sexta-feira, 2 de junho de 2017

Guarda definitiva… mas nem tanto. Uma breve explicação sobre o instituto da guarda.

Dúvidas sobre o instituto da guarda talvez seja um dos temas mais recorrentes que costumo responder. A "guarda dos filhos" é algo muito fantasiado no imaginário das pessoas, que acabam por criar as mais diversas teorias e conspirações sobre o direito de ser guardião do menor, ou sobre a temível possibilidade de perder a guarda dos filhos.

Penso que, em parte, todo esse cenário que foi construído no entorno deste instituto de proteção da criança se deve pela falta de clareza de nossa parte, operadores do direito, que, muitas vezes, para demonstrar uma falsa erudição sobre o assunto, nos valemos de expressões extremamente técnicas, de vocabulário restrito e palavreado rebuscado durante nossas explicações. Sem dúvidas essa nossa postura equivocada acaba por coagir o cidadão que ali está buscando uma solução para sua dúvida, mas que prefere permanecer na ignorância velada sob o tema, a se constranger perante sua incapacidade técnica de compreender todo o bonito - porém inútil - falatório do profissional do direito.

De antemão, tem-se que desmistificar todo o instituto da Guarda, explicando-o de maneira simples e acessível, distinguindo os tipos e formas que ele pode assumir, e ao mesmo tempo refutar algumas crendices infundadas.

Tanto a jurisprudência quanto a doutrina dominante afirmam que "a guarda não é a essência, mas tão-somente da natureza do pátrio poder" (RT, 554/209, 575/134; RJTJESP, 109/280, 121/277; RDTJRJ, 1/79; RTJ 56/53).

Neste sentido, a guarda é atributo do poder familiar, mas não se confunde ele. São dois institutos distintos entre si, o do Poder Familiar e o da Guarda, sendo o segundo um dos muitos atributos decorrentes do primeiro, todavia não se encerra com exclusividade nele, sendo possível concluirmos que a guarda pode existir de maneira independente do poder familiar.

É portanto a Guarda, um instrumento que se destina a tão somente regular a posse do menor por seus responsáveis legais, e as obrigações decorrentes dessa posse, sem que isso pressuponha a necessidade da prévia perda - temporária ou definitiva - do poder familiar de um ou de ambos os pais.

Quanto às obrigações dos guardiões, ela estão expressas tanto no Código Civil, como no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e estabelecem como dever a obrigação da prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais, regularizando sua situação fática de posse sobre os menores, e conferindo a eles a condição de dependentes legais, para todos os fins e efeitos, inclusive previdenciário (ECA, art. 33), gerando obrigações pessoais e intransferíveis (ECA, art. 30).

Como já explicado a guarda destina-se a regularizar a posse da criança e do adolescente, mas como mera situação de fato capaz de gerar vínculo jurídico em benefício do melhor interesse do menor. Há de se frisar que tal vínculo só pode ser legalmente desconstituído por duas formas, por decisão judicial ou pela morte de uma das partes.

Quando a guarda for estabelecida entre os pais do menor, seja ela unilateral ou compartilhada, esta não prejudicará os deveres e direitos parentais de um ou do outro, com a respectiva responsabilização conjunta do pai e da mãe, mesmo que não convivam sob o mesmo teto, obrigando-os a supervisionar os interesses dos filhos, onde qualquer dos "genitores" será parte legítima para solicitar informações e prestar contas em situações que afetem a saúde física ou psicológica e a educação de seus filhos. (CC, art. 1.583)

No mesmo contexto de direito e deveres, independentemente da guarda, o pai e mãe terão assegurados o direito de conviver com seus filhos, podendo visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação, sendo este direito extensível também aos avós paternos e maternos (CC, art. 1.589)

Contudo, em alguns casos mais extremos, a convivência da criança ou adolescente com os próprios pais podem expô-los a situações mais gravosas e de risco aumentado à segurança física e psicológica, obrigando ao Juiz, de forma excepcional, transferir a guarda do menor, colocando-o sob os cuidados de uma família substituta, de forma temporária, onde serão definidos direitos de representação para prática de atos específicos e determinados, ou de forma duradoura, como se essa família substituta fosse sua família natural.

