quarta-feira, 7 de junho de 2017

O poder familiar e o conceito moderno de família à luz do ECA


No objetivo primordial de resguardar a criança e o adolescente em toda sua magnitude, o ECA também tem a responsabilidade de amparar os pais, ou responsáveis legais, para que proporcionem uma vida digna e harmônica aos filhos, buscando não privá-los de laço afetivo.

1 FAMÍLIA

A Constituição Federal, no artigo 226, dita que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. (BRASIL, 1988). Deste modo, destaca-se que a lei suprema efetiva a responsabilização por parte do Estado para garantir o fundamento e o alicerce familiar de maneira adequada.

No mesmo diapasão, o tema em tese, encontra respaldo legal no Código Civil (BRASIL, 10/01/2002) que regula a situação estabelecida de forma bem simples. Assim, o artigo 1.511, Capítulo I, de maneira concisa e biológica, define a entidade familiar como à união de pessoas que possuem descendência no mesmo tronco ancestral, bem como o estabelecimento da relação conjugal, veja-se: “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direito e deveres dos cônjuges.”

Ainda, dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 27/09/1990) que a proteção integral, bem como todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, deve ser preservada de maneira eficaz, inclusive, com relação ao seio familiar apropriado para o desenvolvimento dos infantes.

Neste sentido, o ECA (BRASIL, 27/09/1990) prevê que a base familiar é de significativa importância para o desenvolvimento da criança, com o fito de ajustar o físico, mental, moral, espiritual e social, resguardando sempre, a dignidade dos menores.

Neste ínterim, de maneira mais abrangente, verifica-se que na realidade, o conceito de família se difunde, ou seja, uma simples explicação, como a prevista pela constituição de 1988(BRASIL, 1988), bem como Código Civil (BRASIL, 10/01/2002) e ECA (BRASIL, 27/09/1990), não se mostram ideal para tal definição.

A palavra família, por si só, traz grande responsabilidade e peso. É sabido que atualmente carrega o fator afetivo, social, razão pela qual uma simples acepção mostra-se insuficiente ante a acuidade do contexto família.

Segundo o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira[1], vejamos:
Na verdade, em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos. Aí se exerce a autoridade paterna e materna, participação na criação, educação, orientação para a vida profissional, disciplina do espírito, aquisição dos bons ou maus hábitos influentes na projeção social do individuo. Ai se pratica e desenvolve em mais alto grau o principio da solidariedade domestica e cooperação recíproca.

Tendo como premissa o exposto acima, imperioso é reconhecer que o contexto familiar se reveste de caráter essencial à formação da vida da pessoa, mais ainda, daquela em fase de desenvolvimento, tal como a criança e o adolescente.

Outro não é o entendimento de Paulo Lôbo[2], veja-se o que preleciona o doutrinador:
O consenso, a solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas que a integram são fundamentos dessa imensa mudança paradigmática que inspiram o marco regulatório estampado nos artigos 226 a 230 da Constituição de 1988. A constituição de 1988 expande a proteção do Estado à família, promovendo a mais profunda transformação de que se tem noticia, entre as constituições mais recentes de outros países.

Neste ínterim, necessário dizer que a proteção que se trata o artigo 226[3], não faz restrições à relação familiar. Neste esteio, admite de maneira cristalina as obrigações, bem como os direitos dos membros que a constituem.

Salienta-se que conforme previsão legal descrita acima, o Estado possui grande papel para efetivar a proteção especial que o seio familiar tanto necessita, possibilitando a confecção de amparo à estirpe.

Da mesma maneira, o conjunto familiar reveste-se do poder concedido aos pais para que exerçam no interesse dos filhos, efetivando a integridade física, psíquica das crianças e adolescentes para que faça jus à proteção integral prevista.

Imperioso é reconhecer, que é na esfera das relações afetivas que se compõe a personalidade de cada ser, pois o afeto entre as pessoas orienta o seu desenvolvimento.

Assim, a entidade familiar a ser reconhecida e protegida pelo Estado é aquela que representa um núcleo de afeto e carinho, onde as pessoas se reconhecem e se desenvolvem com dignidade, a par da identidade biológica entre elas.

Outro não é o entendimento de Maria Berenice Dias[4]:
A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. [...]

A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca.

É sabido, que o Estatuto da Criança e do Adolescente[5] repete o enunciado previsto pela Constituição Federal, tendo em vista a importância da proteção do Estado dedicada aos menores, veja-se:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Neste ínterim, o mesmo instituto prevê no artigo 19[6] que toda criança e adolescente tem direito a ser criada, amada, e educada no seio de uma família. Enfim, recebendo toda a proteção integral prevista pelos ordenamentos pátrios para a convivência familiar saudável e apropriada, vejamos:

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Por fim, resta claro, que o direito à convivência familiar do menor está ligado a sua origem, formação, prevalecendo sempre, o direito à dignidade e ao desenvolvimento integral da criança.

No mesmo sentido preleciona Maria Berenice Dias[7], veja-se:
A missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a vertentes patrimoniais. A essência do poder parental é a mais importante, que coloca em relevo a afetividade responsável que liga pais e filhos, propiciada pelo encontro, pelo desvelo, enfim, pela convivência familiar.

Nesta senda, a família passa por evolução social, e, com o direito não podia ser diferente, está em constante movimento para alcançar as diversas situações vivenciadas pela sociedade.

Outrossim, o legislador pátrio se adapta às novas modalidades de família, elegendo o esforço de buscar o equilíbrio para a problemática vivenciada pelas pessoas envolvidas em conflitos familiares.

1.1 DO PODER FAMILIAR

Para a melhor compreensão do tema principal deste estudo, qual seja, guarda compartilhada, necessário faz-se a explicação do que é pode familiar e a importância que possui para regular a vida social.

Nos dizeres de Sílvio de Sávio Venosa[8], poder familiar é: “[...] conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, com relação aos filhos menores e não emancipados, com relação à pessoa deste e a seus bens”.

Neste ínterim, iniciando o estudo pela antiguidade, o direito romano previa como ente principal a ser respeitado à figura do pai, que criava, educava, estabelecia as regras.

Deste modo, ao pai eram conferidos poderes absolutos para reger a relação familiar. No mesmo sentido, vale salientar que, naquela época, para a formação da família, levava-se em consideração o cunho religioso.

Registra-se que a disposição romana, de a família ser comandada por um chefe patriarcal, ainda que mitigada, faz-se presente até a idade moderna. Ademais, alcança o direito português.

Outrossim, o Código Civil de 1916, na tentativa de fazer valer o poder de ambos os cônjuges, dispõe que exercerá o pátrio poder o marido, como chefe da família, e na sua ausência a mulher.

Assim, é imperioso reconhecer, que apesar da tentativa de responsabilizar ambos na relação afetiva, ainda, coloca o homem como o administrador e responsável pela constituição familiar.

