quarta-feira, 26 de abril de 2017

Direito do Agronegócio - O direito do devedor à renegociação de dívida decorrente de crédito rural

Publicado por Régis Grittem Zultanski

Já é pacificado o entendimento jurisprudencial no sentido de que o produtor rural tem o direito de prorrogar dívida originária de crédito rural, com os mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que comprove a incapacidade de pagamento, em casos como a dificuldade de comercialização dos produtos; frustração de safras por fatores adversos; e eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.

Isso significa que não cabe à instituição financeira a opção de conceder ou não o alongamento da dívida, conforme o caso concreto.

Já em 2004 o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 298, a qual dispõe que: o alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.

Todavia, para o devedor fazer jus a tal direito, há de comprovar o preenchimento dos requisitos estabelecidos na Lei nº 9.138/95, que dispõe sobre alongamento de dívidas originárias de crédito rural, Lei nº 11.775/2008, que trata das medidas de estímulo à liquidação e regularização de dívidas rurais, ou ainda, na Lei n 10.696/2003, que disciplina a repactuação e o alongamento de dívidas rurais, assim como os requisitos estabelecidos pelo Manual de Crédito Rural do Conselho Monetário Nacional.

A situação específica de cada contrato é que determinará se existe o direito ou não. Por isso que, caso o devedor necessite do alongamento da dívida e a instituição financeira o indefira, poderá tomar as medidas judiciais pertinentes para viabilizar a prorrogação.

Régis Grittem Zultanski, advogado do escritório DZ – Distéfano & Zultanski Advocacia, graduado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, pós-graduado pela Escola Superior Verbo Jurídico de Porto Alegre/RS

Foto: blogdoibraf. Blogspot. Com. Br

https://regisgz.jusbrasil.com.br/artigos/451423919/direito-do-agronegocio-o-direito-do-devedor-a-renegociacao-de-divida-decorrente-de-credito-rural?utm_campaign=newsletter-daily_20170425_5193&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Da escritura pública de união poliafetiva - Breves considerações (Tartuce)

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Tema que vem sendo intensamente debatido pelo Direito de Família Brasileiro há alguns anos diz respeito à possibilidade jurídica, ou não, de elaboração de uma escritura pública de união poliafetiva. Mais do que isso, tem-se analisado a sua concreção negocial, nos planos da validade e da eficácia.

O debate teve início em 2012, quando a então tabeliã da cidade de Tupã, interior de São Paulo, Cláudia do Nascimento Domingues, elaborou o primeiro ato documental nesse sentido. Conforme se extrai do site do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), é fundamental o seguinte trecho do documento, assinado por um homem e duas mulheres: "Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade".

No ano de 2015, também foi noticiada a elaboração de escritura pública similar, pelo 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, sendo responsável pela sua lavratura a tabeliã Fernanda Leitão. O caso é diferente por envolver três mulheres, em união homopoliafetiva, com elaboração de testamentos entre elas e de diretivas antecipadas de vontade, que dizem respeito a tratamentos médicos em caso de se encontrarem com doença terminal e na impossibilidade de manifestarem vontade.

Pois bem, ao contrário do que defendem alguns juristas, não parece haver nulidade absoluta no ato, por suposta ilicitude do objeto (art. 166, inc. II, do CC/2002). Pensamos que a questão não se resolve nesse plano do negócio jurídico, mas na sua eficácia. Em outras palavras, o ato é válido, por apenas representar uma declaração de vontade hígida e sem vícios dos envolvidos, não havendo também qualquer problema no seu objeto. Todavia, pode ele gerar ou não efeitos, o que depende das circunstâncias fáticas e da análise ou não de seu teor pelo Poder Judiciário ou outro órgão competente.

No que diz respeito ao objeto do negócio em estudo, como tenho exposto em aulas e escritos, a monogamia não está expressa na legislação como princípio da união estável, mas apenas do casamento, eis que o Código Civil enuncia que não podem casar as pessoas casadas, sob pena de nulidade do casamento (arts. 1.521, VI, e 1.548). Em relação à união estável, muito ao contrário, admite-se até que a pessoa casada tenha um vínculo de convivência, desde que esteja separada judicialmente, extrajudicialmente ou de fato (art. 1.723, § 1º, do CC/2002, em leitura atualizada), o que denota um tratamento diferenciado a respeito da liberdade de constituição das duas entidades familiares.

Quanto aos deveres do casamento, é cediço ser a fidelidade o primeiro deles (art. 1.566, I, do CC/2002). Por seu turno, em relação à união estável, o art. 1.724 do Código Civil não deixa dúvidas, ao estabelecer que "as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos". Pelo senso comum, a lealdade engloba a fidelidade. Mas não necessariamente, pois é possível que alguém seja leal sem ser fiel. Imagine-se, nesse contexto, um relacionamento de maior liberdade entre os companheiros, em que ambos informam previamente que há a possibilidade de quebra de fidelidade, e que aceitam tais condutas.

Voltando ao cerne do objeto da escritura pública de união poliafetiva, por todos esses argumentos, não haveria na sua elaboração afronta à ordem pública ou prejuízo a qualquer um que seja, a justificar a presença de um ilícito nulificante. Não há que se falar, ainda, em dano social, pois esse pressupõe uma conduta socialmente reprovável, o que não é o caso. O reconhecimento de um afeto espontâneo entre duas ou mais pessoas não é situação de dano à coletividade, mas muito ao contrário, de reafirmação de transparência e solidariedade entre as partes.