Uma outra forma de se estabelecer a guarda, pela via judicial, será durante o procedimento de adoção. Neste caso, a guarda funciona como período de estágio probatório de convivência, onde o adotando e o adotante terão estabelecido judicialmente um período de convivência entre si, que inicialmente se dará por meio de visitas breves e a critério do juiz, será convertido em guarda para ao fim do estágio, o menor ser perfilhado, adotado, pela nova família.

Deve-se, no entanto, esclarecer uma outra dúvida recorrente, explicando que a guarda de um menor, por si só, e ainda que "definitiva" não autoriza o guardião a pleitear pedido de adoção da criança ou do adolescente, pois como já vimos acima, a guarda é mera situação de posse, e não priva os pais naturais do regular exercício do poder familiar, salvo se expressamente estabelecidas as restrições por um juiz de direito.

Ademais, o que comum e equivocadamente chamamos de Guarda Definitiva não é tão definitiva assim, haja vista que as decisões relativas à guarda de menor não transita em julgado em termos materiais, mas tão somente sob o aspecto formal, ou seja, não produz efeito definitivo em seus aspectos quanto a definitividade da guarda em si, podendo ser revista a qualquer tempo, desde que haja motivo relevante e que essa revisão atenda aos melhores interesses do menor.

Por último, deixamos a guarda estipulada judicialmente em razão da concessão da Tutela do menor de 18 anos para terceiros, sendo este o único tipo de Guarda em que há uma previsão expressa na lei (ECA, art. 36) da obrigatoriedade prévia da perda ou suspensão do poder familiar como condição necessária para a concretização da guarda.

Devemos porém compreender que a perda da guarda, pelos pais em favor de terceiros, nesse caso específico é decorrente da perda do poder familiar, que é fato muito mais grave, pois nessa situação, não houve a perda do direito de "manter cuidados sobre o filho", mas sim a perda do próprio filho.

Ocorre que nem sempre essa perda do poder familiar se dará por conta de condutas lesivas dos pais, tampouco se dará em face da capacidade socioeconômica de um ou de ambos, como algumas pessoas erroneamente acreditam. O mais comum é que a perda do poder familiar ocorra em razão do falecimento ou desaparecimento dos pais, impondo a necessidade de se tutelar aquele menor que ficou desamparado de uma hora para a outra, sendo necessária a nomeação de um tutor ao qual incumbirá obrigatoriamente o dever da Guarda (ECA, art. 36).

Deste modo podemos concluir que Guarda e Poder Familiar são institutos distintos entre si, podendo a Guarda decorrer ou não do poder familiar, sem que isso prejudique os pais em seus deveres e obrigações, em relação aos filhos e seus guardiões.

De igual modo, verificamos que nem mesmo a Guarda definitiva é, de fato, definitiva, podendo ser revista a qualquer tempo, com o objetivo de assegurar o melhor interesse do menor.

Vimos também que a Guarda definitiva e permanente só é fixada para pessoas que não são e nem serão pais ou mães da criança ou adolescente, mas sim para aqueles que desejam manter a criança em seu seio familiar, contudo sem a responsabilidade de assumir, legalmente, a paternidade ou maternidade do menor.

A guarda fixada entre os pais da criança ou adolescente, ao tutor, bem como ao adotante, sempre terá natureza provisória e temporária, pois visa cumprir uma condição e se encerra ao alcançá-la.

GARIBALDI, Marcel Munhoz. Guarda definitiva, mas nem tanto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5083, 1 jun.2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/57857>. Acesso em: 2 jun. 2017.

