segunda-feira, 8 de maio de 2017

Dano in re ipsa cria, sem lei, novo tipo de improbidade administrativa

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Escrevi em recente texto publicado nesta coluna que “a característica mais marcante do Direito brasileiro no século XXI é a afirmação da jurisprudência como fonte”. Esse é um dado da realidade, com o qual todos os estudiosos e aplicadores do Direito têm que lidar nos últimos tempos. É impressionante o prestígio e a preponderância das decisões das “cortes de vértice”, cujas tendências e ementas muitas vezes superam — por vezes desdizem — a autoridade dos atos legislativos.
Quando se está diante de processos que envolvem agentes políticos, a questão se torna ainda mais delicada. Paira no ar da sociedade brasileira um desejo de punição — e pouca dose de tolerância —, culminando num sistema de presunções, não prescrito pelo legislador democrático. Veja-se, a propósito, o caso das ações de improbidade administrativa.
Com efeito, para a jurisprudência do STJ, as condutas delitivas previstas no artigo 9º (atos que revelam enriquecimento ilícito) e no artigo 11 (atos que violam princípios da administração pública), ambos da Lei 8.429/92 (LIA), somente se configuram mediante conduta dolosa do agente (aquela praticada com a intenção que visa ao resultado vedado). Já as condutas descritas no artigo 10 da Lei 8.429/92 (atos que causam lesão ao erário) admitem configuração mediante “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa”.
Bem de ver que a Corte Especial do STJ já se pronunciou no sentido de que a culpa configuradora da improbidade administrativa deve ser a “culpa grave”1 2, conquanto haja jugados que se bastam na afirmação da simples culpa, a ver, por todos, o REsp 1.637.839/MT, rel. min. Herman Benjamin, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016.
Para além do elemento subjetivo, o artigo 10, caput da Lei 8.429/92 exige a ocorrência de lesão ao erário, consistente em desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres. O dano ao erário, portanto, comparece no artigo 10 da LIA como elemento objetivo do tipo de improbidade administrativa em questão. Assim sendo, as condutas descritas nos incisos do artigo 10 da LIA não devem ser interpretadas como tipos autônomos de infração, senão como tipos conectados com o caput da regra, a exigir a presença efetiva do dano ao erário.
Nessa linha, o STJ chegou a pacificar sua jurisprudência, em decisões da 1ª e da 2ª Turma, manifestando que “as condutas descritas no art. 10 da LIA demandam a comprovação de dano efetivo ao erário público, não sendo possível caracterizá-las por mera presunção”3.
A tese é acertada, porquanto os elementos do tipo têm como uma de suas funções a de garantir as liberdades individuais e limitar o poder punitivo estatal. O jurisdicionado carece da segurança de que só será punido caso venha a praticar efetivamente a conduta vedada pela lei com todos os contornos previamente definidos. Presumir a ocorrência de algum dos elementos do tipo infracional é, em última instância, presumir a própria ocorrência da infração.
Sem embargo disso, de uns tempos para cá, a jurisprudência do STJ tem admitido, sem que haja previsão legal, a figura do dano in re ipsa. Trata-se de hipótese de dano presumido, que termina por facilitar a tipificação do ato de improbidade descrito no artigo 10 da Lei 8.429/92, como se pode ver nos casos de indevida dispensa de licitação (inciso VIII).
A questão do dano in re ipsa em matéria de improbidade administrativa teve como uma de suas primeiras manifestações a apreciação do AgRg nos EDcl no AREsp 419.769/SC, rel. min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 18/10/2016, DJe 25/10/2016, no qual se destaca a seguinte passagem: “A fraude à licitação tem como consequência o chamado dano in re ipsa, reconhecido em julgados que bem se amoldam à espécie”.
Convém destacar que o voto condutor do acórdão faz referência a dois precedentes da própria 2ª Turma do STJ, ambos da relatoria do min. Mauro Campbell Marques (REsp 1.280.321/MG, DJe 9/3/2012 e REsp 1.190.189, DJe 10/9/2010). Além disso, o voto cita um julgado da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, de relatoria do min. Marco Aurélio (RE 160.381/SP, DJ 12/8/1994).
O primeiro acórdão citado como precedente (REsp 1.280.321/MG) foi prolatado em sede de ação civil pública comum — e não em sede de ação de improbidade administrativa. Nesse precedente, o Superior Tribunal de Justiça não admitiu — e nem poderia — a tipificação do ato de improbidade administrativa com base em dano presumido, bastando-se em decidir sobre a nulidade do ato administrativo impugnado e sobre a obrigação de ressarcimento (que independe da tipificação do ato de improbidade).
Os dois últimos (REsp 1.190.189 e RE 160.381) também não foram prolatados em sede de ação de improbidade administrativa, senão em sede de ação popular, que não é ação judicial de caráter punitivo. A Lei 4.717/65 prevê, no artigo 4º, hipóteses de atos presumidamente lesivos ao patrimônio público, mas a disposição tem o efeito prático (e jurídico) apenas de inverter o ônus de prova sobre a legitimidade das condutas, jamais de possibilitar a condenação ao ressarcimento sem efetivo dano ao erário.
O aresto citado (que inaugurou ciclo de reprodução em cadeia no repertório do STJ) contraria o próprio entendimento firmado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em sede de embargos de divergência, no sentido de que mesmo em ação popular, é necessária a prova da lesão efetiva para que o agente público seja condenado a ressarcir ao erário.
ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. CABIMENTO. ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. NECESSIDADE.
1. O fato de a Constituição Federal de 1988 ter alargado as hipóteses de cabimento da ação popular não tem o efeito de eximir o autor de comprovar a lesividade do ato, mesmo em se tratando de lesão à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural.
2. Não há por que cogitar de dano à moralidade administrativa que justifique a condenação do administrador público a restituir os recursos auferidos por meio de crédito aberto irregularmente de forma extraordinária, quando incontroverso nos autos que os valores em questão foram utilizados em benefício da comunidade.
3. Embargos de divergência providos4.
Percebe-se, portanto, que a figura do dano in re ipsa apresenta-se para além do arcabouço legislativo do artigo 10 da Lei 8.429/92 — e a máxima do não enriquecimento sem causa —, revelando descompasso com o princípio da tipicidade da pena. Seu reconhecimento tem o efeito prático de retirar condutas — não efetivamente lesivas ao erário — do campo normativo de incidência do artigo 11 da Lei 8.429/92 (que exige dolo para sua configuração), para acomodá-las no artigo 10, que admite — para o ver jurisprudencial, tanto a modalidade dolosa quanto a culposa.
Admitir-se a configuração dos tipos infracionais do artigo 10 da Lei 8.429/92 com base em mera presunção de dano ao erário, corresponde a estabelecer, sem prévia lei que a defina, uma nova hipótese de improbidade administrativa, a dos atos lesivos por presunção e puníveis com dolo ou culpa.