Neste diapasão com o crescente desenvolvimento social, em 1990, cria-se o Estatuto da Criança e do Adolescente[9], que ressalta a igualdade de condições entre os cônjuges, para exercer o poder familiar. Neste ínterim, vale transcrever excertos do citado artigo, veja-se:

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Comungando com o mesmo entendimento, o Código Civil de 2002[10] abarca a hipótese da responsabilização conjunta por parte dos pais ou responsáveis pela criança.

Destaca-se, que a Constituição Federal[11] consagrou no artigo 5º, inciso I, que a função para o exercício familiar deve ser obrigatoriamente partilhada entre os pais, em razão de não haver distinção entre homens e mulheres perante a lei. Neste sentido, vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Ante tais disposições, outra não é a previsão legal inaugurada pela lei suprema no artigo 227[12], caput veja-se: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O poder familiar, deste modo, encontra guarida nas disposições legais, que viabilizam os direitos fundamentais inerentes à pessoa em fase de desenvolvimento, tal como a criança e o adolescente.

Destarte, o poder familiar atualmente, não é mais aquele de submissão à figura do pai, que poderia inclusive, abusar sem ser punido.

Nos tempos atuais, a atuação do direito/dever dos pais em educar, amar, favorecer a proteção, respalda-se na conduta de pai e mãe, em direitos iguais de exercer a função de agentes principais a formação familiar no todo.

1.2 COMPREENSÃO MODERNA DE FAMÍLIA

A concepção estabelecida antigamente, de ser o pai chefe da família, se desfez com o passar dos anos. No século XX, tal figura, possuía o poder de reger a vida dos filhos, de maneira invasiva, como por exemplo, escolher com quem a filha se casaria.

Atualmente, os membros tornam-se mais independentes, tomando as rédeas de sua vida. A começar pelo trabalho da mulher fora do lar. É sabido, que nas famílias que possuem dificuldade financeira, os filhos desde muito cedo, vão à procura de emprego, da possibilidade de ajudar dentro da própria casa, fato que não acontecia na antiguidade.

Deste modo, o Código Civil de 2002[13], como já salientado, dispõe a igualdade entre os cônjuges, por tal razão, efetiva-se a concepção de família ligada ao amor, respeito mútuo, e, obrigações divididas entre o casal.

Neste ínterim, vale transcrever excertos do texto de Caio Mario:
Há uma nova concepção de família que se constrói em nossos dias. Fala-se na sua desagregação e no seu desprestigio. Fala-se na crise da família. Não há tal. Um mundo diferente imprimi feição moderna à família. Não obstante certas resistências e embora se extingam os privilégios social e econômico, cultivando seus membros certo orgulho por integrá-la.

Registra-se, que há modificação significativa no contexto família. Os dizeres “entidade familiar”, antes se referia à junção de homem e mulher que se casam e constituem família.[14]

É sabido, que a ideia de família na forma restrita, dá lugar ao avanço do direito, que permitiu, inclusive, a adoção de filhos por casal que possuem união homoafetiva.

A transformação compõe a família por membros diferentes de antigamente. Hoje, a prole de um casal traz para dentro de sua casa a experiência vivenciada, estabelecendo diálogos entre pais e filhos na busca pela solução dos conflitos sofridos diariamente.

Na tentativa de modernizar a família, é que se fortalece o vinculo efetivo, não se tem atualmente a noção do medo, o receio de ser repreendido fortemente pelo pai. O que rege a relação familiar é a busca incessante pelo diálogo, pela ajuda e comprometimento dos entes.

Nesta senda, o valor assegurado à família, hoje, é exercida pela idéia da proteção, em especial à criança em fase de desenvolvimento, que apesar da maior independência, não pode, de maneira alguma, ser desligada ou afastada do ideal de constituição de família, fator essencial ao desenvolvimento humano.

Deste modo, comungando com o entendimento, estabelece a Convenção Internacional dos Direitos da Criança[15] que: “[...] núcleo fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem estar de todos os seus membros, e, em particular, as crianças”

Ante tal disposição, resta claro, que os genitores possuem grande importância na formação dos filhos, razão pela qual, seja qual for à composição da família, deve ser calcado no respeito, diálogo, afeto e serenidade para a efetivação da convivência saudável.

1.3 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Notório é que o Estatuto da Criança e do Adolescente[16] estabelece a proteção integral, bem como os deveres exercidos pela família, quanto à liberdade, a dignidade, a convivência familiar respeitável e amorosa aos menores.

Deste modo, a disposição legal contida pelo Estatuto fica evidenciada na medida em que prevê o dever da família em resguardar, com maior prioridade, o direito à vida, à educação, à liberdade, à saúde às crianças.

Assim, apesar de toda a exposição prevista pelo ECA[17], por ser o menor tratado de maneira especial e mais cuidadosa, cria-se em 1959 a Declaração Universal dos Direitos da Criança[18], que prima estabelecer as garantias inerentes a pessoa em fase de desenvolvimento, dentre estes, o vínculo familiar.

Ensina Caio Mário[19], veja-se:
A convenção consagra a “Doutrina Jurídica da Proteção Integral, ou seja, que os direitos inerentes a todas as crianças e adolescentes possuem características especificas devido à peculiar condição de pessoas em vias de desenvolvimento em que se encontram e que as políticas básicas voltadas para a juventude devem atuar de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado.

Na oportunidade da criação da convenção, fica estabelecido que a proteção à criança é fator essencial e dever dos pais.

Contudo, caso seja impossível o exercício regular dos pais para com os filhos, o Estado, deverá tomar as providências cabíveis, para que o amparo aos menores seja efetivado.

Neste ínterim, de maneira detalhada o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Convenção da Proteção Integral, dão ensejo aos fatores que submergem a formação social, psíquica, física dos menores em fase de desenvolvimento, e que tanto necessitam de uma base familiar verdadeiramente boa.

NOTAS
[1] PEREIRA,Caio Mario. Instituições de Direito Civil, Direito de Família, 18 ed. Volume V.
[2] LÔBO, Paulo. In Direito Civil: Famílias, Ed. Saraiva, ano 2008, São Paulo, p. 05.
[3] BRASIL. Constituição da República, 1988
[4] DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, 3ª edição, 2006, p. 45.
[5] BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, 27/09/1990.
[6] BRASIL. Op. Cit.
[7] DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, 3ª edição, 2006, p. 45.
[8] VENOSA, Sílvio de Sávio, Direito Civil: Direito de família, 5ª edição, São Paulo, Atlas, 2005, p. 355
[9] BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, 27/09/1990
[10] BRASIL. Código Civil, 10/01/2002
[11] BRASIL. Constituição da República, 1988
[12] BRASIL. Op. Cit.
[13] BRASIL. Código Civil, 10/01/2002.
[14] PEREIRA,Caio Mario. Instituições de Direito Civil, Direito de Família, 18ª ed. Volume V.
[15] ONU/89 (Decreto nº99. 710/90). 20/11/1989.
[16] BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, 27/09/1990.
[17] BRASIL. Op. Cit.
[18] ONU/89 (Decreto nº99. 710/90). 20/11/1989
[19] PEREIRA,Caio Mario. Instituições de Direito Civil, Direito de Família, 18 ed. Volume V. p.