STJ: Pensão para ex-esposa com capacidade laboral tem prazo certo

A decisão é da 3ª turma do STJ.
domingo, 28 de maio de 2017

Ao acolher recurso de ex-marido que buscava interromper o pagamento de pensão recebida pela ex-esposa por quase 20 anos, a 3ª turma do STJ reafirmou o entendimento de que os alimentos entre ex-cônjuges, salvo em situações excepcionais, devem ser fixados com prazo certo.
As exceções normalmente envolvem incapacidade profissional permanente ou a impossibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Seguindo essa jurisprudência, o colegiado reformou acórdão do TJ/MG que havia mantido o pensionamento por entender que, quando do julgamento do pedido de exoneração, a ex-mulher não possuía mais condições de reingresso no mercado de trabalho, pois não tinha adquirido qualificação profissional ao longo da vida.
Ociosidade
O relator do recurso especial do ex-cônjuge, ministro Villas Bôas Cueva, lembrou que o entendimento atual do STJ busca evitar a ociosidade e impedir o parasitismo nas relações entre pessoas que se divorciam, especialmente nas situações em que, no momento da separação, há possibilidade concreta de que o beneficiário da pensão assuma "a responsabilidade sobre seu destino".
No caso analisado, o ministro também ressaltou que o tribunal mineiro manteve a pensão com base em atestados médicos que não certificaram de forma definitiva a impossibilidade de autossustento.
O relator lembrou que a mulher tinha 45 anos à época do rompimento do matrimônio e, naquela ocasião, possuía plena capacidade de ingressar no mercado profissional.
"Aplica-se, assim, a premissa do tempus regit actum, não sendo plausível impor ao alimentante responsabilidade infinita sobre as opções de vida de sua ex-esposa, que se quedou inerte por quase duas décadas em buscar sua independência. Ao se manter dependente financeiramente, por opção própria, escolheu a via da ociosidade, que deve ser repudiada e não incentivada pelo Poder Judiciário. A capacitação profissional poderia ter sido buscada pela alimentanda, que nem sequer estudou ao longo do período em que gozou dos alimentos."
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Fonte: STJ
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI259390,71043-Pensao+para+exesposa+com+capacidade+laboral+tem+prazo+certo

STF encerra o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. E agora?

