo impregnado por fundamentalismos, deve-se assegurar o igual respeito a todas as crenças e impedir que os espaços das instituições públicas sejam transformados em púlpitos, como ocorreu no auditório do quase bicentenário Arquivo Nacional.
Perseguição religiosa haveria se a Justiça proibisse cultos em locais privados ou a ocupação de ruas ou praças para a realização de festas ou procissões, o que não é o caso.
A comparação a Hitler, feita pelo magistrado, não poderia ser mais infeliz pois, em tempos como os atuais, nos quais vem se tornando comum prefeitos entregarem “a Deus” as chaves do município, não há nada mais a favor da liberdade do que defender a laicidade estatal como valor democrático necessário à convivência pacífica de múltiplas visões de mundo. Mais do que tolerância, a neutralidade exigida pelo Estado laico assegura o respeito à liberdade religiosa de todos.
Comentários - William Douglas

O texto, editado com o óbvio fim de responder ao meu, tanto que faz menção expressa a meu nome, veio, como demonstrarei a seguir, a confirmar tudo o que apontei.



Repito que a ação dos Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) expressa intolerância religiosa, uso inadequado do poder do Ministério Público e violação do respeito ao Estado laico.
Ninguém pode veicular através de seu poder como servidor público uma tese pessoal não amparada pela Constituição Federal (CF). E, pior, essa tese é contrária à Constituição, como afirmo e demonstro a seguir.
Inicialmente, alerto que me referirei aos Procuradores não por querer pessoalizar o debate. O debate é público e entre ideias, e não uma disputa pessoal entre este articulista e os colegas do MPF que assinaram o artigo que irei comentar.
A menção é feita “aos Procuradores” e não “ao MPF”, pois parte dos meus argumentos é justamente que o MPF não pode defender algo contrário à Constituição.
Como disse desde o início, entendo que a ação de improbidade ajuizada é uso inadequado do poder do MPF para atender entendimento pessoal não amparado pela Constituição Federal.
Logo, o melhor caminho é que o próprio MPF evite que seus membros elejam cruzadas não amparadas constitucionalmente.
Não existe autonomia funcional contra a Constituição. Nenhum Procurador pode querer usar o poder de seu cargo/instituição para impor suas ideias e entendimentos pessoais quando os mesmos não encontram guarida na Lei Maior.

Seguem os comentários ao artigo publicado pelos colegas Procuradores do MPF: “Defesa do Estado Laico” - O leitor deverá decidir quem é que, afinal, está defendendo o Estado Laico.
Quem está fazendo isso sou eu, não os Procuradores. Todavia, como tanto eu quanto eles insistimos que somos os reais defensores da laicidade, sugiro ao leitor que leia os argumentos, confronte-os com o bom senso e com a Constituição Federal e decida quem está sendo intolerante.
Inicialmente, repetimos: o Estado é laico, não é ateu. Isso significa que os cidadãos podem escolher desde o ateísmo até qualquer outra forma de ver a religião. A Constituição traz previsão expressa de diversos artigos que demonstram que o Estado não é antirreligioso (art. 5º, VI, VII, VIII, art. 143, §§ 1º e 2º, art. 150, VI, b, art. 210, § 1º).
Assim, qualquer interpretação jurídica saudável deve partir do princípio que a religião é não só tolerada como até mesmo estimulada por ela, sendo a prova maior disso a imunidade tributária constitucional. Já no seu preâmbulo, a Constituição se diz promulgada “sob a proteção de Deus”. Em seguida, opta pela laicidade, deixando claro que respeita a visão de divindade que cada cidadão brasileiro tiver.

Comentemos o artigo

Em benefício do direito à informação, achamos importante prestar alguns esclarecimentos.
Em primeiro lugar, o diretor do Arquivo efetivamente promoveu reuniões em favor da sua religião, e não “encontros” nos quais múltiplas crenças estavam representadas, como afirmou o magistrado.
Em benefício do direito à informação correta, é importante deixar claro que o Diretor do Arquivo promoveu reunião/encontro religioso no horário do almoço e de presença facultativa.
Desconheço haver alguma reunião religiosa em favor de outra religião: é óbvio que qualquer grupo religioso que se reúna seguirá a sua fé.
É nonsense o Procurador reclamar de uma reunião religiosa ser feita “em favor de sua religião”. Nesse ponto, os Procuradores que assinam o artigo criam confusão.
O problema não é a reunião ser “em favor de sua religião”. O problema será se:
(a) a reunião for obrigatória e,
(b) como já disse antes, “violação seria, por exemplo, autorizar a reunião apenas para uma única religião, ou não permitir igual espaço para ateus”.[...] e não “encontros” nos quais múltiplas crenças estavam representadas, como afirmou o magistrado.
Não sei onde os Procuradores leram que eu disse isso, pois não há essa informação no texto. Eu não disse que “múltiplas crenças estavam representadas”.
Como não presumo a má-fé das pessoas, só posso interpretar esse divórcio da realidade como uma leitura bastante equivocada do meu artigo.
Repito: houve uma reunião de uma linha religiosa, o que não viola a laicidade. Esta será violada se qualquer outro grupo religioso (ou grupo ateu) solicitar o mesmo espaço e isto lhes for negado.
O que é errado é prestigiar apenas uma religião ou o ateísmo (no caso, os Procuradores querem prestigiar apenas o ateísmo e isso é que fere o Estado laico).
Os cultos eram semanais e somente cessaram após o fato ter sido denunciado pela imprensa (O GLOBO, 17/7/2016).
Aos ateus, definitivamente, assusta que os religiosos se reúnam semanalmente. Não deveria ser assim: a cerveja de sexta é semanal; o futebol de sábado é semanal; a televisão no domingo à tarde é semanal.
Daí, nenhum problema se a umbanda se reúne na sexta, os judeus e adventistas no sábado e os católicos e evangélicos no domingo.
Se os funcionários querem se reunir toda semana, o que os Procuradores têm com isso? Eles falam de reuniões semanais como se isso fosse algum tipo de crime!
Cabe repetir o que já disse:
– É fato que confraternizações são acontecimentos positivos para o sentimento de equipe e para o bom ambiente de trabalho (que resulta em maior produtividade e menor absenteísmo).
– As religiões, em geral, propõem a paz, a generosidade e o serviço ao próximo, valores que auxiliam tanto o Estado quanto a sociedade. As diversas linhas religiosas contribuem rotineiramente com saúde, educação, filantropia etc., suprindo a inércia do Estado. Há evidente e saudável colaboração recíproca entre o Estado e aqueles que professam alguma religião.
– O Procurador do MPF, ao entender que há improbidade e danos ao Erário, esquece-se do princípio da insignificância e dos benefícios indiretos trazidos pela reunião, bem maiores do que os gastos que alega. Equiparar à corrupção ou aos desmandos uma reunião pacífica para cultivar valores positivos é nonsense.
Por tudo isso, nenhum problema em as reuniões serem semanais, ao contrário, pois os benefícios que elas trazem serão ainda maiores. E se os servidores querem ir lá ao invés de almoçar, isso é problema (e direito) deles. Quem não gosta, basta não ir.
Portanto, a ação trata exatamente da preferência a uma religião em detrimento das demais.
Gente! Que difícil é ter que explicar de novo, mas vamos lá: só haverá “preferência a uma religião em detrimento das demais” se os umbandistas, ou católicos, ou ateus, ou membros da igreja Maradoniana ou qualquer outra solicitarem o espaço em outro dia da semana e forem obstados.
Os adeptos de uma religião se reunirem não implica em “preferência em detrimento de outrem”. Esse erro só ocorrerá no impedimento de outro grupo se reunir.
No meu artigo inicial já havia dado o exemplo do TJ/RJ: há reuniões semanais de católicos num dia, evangélicos em outro e espíritas em outro. E se, por exemplo, os judeus, ou muçulmanos, ou a ATEA (Associação de Ateus e Agnósticos) pedirem um dia, tenho certeza de que será deferido. Se não o for, aí sim estaria sendo desrespeitado o Estado laico.
Em segundo lugar, a liberdade constitucional de culto nada tem a ver com a proibição de que as dependências, equipamentos e servidores de uma instituição pública sejam usados para proselitismo religioso.
Reparem que surge aqui uma nova acusação: proselitismo religioso. Revela-se que os Procuradores se incomodam com esse fenômeno.
Vamos aos erros dessa forma de entendimento:
– Os Procuradores não distinguem proselitismo positivo e negativo. Como as reuniões são facultativas, não há qualquer proselitismo negativo.
– Querer impedir o proselitismo positivo (ou seja, o que não se utiliza de violência ou ameaça) é tentativa de impedir o fenômeno religioso, que é um direito humano e nele tem em uma de suas manifestações.
– O proselitismo é fenômeno que ultrapassa a religião. Parte dos ateus também é proselitista, fazendo da mesma forma suas campanhas etc. E até mesmo flamenguistas, vascaínos, corintianos e palmeirenses, só para dar exemplos, são igualmente proselitistas. Isso não é crime.
– A atuação do Estado face ao proselitismo encontra-se estritamente ligada à proteção concedida à liberdade religiosa e aos direitos do homem, logo, se não se está impedindo a liberdade de quem não quer comparecer à reunião, nem se proibindo que ela ocorra, não há erro a ser corrigido. Em suma, o que viola o Estado laico é alguém que não gosta de religião tentar impedir que quem gosta se reúna (exatamente o que os Procuradores estão fazendo, utilizando-se do poder estatal que ostentam). Todos são livres para fazerem pregações e cultos, mas um arquivo público ou um tribunal não se prestam a esta finalidade, mas sim a outras, do interesse de cidadãos crentes e não crentes.
Essa é a opinião dos Procuradores, a qual não obriga terceiros.