1 STJ – Corte Especial – AIA 30/AM, rel. ministro Teori Albino Zavascki, j. 21/9/2011.
2 Mais recentemente, no caso emblemático das admissões de parentes por agente político para cargos em comissão ocorridas em data anterior à lei ou ao ato administrativo do respectivo ente federado que a proibisse e à vigência da Súmula Vinculante 13 do STF, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua 1ª Turma, voltou a afirmar que “a improbidade é uma ilegalidade qualificada pelo intuito malsão do agente, atuando com desonestidade, malícia, dolo ou culpa grave” (REsp 1.193.248-MG, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 24/4/2014).
3 STJ – REsp 1228306/PB, rel. ministro Castro Meira, j. 9/10/2012, REsp 621.415/MG, rel. ministra Eliana Calmon, j. 16/2/2006; REsp 805.080/SP, 1ª Turma, DJe 6/8/2009; REsp 939.142/RJ, 1ª Turma, DJe 10/4/2008; REsp 678.115/RS, 1ª Turma, DJ 29/11/2007; REsp 285.305/DF, 1ª Turma; DJ 13/12/2007; REsp 714.935/PR, 2ª Turma, DJ 8/5/2006; REsp 1.038.777/SP; min. rel. Luiz Fux, 1ª Turma, Dj 3/2/2011, Dp 16/3/2011.
4 STJ – EREsp 260.821/SP, rel. ministro Antonio Carlos Ferreira, rel. p/ acórdão ministro João Otávio De Noronha, j. 1/12/2011.
Luciano Ferraz é advogado e professor associado de Direito Administrativo na UFMG.
Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2017, 8h05
http://www.conjur.com.br/2017-mai-04/interesse-publico-dano-in-re-ipsa-cria-tipo-improbidade-administrativa

O que a operação Carne Fraca e o Jogo Baleia Azul têm em comum?