Assim, com o devido respeito, não parecer ter justificativa jurídica plausível a recomendação feita pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, em abril de 2016, no sentido de que as serventias extrajudiciais não realizem atos semelhantes. Nota-se que os textos das escrituras elaboradas são sutis e não impositivos, de mera valorização de um relacionamento que já existe no mundo dos fatos, podendo gerar ou não efeitos jurídicos, o que depende da análise do pedido e das circunstâncias fáticas, reafirme-se.

Penso que o futuro reserva uma forma ainda mais nova de pensar as famílias, e que, em breve, serão admitidos juridicamente os relacionamentos plúrimos, seja a concomitância de mais de uma união estável, seja a presença desta em comum com o casamento. Acredito que o futuro, além dos modelos tradicionais, também é das famílias paralelas – com mais de um vínculo familiar, entre pessoas distintas, uma ou mais delas comum aos relacionamentos –, e das famílias poliafetivas – com um vínculo único, entre mais de duas pessoas. Se a família é plural, os vínculos plúrimos podem ser opções oferecidas pelo sistema jurídico ao exercício da autonomia privada, para quem desejar tal forma de constituição.

Como palavras finais, cabe observar que, caso não seja possível o reconhecimento da validade dessas escrituras pelo Direito de Família, o caminho do Direito Contratual – por contratos de sociedade de participação, por promessas de doação e de alimentos, por plano de saúde e de previdência privada e outros negócios jurídicos patrimoniais -, pode indicar a solução. Se entraves morais - e até jurídicos -, vedam o reconhecimento da escritura de união poliafetiva pelo Direito de Família, o mundo dos contratos pode perfeitamente aceitar o teor que ali se pretende expressar. Em vez de um ato só, a solução jurídica para casos como os relatados no início do texto estará em várias minutas.

Flávio Tartuce é doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito. Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI257815,31047-Da+escritura+publica+de+uniao+poliafetiva+Breves+consideracoes

Julgamento histórico: STJ proíbe publicidade dirigida às crianças

Caso inédito foi decidido pela 2ª turma do STJ.
quinta-feira, 10 de março de 2016

Em verdadeiro leading case, a 2ª turma do STJ decidiu na tarde desta quinta-feira, 10, proibir a publicidade de alimentos dirigida às crianças.
Em foco estava a campanha da Bauducco “É Hora de Shrek”. Com ela, os relógios de pulso com a imagem do ogro Shrek e de outros personagens do desenho poderiam ser adquiridos. No entanto, para comprá-los, era preciso apresentar cinco embalagens dos produtos “Gulosos”, além de pagar R$ 5.
A ação civil pública do MP/SP teve origem em atuação do Instituto Alana, que alegou a abusividade da campanha e o fato de se tratar de nítida venda casada.
Em sustentação oral, a advogada Daniela Teixeira (escritório Podval, Teixeira, Ferreira, Serrano, Cavalcante Advogados), representando o Alana como amicus curiae, argumentou:
A propaganda que se dirige a uma criança de cinco anos, que condiciona a venda do relógio à compra de biscoitos, não é abusiva? O mundo caminha para frente. (...) O Tribunal da Cidadania deve mandar um recado em alto e bom som, que as crianças serão, sim, protegidas."
Proteção à criança

O ministro Humberto Martins, relator do recurso, deixou claro no voto que "o consumidor não pode ser obrigado a adquirir um produto que não deseja". Segundo S. Exa., trata-se no caso de uma "simulação de um presente, quando na realidade se está condicionando uma coisa à outra".
Concluindo como perfeitamente configurada a venda casada, afirmou ser "irretocável" o acórdão do TJ/SP que julgou procedente a ACP.
O ministro Herman Benjamin, considerado uma grande autoridade no tribunal em Direito do Consumidor, foi o próximo a votar, e seguiu com veemência o relator:
"O julgamento de hoje é histórico e serve para toda a indústria alimentícia. O STJ está dizendo: acabou e ponto finalTemos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais. E nenhuma empresa comercial e nem mesmo outras que não tenham interesse comercial direto, têm o direito constitucional ou legal assegurado de tolher a autoridade e bom senso dos pais. Este acórdão recoloca a autoridade nos pais."
Herman afirmou ter ficado impressionado com o nome da campanha (Gulosos), que incentiva o consumo dos produtos em tempos de altos índices de obesidade.
  • Ouça o voto do ministro Herman Benjamin.
Por sua vez, o ministro Mauro Campbell fez questão de ressaltar que o acórdão irá consignar a proteção da criança como prioridade, e não o aspecto econômico do caso. Campbell lembrou, como sustentado da tribuna pela advogada Daniela Teixeira, que o Brasil é o único país que tem em sua Carta Magna dispositivo que garante prioridade absoluta às necessidades das crianças, em todas as suas formas.


A decisão do colegiado foi unânime, tendo a presidente, ministra Assusete Magalhães, consignado que o caso é típico de publicidade abusiva e venda casada, mas a situação se agrava por ter como público-alvo a criança. A desembargadora convocada Diva Malerbi destacou que era um orgulho participar de tão importante julgamento.
A turma concluiu pela abusividade de propaganda que condicionava a compra de um relógio de um personagem infantil à aquisição de cinco biscoitos. E não ficou por aí a decisão. Com efeito, os ministros assentaram que a publicidade dirigida às crianças ofende a Constituição e o CDC.
Veja a decisão.

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI235576,101048-Julgamento+historico+STJ+proibe+publicidade+dirigida+as+criancas