Vejamos, a seguir, o que diz a Constituição da República, a qual obriga a todos, inclusive aos Procuradores.
Ela diz que, sim, que qualquer lugar se presta a esta finalidade. Neste ponto, temos cinco linhas de raciocínio baseadas em textos da CF.
Primeira - a que garante a assistência religiosa:
O art. , inc. VII, da CF diz: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”.
A Lei Federal nº 9.982, de 14/7/2000, dispõe sobre esse inciso constitucional. Segundo ela, no art. 1º, a assistência religiosa constitucionalmente prevista, compreende o seguinte: “Aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis e militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com familiares em caso de doentes que não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.”
Ora, os Procuradores querem que não ocorram pregações e cultos em um arquivo público ou tribunal, isso é evidente. Porém, a Constituição assegura pregações e cultos em hospitais, quartéis e penitenciárias civis e militares.
Diga o leitor: quem está sendo intolerante? Quem está ignorando a Constituição Federal?
Se um hospital, quartel ou penitenciária é lugar de culto nos termos da Constituição, por que não seria também um arquivo ou tribunal?
Vale repetir: desde o STF até o TJ/RJ, temos pregações e cultos das mais variadas linhas religiosas. Ademais, é notório que essa tem sido prática constantemente utilizada em diversos auditórios de órgãos públicos, a exemplo do que ocorre semanalmente, em Brasília, na Câmara dos Deputados, às quartas-feiras, em uma das salas do corredor de comissões, e chegou a se realizar no Auditório Nereu Ramos, em virtude da apresentação de uma cantora gospel.
De acordo com a notícia, além de cultos evangélicos, a Câmara também abre espaço para outras celebrações religiosas, como missas e encontros budistas.
Na mesma linha, há informações de que o Auditório Vereador Aarão Steinbruch, da Câmara dos Vereadores, no Rio de Janeiro, foi palco de um culto evangélico de repercussão tal que se tornou necessário levar cadeiras extras para acomodar mais gente. “De acordo com o cerimonial da Câmara, eventos de caráter religioso, cultural, educacional ou simplesmente de utilidade pública podem ser realizados pelos vereadores. Basta que o interessado encaminhe ofício solicitando a reserva do espaço na data pretendida”.(disponível em: <http://g1.globo.com/…/no-auditorioolaicismo-ficou-de-fora…>).
E mais, a Prefeitura do Rio de Janeiro permite a celebração de cultos em seu auditório desde a gestão de Cesar Maia, e vai continuar na administração de Marcelo Crivella.
"O Estado é laico. O culto é feito por funcionários, assim como tem o grupo dos espíritas e da dança de salão" (disponível em: <http://extra.globo.com/…/divulgacao-de-culto-na-prefeitura-…>).
Mais uma observação: se os evangélicos costumam ter mais reuniões, isso é problema deles. Se outros grupos não têm tanto interesse em se reunir, isso é um direito e uma característica de cada um, não cabendo ao Estado monitorar a frequência das reuniões.
O que não se pode é impedir as reuniões de outros grupos, pois isso sim seria violação da laicidade do Estado. Seja como for, são comuns também reuniões católicas e espíritas, assim como existe notícia de reuniões budistas.
Qualquer desses grupos, ou outros ainda, pode se reunir e isso enriquece nossa diversidade. Lembremos que existe o direito de se reunir, mas não existe o direito de se incomodar com a fé alheia. Isso é intolerância.
Resta uma questão: por que a Constituição fala apenas dos locais de internação coletiva? Seria porque apenas ali caberiam os cultos? Faria sentido isso? Óbvio que não, é claro que se os cultos são admitidos pela CF em algum tipo de estabelecimento estatal (p. Ex., hospital), até por isonomia não se poderia imaginar que seriam proibidos em outro (p. Ex. Arquivo nacional).
A Constituição é expressa ao dizer que a liberdade religiosa, de culto e de assistência religiosa não é perdida nem mesmo quando a pessoa está em estabelecimentos de internação coletiva. A expressa garantia da assistência religiosa em estabelecimentos de internação coletiva é necessária, pois ali a entrada das pessoas não é facultativa, simplesmente isso.
Nos estabelecimentos públicos onde não existe o impedimento de acesso, a simples laicidade do Estado e a liberdade de reunião e de culto já bastam para garantir que as pessoas, num horário de almoço, confraternizem, seja por conta de, repito, um aniversário, um jogo de futebol ou um encontro de pessoas que comungam de uma mesma fé.
Enfim, nos estabelecimentos de internação coletiva a Constituição, além de garantir a liberdade religiosa, garante mais: garante a assistência religiosa. E se essa liberdade e assistência existem em estabelecimentos fechados, não faz qualquer sentido imaginar que não existam nos estabelecimentos abertos.
Segunda – a que garante o livre exercício dos cultos: não bastasse o primeiro raciocínio, ainda podemos citar o art. , VI, da CF: VI - e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; O culto religioso não tem que ocorrer apenas dentro das igrejas.
Se fosse assim, bastaria o artigo dizer:VI - e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; O legislador não utiliza palavras ao léu.
A topografia do artigo demonstra que são garantidas três coisas:(a) a liberdade de consciência e de crença (que é inviolável);(b) o livre exercício dos cultos religiosos (que é assegurado);(c) a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (que é garantida, na forma da lei).
Se o culto fosse protegido apenas dentro das igrejas isto já estaria tratado no termo “locais de culto e suas liturgias”. O fato de a expressão “cultos religiosos” ser citada em trecho anterior e em separado só pode indicar uma coisa: o livre exercício dos cultos é assegurado mesmo fora dos “locais de culto”.
Isso garante, por exemplo, que as pessoas possam orar em locais públicos ou, como no caso em comento, se reunir para cultos em outros locais que não suas igrejas. E este lugar pode ser uma repartição? Sim, desde que não haja prejuízo para o serviço, interpretação adotada pelo TJ/RJ e também pela Ministra Cármem Lúcia, presidente do STF, quando pediu ao arcebispo de Belo Horizonte para benzer seu gabinete.
O “na forma da lei” não está nem no início nem no final do inciso, demonstrando que não é dirigido a todo o dispositivo. A única garantia que depende de lei é a terceira (letra c, acima).
As proteções das letras a e b são de eficácia plena. Terceira – não discriminação (art. 30, CF)É objetivo da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem distinção de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV).
Como já disse antes e ainda terei que repetir, ninguém conceberia alguma ação de improbidade caso o Diretor do Arquivo tivesse autorizado a confraternização de servidores por serem amigos de um aniversariante ou praticantes de Kung Fu.
O que se vê é uma implicância com os religiosos que se tornou verdadeira perseguição. Poder se reunir para qualquer confraternização, salvo a de caráter religioso, é uma evidente discriminação.
Acresça-se que a liberdade religiosa é também assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts. 1º e 2º) adotada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10/12/1948 e assinada pelo Brasil na mesma data.