Luiz Augusto Filizzola D’Urso
O ponto em comum dos dois temas, é o prejuízo absurdo e irreparável que a divulgação, de algo irreal, na imprensa e na Internet, pode causar.
sexta-feira, 5 de maio de 2017

Em 17 de março de 2017, foi deflagrada a maior operação já realizada pela Polícia Federal no Brasil, a operação Carne Fraca. A notícia desta operação, que moveu mais de mil agentes, logo se espalhou pelos jornais e pela internet. Em poucos dias, iríamos notar o poder que a divulgação referente a um tema pode ter, e os prejuízos que pode causar.
As notícias colocaram em suspeita a qualidade de, praticamente, toda carne produzida e consumida no Brasil. Os brasileiros e o mundo, influenciados pelo o que estava sendo anunciado na TV e jornais, e divulgado na Internet, começaram a acreditar, de maneira equivocada, que toda a carne vendida em nosso país seria de má qualidade, sendo esta estragada, vencida ou, até mesmo, misturada com papelão.
A reação foi imediata, e um mercado de US$ 3,5 bilhões em exportação estava ameaçado. Uma semana após as primeiras notícias e a viralização na Internet, o Brasil, que exportava US$ 60 milhões de proteína animal por dia, viu suas vendas caírem absurdamente para US$ 74 mil por dia.
Japão e China (maior destino da nossa carne bovina) suspenderam a importação de nossos produtos dessa categoria. No caso da União Europeia, Chile e Coreia do Sul foram anunciadas restrições referentes à compra da carne brasileira.
Uma investigação e uma operação referente à apenas 27 pontos de produção de carne bovina brasileira, em um total aproximado de 5 mil, com a cassação de 4 frigoríficos, e interdição de três (menos de 0,5% das empresas produtoras de carne no Brasil) colocou todo um mercado bilionário em cheque. Isto devido às notícias, e uma repercussão, divulgação e compartilhamento, de informações imprecisas e irreais, causando assim, prejuízos imensuráveis e irreparáveis aos empresários e ao nosso país.
Quase concomitantemente a tudo isso, um jogo mortal e criminoso começava a ocupar espaço na imprensa brasileira e, em pouco tempo, especificamente na semana do dia 17 de abril de 2017, tomou proporções gigantescas de divulgações na Internet e na imprensa nacional, o jogo Baleia Azul.
O jogo que surgiu e tomou forma na Rússia, devido a um boato falso (Fake News) de que um suicídio de uma jovem russa estaria ligado a um jogo. Rumor este, muito divulgado como real na Internet. Isso tudo começou a gerar diversas investigações de suicídios ligados a este possível jogo no país e, em pouco tempo, em quase toda a Europa. Com sua viralização na Internet, o jogo se tornou realidade.
Trata-se de um jogo em que alguns criminosos, denominados curadores, desafiam jovens a realizar tarefas, como cortar o próprio lábio, furar a mão com agulhas, até a tarefa final, que determina que o jogador tire a própria vida. Tudo ocorre pela Internet, e os desafios são encaminhados pelas redes sociais. A conduta dos curadores, caso o jogador se mate, é configurada como crime, previsto no artigo 122 do Código Penal brasileiro.
A notícia de que o suicídio de um jovem de 16 anos em Vila Rica/MT, e de um menino de 19 anos em Pará de Minas/MG, teriam, supostamente, ligação com este jogo, foi o start para uma repercussão gigantesca referente a este game na imprensa nacional e na Internet. Os desafios do baleia azul chegara ao Brasil.
Em poucas semanas, já teríamos oito estados brasileiros (SP, PR, MG, MT, PE, PB, RJ e SC) investigando diversas tentativas de suicídios, alguns consumados, com suposta ligação ao jogo Baleia Azul. Game macabro, que hoje existe em nosso país, graças a seu surgimento após a viralização e disseminação mundial do citado boato russo.
Mais uma vez, podemos ver o estrago e a influência que uma notícia, neste caso um boato (Fake News), ou seja, uma notícia irreal, falsa, com grande repercussão, pode causar. Tornando um rumor em um problema mundial, transformando o jogo Baleia Azul em realidade e, induzindo muitos jovens no mundo todo e no Brasil ao suicídio.
Assim, o ponto em comum dos dois temas, é o prejuízo absurdo e irreparável que a divulgação, de algo irreal, na imprensa e na Internet, pode causar. Vale lembrar o caso da Fabiane Maria de Jesus, que foi espancada até a morte no Guarujá/SP, em 2014, após a viralização na Internet de um boato equivocado que ela seria sequestradora de crianças.
Portanto, devemos todos ter muito cuidado com o que publicamos, compartilhamos ou noticiamos, sendo quase obrigatório, antes da divulgação, a pesquisa, o estudo e a investigação profunda sobre o assunto. Propagar algo que não condiz com a realidade, pode prejudicar e influenciar de tal maneira, que o resultado poderá ser um dano bilionário ou até mortal.
Luiz Augusto Filizzola D'Urso é advogado criminalista do escritório D'Urso e Borges Advogados Associados
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI258296,91041-O+que+a+Operacao+Carne+Fraca+e+o+Jogo+Baleia+Azul+tem+em+comum

