domingo, 23 de abril de 2017

Debate sobre o Estatuto da Pessoa com Deficiência com José Fernando Simão

Publicado por Flávio Tartuce

JORNAL CARTA FORENSE.
CAPA DE ABRIL DE 2017.
DEBATE COM JOSÉ FERNANDO SIMÃO.

Estão todos os interditados livres da incapacidade ou precisamos de sentença para levantar as interdições?

Não, com sentença.

Flávio Tartuce[1]

O Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei n. 13.146/2015 – trouxe importantes mudanças na teoria das incapacidades, alterando substancialmente os arts. e do Código Civil, bem como o sistema da curatela. A norma regulamentou a Convenção de Nova Iorque, tratado de direitos humanos do qual o País é signatário e que tem força de Emenda à Constituição, pelo que consta do art. 5º, § 3º, do Texto Maior.

A citada lei visa à inclusão da pessoa com deficiência, definida como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. da Lei n. 13.146/2015). São seus fundamentos, entre outros, a equalização de direitos e a não discriminação, havendo a substituição da premissa da dignidade-vulnerabilidade pela dignidade-igualdade.

Como já desenvolvi em outros textos, e também em palestras e exposições, o EPD gerou uma série de problemas jurídicos, destacando-se a ausência de qualquer previsão a respeito de maiores que sejam absolutamente incapazes e os atropelamentos legislativos provocados pelo Novo Código de Processo Civil. Na atualidade, a ilustrar, não se sabe ao certo qual a ação cabível em casos de reconhecimento de incapacidade, se a ação de interdição – como está no CPC/2015 –, ou se a ação de nomeação de curador – como pretende, na essência, o citado Estatuto. Muitos dos problemas da novel legislação tendem a ser resolvidos – e espero que o sejam –, por meio do Projeto de Lei n. 757/2015, em curso no Senado Federal.

Uma dessas questões pendentes diz respeito à situação das pessoas que se encontram interditadas quando da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Passam elas a ser automaticamente capazes ou há necessidade de uma ação – e consequente sentença –, para o levantamento da interdição? Na doutrina, existem duas correntes bem definidas sobre o tema.

Para a primeira vertente, os portadores de deficiência passam a ser plenamente capazes com a emergência do EPD. Nessa esteira, opina José Fernando Simão que “todas as pessoas que foram interditadas em razão de enfermidade ou deficiência mental passam, com a entrada em vigor do Estatuto, a serem consideradas plenamente capazes. Trata-se de lei de estado. Ser capaz ou incapaz é parte do estado da pessoa natural. A lei de estado tem eficácia imediata e o levantamento da interdição é desnecessário. Ainda, não serão mais considerados incapazes, a partir da vigência da lei, nenhuma pessoa enferma, nem deficiente mental, nem excepcional (redação expressa do artigo 6º do Estatuto)” (Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte I). Disponível em:. Acesso em: 14 mar. 2017).

De outra banda, posiciona-se Pablo Stolze Gagliano no sentido de ser necessária uma ação de reabilitação ou de levantamento da interdição com tais fins: “não sendo o caso de se intentar o levantamento da interdição ou se ingressar com novo pedido de tomada de decisão apoiada, os termos de curatela já lavrados e expedidos continuam válidos, embora a sua eficácia esteja limitada aos termos do Estatuto, ou seja, deverão ser interpretados em nova perspectiva, para justificar a legitimidade e autorizar o curador apenas quanto à prática de atos patrimoniais. Seria temerário, com sério risco à segurança jurídica e social, considerar, a partir do Estatuto, ‘automaticamente’ inválidos e ineficazes os milhares − ou milhões − de termos de curatela existentes no Brasil. Até porque, como já salientei, mesmo após o Estatuto, a curatela não deixa de existir” (É o fim da interdição? Disponível em:. Acesso em: 14 mar. 2017).

