segunda-feira, 15 de maio de 2017

Hermenêutica e Argumentação Aula 12 - Demonstração e Argumentação


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Hermenêutica e Argumentação - Aula 12

Seguro de responsabilidade civil: entenda o que o médico deve saber antes de contratar


A judicialização da saúde tem tirado o sono dos médicos e demais profissionais da área da saúde. Diante deste grave problema, muitos profissionais buscam a saída que lhes parece ser a mais óbvia: a contratação de apólices de seguro de responsabilidade civil profissional. Contudo, o que parece ser uma solução, além de não resolver o problema, pode se tornar mais uma grande dor de cabeça para o médico.

A verdade é que a maior parte das apólices de seguros disponíveis no mercado conferem ao profissional uma falsa sensação de segurança; na hora mais importante, deixam o médico “na mão”, quando não agravam ainda mais os problemas já existentes.

Mas como identificar estes problemas e escolher, dentre as opções do mercado, a melhor apólice de seguros disponível para esta finalidade? Veremos a seguir alguns dos principais problemas e riscos advindos da contratação dos seguros de responsabilidade civil profissional, neste estudo feito a partir da análise objetiva dos termos gerais das 6 apólices mais contratadas pelos médicos e demais profissionais da saúde no Brasil.

AUMENTO VERTIGINOSO DOS VALORES DAS INDENIZAÇÕES

Nota-se que, ainda de forma pouco expressa, as principais entidades do meio médico estimulam os profissionais a assumirem o próprio risco, evitando a contratação de apólices de responsabilidade civil profissional. O principal motivo apontado pelas entidades é que a prática de contratação de coberturas securitárias aumenta paulatinamente o valor das condenações judiciais. E tal crítica de fato procede. Basta verificar que nos EUA, na década de 50 um óbito era indenizado em 150 mil dólares. Atualmente, quando praticamente todos os médicos americanos possuem seguros com altíssimos valores, um óbito é indenizado em 10 milhões de dólares.

O que motiva este aumento das indenizações é o fato de que 4 das 6 das apólices disponíveis no mercado possuem, ainda que indiretamente, a regra da “denunciação à lide”, o que obriga ao médico que, em caso de processo, chame a seguradora à lide, quando esta passa a figurar como ré, juntamente com o profissional. Ainda, a apólice de seguros é juntada obrigatoriamente aos autos. Tais fatos por si só descaracterizam a pessoalidade e subjetividade da análise do caso, aumentando vertiginosamente as chances de condenação. Lado outro, a apólice de seguros “sugere” ao juiz um valor para indenização, elevando assim as indenizações a patamares inimagináveis.

Embora as apólices passem a impressão de “total cobertura” contra os problemas atinentes aos casos cobertos, existem inúmeras excludentes pontuais que reduzem enormemente as chances de prejuízo às Cias seguradoras, e deixam os segurados desassistidos na hora em que mais precisam do apoio.
 
DATA BASE PARA COBERTURA

Assim como na maioria dos seguros, 5 das 6 apólices desta natureza possuem a característica de só conferirem cobertura a fatos geradores ocorridos durante o período de vigência, e reclamados em até 3 anos após o fato. Isso diminui bastante a “utilidade” das apólices de seguros, pois é sabido que muitas ações que tratam do tema proposto são ajuizadas após um prazo muito superior a 3 anos. Ora, o próprio Código de Defesa do Consumidor já garante aos pacientes um prazo de 5 (cinco) anos para reclamação. E há diversos fatores que podem estender este prazo até mesmo para décadas. No caso de vícios ocultos, por exemplo, a prescrição (ou seja, a contagem do prazo) do direito do paciente somente se inicia após a descoberta do dano, o que pode levar um tempo indefinido. No caso de danos causados a menores de idade, a prescrição só se inicia após atingida a maioridade. Desta forma, 3 anos de “garantia” após o fato, que é a regra na maioria dos seguros, é muito pouco.