Exigência de teste aleatório do bafômetro não caracteriza dano moral

A decisão é da 2ª vara do Trabalho de Itabira/MG.
domingo, 7 de maio de 2017

Um motorista não será indenizado após passar por testes de bafômetros realizados por empresa. A decisão é do juiz de Direito Adriano Antônio Borges, da 2ª vara do Trabalho de Itabira/MG, que julgou improcedente o pedido por considerar que não houve discriminação do empregador.

Segundo os autos, o homem alega que a empresa obrigava seus empregados a participarem de uma seleção para realizar teste do bafômetro e exame toxicológico com a finalidade de detectar uso de bebidas alcoólicas e substâncias entorpecentes. Afirmou também que o bafômetro não observava as regras mínimas de higiene, porque os "canudinhos" eram de uso coletivo.
Em sua defesa a empresa informou que o teste visava o bem da coletividade e era realizado de forma aleatória, de modo que vários empregados participavam, fato que descaracteriza ato discriminatório do empregador.
Aduziu, também, que a lei 12.619/12 estabelece entre os deveres do motorista profissional submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado. Por fim, a reclamada negou o uso coletivo do aparelho bafômetro, sendo certo que esses equipamentos possuem partes removíveis e descartáveis, próprios para substituição.
Ao analisar, o magistrado considerou que a medida tomada pela empresa visa a preservar o outro e a sociedade contra eventuais condutas "provenientes do vazio existencial que há em cada um de nós", sendo válido o uso de recurso à tecnociência (o uso do bafômetro) para proteger a saúde de todos no trabalho.
"Nenhuma dignidade é maior que a vida e a saúde do meio ambiente do trabalho e da coletividade, pelo que, por altruísmo, todo o trabalhador deveria se submeter espontaneamente ao bafômetro e aos demais exames exigidos."
Com isso, julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais.
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI258309,81042-Exigencia+de+teste+aleatorio+do+bafometro+nao+caracteriza+dano+moral

Ofensas contra prefeito devem ser removidas do Facebook

Determinação deve ser cumprida sob pena de multa de R$ 10 mil por cada post.
segunda-feira, 8 de maio de 2017

O juiz de Direito José Wilson Gonçalves, da 5ª vara Cível de Santos/SP, determinou a remoção de comentários ofensivos inseridos no Facebook por pré-candidato à Prefeitura de Santos contra o atual alcaide.
Consta dos autos que o réu, pretenso candidato ao cargo de prefeito na última eleição municipal, passou a ofender o atual chefe do Executivo local por meio da referida rede social, buscando denegrir a imagem do autor.
Ao julgar o pedido, o magistrado afirmou que houve abuso em razão do caráter ofensivo das mensagens e concedeu a antecipação dos efeitos da tutela pleiteada pelo prefeito.
O cidadão descontente com a atuação de seu representante democrático não pode se portar como se estivesse acima do bem e do mal e imune ao Estado de Direito e com isso propagar o descontentamento com o emprego de expressões naturalmente ofensivas, valendo-se de redes sociais, como o Facebook, hoje em dia totalmente difundido, na medida em que esses adjetivos empregados, destacados na inicial, afetam diretamente a honra (objetiva e subjetiva) do cidadão autor desta ação, legitimamente eleito (no caso para prefeito de Santos); e, finalmente, nenhum benefício traz à população, mas antes, serve tão somente para insuflar-lhe agressividade.”
Na decisão, o magistrado fixou multa de R$ 10 mil para cada publicação inserida posteriormente em desacordo com a determinação judicial
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI258451,81042-Ofensas+contra+prefeito+devem+ser+removidas+do+Facebook