Entre uma corrente e outra, estou filiado à segunda posição, pelos argumentos desenvolvidos por Pablo Stolze, os quais subscrevo, especialmente com base na estabilidade social e na proteção do ato jurídico perfeito (art. , XXXVI, da CF/1988). Por isso, sugeri, em parecer dado ao Projeto de Lei n. 757/2015 e a pedido do Senador Antonio Carlos Valadares, que, para os casos de pessoas que se encontrarem interditadas na entrada em vigor da Lei n. 13.146/2015, será necessária uma ação de levantamento da interdição, para o retorno da plena capacidade civil.

Cumpre observar que, na prática, julgados estaduais não só reconhecem essa necessidade de levantamento da interdição, como trazem a imperiosa verificação do enquadramento dos deficientes como relativamente incapazes, ou não. A título de exemplo, fazendo tal análise, do Tribunal Gaúcho entendeu-se que: “diante das alterações feitas no Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015), o apelante não pode ser mais considerado absolutamente incapaz para os atos da vida civil. A sua patologia psiquiátrica (CID 10 F20.0, Esquizofrenia) configura hipótese de incapacidade relativa (art. , inciso III, e 1.767, inciso I do CC, com a nova redação dada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência), não sendo caso de curatela ilimitada. Caso em que o recurso vai parcialmente provido, para reconhecer a incapacidade relativa do apelante, mantendo-lhe o mesmo curador e fixando-se a extensão da curatela, nos termos do artigo 755, inciso I, do CPC/15, à prática de atos de conteúdo patrimonial e negocial, bem como ao gerenciamento de seu tratamento de saúde” (TJRS, Apelação Cível 70069713683, Oitava Câmara Cível, Relator Rui Portanova, julgado em 15/9/2016).

Com o devido respeito, considerar que a pessoa interditada passa a ser plenamente capaz com a emergência do EPD afasta essa análise pontual, de acordo com o caso concreto, o que é primaz para a correta efetividade da curatela e para a estabilidade do Direito Civil. Como tenho escrito e defendido, o Estatuto traz uma análise mais maleável da situação existencial da pessoa com deficiência, o que somente é concretizado por meio de uma nova análise do seu enquadramento.

Estão todos os interditados livres da incapacidade ou precisamos de sentença para levantar as interdições?

Sim, sem sentença.

José Fernando Simão.[2]

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/2015, representou uma mudança radical para o Direito Civil ao abalar a milenar teoria das incapacidades.

A proposta inclusiva do Estatuto é clara: a pessoa com deficiência não tem uma doença, por isso não se utiliza o termo “portador de Síndrome de Down”. A pessoa com deficiência é igual às demais e por isso não precisa de receber a proteção decorrente da incapacidade. A pessoa com deficiência, pelo Estatuto, não pode ser chamada de deficiente.

Nessa esteira, cabe lembrar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência é decorrente da Convenção de Nova Iorque que, além de versar sobre Direitos Humanos e ter status de emenda constitucional, reflete a mais moderna visão inclusiva que dá concretude à dignidade da pessoa humana.

Bem, se o Estatuto acertou ou errou em sua orientação, é tema que já debati à exaustão e, portanto, não será objeto da presente reflexão. Entendo que errou, e muito, na alteração das regras concernentes à capacidade de fato.

O artigo 6º do Estatuto deixa clara sua premissa: “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”. Isso se reforça com a previsão do artigo 84: “a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Em razão dessa premissa há a revogação de dois incisos do artigo do Código Civil, que cuida da incapacidade absoluta e de um inciso do art. que cuida da incapacidade relativa.

Foram suprimidos os seguintes dispositivos do Código Civil:
a) os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos (art. 3º, II);
b) os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (art. 3º, III);
c) os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo (art. 4º, III).

O resultado da mudança é que, após a vigência do Estatuto, só há uma hipotese de incapacidade relativa: os menores de 16 anos. Por outro lado, há uma nova hipótese de incapacidade relativa: “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”.

Resta, então, uma questão: as pessoas que foram interditadas, ou seja, consideradas incapazes com base nos dispositivos do Código Civil revogados pelo Estatuto, passam a ser capazes automaticamente ou será necessária uma sentença de levantamento da interdição?