Há de se ressaltar ainda que a maioria das apólices somente confere cobertura a fatos ocorridos durante a vigência da mesma, enquanto somente 1 das 6 apólices analisadas confere cobertura retroativa de até 20 (vinte) anos, conferindo maior tranquilidade ao profissional. 

EXIGÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DE FATOS QUE POSSAM GERAR PROCESSOS

4 das 6 apólices da modalidade exigem que o médico notifique previamente a seguradora acerca de qualquer fato relevante que possa dar origem a uma reclamação judicial. Uma delas não faz a exigência, e a última faculta ao segurado o aviso.

Ora, caso todos os processos de fato se originassem em um efetivo erro profissional, seria fácil ao segurado cumprir com esta determinação. Contudo, tendo em vista que atualmente qualquer coisa pode motivar um processo (independentemente de haver erro efetivo), é impossível que os médicos cumpram com tal determinação.

Seria o caso de os profissionais avisarem às seguradoras de quase todos os atos praticados (não somente atos médicos, diga-se de passagem). A cada consulta, a cada atendimento, a cada cirurgia, caberia uma notificação às seguradoras.

O quadro se grava quando notamos que a prática das seguradoras que exigem tal medida é compor tais “notificações” para análise do risco do segurado. Ou seja, caso o médico cumpra com a determinação, provavelmente o aviso prévio de um possível problema causará o declínio da renovação do seguro do médico.

CUSTOS COM DEFESA NOS PROCESSOS

Embora a maioria das apólices analisadas informem arcar com os custos da defesa do médico no processo, verificamos ao ler as letras minúsculas que a verdade não é bem essa. A maioria arca somente com os honorários do processo cível (5 das 6 analisadas), e, ainda assim, vinculando o valor aos limites da tabela da OAB. Uma única apólice cobre todos os custos até o fim do processo, em todas as áreas possíveis (cível, administrativa, ética e criminal).

Ora, somente em relação aos honorários advocatícios, notamos que, caso o médico já não possua uma assessoria jurídica à disposição, o prejuízo é certo na maioria dos casos. As apólices, em regra, se comprometem a arcar com honorários em valores sugeridos da tabela da OAB para ações cíveis comuns, o que dificilmente se aproxima de 10% do valor cobrado por um especialista em Direito Médico. Ou seja, o médico tem que escolher entre arcar com os honorários de um bom profissional, ou arriscar-se com alguém de outra área. Parte das apólices ainda limita essa escolha por parte do segurado, determinando que a escolha deve ser “em comum acordo”.

Por fim, conforme ressaltado acima, a maioria dos seguros somente dá essa “ajuda” aos segurados na área cível, ou seja, nos processos que visam a indenização financeira. O médico é abandonado à própria sorte nas eventuais ações éticas, administrativas e criminais que venham a acontecer, chegando a gastar em alguns casos, somente com honorários advocatícios nas demais ações, valor maior do que recebe de indenização da seguradora na ação cível.

COBERTURAS ADICIONAIS (CUSTAS PERICIAIS, TUTELAS DE URGÊNCIA)

Em regra, as apólices de seguro de responsabilidade civil profissional conferem cobertura à indenização financeira determinada ao final do processo. Mas isto não significa que o médico terá todo o apoio necessário no curso do processo. Um dos exemplos é o caso das tutelas de urgência, que se deferidas pelo juiz no curso do processo fazem com que o médico pague algo ou arque com despesas mensais até o final do processo (home care, etc). Ou seja, ainda que tenha uma verba para indenização ao final do processo, o médico pode já ter desembolsado valor maior do que este, mensalmente, no curso do processo. Das 6 analisadas, somente 1 prevê o pagamento de tutela de urgência.

Há ainda o caso das custas periciais, em que das 6 analisadas, 3 arcam com os valores e as outras 3 apontam excludentes diversas na apólice de seguros (paga valor ínfimo, paga a título de reembolso ou é omissa), o médico desembolsa altos valores a título de honorários periciais, e ainda, com a contratação de seu assistente pericial.