RIBEIRO, Luciana Gonçalves; CABRAL, Maria Laura Vargas. O poder familiar e o conceito moderno de família à luz do ECARevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22n. 50875 jun. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/58043>. Acesso em: 7 jun. 2017.

Abandono afetivo inverso e sua responsabilidade civil e criminal (parte 3)

(...)
SEÇÃO III AS RESPONSABILIDADES ACARRETADAS PELO ABANDONO AFETIVO INVERSO

3.1. A RESPONSABILIDADE CIVIL

Apesar da impossibilidade em estabelecer um quesito valorativo aos cuidados ou a inexistência destes, o abandono moral e/ou material pode ser qualificado de forma indenizatória. Os parâmetros buscam estudar os responsáveis, as circunstâncias de suas vidas e a falta do cuidado, carinho ou afeto por parte deles, tornando, assim, uma sanção adequada. Com a constatação da ausência dos requisitos indispensáveis para a solidariedade e convivência familiar, o abandono torna-se um desvio da efetiva estabilidade familiar, tornando capaz do caso concreto ser juridicamente possível responsabilizado civilmente. No âmbito do abandono afetivo paterno-filial, o fenômeno jurídico de indenização por danos morais teve grande desenvolvimento no Brasil, principalmente após a Constituição Federal de 1988, apesar da possibilidade de trazer demandas exacerbadas e imorais acerca do tema.

Contudo, existem entendimentos nos Tribunais pátrios, que contestam essa perspectiva de responsabilidade, onde obedece e fundamenta-se no Princípio da Afetividade e no da Solidariedade Familiar, pontuando que o Poder Judiciário não pode coagir os filhos à prestarem auxílio afetivo e de cuidado, conforme julgado do Tribunal de Justiça do Paraná, a seguir:

PROCESSUAL. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA. AUSÊNCIA DE JULGAMENTO DO MÉRITO.SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A demanda visa à coação dos filhos para que prestem auxílio afetivo e de cuidado com a mãe idosa e enferma, o que não pode ser determinado pelo Poder Judiciário.2. Os laços afetivos são sentimentos subjetivos e que devem partir de cada ser humano naturalmente, sendo inviável a sua imposição.3. A demanda não se confunde com pedido de alimentos, pois este não foi um requerimento inicial e, nesta fase processual, implica em inovação recursal, conforme art. 517 do CPC.4. Reconhecimento da ausência de interesse processual do Ministério Público e indeferimento da petição inicial conforme art. 295, inc. III, CPC.5. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-PR - 12ª C. Cível - AC - 1386909-3 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Joeci Machado Camargo - Unânime - - J. 09.03.2016) (g. n.) No entanto, o Estado não pode assumir posição contrária à necessidade da reparação, já que há a fragilidade social da criança abandonada afetivamente, e esta situação é completamente correlata ao abandono inverso. Neste sentido, entendeu o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia Â- de cuidado Â- importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes Â- por demandarem revolvimento de matéria fática Â- não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. Recurso Conhecido e Provido. 7. Votação Unânime. (TJ-PI. 2ª Câmara Especializada Cível. AC: 00017611820078180140 PI 201200010014128, Relator: Des. José James Gomes Pereira, Data de Julgamento: 04/09/2013, Data de Publicação: 17/09/2013) O amor é uma faculdade, no entanto, cuidar é dever. Os julgados em qualquer esfera do Judiciário, não tem o direito de discutir o amar, mas é uma imposição jurídica, biológica e moral o cuidar, pois muito se fala em liberdade e direitos, porém a discricionariedade do ser humano torna-se indisponível no contexto de sentimento aos próximos, já que, remetendo ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, cada ser humano se faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade. 3.2. A RESPONSABILIDADE CRIMINAL Como a evolução história da proteção do idoso no ordenamento jurídico, faz menção da Declaração Universal dos Homens até a atual Constituição Federal do Brasil, o Código Penal também possui dispositivos beneficiando e protegendo a pessoa de maior idade. É o caso, por exemplo, do inciso I, artigo 65, que atenua a pena quando o agente é maior de setenta anos na data da sentença. Após a promulgação da Lei do Estatuto do Idoso, houve alteração no §3º do artigo 140, da Lei Penal, instituindo a condição de pessoa idosa no crime de injúria. Desta forma, a Lei de Execuções Penais, em seu artigo 32, § 2º, específica que o trabalho dos condenados com idade superior a 60 (sessenta) anos deve ser compatível, e o artigo 177 dá o direito de prisão domiciliar quando o condenado tiver mais que setenta anos. Assim, não há dúvidas de que a responsabilidade criminal, apesar de não pacificada jurisprudencial ou doutrinalmente, é cabível na situação do abandono afetivo inverso. O idoso se encontra em uma etapa da vida completamente vulnerável, necessitando de maiores cuidados, de extrema atenção e, ao invés disso, recebe maus tratos, violência, inação de afeto ou desrespeito por parte dos membros da família que deveriam ser responsáveis por ele. Além disso, se já não bastasse as negligências por parte de familiares, na situação de vulnerabilidade que o idoso se encontra, diversas são as denúncias no Poder Judiciário, onde os responsáveis, em vez de cuidado e afeto, se beneficiam erroneamente e ilicitamente da aposentadoria ou benefício de prestação continuada do aposentado, conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a seguir exposta: APELAÇÃO CRIMINAL. ESTATUTO DO IDOSOS (LEI 10.741/2003). ABANDONO MATERIAL (ART. 99) E APROPRIAÇÃO E DESVIO DE RENDIMENTOS DE IDOSO (ART. 102). Inequívocas a materialidade e a autoria do delito, diante da prova testemunhal. A família tem obrigação de prover as necessidades básicas do idoso. Os denunciados, filho e nora da vítima, deixaram de prover em suas necessidades básicas a idosa, dando ao benefício previdenciário que ela recebia destinação diversa de sua finalidade. Condenação mantida. PENAS. Redimensionadas. SUBSTITUIÇÃO. Mantida a prestação de serviços comunitários pelo tempo da pena ora fixada e reduzida a prestação pecuniária para um salário mínimo para cada réu. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70067168625, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 24/11/2016). (g. n.) Ao analisar a Lei Penal Brasileira, constata-se, ainda, diversas infrações penais, como maus tratos, fundamentado no artigo 136, injuriar uma pessoa na sua condição de idosa, aumentando a pena do crime tipificado no artigo 140, ou o aumento de pena quando conduz o idoso a um serviço análogo à escravidão, conforme § 1º, inciso II do artigo 149-A, todos do Código Penal. Acerca dos maus-tratos, entende a Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: APELAÇÃO CRIME. MAUS-TRATOS CONTRA IDOSO. ART. 99, CAPUT, DA LEI N. 10.741/03 (ESTATUTO DO IDOSO). SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. Matéria Preliminar 1. O art. 94 da Lei n. 10.741/03 prevê a possibilidade de aplicação do procedimento sumaríssimo aos crimes cometidos contra idosos. No entanto, a mesma legislação prevê a inaplicabilidade, em casos tais, de quaisquer medidas despenalizadoras instituídas pela Lei dos Juizados Especiais Criminais, determinação decorrente do julgamento da ADI n. 3096, proferido pelo STF, em 16/06/2010. Decisão que possui eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, por força do parágrafo único do art. 28 da Lei n. 9.868/99. Mérito 2. Suficientemente comprovada a prática do delito de maus-tratos pelo acusado, filho da vítima e responsável pelos cuidados dela, que expôs a perigo a integridade física de sua mãe, idosa, com dificuldades de locomoção e obesa. 3. Depoimentos que descrevem, de forma uníssona, que a conduta do réu é motivada pelo alcoolismo. APELO IMPROVIDO. (TJ-RS, Turma Recursal Criminal, Recurso Crime Nº 71004783445, Relator: Edson Jorge Cechet, Data de Julgamento: 12/05/2014.) (g. n.). Ademais, conforme diversos casos noticiados ou abafados pela sociedade, os idosos maltratados, normalmente sofreram algum tipo de violência, que é uma circunstância agravante de diversos crimes penais. Infelizmente, o Estado assume uma obrigação de intervir nas relações familiares, de tal forma, que cabe até impor medida protetiva e afastamento daqueles que deveriam cuidar e se responsabilizar pelos anciões. Neste contexto, foi o que entendeu o Rio Grande do Sul, em seu julgado: MEDIDA DE PROTEÇÃO. DIREITO DA PESSOA IDOSA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE. DETERMINAÇÃO LIMINAR DE AFASTAMENTO DA FILHA E SEU COMPANHEIRO DA RESIDÊNCIA. CABIMENTO. OCORRÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA E ABANDONO. 1. Restando cabalmente demonstrado de que os idosos estavam sendo vítimas de negligência e abandono por parte da filha que com eles residia, mostra-se correta a determinação sentencial de afastamento da mesma e de seu companheiro. 2. A prova dos autos mostrou-se suficiente para agasalhar a decretação da medida de afastamento, eis que destinada a assegurar a dignidade e a proteção de pessoa idosa, com amparo previsto na Lei nº 10.741/2003. 3. Tratando-se de pessoas idosas e em situação de vulnerabilidade, que vinham sendo maltratadas pela filha, era mesmo necessária a medida de afastamento da recorrente e de seu companheiro, a fim de protegê-las e assegurar-lhes melhores condições de vida. Recurso desprovido. (TJ-RS, Sétima Câmara Cível, Apelação Cível Nº 70067517433, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 29/06/2016). Isto posto, é totalmente necessário e cabível a responsabilização criminal dos responsáveis quando provocam o abandono afetivo dos seus genitores, já que constitucionalmente, moralmente ou em qualquer que seja a esfera jurídica, estão cometendo atos ilícitos contra pessoas com tratamento especial e cuidadoso das leis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que é necessária e válida a discussão sobre o Abandono Afetivo Inverso. O envelhecer é um fato que acompanha a sociedade desde o começo, sendo um fenômeno vivenciado que se adequa ao momento social atual. Ocorre que, com o avanço tecnológico, aumento da expectativa de vida, houve também o aumento da população idosa e o Brasil sofreu com isso, sem políticas públicas para acompanhar essa nova realidade. Logo, existe uma preocupação, judicial e legislativa, em mudar a atuação do Estado e a proteção às relações familiares entre filhos e seus genitores. Para que seja possível concretizar o instituto do Abandono Afetivo Inverso, é necessário analisar o caso concreto e ater à situação no ordenamento jurídico.