Quarta – a discricionariedade administrativaO Diretor do Arquivo, ciente dos inúmeros estudos, pesquisas e artigos que demonstram os benefícios do sentimento de equipe, confraternização etc., age dentro da discricionariedade administrativa de quem incentiva a equipe a ter laços fraternos, e tem liberdade para autorizar o uso de sala, seja ela o auditório ou outra qualquer, para que os servidores se reúnam, seja o motivo esportivo, aniversário, ou qualquer outro.
Qualquer livro técnico demonstra que tal fato traz benefícios para a instituição, para a equipe e para a saúde dos participantes.
A verdade é que qualquer reunião amistosa de servidores ou parte deles é acontecimento positivo para o sentimento de equipe e para o bom ambiente de trabalho (que resulta em maior produtividade e menor absenteísmo). Todos tolerados e parte de nossa cultura.
Quinta – a liberdade de reunião Apenas para argumentar, citaremos mais um raciocínio.
Vejam os incisos do art. 5º, a seguir: XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; Alertamos que, ao contrário dos incisos anteriores, estes dois não se referem diretamente ao fenômeno religioso. São utilizados apenas para enriquecer o raciocínio.
O auditório do Arquivo Nacional não é um “local aberto ao público”, mas pode ser um local aberto aos servidores do órgão. O gestor, dentro de sua discricionariedade administrativa, pode proibir ou autorizar o uso do auditório aos servidores do órgão.
Pode, por exemplo, franquear que os servidores utilizem este espaço para relaxar e confraternizar no horário de almoço. Em tempos tão violentos nas ruas, pode até ser boa ideia.
Então, para aquele grupo específico de pessoas, ainda mais sabendo-se que o Estado não deve embaraçar o livre exercício de cultos, pode se aplicar subsidiariamente este inciso. Os servidores, em um local a que têm acesso, reúnem-se pacificamente.
No caso, com autorização; no caso e sempre, desde que não frustrem a paz e direitos de algum outro grupo. Por fim, o inciso XVII garante aos servidores que comunguem algum ponto em comum se associarem.
Podemos ter no Arquivo Nacional, de forma perfeitamente lícita, a associação dos servidores flamenguistas, ou mangueirenses, ou cristãos, ou agnósticos e céticos, ou o que for. E eles poderão, com base em tudo o que expus acima, solicitar e obter do Diretor do órgão o direito de se reunir pacificamente e sem armas para um culto, cujo livre exercício, se é assegurado pela CF até mesmo em instituições de internação coletiva/fechadas, o que se dirá nas abertas.
Seja no Congresso Nacional, nas Forças Armadas, num Tribunal, em qualquer repartição do Executivo, as pessoas vinculadas a estas instituições podem utilizar o espaço coletivo para se reunirem, se associarem, confraternizarem sem motivação profissional – para recreação, lazer, esporte, religião etc.
Se em uma universidade pública é possível que um grupo socialista ou de empreendedores se reúna, ou que se faça uma reunião para tratar de temas de interesse nacional, ou outro qualquer, não faz sentido querer impedir que outras pessoas se reúnam por comungarem de uma mesma fé, ou falta dela (reuniões de ateus, céticos ou agnósticos, igualmente protegidas). Se alguém não quiser ir, que não vá, mas não fique aborrecendo os demais.
Não existe o direito de incomodar, atitude que desde sempre também é falta de educação. Se o Diretor tivesse negado a pretensão de um grupo ateu ou de outra religião de se reunir, aí sim haveria improbidade. Não foi o caso.
Ele não cometeu improbidade alguma, ao contrário de quem tenta puni-lo. Concluindo este item, não quer este articulista que o leitor concorde com seu pensamento ou com o pensamento dos Procuradores: isto é uma decisão pessoal assegurada pela liberdade de crença e de opinião de cada um. O necessário é outra coisa: que o leitor, este articulista e os Procuradores se curvem àquilo que é a Lei das leis, a Lei Maior, a qual, quer os Procuradores gostem ou não, prevê que, ao contrário do que puseram em seu artigo, a Constituição assegura, sim, a presença de “pregações e cultos” em locais coletivos, desde que respeitada a liberdade de crença e igual oportunidade para todos os credos que desejarem, por exemplo, realizar, no horário de seu almoço, um culto em um arquivo público ou tribunal.
Usar o poder estatal de que se está investido para vedar o que a Constituição protege, em tese, pode configurar o crime de prevaricação. (CP, art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”).
E, mais, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, incrimina a discriminação religiosa, apontando para mais um lado de proteção, pelo legislador, dessa garantia, tanto que em 2007, pela Lei nº 11.635, instituiu 21 de janeiro como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
Para além do Direito, cito uma frase esclarecedora de um ateu convicto:
“Eu sou contra a tolerância, porque ela não basta. Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro” (José Saramago).
Nestes termos, acreditar que sua opinião sobre a religião vale mais do que a de outrem, ou mais que aquilo que a Constituição garante, e que pode usar o cargo para impor suas antipatias a quem dela não comunga, é o cúmulo da arrogância e do desvio do bom uso do poder estatal.
A esse respeito, é importante aprofundar a discussão para além do lugar-comum “o Estado é laico, e não ateu”. Não parece que seja tão “lugar-comum” assim, visto que a ação de improbidade ajuizada é, no final das contas, um esforço para tornar as repartições públicas um espaço ateu. Impedir que cultos ocorram é um postulado ateu.
Por isso, precisamos repetir, sim, que “o Estado é laico, e não ateu”. Não é demais lembrar as guerras e perseguições históricas contra os que não professam esta ou aquela crença. Talvez uma das principais lições que podemos extrair da História seja a da importância de se garantir a separação entre o interesse público, representado pelo Estado, e os interesses e valores das várias religiões.
Finalmente, tudo se revela com meridiana clareza. Eis que o artigo que se intitula “Defesa do Estado laico” mostra que os Procuradores que o assinam não gostam mesmo de religião. Isso fica evidente quando se vê um argumento recorrente entre aqueles que querem extirpar a religião dos meios públicos.
Dizem eles: ‘Não é demais lembrar as guerras e perseguições históricas contra os que não professam esta ou aquela crença”.
Eis o argumento! A religião é má! A religião causa guerras! Esta é, dizem os Procuradores, “uma das principais lições que podemos extrair da História”.
Bem, vamos analisar isso. Ninguém discorda de que é lamentável tudo o que temos, na História e nos dias atuais, em termos de guerras e perseguições contra os que não professam esta ou aquela crença.(Aliás, penso que o Diretor do Arquivo Nacional esteja sendo perseguido, estou dando fundamentos sobre isso e friso que isso confirma que não são apenas os religiosos que empreendem perseguições religiosas.)
Mas onde erram os Procuradores? Eles erram ao esquecer que as guerras e perseguições não são um fenômeno religioso, mas humano. Erram também ao ignorar que historicamente havia uma confusão entre o poder estatal e o divino.