DANOS NÃO COBERTOS / SUB-LIMTES DE COBERTURA

Mais um grande problema detectável na esmagadora maioria das apólices de seguros é em relação aos danos não cobertos. Em regra, o médico contrata uma apólice e acredita que possui aquele valor disponível para pagamento de qualquer indenização. Mas essa não é a verdade.

Das apólices analisadas, 4 outorgam cobertura somente contra danos corporais, danos materiais e danos morais. Ou seja, nestes casos não há qualquer previsão de cobertura para o caso de condenações em danos estéticos e danos existenciais. Caso o juiz condene o profissional nominando a condenação em alguma destas categorias, o médico simplesmente está sem qualquer cobertura. Dentre as outras 2 apólices, uma contempla além dos danos já citados os danos estéticos, e a outra (mais completa) prevê além daqueles e dos danos estéticos, os danos existenciais.

Há ainda os casos de apólices que preveem sublimites de cobertura. Neste caso, uma apólice no valor de, por exemplo, 100 mil reais, pode prever 50 mil para danos corporais, 30 mil para danos materiais e 20 mil para danos morais. Assim, havendo uma condenação de 100 mil de danos corporais, o segurado teria que arcar com metade do valor, ainda que apólice nomine o valor de 100 mil reais.

EXCLUSÃO DE COBERTURAS ESSENCIAIS (CULPA GRAVE / ATO DO BOM SAMARITANO)

Como se não bastassem todos os pontos até então abordados, notamos que na maioria dos casos as seguradoras incluem excludentes que limitam a atuação do profissional. Das 6 apólices analisadas, somente 2 cobrem o “ato do bom samaritano”. Ou seja, a seguradora impede que o médico atue quando necessário diante de um pedido de socorro, sob pena de declínio de sua cobertura.

Existe ainda em 4 das 6 apólices analisadas a excludente nos casos onde há culpa grave do médico. Ou seja, a seguradora avalia, a seu próprio critério, quando a culpa do segurado é grave, e com este argumento declina da cobertura securitária. Trata-se de uma excludente esdrúxula, considerando que o seguro é contratado exatamente para esta finalidade.

COMO SE PROTEGER?

Por estes motivos, é indispensável que o médico tenha atenção antes de contratar uma apólice de seguros. Sendo certo que a maioria esmagadora das apólices disponíveis no mercado são um verdadeiro engodo, cabe ao profissional antes de contratar, ler as condições gerais do seguro acompanhado de um bom advogado e fugir das modalidades que possuem os problemas acima descritos.

Obviamente, a melhor forma de se proteger contra tais problemas é ter um profissional qualificado para lhe auxiliar e orientar na gestão jurídica do seu risco profissional, atuando preventivamente para evitar a incidência de processos judiciais. Mas uma boa apólice de seguros é sempre uma boa saída para complementar as medidas preventivas e conferir total segurança ao profissional da área da saúde.

Quer saber como se proteger efetivamente contra processos judiciais, ou ter uma orientação adequada acerca das condições gerais do seu seguro? Entre em contato com a Assis Videira e agende uma reunião.

PINHEIRO, Renato de Assis. Seguro de responsabilidade civil: o que o médico deve saber antes de contratar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5065, 14 maio 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/57499>. Acesso em: 15 maio 2017.

Ensaio de um (in) feliz espetáculo sem final feliz

Larissa Piaceski
Não podemos ignorar que a audiência teve peculiaridades que a tornaram inédita, como a figura do Réu (ex-presidente), o policiamento reforçado, as manifestações, bem como a cobertura da mídia.
segunda-feira, 15 de maio de 2017

Analisando alguns trechos doc, amplamente divulgado, e conhecendo a rotina de uma audiência "tradicional", é possível perceber em alguns momentos que a audiência foi direcionada ao público que posteriormente iria assistir. Tanto pela parte do ex-presidente Lula, quanto do Juiz que presidiu a causa.

Pelo ex-presidente fica evidente quando utiliza os microfones da sala da audiência para informar aos ouvintes os feitos do partido que fundou e do qual tenta desesperadamente reerguer.