Neste presente trabalho, notou-se que o Princípio da Afetividade, num campo tão subjetivo das Leis, norteia as relações familiares contemporâneas, e é o orientador destes institutos, como o Abandono Afetivo e o “às avessas”. O Brasil tende a aumentar progressivamente sua população idosa, então faz-se necessário se preocupar com o fato de ainda não ter pré-requisitos ou legislações específicas para responsabilizar civil ou criminalmente quem, por negligência, maldade ou qualquer que seja o motivo, provoca, além de lesões físicas, psicológicas, inação de afeto à essas pessoas de maior vulnerabilidade na sociedade. Desta forma, ainda que o amor não possa ser coagido pelo Estado ou em qualquer relação familiar, sem dúvidas, tem-se que em indenizações valorativas, como as morais, a solução possível e realista para tutelar o dever de cuidado ultrajado pelos filhos, além de ações ou medidas protetivas e preventivas, no sentido de caminhar até a total inibição da prática do abandono.

Em um outro enfoque, distinto do tema abordado neste trabalho, parte da ausência da afetividade dos filhos para com os seus genitores é devida ao sentimento de cuidado e carinho abortado na infância pela preguiça, falta de compromisso ou tempo, descaso perante a educação, que deveria ser dada em casa, e uma preocupação e cobrança exacerbada na educação proveniente das escolas, influenciando na formação de personalidade e emocional dos filhos, contribuindo para esse descaso quando a situação paterno-filial se inverte. Resta firmado entendimento social ou jurídico que a pessoa necessita de carinho, afeto, cuidado, no começo e ao fim da vida. Se o filho ou responsável, por mero deleite, decide por abandonar seus pais, que seja legislado e condenado por esta ação ou omissão. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Jonas Figueirêdo. Abandono afetivo inverso pode gerar indenização. Entrevista concedida ao sítio do IBDFAM. 16 de julho de 2013. Disponível em: . Acesso em: 04 de março de 2017.
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Fonte: ALMEIDA, Loa Karen Pereira dos Santos. Abandono afetivo inverso e sua responsabilidade civil e criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5088, 6 jun. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/58218>. Acesso em: 7 jun. 2017.

Abandono afetivo inverso e sua responsabilidade civil e criminal (parte 2)

(...)
SEÇÃO II ABANDONO AFETIVO INVERSO
2.1. CONCEITO

No ordenamento jurídico, a discussão acerca do abandono dos filhos pelos seus pais é, de certa forma, antiga. No entanto, começou a surgir diversas situações no Poder Judiciário onde os genitores ensaiavam indenizações a seus filhos pela inexistência da assistência material, afetiva ou moral por parte deles com aqueles. Desta forma, ALVES (2013, online), então diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), declarou, em entrevista, fundar-se em abandono afetivo inverso: A inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra, idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva da família. Restou esclarecido que a nomenclatura “inverso” vem exatamente pela conjuntura oposta da relação paterno-filial, já que há o mesmo mérito jurídico entre os cuidados filiais e a responsabilidade paternal. Também chamado de “às avessas” ou “invertido”, não reflete somente o abandono imaterial (afeto, carinho, cuidado), dos filhos aos pais, mas também acerca do não provimento material (alimentos), em um momento delicado da vida dos genitores que, em regra, deveriam ter uma maior assistência pelos familiares mais próximos.