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Finalmente, o Supremo Tribunal Federal encerrou, no último dia 10 de maio de 2017, o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Após pedido de vistas do ministro Marco Aurélio, dois processos foram julgados em definitivo, ambos com repercussão geral (temas 498 e 809).
O primeiro deles foi o recurso extraordinário 878.694/MG (Tema 809), que teve como relator o ministro Luís Roberto Barroso. Tal julgamento teve início em agosto de 2016, já havendo desde então sete votos pela inconstitucionalidade da norma, na linha do proposto pela relatoria. Votaram nesse sentido os ministros Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia, além do próprio ministro Barroso. Após pedido de vistas do ministro Dias Toffoli, o processo retomou seu destino neste ano de 2017, tendo esse último julgador concluído pela constitucionalidade da norma, pois haveria justificativa constitucional para o tratamento diferenciado entre o casamento e a união estável (voto prolatado no último dia 30 de março). O ministro Marco Aurélio pediu novas vistas, unindo também o julgamento do recurso extraordinário 646.721/RS, que tratava da sucessão de companheiro homoafetivo, do qual era relator, justamente o segundo processo (Tema 498).
Em maio de 2017 foram retomados os julgamentos das duas demandas, iniciando-se pela última. Para começar, o ,ministro Marco Aurélio apontou não haver razão para a distinção entre a união estável homoafetiva e a união estável heteroafetiva, na linha do que fora decidido pela Corte quando do julgamento da ADPF 132/RJ, em 2011. Porém, no que concerne ao tratamento diferenciado da união estável diante do casamento, asseverou não haver qualquer inconstitucionalidade, devendo ser preservado o teor do art. 1.790 do Código Civil, na linha do que consta do art. 226, § 3º do Texto Maior que, o tratar da conversão da união estável em casamento, reconheceu uma hierarquia entre as duas entidades familiares. Ao final, restou vencido, prevalecendo a posição dos Ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Frise-se que o último julgador não votou no processo anterior – pois ainda era magistrado o Ministro Teori Zavascki –, mas prolatou sua visão na demanda envolvendo a sucessão homoafetiva. Com o Relator, apenas votou o Ministro Ricardo Lewandowski, que adotou a premissa in dubio pro legislatore.
Assim, o placar do julgamento do Tema 498 foi de 8 votos a 2, ausente o ministro Dias Tofolli. Conforme consta da publicação inserida no Informativo n. 864 da Corte, "o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a Constituição prevê diferentes modalidades de família, além da que resulta do casamento. Entre essas modalidades, está a que deriva das uniões estáveis, seja a convencional, seja a homoafetiva. Frisou que, após a vigência da Constituição de 1988, duas leis ordinárias equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996). O Código Civil, no entanto, desequiparou, para fins de sucessão, o casamento e as uniões estáveis. Dessa forma, promoveu retrocesso e hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração. O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso".
Quanto ao processo original, o que iniciou o julgamento da questão (RE 878.694/MG) apenas se confirmou o que estava consolidado desde o ano passado, entendendo pela constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, e mantendo-se a coerência de posições com a demanda anterior. Neste primeiro processo, o placar foi de 8 a 3, portanto (Tema 809). Mais uma vez, conforme consta do Informativo 864 do STF, "o Supremo Tribunal Federal afirmou que a Constituição contempla diferentes formas de família, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. Portanto, não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada por casamento e a constituída por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares mostra-se incompatível com a Constituição. O art. 1.790 do Código Civil de 2002, ao revogar as leis 8.971/1994 e 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou companheiro), dando-lhe direitos sucessórios inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso".
Por fim, ficou destacado que, com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil deve ser aplicado apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. A tese final firmada, para os devidos fins de repercussão geral, foi aquela conhecida desde o ano passado: "no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil".
Relembro que sempre estive filiado à corrente que via inconstitucionalidade apenas no inciso III do art. 1.790 do Código Civil, por colocar o convivente em posição de desprestígio ante os ascendentes e colaterais até o quarto grau, recebendo um terço do que esses recebessem. Aliás, alguns Tribunais Estaduais tinham reconhecido a inconstitucionalidade desse último diploma, por meio do seu Órgão Especial, caso do Tribunal de Justiça do Paraná e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Entretanto, reitero que o momento é de aceitar a decisão do STF, conforme expunham dois dos nossos grandes sucessionistas, os Professores Zeno Veloso e Giselda Hironaka, citados no julgamento. A principal vantagem do decisum é resolver a grande instabilidade jurídica sucessória verificada no Brasil desde a vigência do Código Civil de 2002, colocando fim a debates sobre a inconstitucionalidade ou não do art. 1.790 do Código Civil.
Assim, tendo sido esse o julgamento final, como ficam os processos de inventário em curso? E os novos processos? Como devem ser elaboradas as escrituras públicas de inventários pendentes em Tabelionatos de Notas de todo o país? O companheiro passa a ser herdeiro necessário? A equiparação entre a união estável e o casamento é para todos os fins sucessórios? Atinge também todos os fins familiares? E agora? Tentaremos aqui responder tais dúvidas, pelo menos brevemente.