Daí, guerras e perseguições travestidas de religiosas eram na verdade guerras e perseguições políticas, fulcradas não nos assuntos e interesses do reino dos céus, mas dos homens. Boa parte das lutas da época da Reforma Protestante ocorria entre ingleses, alemães e franceses.
Mais recentemente, temos outro ótimo exemplo: as disputas entre protestantes e católicos tinham como pano de fundo uma luta entre os invasores ingleses e os nacionalistas irlandeses.
A religião era uma ótima desculpa e um ótimo argumento, mas o que se disputava eram terras e poder terreno. Não é intelectualmente honesto jogar esse culpa na religião.
Mas vamos mais fundo. “Aqueles que professam religião são maus”, “a religião cria guerras”. Ou, como diz Christopher Hitches, autor de “Deus não é grande: como a religião envenena tudo” (Ed. Globo), “A Religião Mata”. Eis os argumentos.
Porém, responde Timothy Keller, autor de “A fé na era do ceticismo: como a razão explica as crenças divinas” (Ed. Campus): Esta visão, porém, apresenta problemas.
Os regimes comunistas da Rússia, da China e do Camboja no século XX rejeitaram toda e qualquer religião e crença em Deus. Precursora disso foi a Revolução Francesa que rejeitou a religião tradicional por razões humanísticas.
Essas sociedades eram racionais e laicas, mas produziram uma violência maciça contra a população mesmo sem a influência da religião. Por quê? Alister McGrath observa que quando desaparece a noção de Deus, a sociedade “transcendentaliza” outra coisa, algum outro conceito, a fim de parecer moral e espiritualmente superior.
Os marxistas transformaram o Estado em um ente absoluto, enquanto os nazistas fizeram o mesmo com a raça e o sangue. Mesmo os ideais de liberdade e igualdade podem ser usados dessa forma para justificar a violência contra os oponentes.
Em 1793, quando foi parar na guilhotina devido a denúncias forjadas, Madame Roland curvou-se diante da estátua que personifica a liberdade na Praça da Bastilha e disse: “Liberdade, quantos crimes são cometidos em seu nome”.
A violência cometida em nome do Cristianismo é uma realidade terrível e precisa ser vista e revista. Nada a desculpa. No século XX, porém, a violência se inspirou tanto no secularismo quanto no absolutismo moral.
As sociedades que se despojaram de todo tipo de religião foram tão opressoras quanto as que se embeberam dela. Só nos resta concluir que existe um impulso violento tão profundamente enraizado no coração humano que ele se expressa independentemente das crenças presentes em qualquer sociedade, seja ela socialista ou capitalista, religiosa ou laica, individualista ou hierárquica.
Um exemplo bem próximo e atual desse fenômeno de uso da força contra o diferente, praticada por não religioso, é justamente se utilizar o poder do Estado (no caso, do MPF) e de uma ação de improbidade administrativa, com penas duríssimas, contra um Diretor de órgão público.
Tudo isso com argumentos bonitos, como “defesa do Estado laico”, mas no fundo querendo impor sua visão (anti) religiosa, a qual não encontra amparo na Constituição Federal. Por fim, o último argumento: deve haver separação entre o Estado e a Igreja.
Concordamos com isso. Aliás, quem primeiro defendeu essa tese, em época em que ninguém falava disso, foi justamente Jesus (coincidentemente, aquele que o articulista cultua como Deus). Cabe a Jesus a frase “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:21).
Esperamos que essa separação entre Estado e Igreja impeça que os Procuradores, usando o poder institucional do MPF, queiram impedir cultos religiosos nos lugares onde existirem professantes de alguma fé.
Desejamos que as lições da História sejam aprendidas e a Humanidade evolua. Toda a História, não apenas um retrato parcial dela.
Desejamos que as novas religiões aprendam com as mais antigas a respeitar as demais. Nesse passo, o Cristianismo, quando por volta de 1.500 anos de idade, praticou grandes barbaridades.
Com o tempo, aprendeu e atualmente apenas alguns radicais incidem no desrespeito ao diferente. Acreditamos que o islamismo aprenda a mesma lição.
E o comunismo também. Sim, segundo o ateu Yuval Noah Harari, o comunismo, o capitalismo e o nacionalismo são religiões. Ele é o autor do Best-seller internacional Sapiens: uma breve história da humanidade (L&PM) e explica bem o comportamento religioso dessas linhas ideológicas.
O fato é que o Cristianismo vem se depurando dos abusos da Idade Média, e torcemos que isso ocorra logo com a intolerância praticada por alguns grupos religiosos e ideológicos da atualidade.
Quem não quiser aparecer nos cultos na hora do almoço, vá fazer outra coisa; quem for de outra religião e quiser se reunir, requeira isso e certamente obterá. Tal princípio encontra-se previsto na Constituição, que proíbe o Estado de manter com representantes de igrejas relações de dependência ou aliança.
A Constituição diz:Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; De início, vemos que é vedado ao MPF, como parte da União, embaraçar o funcionamento de cultos religiosos.
Se este culto ocorre em horário de almoço em repartição pública, temos caso de “colaboração de interesse público”, qual seja: os servidores usam o espaço público, o que gera custos absolutamente irrisórios e insignificantes, e o Estado recebe servidores mais motivados, unidos em sentimento de equipe, resistentes a estresse, com menos absenteísmo, mais dispostos a perdoar e a servir ao próximo.
Se os Procuradores do MPF não concordam com a ocorrência desses benefícios, cabe dizer duas coisas:
(a) recomenda-se a leitura dos estudos científicos sobre o tema e
(b) essa avaliação está amparada pelo mérito administrativo, ou seja, o Diretor do Arquivo Nacional está sob o manto da discricionariedade: se ele entende que tais reuniões são úteis, o Judiciário (e, logo, o MPF) não pode se imiscuir em tal avaliação.
Mais uma vez, o máximo que pode ocorrer é intervenção caso tal gestor impeça a reunião de grupos de outra linha religiosa. A “dependência ou aliança” vedada é aquela que impede que outros cultos sejam respeitados.
Não se pode falar que isso impede o uso do espaço público por um motivo simples: se abrir tal espaço é “subvencionar” um culto, o que não seria então o disposto no art. 150, V, b:Art. 150.
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:VI - instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto;Diz o ditado popular que de apenas duas coisas não estamos livres: “Morte e Impostos”.
Pois o mesmo Estado que os Procuradores corretamente afirmam que não pode ter relação de dependência ou aliança é aquele que não tributa os templos de qualquer culto. Isso mostra claramente que “dependência ou aliança” nada tem a ver com tributos (expressamente citados na CF) e, por maior razão, com o uso da energia elétrica e equipamentos de um auditório no horário de almoço.
Se o Estado não tributa as igrejas, seria razoável levar com alguma seriedade o argumento de que seria do interesse estatal poupar energia elétrica e o desgaste do equipamento de ar-condicionado e som durante o intervalo de almoço? É realmente algo de bom senso que um Procurador queira punição gravíssima para um servidor que liberou o uso de uma sala para reunião de servidores? No caso concreto, os eventos ocorrem há mais de 10 anos naquele local.