Não retrata apenas os genitores em tenra idade, mas também quando portador de alguma deficiência ou patologia, tornando-o vulnerável. A Carta Magna reconstruiu o assunto “família”, e em vez de um aspecto tradicional e patriarcal, houve novos moldes e estruturas, de acordo com a evolução e desenvolvimento da sociedade. Desta forma, consolidou ainda mais o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e trouxe o Princípio da Solidariedade como algo vigente e essencial entre membros familiares, independente de ascendência ou descendência. A Constituição, em seus termos do artigo 229, fala em dever, o que descarta a mera faculdade e acarreta uma implicação jurídica, principalmente no âmbito da responsabilização civil. No âmbito infraconstitucional, não há uma regulação expressa sobre o tema, mas é possível retirar do caput do artigo 3º do Estatuto do Idoso, a obrigação afetiva inversa: Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (grifo nosso).

Certamente, este abandono influenciará na vida dos genitores, da saúde psicológica dos mesmos e até em sua própria dignidade, quando há o desprezo do seu direito à uma saudável convivência familiar. A situação deste abandono “às avessas” é recorrente em outros locais do mundo, como é o caso da China, que criou Lei em 2013, conforme HALTON (2013, online), obrigando filhos à visitarem os pais e punindo com prisão aqueles que infringissem a lei. MARTINS (2014, online) argumenta que a lei criada pela China é um exemplo de legislação que regulamenta diretamente o tema e opina em relação ao Brasil: (...) o Brasil ainda não alcançou esse nível legislativo especificamente ao tema, mas penso ser suficiente a expressa previsão constitucional, que impõe um dever, e não uma faculdade, para fazer valer a possibilidade de reconhecimento da responsabilização civil dos filhos que abandonam afetivamente os pais, resolvendo-se no campo do reconhecimento do dano moral (...) Assim, restou claro que o abandono afetivo “invertido” existe e está intimamente inserido no ambiente familiar da sociedade brasileira. Resta saber quais são os maiores empecilhos do ordenamento jurídico em legislar sobre um tema tão delicado e minucioso. Não há como desdenhar uma massa, atualmente tão grande no Brasil, como é a dos idosos, que se encontra desamparada pelo Estado e maltratada por seus familiares.

2.2. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

Dá-se o nome de inverso ao abandono afetivo que descaracteriza a permanência na obrigação de cuidar e de proporcionar o amparo afetivo, dos filhos aos seus genitores que, em regra, são idosos, nos moldes do artigo 229 da Constituição Federal e do Princípio da Solidariedade Familiar. Com o envelhecimento maior da sociedade, houve um aumento considerável acerca dos casos de violência e abandono em desfavor dos idosos, praticados por membros da própria família. Este abandono ou violência no momento em que os pais estão mais dependentes e frágeis é a realidade cruel vista na contemporaneidade. Solidariedade, conforme DIAS (2016, p. 51): É o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe do acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O Princípio da Solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. A solidariedade familiar conceituada é um dever que engloba a família e sua segurança afetiva, tanto pelo pai para com o filho, quanto na situação inversa. Apesar do cuidado ter um valor jurídico imaterial, já que é baseado em afetividade, a inexistência caracteriza uma falta de proteção e, assim, contempla o abandono tipificado na lei.

Como o abandono afetivo inverso é a inação de afeto, o cuidado tornou-se norte para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva familiar. Apesar do Princípio da Solidariedade ser aplicado na sociedade em outras ocasiões, como é o caso do pagamento de impostos proporcionalmente à renda e ao patrimônio, que se reverte em ações sociais e em serviços públicos, é no direito de família que o Princípio encontra sua plenitude. Conforme leciona MADALENO (apud Carvalho, 2015, p. 115): A solidariedade é princípio oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário. Logo, a solidariedade exprime-se na família, no auxílio mútuo, moral e material, na assistência, no amparo e na proteção. Sabe-se que muitos dos princípios do Direito das Famílias não são taxativos, e sim desdobrados, de acordo com a interpretação. Porém, a própria lei civil consagra o Princípio da Solidariedade Familiar quando prevê a consagração do casamento com a plena comunhão de vida (art. 1511 do Código Civil) ou quando, em regra, os integrantes da família são reciprocamente credores e devedores de alimentos. Este Princípio notabilizou-se no Direito de Família recentemente, de uma forma que se apresenta como um nexo sentimental, porém racionalmente imposto a cada pessoa, como dever de amparo, cooperação, assistência, ajuda ou cuidado em relação uns aos outros. Ademais, o Estatuto do Idoso converteu o comprometimento moral de amparo aos idosos em um dever jurídico. O sigiloso e abstrato do ser humano tornou-se força opressora nas normas que protegem pessoas vulneráveis, como são os idosos.

2.3. DIREITOS DOS IDOSOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Precedentemente ao elencar os direitos dos idosos na ordem jurídica brasileira, vale ressaltar acerca dos questionamentos da idade em que uma pessoa se torna idosa, já que o vocábulo “velho” é considerado politicamente incorreto e sempre rodeado de expressões que tentam amenizar a identificação de pessoas que se encaixam nesse nicho da população. Com a promulgação do Estatuto do Idoso, Lei n.º 10.741 de 1º de outubro de 2003, estabeleceu-se uma idade para ser considerado idoso, que é a igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art. 1º) e o ato de envelhecer tornou-se direito personalíssimo, conforme artigo 3º, do Estatuto do Idoso, in verbis: Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações; V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos; VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais. IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda.

Em diversos dispositivos há a proteção ao idoso, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos ao Homem, quando assevere o direito à segurança na velhice em seu artigo 25, ou no caso da Constituição Federal Brasileira, que defende a dignidade e bem-estar do idoso (art. 230) ou proíbe a discriminação em relação à idade (art. 3º, inciso IV). Existe também a Lei de Política Nacional do Idoso, de n.º 8.842 de 04 de janeiro de 1994. Acerca do Estatuto do Idoso, DINIZ (2016, p. 643) pontua: O Estatuto se constitui em um microssistema e tem o mérito de reconhecer as necessidades especiais dos mais velhos, estipulando obrigações ao Estado. Deve ser considerado como um verdadeiro divisor de águas na proteção do idoso. Não se trata de um conjunto de regras de caráter programático, pois são normas definidoras de direitos e garantias fundamentais que têm aplicação imediata. (art. 5º, §1º, Constituição Federal).