A resposta é: todos aqueles que estavam interditados passaram a ser automaticamente capazes por força da vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, independentemente de nova decisão judicial. Alguns argumentos são a base dessa orientação.

A – Lei de estado tem eficácia imediata.

A capacidade (ou a incapacidade), assim como a maioridade (ou menoridade) são indicativos do estado da pessoa natural. Apesar de se imaginar que apenas a situação familiar é indicativa de estado civil (solteiro, casado, divorciado etc), a capacidade também faz parte dessa qualidade.

As leis de estado têm eficácia imediata e atingem todos que se encontram naquela situação. Exemplifico. Quando o Código Civil de 2002 reduziu a idade da capacidade civil (de 21 anos para 18 anos), em janeiro de 2003 (início da vigência do atual Código), todas as pessoas que tinham 18, 19 e 20 anos passaram a ser automaticamente maiores, logo capazes, mesmo tendo nascido na vigência do antigo Código Civil. Mudou a lei, mudou o estado da pessoa natural automaticamente.

Pergunta que se lança: por que quando a Emenda Constitucional 66-2010 aboliu a separação judicial por força da alteração do art. 226, par.6º da Constituição, todas as pessoas separadas judicialmente não passaram, automaticamente, para o estado de divorciados?

Estamos também tratando de lei de Estado, é verdade, mas nessa situação a situação de casado, separado judicialmente ou divorciado pressupõe a vontade da pessoa natural. Estamos diante de atos jurídicos em sentido amplo (para alguns seriam negócios jurídicos inclusive), ou seja, sem o elemento vontade eles sequer existem. A mudança da lei não transforma casados em divorciados, nem separados em divorciados, nem solteiros em casados.

Assim, a capacidade em razão da idade ou de uma doença é um fato natural que não depende da vontade. É a lei que cincede ou retira, queria o sujeito ou não. Por essa razão não se pode comparar a mudança de estado em razão da idade ou ou doença (fato jurídico) com a separação ou divórcio (vontade é a base).

B – A automática capacidade está de acordo com o espírito do Estatuto.

Os dispositivos do Estatuto, cujo objetivo é a inclusão da pessoa com deficiência, concedem à pessoa com deficiência capacidade plena (arts. 6 e 84 do Estatuto).

Aliás, o próprio Estatuto sequer permite que a interdição subsista (o processo desapareceu do sistema). Pode haver um processo de nomeação do curador ou de tomada de decisão apoiada (vide art. 85 do Estatuto).

A redação da lei não deixa dúvida que mudou-se a concepção de curatela! É medida excepcional e exige maiores investigações da situação da pessoa para se deferir a curatela, bem como definir sua extensão.

Vejamos a nova redação dos artigos do Código Civil:

“Art. 1.771. Antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela, o juiz, que deverá ser assistido por equipe multidisciplinar, entrevistará pessoalmente o interditando.”

“Art. 1.772. O juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador.

Parágrafo único. Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa.”

Nas antigas e atuais interdições, nada disso foi considerado. Não houve equipe multidisciplinar, nem houve análise das potencialidades da pessoa com deficiência. Essas são razões preponderantes para as interdições não subsistirem.

C – Não há lei que justifique a incapacidade da pessoa com deficiência.

Agora temos um derradeiro argumento. As sentenças foram proferidas sobre dispositivos já revogados. Não há como sem manter decisão com base em lei revogada.

Explico. A interdição leva em conta a incapacidade. Se não há incapacidade em razão de doença ou deficiência, a propositura de uma ação para comprar a revogação do texto de lei seria processo inútil e custoso. Qual seria o contraditório a ser estabelecido? Sobre a revogação dos dispositivos do CC? E seria custoso em termos de esforço do Poder Judiciário para dizer o óbvio: não há mais interdição, nem incapacidade em razão de deficiência.

Em suma, não mais qualquer pessoa interditada por deficiência, com base nos incisos II e III do art. do CC, nem com base no art. 4o, III do CC, desde janeiro de 2016, independentemente de nova decisão judicial.