De início, tendo prevalecido essa forma de julgar, além da retirada do sistema do art. 1.790 do Código Civil, o companheiro passa a figurar ao lado do cônjuge na ordem de sucessão legítima (art. 1.829). Desse modo, concorre com os descendentes o que depende do regime de bens adotado. Concorre também com os ascendentes o que independe do regime. Na falta de descendentes e de ascendentes, o companheiro recebe a herança sozinho, como ocorre com o cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos). Ressalto que tenho visto na imprensa várias notícias fazendo cálculos equivocados da divisão patrimonial, sem levar em conta o regime de bens adotado no casamento, o que é fundamental não só para a meação, como também para a sucessão, pelo que consta o primeiro inciso da última norma.
Na publicação do acórdão foi mantida a modulação dos efeitos reconhecida em 2016, sem qualquer ressalva, apesar de debates no julgamento final. Conforme o voto do Ministro Barroso, "é importante observar que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorridas desde o advento do CC/2002. Assim, levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública" (STF, recurso extraordinário 878.694/MG, relator ministro Luís Roberto Barroso).
Em suma, a tese da repercussão geral aplica-se, sim, aos processos de inventário em curso, desde que não haja decisão transitada em julgado, sem pendência de recurso. Por outra via, em havendo sentença ou acórdão aplicando o art. 1.790 da codificação material, esse deve ser revisto em superior instância, com a subsunção do art. 1.829 do Código Civil. Em relação aos inventários extrajudiciais pendentes, as escrituras públicas devem ser elaboradas com o novo tratamento dado pela nossa Corte Máxima. Em todos esses casos, as afirmações valem desde que a sucessão tenha sido aberta a partir de 11 de janeiro de 2003, conforme determina o art. 2.041 do Código Civil de 2002, in verbis: "as disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (lei3.071, de 1º de janeiro de 1916)".
Apesar do alerta anterior feito por parte da doutrina, algumas questões ficaram pendentes no julgamento do STF. A primeira delas diz respeito à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no art. 1.845 do Código Civil, outra tormentosa questão relativa ao Direito das Sucessões e que tem numerosas consequências. O julgamento nada expressa a respeito da dúvida. Todavia, lendo os votos prevalecentes, especialmente o do Relator do primeiro processo, a conclusão parece ser positiva. Como consequências, alguns efeitos podem ser destacados. Vejamos apenas três deles, pela dimensão inicial deste artigo: a) incidência das regras previstas entre os arts. 1.846 e 1.849 do CC/2002 para o companheiro, o que gera restrições na doação e no testamento, uma vez que o convivente deve ter a sua legítima protegida, como herdeiro reservatáriob) o companheiro passa a ser incluído no art. 1.974 do Código Civil, para os fins de rompimento de testamento, caso ali também se inclua o cônjuge; c) o convivente tem o dever de colacionar os bens recebidos em antecipação (arts. 2.002 a 2.012 do CC), sob pena de sonegados (arts. 1.992 a 1.996), caso isso igualmente seja reconhecido ao cônjuge.
No que concerne ao direito real de habitação do companheiro, também não mencionado nos julgamentos, não resta dúvida da sua existência, na linha do que vinham reconhecendo a doutrina e a jurisprudência superior. Nesse sentido, entre os acórdãos mais recentes: "o Código Civil de 2002 não revogou as disposições constantes da lei 9.278/96, subsistindo a norma que confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal matéria em relação aos conviventes em união estável, consoante o princípio da especialidade" (STJ, AgRg no REsp 1.436.350/RS, Rel. ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 19/4/2016).
Mas qual a extensão desse direito real de habitação ao companheiro? Terá o direito porque subsiste no sistema o art. 7º, parágrafo único, da lei 9.278/1996, na linha do último julgado? Ou lhe será reconhecido esse direito real de forma equiparada ao cônjuge, por força do art. 1.831 do Código Civil? Como é notório, os dois dispositivos têm conteúdos distintos. O Supremo Tribunal Federal não enunciou expressamente essa questão, apesar de tender à última resposta, cabendo à doutrina e à própria jurisprudência ainda resolvê-la.
Por derradeiro, a equiparação feita pelo STF também inclui os devidos fins familiares sendo, portanto, total? Há quem entenda que sim, caso de José Fernando Simão e Mário Luiz Delgado, para os quais a união estável passa a ser um casamento forçado. Lembro, como sempre pontuo, que o Novo Código de Processo Civil já fez essa equiparação, para quase todos os fins processuais.
Apesar de ser uma posição louvável – retirada notadamente do voto do Ministro Barroso –, penso que devemos dar tempo ao tempo, como tem pontuado Giselda Hironaka em suas exposições sobre o assunto. A propósito, surge corrente respeitável, encabeçada por Anderson Schreiber e outros, no sentido de haver equiparação somente para os fins de normas de solidariedade, caso das regras sucessórias, de alimentos e de regime de bens. Em relação às normas de formalidade, como as relativas à existência formal da união estável e do casamento, aos requisitos para a ação de alteração do regime de bens do casamento (art. 1.639, § 2º do CC e art. 734 do CPC) e às exigências de outorga conjugal, a equiparação não deve ser total. Confesso que essa última e novel posição tem me seduzido.

De toda sorte, vejamos qual será o rumo que a civilística brasileira tomará nos próximos anos. Como se pode perceber, os julgamentos do Supremo Tribunal Federal resolveram um aspecto importante, qual seja a retirada do art. 1.790 do Código Civil do sistema sucessionista nacional. Porém, alguns rastros ficaram. Temos algumas pistas, mas não o caminho definitivo para todos os problemas.
Flávio Tartuce é doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito. Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.
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