Neste contexto, COSTA (apud DIAS, 2016, p. 643) defende: Crianças e idosos encontram-se em polos opostos do ciclo existencial, mas ambos, ainda que por motivos diversos, são merecedores de tutela especial. Da mesma forma como existe lei protetiva da criança e do adolescente, também há lei para o idoso. Ambos, avós e netos, recebem proteção diferenciada. E essa proteção não dispensa criterioso exame da situação contextual em que se inserem seus protagonistas. Entre os direitos abordados no Estatuto, além das garantias de prioridade, são de suma importância as vedações, elencadas no artigo 4º, dos atos que o idoso – ou qualquer outra pessoa – pode ser exposto à violência, opressão, negligência, discriminação ou crueldade. Ademais, o Estatuto, em seus artigos 23, 38 e 39, assegura prerrogativas de ordem econômica ao idoso, como descontos em atividades culturais e de lazer, prioridade para adquirir moradia própria, além de redução ou até isenção em transportes públicos coletivos. Cominante ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que em suas abordagens jurídicas, assegura proventos ou benefícios aos adolescentes e/ou crianças da sociedade, é garantido ao idoso o direito à educação, cultura, lazer, profissionalização, trabalho e atenção integral à saúde (artigos 15, 20, 26, 28 da Lei n.º 10.741/03).

Noticiários ou reportagens na conjuntura social atual demonstram diversos casos em que idosos se encontram em uma situação de risco, o que, neste caso, o Estatuto possibilita deduzir a contextualização em seu artigo 36 a possibilidade de instituir a guarda – acolhimento do idoso por um núcleo familiar ou adulto – como também a curatela e a possibilidade de adoção. No âmbito judiciário, com fulcro no artigo 70, o Estatuto promoveu a inserção de varas especializadas e exclusivas ao idoso, como também a prioridade na tramitação, com fundamentação legal no artigo 71, do Estatuto e no inciso I do artigo 1.048 do Código de Processo Civil. Entende-se por Princípio de Proteção Integral um tratamento especial a maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos, deficientes ou idosos. Desta forma, o Estado, sociedade e família tem o direito social e o dever de amparo em relação às obrigações alimentares ou afetivas diante das crianças ou idosos.

Isto posto, reconheceu o Superior Tribunal de Justiça: Direito civil e processo civil. Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em face de um dos filhos. Chamamento da outra filha para integrar a lide. Definição da natureza solidária da obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso. 1. A doutrina é uníssona, sob o prisma do Código Civil, em afirmar que o dever de prestar alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza solidária, porque é conjunta. 2. A Lei 10.741/2003, atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os credores forem idosos, que por força da sua natureza especial prevalece sobre as disposições específicas do Código Civil. 3. O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública (art. 3º), assegura celeridade no processo, impedindo intervenção de outros eventuais devedores de alimentos. 4. A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a opção entre os prestadores (art. 12). Recurso especial não conhecido. (STJ, 3ª Turma, REsp 775.565/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 13/06/2006, DJ 26/06/2006, p. 143). (g.n.)

Na interpretação deste Julgado, o STJ se posicionou no âmbito da obrigação de prestar alimentos, principalmente à luz do Estatuto do Idoso, demonstrando a necessidade e responsabilidade conjunta dos filhos e seus genitores em prestar este tipo de obrigação à ambos.

Continua (...)

ALMEIDA, Loa Karen Pereira dos Santos. Abandono afetivo inverso e sua responsabilidade civil e criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5088, 6 jun. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/58218>. Acesso em: 7 jun. 2017.

Abandono afetivo inverso e sua responsabilidade civil e criminal (parte 1)

Retrata-se o abandono afetivo, seu reflexo na sociedade. Aduz também sobre abandono afetivo inverso - conceito, princípio fundamental, o cuidado para com os idosos e sua responsabilidade jurídica.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal trouxe um novo conceito de família. Desta forma, em seu artigo 226, a base da família tornou-se afetiva, baseada na solidariedade entre os componentes, e não mais no instituto do casamento. A temática deste artigo é de extrema importância para entender como o atual significado de família reflete na sociedade. Visto que família não é mais estritamente patriarcal, vê-se a necessidade em disciplinar e abordar sobre o tema, como o abandono afetivo inverso, já que além de um problema real do cotidiano contemporâneo, o idoso deve ter uma abordagem jurídica de relevância, diante da sua fragilidade.

Acerca dos princípios constitucionais que norteiam o assunto do presente artigo científico, deve-se destacar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ademais, foi no Princípio da Afetividade que houve a fundamentação do Abandono Afetivo e o Princípio da Solidariedade conduziu o entendimento a diversas analogias jurídicas no Abandono Afetivo Inverso – filhos abandonando afetivamente e financeiramente seus genitores, principalmente quando debilitados, em avançada idade. O Estatuto do Idoso contribuiu para efetivar a importância do tema abordado, para demonstrar a fragilidade dos indivíduos que retratam e abordar a realidade dos idosos na contemporaneidade. Isto posto, não poderia deixar de abranger acerca das responsabilidades civis e criminais alcançadas por essa inação de afeto, tão comum na conjuntura atual da sociedade. Desta forma, este artigo científico vem com o sentido de contribuir nos esclarecimentos de conceitos e regulamentações previstas no nosso ordenamento jurídico, além das minúcias que ainda deverão ser retratadas e legisladas. Foram utilizados para a confecção deste artigo métodos bibliográficos, como doutrinas, artigos e notícias, além do método descritivo. 

SEÇÃO I ABANDONO AFETIVO
1.1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Apontado como o maior, o mais universal, um macro princípio, entende-se que do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana subsiste todos os demais, tais como, a cidadania, a igualdade, a liberdade, a solidariedade, entre outros. De acordo com BITTAR (apud DIAS, 2016, p. 48): O respeito à dignidade humana é o melhor legado da modernidade, que deve ser temperado para a realidade contextual em que se vive. Assim, há de se postular por um sentido de mundo, por um sentido de direito, por uma perspectiva, em meio a tantas contradições, incertezas, inseguranças, distorções e transformações pós-modernas, este sentido é dado pela noção de dignidade da pessoa humana. Neste sentido, entende-se que um princípio não reflete apenas um limite acerca dos atos do Estado, mas também um caminho para sua ação positiva. Dentre os deveres do Estado, além de renunciar atos que atentem contra a própria dignidade humana, deve impulsionar essa dignidade perante condutas ativas, consolidando o mínimo existencial a cada ser humano, garantido pela própria Lei que o rege, dentro do seu território.

Ao retratar acerca deste norte fundamental a um conceito de valor, DIAS (2016, p. 48) fundamenta: Trata-se do princípio fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. Assim, apesar de difícil fixação de um significado, dignidade da pessoa humana é um Princípio inserido no cotidiano da sociedade, capaz de nortear os atos do Estado e dos próprios cidadãos no intuito de tornar o ambiente social mais igualitário, firme e afetivo. Não há como desvincular a afetividade e a busca pelo bem estar coletivo da concepção deste macro princípio. Neste cenário, GAMA (apud BERNARDO, 2006, p. 235) entende que a dignidade da pessoa humana: Encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.