A diferença é que ocorriam no pátio sob o sol de 40 graus ou chuva. A mudança não interferiu nas atividades do Arquivo, tampouco na atuação dos servidores. Pelo contrário. Ao dar um espaço mais adequado, protegeu a salubridade e o bem-estar dos mesmos.
Logo, protegeu-se sua dignidade e, por consequência, até mesmo a eficiência prevista no art. 37, caput, da Constituição. Isso tudo não prejudica, mas otimiza o próprio serviço público.
Além disso, estudos demonstram que o sentimento religioso aumenta a resistência ao estresse e às crises pelas quais todos passam cedo ou tarde, assim como tem repercussão na motivação para o serviço.
A inofensividade da conduta é tão evidente que uma repórter da Veja que estava em um dos eventos (que eram abertos a todos) publicou uma matéria.
Aparentemente, foi a partir dessa matéria que o MPF instaurou inquérito civil para investigar o caso. Assim, se o Estado não deve impedir o exercício da fé, tampouco pode permitir que grupos religiosos loteiem ou capturem o serviço público, utilizando as estruturas custeadas por todos para promover seus interesses particulares. Não existe captura nem loteamento algum.
Estamos falando de uma reunião de presença facultativa na hora do almoço. Quanto ao argumento de “estruturas custeadas por todos”, vale lembrar que o objeto da custosíssima ação de improbidade, promovida por procuradores que, assim como os juízes, recebem altíssimos vencimentos, é a energia elétrica e o desgaste do equipamento usado uma vez por semana no horário de almoço.
As horas de trabalho que os Procuradores dedicaram a essa ação de improbidade já custam mais caro do que o que se está pedindo como ressarcimento.
Porém, se houvesse base legal para o pedido, zero problema. A questão é que todo esse dispêndio de tempo e recursos públicos está sendo feito ao arrepio do que prevê a Constituição.
Como disse, sobre haver tanto esforço para impedir cultos e para se pedir o ressarcimento ao erário do gasto com energia elétrica e equipamentos, vale citar Cristo: Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo.
Estou certo que enquanto se discute um culto na hora do almoço, e a energia elétrica e uso do equipamento, que são pequenos mosquitinhos, a União Federal anda engolindo camelos.
Cáfilas e cáfilas de verdadeiros servidores ímprobos desfilam pela República enquanto uma ação de improbidade quer coar um mosquito.
Erro grosseiro comete quem afirma que os defensores da laicidade pregam a intolerância, pois é exatamente o contrário disso: em um mundo impregnado por fundamentalismos, deve-se assegurar o igual respeito a todas as crenças e impedir que os espaços das instituições públicas sejam transformados em púlpitos, como ocorreu no auditório do quase bicentenário Arquivo Nacional.
Novamente, vemos indícios de que os Procuradores têm problemas com a religião, já que, após falar das guerras religiosas da História, falam em “um mundo impregnado de fundamentalismos”.
De fato, o mundo está assim, mas lembremos que isso não é um fenômeno religioso. Citemos também o fundamentalismo comunista, o fundamentalismo humanista, o vegano, o ambiental (por exemplo, atos de violência contra embarcações baleeiras), o feminista (ativistas depredando igrejas) e o ateu (pessoas querendo impedir que os outros se reúnam para cultuar suas divindades).
Mais uma vez, o “igual respeito a todas as crenças” se expressa assegurando-se que caso algum outro grupo religioso ou ateu/cético/agnóstico queira se reunir, tenha o mesmo direito. Se outros grupos não têm tal interesse, nenhum problema, mas que não queiram estorvar e incomodar quem deseja se reunir.
O discurso de “não transformar instituições públicas em púlpitos”, embora aparentemente laico, é falacioso. Vamos mostrar o porquê.
Desde muito tempo atrás, há todo um esforço para excluir do espaço público as manifestações de religiosidade. Assim se pretendeu retirar os crucifixos das repartições e o “Deus seja louvado” do papel-moeda.
Impedir que em determinado momento exista um culto no auditório é um esforço para que, entre outras limitações, naquele específico momento a tribuna não se transforme em púlpito. Inicialmente, vale dizer que “púlpito” tem origem no termo latino “pulpitum”, que significa “plataforma” ou “palco”.
Logo, embora o termo seja mais utilizado dentro de igrejas, qualquer tribuna não deixa de ser, enquanto “plataforma”, também um púlpito.
No caso dos símbolos religiosos, a decisão do CNJ deixou claro que a laicidade não pode se expressar na eliminação dos símbolos religiosos, mas sim na tolerância aos mesmos. Decisão distinta não haverá no caso de reuniões pacíficas por motivo de fé.
O CNJ, ao decidir sobre os símbolos religiosos em repartições públicas confirmou que, em um país que teve formação histórico-cultural cristã é natural a presença de símbolos religiosos em espaços públicos, sem qualquer ofensa à liberdade de crença […], eis que para os agnósticos ou os que professam crença diferenciada, aquele símbolo nada representa, assemelhando-se a um quadro ou escultura, adereços decorativos.
Mais que isso: a decisão revela que a intolerância é de quem deseja a retirada dos símbolos.
A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que a expressão religiosa nos Estados laicos não viola nem o direito de educação das crianças. Assim, no caso concreto, decretou que as escolas públicas dos países europeus estão liberadas para expor símbolos religiosos nas paredes, se assim quiserem.
A decisão foi tomada na reclamação de um casal, que contestava a exposição de crucifixos nas escolas públicas na Itália. Os pais argumentavam que as cruzes nas salas de aula conflitavam com a educação que queriam dar para os filhos. Eles foram derrotados em todas as instâncias no Judiciário italiano, e apelaram à Corte europeia.
O tribunal definiu que teria de interferir se houvesse alguma espécie de discriminação com outras religiões. Como nas escolas italianas há liberdade para os alunos exibirem símbolos de outras religiões, não há que se falar em discriminação.
Nessa decisão há ainda um interessante detalhe: quem defendeu a presença da cruz foi um judeu ortodoxo utilizando um quipá na cabeça.
Na mesma Itália, a Corte de Cassação confirmou a exoneração de um juiz que se recusava a trabalhar enquanto as cruzes não fossem retiradas dos tribunais.
Em suma, todo esse esforço de alguns ateus, céticos e agnósticos não é novo. Seja na questão dos símbolos, seja na tentativa de impedir cultos, há uma tentativa de tornar o Estado ateu. Sim, pois o desejo dos ateus militantes é um país onde nos locais públicos, nas instituições de internação coletiva e nas repartições não exista qualquer expressão do sentimento religioso.
Eles não querem um Estado laico, eles querem um Estado confessional ateu. Essa é a questão. A recusa à existência de Deus, a qualquer religião ou forma de culto a uma divindade não é uma opção neutra, mas transformou-se numa nova modalidade religiosa.