[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Coordenador da pós-graduação online em Advocacia do Direito Negocial e Imobiliário da Escola Brasileiro de Direito (EBRADI). Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

[2] Advogado. Professor Associado da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco/USP. Livre-docente, Doutor e Mestre em Direito Civil pela USP. Professor e coordenador do CPJUR. Diretor Nacional e Estadual do IBDFAM. Autor da Editora Atlas.

Ex-companheira e viúva devem dividir pensão por morte de servidor

Publicado por Correção FGTS

O Estado tem o dever de conceder a ex-companheira dependente a mesma proteção dada à viúva, pois o formalismo ordinário não deve prevalecer sobre a tutela constitucional à família. Esse foi o entendimento da 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região ao garantir à ex-companheira de um servidor público o direito de receber 20% da pensão que a viúva dele recebe.

O valor equivale ao percentual que ela recebia como pensão alimentícia quando o funcionário era vivo. Para comprovar sua convivência com o servidor, a autora da ação juntou ao processo a declaração de união estável, por escritura pública, firmada em 1996.

Segundo a relatora do processo, juíza federal convocada Noemi Martins, a Constituição Federal estabeleceu que o Estado deve preservar a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. Ela afirmou que a ausência de designação prévia da autora, como companheira do servidor, não impede a pensão.

“O Estado comprometeu-se constitucionalmente a tutelar a unidade familiar, não podendo deixar de fazê-lo sob o pretexto do não preenchimento de formalidade instituída em lei ordinária”, afirmou no voto. Para a relatora, o fato de o servidor ter se casado com outra pessoa não descaracteriza a continuidade da dependência econômica da autora em relação a ele.

Na apelação, a autora tentava aumentar a cota de 20%. A juíza entendeu que o rateio do benefício deve ser mantido tal como determinado pela sentença, uma vez que, nos termos do disposto nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil, a parte autora fixa os limites da lide na petição inicial, sendo defeso ao juiz proferir sentença "ultra", "citra" ou "extra petita", ou seja, além, abaixo ou fora do pedido.

Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-3.

Apelação 0001303-96.2005.4.03.6000

https://correcaofgts.jusbrasil.com.br/noticias/448214618/ex-companheira-e-viuva-devem-dividir-pensao-por-morte-de-servidor?utm_campaign=newsletter-daily_20170411_5128&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Se eu abandonar o lar conjugal, perco meus direitos?

Publicado por Paulo Henrique Brunetti Cruz

Será que o abandono de lar gera a perda do direito de quem sai de casa? Ouço muito essa pergunta ainda hoje, de pessoas das mais variadas classes sociais.

Essa questão está cheia de mitos, porém, há alguns pontos em que existe alguma razão.

Antes de qualquer coisa, é importante destacar que todas as vezes que me referir a casamento e marido/mulher, toda a argumentação serve também para a união estável (companheiro/companheira).

O principal mito que vejo no cotidiano é a pessoa achar que vai perder direito aos bens do casamento se sair do lar conjugal. Isso não é verdade. Mesmo se um dos cônjuges tiver infringido as maiores regras de um casamento, continuará tendo intacto o direito à sua cota na partilha de bens (meação).

Outra fábula é a de que quem deixa a casa perde o direito à guarda dos filhos. Ora, se uma mulher apanha do marido todos os dias, ou o inverso, e resolve sair do lar, quem irá perder a guarda é o cônjuge agressor.

É claro que se os filhos ficam para trás, quem fica em casa mantém a guarda provisória, a qual, todavia, é plenamente reversível ao cônjuge inocente na sequência, através de liminar.

Aliás, não é porque ambos ficaram no lar conjugal que um deles conservará a guarda para si. Portanto, o sacrifício que muitas pessoas passam pensando estar protegendo a guarda, na verdade é em vão[1]. É importante que isso fique claro.

Por outro lado, algumas verdades existem quanto ao abandono de lar.