De acordo com MORAES (apud DIAS, 2016, p. 55), “será desumano, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto”. SARLET (apud FACHIN, 2008, p. 2), entende por Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. Como princípio norteador do ordenamento jurídico, das ações do Estado e da própria conjuntura da sociedade, a sua complexidade e simplicidade são características separadas por uma linha tênue. Conceituando o vocábulo “princípio”, como o início, base, fundamento para uma coisa, resta ressaltar que este Princípio não somente deve ser valorizado, mas cobiçado diante dos demais. Destaca-se, por oportuno, um conceito de Princípio da Dignidade Humana, este na lição de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (apud BERTOLIN 2014, p. 353): Princípio solar em nosso ordenamento, a sua definição é missão das mais árduas, muito embora arrisquemo-nos a dizer que a noção jurídica de dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade.

Em última análise, entende-se como fundamento intrínseco da dignidade humana sua ligação aos direitos humanos e sua vinculação a todas as entidades familiares. Conforme pontua CARVALHO (2015, p. 96): Ao colocar a dignidade humana como um dos fundamentos da República, a Constituição brasileira conferiu valor maior à proteção da pessoa humana, vedando qualquer forma de discriminação e garantindo ao homem o exercício e o reconhecimento da sua condição de titular de direitos fundamentais na sociedade em que vive. Este Princípio, no seu papel de essencial, possui aspectos que o compõe e que são intensamente discutidos, como, por exemplo, a integridade psicofísica, a liberdade, a igualdade e a solidariedade. A igualdade formal, que é a igualdade perante a lei levando a conceituar o ser como algo genérico, nada corrobora com a igualdade atualmente compreendida. Sempre considerada uma garantia fundamental, pela sua deficiência no reconhecimento do seu conceito formal, levou o legislador a adequar o princípio com a igualdade substancial, conforme o artigo 3º, inciso III, da Constituição Pátria. Com essa substancialidade, os desiguais são tratados na forma das suas desigualdades, quer seja física, intelectual, social ou econômica.

Ademais, na realidade contemporânea, mais importante que o direito à igualdade é o direito às diferenças, já que a igualdade material sugere que sejam reconhecidas. No que tange à liberdade, diferente de autonomia da vontade, onde esta refere-se à possibilidade de fazer tudo aquilo lícito, igualando o direito subjetivo com o absoluto, àquela, conforme MORAES (apud BERNARDO, 2006, p. 238-239) em sua obra: Se consubstancia, cada vez mais, numa perspectiva de privacidade, de intimidade, de exercício da vida privada. Liberdade significa, hoje, poder realizar, sem interferências de qualquer gênero, as próprias escolhas individuais, exercendo-as como melhor lhe convier. Um outro aspecto é a integridade psicofísica, onde seria o direito que a pessoa se reserva em não sofrer violações corporais, nem sequer acerca da sua personalidade. O Estado possui caráter positivo, ou seja, além da garantia contra qualquer tipo de violação, esta integridade deve ser assegurada pelas medidas tomadas, efetivando tais direitos.

Finalmente, ao falar sobre a solidariedade social, aos moldes dos incisos I e III do artigo 3º, da Lei Pátria, deve-se ressaltar a mais eficiente ferramenta da sociedade para efetivar a solidariedade - a educação. Com a valorização desta ferramenta, é comprovado a possibilidade de redução das desigualdades, e consequentemente, a melhoria da sociedade e a atuação efetiva do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e tudo que ele norteia. A ordem constitucional e o sistema jurisdicional elevaram a dignidade humana à pessoa, e tal fenômeno conduziu a redução da preocupação patrimonial e a personalização dos institutos jurídicos, o que segregou e possibilitou colocar a pessoa humana como o conteúdo principal de proteção no Direito. A dignidade humana, logo, não tem dependência alguma com qualquer característica que se possa atribuir ao indivíduo, desde às suas ações, à sua raça ou cor, nem sequer função social ou idade. Neste segmento que se insere o idoso, sujeito digno de valorização, respeito e inserção pela sociedade.

1.2. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Ao longo de décadas, a ideia de família esteve intimamente ligada à definição de casamento. Atualmente, com a modernidade e, como efeito, a evolução da sociedade e do Direito, essa teoria deu lugar ao afeto como o formador da entidade familiar e a família patriarcal com seus laços sanguíneos deixou de ser a única forma de família protegida pela Lei e inserida na sociedade. O afeto pode ser denominado um laço que constitui e envolve um grupo familiar, nutrindo-os por ligações de amor, amizade, simpatia e gerando os mais agradáveis sentimentos e emoções. No que diz respeito ao termo “afeto”, KAROW (apud BERTOLIN 2014, p. 347) em sua obra conceitua: Embora não esteja expresso no texto constitucional, decorre naturalmente da valorização constante da dignidade da pessoa através da externalização dos sentimentos em suas relações. A legislação infraconstitucional timidamente já começa a adotar o afeto como elemento da norma.

O afeto tem tamanha relevância na conjuntura contemporânea civil familiar em função do poder de tecer elos de conexão entre os membros de uma mesma família. Para formá- la e até mantê-la não é mais necessária a exigência do vínculo biológicosanguíneo ou formal e sim de mera afetividade. A consagração desse elemento pelo sistema é inegável e pode ser verificada na sucessiva edição de julgados sobre a matéria de direito de família, quando o utilizam como elemento-chave para a solução da controvérsia. A espontaneidade com que o tema vem à baila e surge nos debates jurídicos familiares faz com que seja posto um ponto final em todos os questionamentos, o afeto faz parte do direito de família. Logo, entende-se que apesar da inexpressão, a afetividade encontra-se enlaçada nas entranhas da proteção da Constituição, sobressaindo-se diante de considerações de caráter biológico ou patrimonial, por exemplo. LOBO (apud DIAS, 2016, p. 54-55) entende que “a afetividade é o princípio que fundamenta o direito das famílias na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida”. De acordo com DIAS (2016, p. 55), o termo, como o affectio societatis, comina com o Direito de Família e sua perspectiva acerca da afetividade, conforme trecho da obra a seguir: O termo affectio societatis muito utilizado no direito empresarial, também pode ser utilizado no direito das famílias, como forma de expor a ideia de afeição entre duas pessoas para formar uma nova sociedade: a família. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família. Com o rol imenso de garantias individuais e sociais da Constituição Federal, incisos dos artigos 5º e 6º, o Estado assegura afeto, se comprometendo a ser o primeiro a garantir este tipo de dignidade aos seus cidadãos. Estas obrigações impostas pelo Estado são essenciais para a garantia de uma dignidade igualitária e justa entre todos.