Se por um lado temos um ateísmo como posição filosófica onde não se crê na (s) divindade (s), modernamente tem crescido uma vertente antiteísta. Para tentar definir melhor essa diferença, vale dizer que se discute se budistas e jainistas seriam ou não ateus, por não crerem em divindades além daquela representada pela própria pessoa ou grupo delas, no entanto jamais se discutiria se um budista é ou não antiteísta.
É inegável reconhecer-se que esta nova vertente religiosa tem seus profetas, seus livros sagrados e dogmas. Como a maior parte das religiões, faz proselitismo, busca novos crentes (que nessa vertente de fé, são os “não crentes”, “not believers”, os que optam por crer que não existe Deus algum).
Nenhum problema quanto a isso, salvo quando estes não religiosos militantes querem impedir a livre expressão da religiosidade alheia. Nesse momento, estes ateus militantes não são muito diferentes dos fundamentalistas do Estado Islâmico.
A única diferença é uma certa arrogância intelectual por alegar que se está acima do (segundo alegam) obscurantismo religioso que tanto mal fez ao mundo. Os movimentos desses novos fundamentalistas passam por alguns esforços.
São três as abordagens, como alerta Timothy Keller (ob. Cit.):
A) tornar ilegal a religião, como fizeram a Rússia soviética, a China comunista, o Khmer Vermelho;
B) condenar a religião, mantendo-a sob o controle do governo, como fez, por exemplo, a Alemanha nazista, que tentou criar um controle rígido da prática religiosa;
C) manter a religião totalmente individual. Esse terceiro modelo é explicado por Keller da seguinte forma:Uma abordagem complementar do elemento divisivo da religião é permitir que os indivíduos privadamente creiam que sua fé seja a verdadeira e possam “evangelizar” em prol desta, mas manter fora da esfera pública as crenças religiosas. [...] Rawls é conhecida por insistir que as noções religiosas [...] sejam excluídas do discurso público.
Há pouco tempo, um vasto leque de cientistas e filósofos assinou “Uma Declaração em Defesa da Ciência e do Secularismo”, conclamando os líderes do nosso governo a “não permitir que leis ou atos do Executivo fossem influenciados por crenças religiosas”.
Em suma, há um claro objetivo de afastar os religiosos (não apenas cristãos, mas também judeus, muçulmanos, umbandistas etc.) do espaço público. Pior, alegando “laicidade do Estado”. Excluir Deus do cenário não é ser laico, é ser Estado confessional ateu.
No Brasil, os ateus são bem-vindos, mas os teístas idem. O fato é que há movimentos querendo impedir que haja bancadas ou voto com base no viés religioso.
Repito: querer calar quem fala em Deus é amordaçar, e querer colocar tais assuntos restritos ao interior dos templos é criar guetos. Isto não é admissível em uma democracia nem no Estado laico. Gueto é coisa de nazistas.
A intolerância é ainda mais intolerável (sic) quando seus emissores se valem de armas institucionais para punir aqueles que pensam e creem de forma diversa. Se alguém não gosta de Deus ou do culto ao mesmo, ou de que haja religião, basta não participar.
Cabe a tal pessoa aprender a respeitar a Constituição e a liberdade alheia. O que é inaceitável é que utilize a força institucional do Ministério Público, assim como meios materiais públicos, para tentar impedir que religiosos se reúnam no horário de almoço.
As pessoas escolhem seus candidatos como querem: por serem do Vasco ou do Flamengo, por serem ruralistas, ou gays, ou artistas, até palhaços admitem sem nenhuma grita (e Tiririca me faz sorrir quando é palhaço e quando é deputado, pois não se soube de ter recebido nada ilícito. Parabéns para ele).
O que se insinua é que as pessoas podem escolher votar por qualquer motivo, menos pela fé. Isso tem nome: preconceito, perseguição religiosa, violação dos direitos humanos. Assim, podemos ter reuniões de confraternização por qualquer motivo, salvo um: a fé; podemos votar em alguém por qualquer motivo, salvo um, a fé.
Então, o discurso de que não podemos ter “púlpitos” nas repartições ou que se “loteiem ou capturem o serviço público” é um esforço para que o serviço público tenha apenas um lote, capturado pelo pensamento ateísta. Os ateus são bem-vindos, repito, apenas não podem querer impor sua (falta de) fé.
A solução correta para a hipótese é tolerar e conviver com as diversas manifestações religiosas. Assim, poderão continuar a falar em Jesus, Buda, Maomé, Allan Kardec ou São Jorge sem que ninguém deva se ofender com isso.
O Estado deve ficar equidistante das inúmeras, infinitamente inúmeras, formas de se pensar o tema fé. Não ter fé e não apreciar símbolos religiosos é apenas uma delas, respeitabilíssima, mas apenas uma delas. Perseguição religiosa haveria se a Justiça proibisse cultos em locais privados ou a ocupação de ruas ou praças para a realização de festas ou procissões, o que não é o caso.
Exatamente a terceira linha de tentativa de eliminação da fé: limitá-la aos espaços privados. Não se sabe de onde alguns ateus tiram a ideia de que sua forma de ver é superior à dos demais e por isso a única a ser aceita em espaços públicos. Quanto à referência às festas e procissões, não se enganem os leitores.
Após retirar os símbolos religiosos e os cultos das repartições, e os votos com base religiosa, após se colocar a maior parte da expressão religiosa em espaços individuais e privados, o próximo passo será dizer que a procissão incomoda quem não tem fé, que outros grupos religiosos não fazem procissões etc. Este é um movimento progressivo.
Impedir os cultos em repartições é só parte do processo. Ao contrário do que dizem os ilustres Procuradores, a medida não se limitará aos ambientes de atendimento ao público.
O próximo passo será proibir também os símbolos na mesa de trabalho, seja porque o ambiente pertence ao serviço público, seja porque em tese poderia ofender algum colega que visualizasse o símbolo.
No final, como se prenuncia no poema “No caminho, com Maiakovski”, o culto e a devoção terão que ser feitos em sigilo, sempre sob a ameaça de que alguém poderá se ofender com a religião do próximo.
A comparação a Hitler, feita pelo magistrado, não poderia ser mais infeliz pois, em tempos como os atuais, nos quais vem se tornando comum prefeitos entregarem “a Deus” as chaves do município, não há nada mais a favor da liberdade do que defender a laicidade estatal como valor democrático necessário à convivência pacífica de múltiplas visões de mundo.
A comparação com Hitler, embora desagradável, é adequada, pois o nazismo é o melhor exemplo da colocação do diferente fora dos espaços públicos, ou seja, em guetos. Quanto aos prefeitos que entregam chaves do Município, que o Ministério Público ou qualquer cidadão tomem as devidas providências lá.
Não se pode punir uma pessoa pelo erro do outro, isso é um conceito básico. Se os Procuradores desejam uma “convivência pacífica de múltiplas visões de mundo” deveriam parar de implicar/perseguir quem quer se reunir para um culto.
Mais do que tolerância, a neutralidade exigida pelo Estado laico assegura o respeito à liberdade religiosa de todos. Exatamente essa neutralidade impede que o Estado brasileiro elimine a expressão religiosa nos locais públicos e nas repartições públicas, pois fazer isso seria optar pelos postulados do Estado confessional ateu.