Pelo Juiz, quando tolera pacientemente os discursos do depoente, talvez de forma proposital a fim de que não se alegue, a posteriori, que houve cerceamento do direito de defesa.

Assim, é possível observar que o Magistrado por vezes deixa a audiência fluir sem intervir em momentos em que o Réu ultrapassa os limites dentro de uma audiência, chegando em certo momento a mencionar frases do tipo "vocês estão me exigindo uma objetividade que até agora eu não exigi de vocês". (?)

Em outro momento, verifica-se que ao ser indagado pelo Magistrado se ele tinha conhecimento do esquema de corrupção da Petrobrás, o Réu responde com outra pergunta no mínimo capciosa: "O senhor se sente responsável pela Operação Lava Jato ter destruído a indústria da construção civil nesse país? O senhor se sente responsável por milhões de pessoas que já perderam emprego no setor de óleo e gás na construção civil?" Na sequência, o Juiz inicia um debate sobre opiniões acerca dos impactos da operação Lava Jato.

É obvio que havia um respeito com relação a função exercida como ex-presidente da República. No entanto, é imperioso analisar que a liberdade que o Réu teve nesta audiência, foi rara. Fico imaginando as inúmeras ações penais em que o Réu tenta realmente se defender e é interrompido com a famosa frase : "o depoente se atenha a pergunta realizada".
Não podemos ignorar que a audiência acima mencionada teve peculiaridades que a tornaram inédita, como a figura do Réu (ex-presidente), o policiamento reforçado, as manifestações, bem como a cobertura da mídia, que analisaria pormenorizadamente cada palavra e gesto dessa audiência (literalmente, pois acabo de me espantar com a notícia de que o ex-presidente disse "não sei" 82 vezes.
Contudo, mesmo com todas essas nuances é mister relembrar o objetivo da solenidade: colher provas e promover a defesa do Réu. Como é sabido, as provas são direcionadas ao Juiz da causa, que formará seu convencimento e proferirá a sentença, como em qualquer processo penal. Simples assim. Sem mídia, sem discursos, sem espetáculo. Isso pois, o que se espera de um espetáculo é que os espectadores saiam felizes ou satisfeitos após a apresentação. Quem saiu satisfeito da audiência? Quem sairá feliz dessa ação?

Se o Réu for condenado, com base em provas verídicas e contundentes, comprova-se que a maioria da população não sabe escolher seu governante e que uma boa parcela ainda continua iludida com um "operário que subiu na vida". 
Além disso, o Réu provavelmente levantará a bandeira da injustiça, se tornando um verdadeiro mártir para seus "companheiros", gerando revolta e manifestações violentas.

Para os que ficarão felizes, será outra ilusão, ao imaginar que o lado oposto também não estava envolvido e logo também sofrerão.

Se o Réu for absolvido, ainda que devidamente, a imagem do Magistrado inevitavelmente (e infelizmente, diga-se de passagem) será desgastada, assim como toda a operação Lava Jato. Poderá, inclusive, abrir brechas para eventuais políticos que estejam com seus "negócios suspensos" tendo em vista a referida operação. 
Ademais, será um verdadeiro "balde de água fria" para uma parcela da população que acredita, de uma forma simplista, que a operação Lava Jato irá resolver os problemas do país.

De fato, a ação iniciada, com exceção dos casos em que há acordo, ou seja, onde não há mais a litigiosidade, tende ao final infeliz, pois os envolvidos sempre acabam perdendo, ainda que minimamente. Sejam perdas de expectativas, tempo, dinheiro ou mesmo do mérito.
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*Larissa Piaceski é advogada especialista em contencioso civil bancário e ações especiais.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI258799,21048-Ensaio+de+um+in+feliz+espetaculo+sem+final+feliz

O touro e a menina - "fearless girl"

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Por Luciano Andrade Pinheiro e Carolina Diniz Panzolini

Esta é a história de uma menina e de um touro nas ruas de Nova York e tem como pano de fundo o rico debate sobre Direito Autoral. Tudo começou com o posicionamento de uma estátua de uma corajosa menina ("fearless girl") em posição de enfrentamento diante do touro mais conhecido dos Estados Unidos, no coração de Wall Street e representativo da pujante atividade econômica daquela região. O touro, que até então estava sozinho, recebeu a companhia da garotinha em forma de escultura e reagiu.