O afeto é tão intimamente ligado com o direito fundamental felicidade, que LEAL (apud DIAS, 2016, p. 55) em sua obra, retrata: Há a necessidade de o Estado atuar de modo a ajudar as pessoas a realizarem seus projetos e realizações de preferências ou desejos legítimos. Não basta a ausência de interferências estatais. O Estado precisa criar instrumentos – políticas públicas – que contribuam para as aspirações de felicidade das pessoas, municiado por elementos informacionais a respeito do que é importante para a comunidade e para o indivíduo. Deste modo, a Lei, ao se adequar a modernidade e vincular cada vez a família com todas as suas espécies e diferentes composições, deu a oportunidade de o ordenamento jurídico abranger um dos maiores princípios e o que norteia a sociedade e o Estado em seus principais objetivos, que é o bem-estar comum e a proteção pelos interesses da coletividade. A família, molde da sociedade brasileira, deve ser firmada inicialmente em laços afeitos, onde o amor é a conexão da vida entre pessoas. Outrossim, a família é uma criação da sociedade onde concerne regras culturais, jurídicas e sociais. O afeto, não apenas um envolvimento dos integrantes de uma família, é também um laço que une pessoas com o propósito de felicidade, ocasionando um norte e contribuindo para compreender o porquê deste Princípio ser considerado o norteador das famílias contemporâneas. Neste sentido, mencionam LÔBO, OLIVEIRA e MUNIZ (apud DIAS, 2016, p. 56): A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. A família e o casamento adquiriram novo perfil, voltados muito mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Essa é a concepção eudemonista da família, que progride à medida que regride o seu aspecto instrumental.

A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas. Se inserindo no âmbito jurídico, a família com suas raízes intrínsecas na afetividade, une pessoas com mesmo projeto de vida, sendo de forma constitucional interpretada como um princípio decorrente da dignidade da pessoa humana, além da liberdade da orientação sexual e o próprio Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares, este último também implícito na Constituição, porém interpretado no caput do art. 226. Por sua finalidade principal de constituir família, o Princípio da Afetividade é elemento básico para estruturação e formação, tornando-se de grande relevância jurídica. Nesta situação, entende-se a total preocupação do Estado em proteger estas entidades familiares envolvidas no afeto, garantindo uma extensa interpretação, como as famílias também heteroafetivas, homoafetivas, monoparentais, socioafetivas, e outras quais assim também possuem direitos inerentes. Por estes motivos, a Afetividade, em seu conceito inicial como princípio constitucional implícito, dá origem à relacionamentos que geram relações jurídicas e contribuem para a felicidade, tanto individual quanto coletiva.

1.3. REFLEXOS DO ABANDONO AFETIVO NA SOCIEDADE

Há um crescimento inarrável do núcleo familiar, que acaba contribuindo para problemas de cunho social e econômico para a própria família. Com este crescimento, é necessário um planejamento familiar, compreendido como uma atividade onde a família estabelece a quantidade dos membros. Como o Estado, no art. 226, da Lei Pátria, se comprometeu na proteção da família, deve, então, propiciar mecanismos eficazes deste planejamento, dispondo, de acordo com o §7º, de instrumentos científicos e educacionais para efetivar este direito, sem efetuar qualquer ação coercitiva ou até mesmo a prática de eugenia - tese que procura produzir uma seleção nas coletividades humanas, apoiada em leis genéticas. Logo, com uma paternidade responsável, não há a possibilidade de procriação irresponsável ou até mesmo abandono de incapazes, garantindo os direitos fundamentais dos filhos em serem sustentados, protegidos, guardados e mantidos sob afeto. É o que estabelece o art. 227, da Constituição Federal sobre a responsabilidade parental: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Desta forma, o constituinte garantiu à criança a convivência familiar e social, não podendo ser excluída ou afastada da sociedade, sendo, assim, proporcionado a elas vínculos saudáveis e desenvolvimento progressivo da personalidade.

Neste contexto, pontua NEVES (2012, p. 99): Nesse caso, a questão que se coloca é a seguinte: a visitação é um direito do genitor que não detém a guarda da criança ou é um direito da criança? A resposta deve ser formulada a partir de duas noções básicas: a da paternidade (ou parentalidade) responsável e do melhor interesse da criança. A geração de uma criança impõe grandes responsabilidades aos pais. É certo que, com a paternidade/maternidade, surge o dever de guarda, sustento, educação, que estão implícitos na noção de paternidade e maternidade. Mas a educação não é apenas proporcionar uma educação formal (escolar). A educação dos pais é o processo pelo qual se transmite conceitos, valores morais e familiares, regras de trato social e conhecimentos práticos para a vida. E são estes ensinamentos que ajudam a formação da personalidade da criança, o que torna o convívio familiar fundamental para o ser em formação de sua personalidade. E não só os pais, mas todos os familiares contribuem para este processo. Pelo Princípio do Melhor Interesse da Criança, a regra é estimar os interesses que melhor lhe favoreça. Como por exemplo, se o convívio com os genitores ou o restante da família for importante para o desenvolvimento pessoal da criança, então o direito de visitas e a guarda é um direito intrínseco do menor. Desta forma, corroborando com o entendimento que o afeto também seja um direito fundamental, o impedimento de um dos genitores à visitação do outro, é considerado alienação parental, conforme o art. 2º, da Lei nº 12.138:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Dessa forma, nem mesmo o não reconhecimento da paternidade, é capaz de eximir o pai de suas responsabilidades, que dirá quando é reconhecido e abandona de forma afetiva a criança. Gera, pois, dano moral, afastado somente se há o desconhecimento sobre a existência do filho, retirando, assim, a responsabilidade civil do genitor. Um questionamento sempre abordado é o fato de o abandono moral independer do abandono material. Nesta conjuntura, entende NEVES (2012, p. 106): É muito comum haver pais que cumprem com a prestação alimentícia e que esquecem que o filho não requer apenas a assistência material, mas, também, a assistência moral. Não obstante a assistência material dada pelo pai, isto não basta. É necessária a assistência moral, proveniente do convívio familiar. Mesmo que haja meras visitas esporádicas, o abandono afetivo pode ser caracterizado.

A CR/1988 estabelece o direito ao convívio familiar e ao convívio social. Estes não podem, portanto, ser confundidos. A convivência social é aquela encontrada nas escolas, nas academias, na praia, nos clubes, etc. Nestes lugares, as pessoas se encontram, conversam, divertem-se, enfim, socializam-se. A convivência familiar exige mais. É na família que os valores morais são transmitidos, o afeto é compartilhado e há troca de experiências entre as gerações. Conclui-se isto no sentido que convivência social não é sinônima de convivência familiar, e aquela de nada pode substituir esta. Assim, mesmo com a manutenção material do genitor para com seu filho, pode restar configurado um abandono afetivo e, desta forma, ser responsabilizado civilmente por danos morais. Entende como abandono afetivo a inexistência dos pais para com os filhos, onde estes buscam, por meio do judiciário, uma reparação desta lacuna afetiva. Vale ressaltar que estas penalidades não se equiparam às deficiências emocionais e as ausências físicas em que este tipo de problema proporciona às crianças debilitadas. No entanto, na função protetiva em que o Estado se encontra, desta forma há uma sanção em uma área complexa, como é a das famílias, sem invadir o contexto total e particular de cada situação.

Continua (...)

ALMEIDA, Loa Karen Pereira dos Santos. Abandono afetivo inverso e sua responsabilidade civil e criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5088, 6 jun. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/58218>. Acesso em: 7 jun. 2017.