Conclusão
Sendo um homem de fé não só religiosa, mas também no Judiciário, nas ideias, na Constituição, nos argumentos, na boa-fé, espero que as pessoas, analisando os argumentos de forma isenta, percebam que se há algum mau uso do aparato estatal, não é do Diretor do Arquivo Nacional que isso procede.
Espero que todos percebam e concordem, e se oponham, a que qualquer grupo (cristão, muçulmano, ateu, humanista ou o que for) possa impedir que outros exerçam sua liberdade de pensamento, opinião, fé, reunião e expressão religiosa.
Espero que o Ministério Público e o Judiciário respeitem a discricionariedade administrativa e que só intervenham nos demais Poderes, Executivo e Legislativo, quando estivermos diante de uma real ilegalidade.
Que só chamem de improbidade aquilo que realmente for ímprobo, e que não coem mosquitos e engulam camelos.
Por fim, como disse anteriormente, que a intolerância pare de ser tolerada, que não haja perseguição religiosa movida com as armas do Estado e que os que dispõem de meios públicos deixem de desperdiçar o tempo, o dinheiro e a paciência do contribuinte.

Fonte: O GLOBO/Facebook

https://examedaoab.jusbrasil.com.br/noticias/446167193/decida-o-leitor-quem-e-o-laico-quem-e-o-intolerante?utm_campaign=newsletter-daily_20170405_5102&utm_medium=email&utm_source=newsletter

OAB defenderá, no STF, regra que obriga cartório a aceitar casamento gay

A favor de uma regra do Conselho Nacional de Justiça que manda cartórios celebrarem casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decidiu participar como amicus curiae em Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o tema.
Publicada em 2013 na gestão Joaquim Barbosa, a Resolução 175 do CNJ foi questionada naquele mesmo ano pelo Partido Social Cristão. A sigla entende que o conselho praticou abuso de poder ao editar norma “estranha à sua competência”, por avaliar que uma discussão dessa natureza só poderia ter ocorrido no Legislativo. O partido alega que, ao analisar o tema em 2011, o Supremo reconheceu apenas a união estável entre pessoas de mesmo sexo, mas não tratou do casamento civil.
Passados quatro anos desde que foi apresentada a ADI, o Conselho Pleno da OAB decidiu na terça-feira (4/4) que vai pedir o ingresso no processo para contribuir com o debate. Caso seja aceita pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso, a Ordem pretende apresentar um estudo.
Segundo a entidade, o Supremo já demonstrou que “o Judiciário é guardião incontestável dos princípios constitucionais, ainda que a legislação seja omissa” e “vem cumprindo fielmente com o seu dever de assegurar a inclusão de todas as pessoas e famílias sob o manto da tutela jurídica, se apartando de posturas arbitrariamente discriminatórias e homofóbicas”.
“Os indivíduos possuem o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, afastando-se empecilhos discriminatórios. Garantir formalmente a possibilidade das pessoas se relacionarem e constituírem famílias, com a composição que desejam, é pressuposto que privilegia os princípios constitucionais da igualdade, liberdade, da laicidade estatal e do direito à busca da felicidade", afirma nota da OAB.
Sobre a alegação de que o CNJ teria invadido campo do Congresso, a OAB afirmou em parecer que “a inércia do Legislativo em legislar não deve configurar óbice à autoridade do Poder Judiciário, o qual deve buscar pelo cumprimento de suas decisões em atendimento a sua independência e caráter autônomo, prerrogativas que são decorrentes do princípio da separação dos poderes”. 
Amicus curiae
Os argumentos apresentados pela OAB são semelhantes aos já defendidos por outras entidades que também buscam ingressar como amicus curiae. Sete entidades fizeram o pedido até hoje, e duas tiveram o pedido atendido: Partido Socialismo e Liberdade (PSol) e Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro (Arpen-RJ), ambos a favor da resolução do CNJ.
Também favoráveis à regra pediram ingresso na ADI como amigo da corte o Partido Popular Socialista (PPS), o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a Conectas Direitos Humanos e a Sociedade Brasileira de Direito Público.
Contra a resolução do CNJ, apenas a Associação Eduardo Banks pediu ingresso. A entidade afirma que a única intenção por traz do ato normativo "é o populismo e a demagogia". Além de repetir os argumentos do autor da ADI, de que o CNJ extrapolou sua competência, a Associação Eduardo Banks diz que a resolução abre precedente para o incesto.
"Ao aprovar a 'união homoafetiva' como regra de conduta a ser tomada pelos juízos de paz, a qualquer momento algum 'casal' formado por irmãos ou ascendente/descendente irá, fatalmente, pedir o reconhecimento do 'casamento civil' entre eles, contornando o óbice do artigo 1.521 do Código Civil, e até alegando a sua inconstitucionalidade", diz trecho da petição.
"Mesmo não tendo nada contra os homossexuais, a entidade amicus curiae assinala que ao se erigir o afeto como parâmetro para o reconhecimento e validade das uniões sexuais, inclusive sob a forma do casamento, então qualquer afeto não-criminoso se tornará válido, e gerador de direitos", complementa.
ADI 4.666
Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2017, 18h40
http://www.conjur.com.br/2017-abr-08/oab-defendera-stf-obrigacao-cartorio-aceitar-casamento-gay