O autor da escultura do touro chama-se Arturo Di Modica. Ele se insurgiu à colocação da escultura da "fearless girl" (garota sem medo), porque a obra foi posicionada em frente ao touro, como se houve um diálogo entre ambos, o que, segundo Arturo, teria provocado um comprometimento da sua escultura, em razão da alteração do seu significado e de possível afronta à reputação (direito moral) do autor.

A celeuma em torno da menina e do touro é muito interessante, sob ponto de vista do Direito Autoral e, para ser enfrentado, à luz de um debate técnico, faz-se necessário que os interessados dissociem os aspectos políticos e ideológicos/filosóficos e se concentrem nos elementos atinentes ao ramo autoralista. Para analisar o Direito Autoral emergente desse fato recente, não deve-se adentrar no aspecto do relevante significado do poder feminino traduzido na "fearless girl", uma vez que foi idealizada em decorrência da data comemorativa de 8 de março (Dia Internacional da Mulher), ou mesmo do pleito de Arturo, que seria a transferência da estátua da menina, para um lugar aleatório, nas ruas de Nova York. Muito menos das questões políticas envolvidas, ou aproveitamento delas por autoridades. Portanto, o que se pretende nesse artigo é refletir sobre os limites e alcances do Direito Autoral.

Outro aspecto que não merece destaque, para a reflexão desse artigo, é a legitimidade ou a competência para a arguição do autor da escultura do touro, sr. Arturo. Muito já foi argumentado quanto à ausência de legitimidade do autor, uma vez que ele mesmo não teria solicitado autorização à prefeitura de Nova York, para posicionar o touro naquela área, além de outros questionamentos de ordem processual. Ademais, a análise não gerará em torno do sucesso da "fearless girl" e de como tem sido um ponto de turístico para inúmeros turistas. Por fim, também não será abordada a repercussão para permanência da estátua por meio do abaixo-assinado já produzido. Ou seja, tratemos do Direito Autoral, exclusivamente.

Nas argumentações apresentadas por Arturo pode-se identificar dois pilares:

a) Afronta à integridade da obra, uma vez que ao inserir uma escultura de uma menina em "diálogo" com o touro, ou seja, na sua frente, reagindo a sua pujança, haveria uma mudança de seu significado original. Se antes o touro, sozinho naquele lugar, traduzia exclusivamente a mensagem da força da economia americana, estrategicamente localizado no coração de Wall Street, agora estava inserido numa agenda discussão de gêneros e poder feminino;

b) Afronta à reputação e por conseguinte ao direito moral do autor da escultura do touro, na medida em que teve a concepção de sua obra alterada. O touro sozinho tinha um determinado significado e ao receber a companhia da "fearless girl", que reagia e dialogava com ele, teve seu significado alterado e foi inserido numa agenda de direitos de gênero (feminismo), completamente diferente à ideia original.

No que se refere ao primeiro argumento de afronta à integridade da obra, há aspectos interessantes nessa linha de defesa de Arturo. O primeiro destaque refere-se ao fato de não ter havido um comprometimento ou alteração da integridade física ao touro, uma vez que ninguém tocou na escultura. O que se passou foi uma alteração de significado e de mensagem criativa, partindo-se de uma nova dinâmica no local. O touro sozinho tinha um significado explícito que era a tradução da pujança da economia americana, num lugar estratégico como a Wall Street (ou sua proximidade). Aliás o local em que o touro foi instalado também diz muito sobre seu significado, uma vez que se tivesse sido posto no Times Square (que é um local de intenso entretenimento em Nova York), provavelmente o touro não transmitiria a mesma mensagem.