A primeira delas diz respeito à posse dos bens até a partilha no divórcio. Com efeito, quem fica no imóvel do casal conservará a posse em detrimento de quem saiu, até que o bem seja dividido, salvo determinação judicial em contrário. O mesmo ocorre quanto ao mobiliário.

A segunda e mais importante é a possibilidade de usucapião em benefício do cônjuge que permanece no lar conjugal, desde que cumpridos os requisitos legais.

Antes de analisar quais são os pressupostos para a usucapião, mister salientar que não é a mera saída da casa que será considerada abandono do lar.

Se um dos cônjuges sair de casa por comum acordo, permitindo que o outro ali permaneça, ou se saiu, porém continua se responsabilizando pelo imóvel[2], não há que se falar em direito de usucapir.

Nesse caso, a pessoa simplesmente saiu do lar conjugal, não o abandonou. O critério não é a porta que se fecha, e sim a intenção do cônjuge que saiu de não mais se responsabilizar pelo imóvel.

De fato, quem permanece na casa deverá agir com ânimo de dono (animus domini), ou seja, pagando toda a manutenção e tributos do imóvel. Do contrário, o cônjuge que permanece estará no imóvel por ato de mera liberalidade/tolerância de quem saiu, sendo considerado mero detentor[3].

Aliado a isso, também deve caracterizar o abandono de lar um verdadeiro abandono familiar. Se quem partiu simplesmente deixou a família sem qualquer amparo, aí sim se fala em usucapião.

Caso o abandono tenha sido somente quanto ao imóvel, porém mantendo-se a assistência familiar, novamente não tem lugar o direito usucapiendo[4].

Eis então os requisitos para a usucapião familiar[5]:
Que um dos cônjuges tenha saído do imóvel onde morava o casal;
Que o cônjuge que saiu não esteja arcando com as despesas da casa deixada (manutenção, tributos, etc.);
Que o cônjuge que saiu tenha cometido abandono familiar (não esteja ajudando mais no custeio da família deixada);
O cônjuge que permaneceu deve ter ficado na posse do imóvel por 2 anos, ininterruptamente, com exclusividade[6];
A posse do cônjuge que permaneceu não pode ter sido contestada no período acima mencionado;
O imóvel deve ser urbano (não pode ser rural);
O imóvel deve ter área máxima de 250m²;
O outro proprietário do imóvel deve ser somente o cônjuge que abandonou o lar[7];
O imóvel deve ter sido usado nos 2 anos apenas como moradia do cônjuge que permaneceu ou de sua família (não pode ser utilizado como comércio);
O cônjuge que ficou para trás não pode ser proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural;
Que o cônjuge que permaneceu não tenha usucapido imóvel na modalidade de usucapião familiar alguma outra vez na vida[8].

Para finalizar, relembro que todo o exposto aplica-se também à união estável.

[1] Isso não se aplica no caso de mulher vítima de violência que esteja amamentando. Realmente sua saída irá acarretar a falta da devida alimentação da prole. Contudo, há a via judicial para retirar do lar o esposo agressor.
[2] Verbi gratia, arcando com IPTU, taxa de lixo, seguro, e/ou gastos de manutenção.
[3] Detentor é aquele que conserva a posse de coisa de terceiro em nome deste (art. 1.198 do Código Civil).
[4] Enunciado 595 (VII Jornada de Direito Civil do CJF): “O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499”.
[5] Cf. Art. 1.240-A do CC.
[6] Não pode estar amealhando o imóvel com outra pessoa que não a família que fora deixada para trás (por exemplo, com sublocatário).
[7] Portanto, não vale para imóvel onde também seja proprietário terceira pessoa, como sogros, cunhados, etc..
[8] Consoante esposado pelo § 1º do art. 1.240-A do Código Civil.

https://brunetti.jusbrasil.com.br/artigos/448208860/se-eu-abandonar-o-lar-conjugal-perco-meus-direitos?utm_campaign=newsletter-daily_20170411_5128&utm_medium=email&utm_source=newsletter