Thomas Hobbes e as discussões sobre o papel dos juízes e do ativismo judicial

Por 

Leviatã é referência a lugar-comum na Teoria Geral do Estado. O Leviatã (1651) que dá o título à obra de Thomas Hobbes[1] é identificado recorrentemente com o Estado em sua dimensão mais onipotente. Trata-se de um monstro bíblico, mencionado no Antigo Testamento, no Livro de Jó. O Leviatã tem muita força, “os seus ossos são fortes como canos de bronze, e as suas pernas são como barras de ferro”[2]. Ninguém é capaz de cegá-lo ou de agarrá-lo ou de prender o seu focinho numa armadilha[3]. O recurso à metáfora é meramente simbólico, mas eficiente. O Leviatã, em seu sentido secular e contemporâneo, não é nada coerente e muito menos competente, é uma ameaça permanente para o Estado Democrático de Direito[4]. O Leviatã simboliza o absolutismo governamental.
Trata-se de um livro frequentemente citado, talvez não tão lido assim. O livro de Hobbes, que para muitos é um saltério, é um clássico, e clássicos raramente são lidos; com mais frequência são relidos... Redigido por quem se via espremido entre aqueles que se batiam por excessiva liberdade ou por expressiva autoridade, o Leviatã evidenciava a dificuldade em se “passar sem ferimentos por entre as lanças de cada um”[5]. Quanto ao ser fantástico, persiste a advertência bíblica: “Só de olhar para o monstro Leviatã as pessoas perdem a coragem e desmaiam de medo (...) se alguém o provoca, ele fica furioso. Quem se arriscaria a desafiá-lo? Quem pode enfrentá-lo sem sair ferido?”[6]. Assustador.
Dividido em quatro partes (Do Homem, Da República, da República Cristã e Do Reino das Trevas), o famoso livro de Hobbes é um desafio para nossos tempos; exige paciência e obsessão para o enfrentamento de temas tão aparentemente desconexos como “das trevas resultantes da vã filosofia e da tradições fabulosas”[7] ou “do número, antiguidade, alcance, autoridade e intérpretes dos livros das Sagradas Escrituras”[8]. No entanto, a leitura, para quem tem resignação, é gratificante, sobremodo pelo painel dos problemas humanos alavancados: a política e a religião estão no centro desse cartapácio.
O recurso às comparações retóricas é instigante. Para Hobbes, Leviatã equivalia à República, ou o Estado (a Civitas dos romanos), “que não é senão um homem artificial, embora de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado”[9]. A soberania substancializaria alma artificial que confere vida e movimento ao corpo inteiro[10]. O corpo político, reflexo do corpo humano, se completaria com os magistrados e outros funcionários judiciais ou executivos, que atuariam como juntas artificiais; os nervos significariam recompensas e castigos[11]. Resumidamente, o Estado resultaria da soberania (sua alma), das juntas (magistrados e funcionários), dos nervos (recompensas e castigos), da força (riqueza e prosperidade), todos sob o objetivo de realizar uma tarefa importante (a segurança).
As passagens nas quais Hobbes trata das juntas (isto é, dos magistrados) sugerem algumas reflexões, que podem propiciar algum insumo para discussões contemporâneas relativas ao papel dos juízes e do ativismo judicial em uma democracia. O problema parece-me até geracional. Quando frequentei a faculdade (década de 1980), meus professores (entre eles Alfredo Faoro, um legítimo scholar, como seu irmão, Raymundo Faoro) insistiam que juízes não poderiam ser autônomos intérpretes da lei (de acordo coma imagem de Montesquieu). Passados 30 anos (pouco mais de uma geração), essa lógica parece ser invertida: há apelos para contenção e deferência para com a lei posta[12].
Hobbes condenava o árbitro que julgava em causa própria; isto é, “como a equidade atribui a cada parte um benefício igual, à falta de árbitro adequado, se um for aceito como juiz o outro também o deve ser; dessa maneira a controvérsia (...) a causa da guerra, permanece contrário à lei da natureza”[13]; de tal modo, continuava Hobbes, “em nenhuma causa alguém pode ser aceito como árbitro, se aparentemente para ele resultar mais proveito, honra ou prazer com a vitória de uma das partes do que com a da outra”[14]. É o mantra da neutralidade.
O filósofo inglês insistia na contenção dos magistrado e na deferência para com a lei posta. Afirmava que “o juiz subordinado deve levar em conta a razão que levou o soberano a fazer determinada lei, para que sua sentença seja conforme a esta, e nesse caso a sentença é do soberano, caso contrário é dele mesmo, e é injusta”[15]. Se concedermos que “soberano” poderia metaforicamente significar a “vontade popular”, fecha-se o quadro propositivo da contenção e da deferência. Hobbes era um positivista:
“As aptidões necessárias a um bom intérprete da lei, que dizer, a um bom juiz, não são as mesmas de um advogado, a saber, o estudo das leis. Porque um juiz, assim como deve tomar conhecimento dos fatos exclusivamente pelas testemunhas, também não deve tomar conhecimento da lei por intermédio de nada que não sejam as promulgações e constituições do soberano, alegados no pleito (...) e não precisa se preocupar antecipadamente com o que vai julgar, porque o que vai dizer relativamente aos fatos ser-lhe-á dado pelas testemunhas, e o que deverá dizer em matéria de lei ser-lhe-á dado por aqueles que nas suas alegações se mostrarem, o que por autoridade interpretará no próprio local”[16].
Para o filósofo inglês, “a sabedoria não se adquire pela leitura dos livros, mas dos homens”[17]; o problema, e a advertência é de Hobbes, é que “aquele que vai governar uma nação inteira deve ler, em si mesmo, não este ou aquele indivíduo em particular, mas o gênero humano”[18]. Essa leitura, do gênero humano, parece-me, impossível, desconcertante e ardilosa, sugerindo uma nova política, que brota dos conflitos pelos quais passamos. Voltamos, para o bem ou para o mal, para os tempos de Hobbes, porque constatamos que o verdadeiro e o falso são atributos da linguagem, e não das coisas[19]. Manda quem tem o poder de afirmar sua verdade.
Os tempos de Hobbes eram muito diferentes dos nossos. Os desafios do Estado e as expectativas das pessoas divergiam das nossas. O que era então uma disfunção da política, pode ser hoje uma alternativa para a sobrevivência da própria política. O que intriga, no entanto, não é a política, nem mesmo o papel da magistratura. O que intriga é a perenidade e a recorrência dos enigmas humanos; afinal, como Hobbes, permanecemos como pessoas que amamos as próprias opiniões e que acreditamos em tudo o que dizemos[20]. Acrescentaria tão somente que nunca sabemos quando temos razão: é porque talvez nunca a temos.


[1] Entre as várias versões, sugiro Hobbes, Thomas, Leviatã, São Paulo: Martins Fontes, 2003. Tradução de João Paulo Monteiro e de Maria Beatriz Nizza da Silva.
[2] Jó, 40:18.
[3] Jó, 40: 24.
[4] O uso da imagem de Leviatã é recorrente. Exemplifico, entre outros, com a obra de Antonio Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan- Instituições e Poder Pólitico- Portugal- séc. XVII, Coimbra: Almedina, 1994.
[5] Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 5.
[6] Jó, 41: 9-10.
[7] Hobbes, Thomas, Leviatã, cit. parte IV, capítulo XLVI.
[8] Hobbes, Thomas, Leviatã, cit. parte II, capítulo XXXIII.
[9] Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 11.
[10] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., loc. cit.
[11] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., loc. cit.
[12] Exemplificativa da premissa é a obra de Jeremy Waldron. Conferir, desse autor, Law and Desagreement, Oxford: Oxford University Press, 2008.
[13] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 134.
[14] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 135.
[15] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 230.
[16] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., pp. 239-240.
[17] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 12.
[18] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 13.
[19] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 34.
[20] Cf. Hobbes, Thomas, Leviatã, cit., p. 6. 
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela USP e doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Tem MBA pela FGV-ESAF e pós-doutorados pela Universidade de Boston (Direito Comparado), pela UnB (Teoria Literária) e pela PUC-RS (Direito Constitucional). Professor e pesquisador visitante na Universidade da Califórnia (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).
Revista Consultor Jurídico, 9 de abril de 2017, 8h05
http://www.conjur.com.br/2017-abr-09/embargos-culturais-thomas-hobbes-papel-juizes-ativismo-judicial