Nesse sentido, ao posicionar uma escultura de uma menina sem medo com uma postura de enfrentamento ao um touro imenso, estabeleceu-se um diálogo com a primeira escultura e toda a dinâmica criativa, de fato, foi alterada. Inclusive porque a escultura da menina foi inserida, à luz do movimento feminista, em decorrência do Dia Internacional da Mulher.

O importante debate que se estabelece é no sentido de até que ponto pode se alterar a integridade de uma obra, ao não se tocar nela, mas ao introduzir uma outra obra intelectual, em reação à primeira, e que venha a alterar o seu significado inicial e a sua dinâmica criativa.

Adotemos um outro exemplo como a Monalisa exposta num museu em Paris. O destaque dessa obra intelectual sempre foi seu sorriso enigmático e as inúmeras justificativas para sua expressão. Imagine que a obra de Leonardo da Vinci receba companhia de uma escultura de um homem nu, bem na sua frente. Ao observar essa nova dinâmica criativa, poderíamos deduzir a existência de uma reação, do sorriso da Monalisa, ter sido em decorrência da nudez estampada em sua frente.

Hipoteticamente a obra de Leonardo da Vinci (Monalisa) e a escultura nua de um homem em sua frente estavam dialogando e em tese uma obra intelectual reagia à outra. Situação, por conseguinte, totalmente diferente da condição anterior em que Monalisa permanecia numa posição solitária e exclusiva. A pergunta é: haveria uma alteração de significado da obra de Da Vinci, a partir da alteração da dinâmica criativa, ora discriminada?

No caso do touro, ele foi inserido numa outra agenda humana de discussão, de natureza política e filosófica, que é a discussão de igualdades de gênero, absolutamente distinta do contexto original em que foi idealizado. Isso é fato. Mas até que ponto seu significado foi alterado e até que ponto o comprometimento da integridade da obra, sob ponto de vista do Direito Autoral pode ser suscitado, partindo-se do fato que ninguém tocou no touro?

Por outro lado, não se trata de um vaso colocado perto do touro, trata-se da escultura de uma menina em confronto, ou melhor, em diálogo, com a escultura inicial, o que, também, insere a obra intelectual inicial num contexto novo.

No que se refere à outra linha de argumentação do autor da escultura do Touro, teria havido comprometimento de sua reputação, ou seja, teria ocorrido dano moral, em razão de sua obra intelectual não ter sido criada sob a agenda da discussão da igualdade dos gêneros, ainda que o autor se autodeclare favorável ao feminismo e à valorização da mulher (o que não está sendo discutido).

Seria possível a configuração da infringência ao direito moral, como decorrência do Direito Autoral, a partir da alteração de um contexto criativo, ao inserir uma obra reagindo à primeira?

O episódio da "fearless girl" e do touro, para além das questões políticas e filosóficas envolvidas, provocou o rico debate do alcance do Direito Autoral e de quanto uma obra intelectual primígena pode ser afetada, a partir da justaposição de uma outra obra em reação àquela e inserida numa agenda de discussão totalmente diferente da agenda anterior. Até que ponto é possível comprometer a integridade e o direito moral, como desdobramentos do Direito Autoral, de uma obra intelectual, mesmo sem tocá-la?

É uma grande reflexão e há linhas de argumentos em todos os sentidos. Essa é a beleza do Direito Autoral, que está cada vez mais presente em vários campos das nossas vidas.

http://www.migalhas.com.br/PI/99,MI258775,81042-O+touro+e+a+menina+fearless+girl

Opinião: Não se constrói uma elite negra nacional sem a participação da iniciativa privada


Conversa Constitucional nº 30 - segunda-feira, 15 de maio de 2017

Abrindo o voto que proferiu semana passada no pleno do STF, na ADC 41, o ministro Alexandre de Moraes chamou a atenção para o papel da iniciativa privada na inadiável missão de combater os persistentes efeitos dos séculos de escravidão negra no Brasil. Essa ação, visava à reafirmação da constitucionalidade da lei Federal 12.990/2014, a chamada Lei de Cotas, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública Federal direta e indireta. Já há cinco votos pela sua constitucionalidade. O ministro Alexandre de Moraes, em breve comentário, anotou o seguinte: "Lá atrás, em 2002, quando eu fui secretário da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, em várias comissões, nós tratamos de ações afirmativas. Uma delas, que é importantíssima, ações afirmativas para a iniciativa privada, é a questão tributária de compensações tributárias para aquelas empresas que pratiquem ações afirmativas".

O comentário apresenta a nova vertente dessa justa disposição de desobstruir os espaços capazes de erguer uma grande elite negra no país. Como se sabe, em abril de 2012, o STF, por unanimidade, considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB), ao apreciar a ADPF 186. Em 2012, entrou em vigor, então, a lei 12.711/2012, que dispõe sobre cotas para o ingresso nas universidades Federais e nas instituições Federais de ensino técnico de nível médio. 

Tanto a política de cotas voltada às universidades públicas, quanto àquela destinada ao serviço público, são temporárias e trazem exceções. São medidas importantes que representam a maior conquista da comunidade afro-descendente no Brasil nesse século. Todavia, ainda são medidas insuficientes para colocar de pé um projeto maior. O comentário do ministro Alexandre de Moraes é oportuno porque insere, nesse projeto, os atores sem os quais dificilmente os negros ocuparão instâncias de poder numa democracia capitalista: a iniciativa privada. De fato, não se muda uma realidade tão profundamente injusta sem o envolvimento intenso dos atores privados. 

Daí surge a deixa para uma nova frente a ser levantada, que é a de uma lei nacional de alcance geral obrigando que pessoas jurídicas de direito privado tenham cotas para os negros em seus organogramas. Essas cotas não devem se restringir às funções de menor complexidade. Não haveria qualquer transformação social se assim o fosse. Os negros precisam estar nos postos mais relevantes nas estruturas de grandes pessoas jurídicas. 

A África do Sul implementou o Black Economic Empowerment (BEE), uma política nesse sentido. Evidentemente, transformações profundas não se dão sem efeitos colaterais. Na África do Sul, com a implementação do BEE, pessoas jurídicas de direito privado se viram obrigadas a terem negros ocupando funções de destaque em seus organogramas. Como não havia capital humano preparado para essa nova realidade, as fraudes se tornaram frequentes. Espécies de "laranjas" passavam a ser usados para que emprestassem seus nomes a contratos sociais e, assim, ajudassem essas empresas a pontuarem nos rankings estabelecidos pelo programa. Quanto mais pontos, mais acesso as empresas têm a linhas de créditos, programas de investimento, cursos de formação e outras iniciativas. Descobertas as fraudes, a própria iniciativa privada percebeu que não havia outra coisa a fazer que não fosse formar esse capital humano. O resultado foi virtuoso. Floresceram bolsas de estudos para todas as universidades, escolas de negócios foram abertas, as próprias empresas criaram seus centros de formação, programas para financiar jovens aprovados em universidades estrangeiras passaram a pipocar e, então, havia, uma grande massa de negros qualificados e preparados para conduzir os rumos da iniciativa privada no país. O Brasil olhou inicialmente para as universidades públicas Federais. Depois, para o serviço público Federal. Agora, é hora de trazer a iniciativa privada para esse tabuleiro da Justiça e da equidade.

Saul Tourinho Leal é advogado sênior em Brasília e doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. Foi premiado com a bolsa Vice-Chancellor Fellowship pela Universidade de Pretória, para realizar estudos de pós-doutoramento junto ao ICLA, Institute of Comparative Law in Africa. Saul foi clerk do juiz Edwin Cameron, na Corte Constitucional sul-africana e presidiu o Comitê para Relações com a África do Sul, do Conselho Federal da OAB, que lhe outorgou o Troféu de Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. É tradutor das obras do jurista Albie Sachs, indicado por Nelson Mandela para a Corte Constitucional.

http://www.migalhas.com.br/ConversaConstitucional/114,MI258782,31047-Conversa+Constitucional+n+30