sexta-feira, 9 de junho de 2017

Ministro Barroso e o racista que há em nós

Publicado por Leonardo Sarmento

Em uma época em que palavras mal colocadas, expressões em sentidos não unívocos podem causar estragos, à depender do objeto e dos sujeitos ativo e passivo, o estrago pode ser maior, e até imensurável se atentarmos contra uma ferida secular que não cicatriza.

O ministro Luís Roberto Barroso pediu desculpas públicas por ter chamado o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa de "negro de primeira linha" em discurso durante cerimônia que participavam com o fito de eternizar Joaquim Barbosa como mais um dos notáveis presidentes do STF. Sobre o caso seremos breve.

Este é um problema histórico do Brasil, diferentemente de outras soberanias em que o racismo se faz às escâncaras. Por aqui ele está em camadas tão profundas, que o racista não se vê como racista. Quando se sabe contra quem está lutando, a briga se torna mais justa, o problema é quando se tem um preconceito velado, escondido até mesmo de seus próprios detentores.

Existe por aqui o racismo para muitos compreendidos na forma de politicamente correto, de boa-fé, utilizado em tons figurativos e camuflados: “esse é um preto de alma branca”, “é pretinho, mas é gente boa”, “que negra bonita!”. É este que alimenta esta cultura de alma discriminatória que apenas, quando muito, tolera as diferenças por imposição, mas em seu âmago enxerga-se como pertencente a uma linhagem superior. Chegamos a compreender de forma "elogiosa" a expressão: "esse é um negro de alma branca". Essas disfunções vocabulares não se sustentam sob pálio da isonomia inserida em um Estado Democrático de Direito.

O Brasil é um país de cultura escravocrata e com grande miscigenação de raças, fatores estes que contribuíram para a existência de diversidades de culturas, valores e crenças. Somando-se a isso encontramos as desigualdades oriundas dos vários anos de exploração econômica do proletariado, aos mais de 350 anos de escravidão negra e da subseqüente abolição sem a acolhida no mercado de trabalho dos negros e sem que fossem propiciadas as condições mínimas para eles subsistissem; além das desigualdades relativas às mulheres, aos idosos e às crianças, que também foram oprimidos durante a longa conquista da cidadania no Brasil.

Racismo é a ideologia que postula a existência de hierarquia entre grupos humanos, que no caso em tela pode ser traduzida na pretensão da existência de uma certa hierarquia entre negros e brancos. O racismo é a doutrina que sustenta a superioridade de certas raças, podendo representar ainda o preconceito ou discriminação em relação à indivíduos considerados de outras raças.

O racismo é crime inafiançável e imprescritível segundo o art. inciso XLII da Constituição Federal, o qual ganhou efetividade através das leis nºs. 7.716/89 e 9.459/97 e do livre acesso à justiça assegurado constitucionalmente, bem como da assistência judiciária gratuita.

Um Ministro do Supremo mais do que ninguém precisa mensurar sua palavras que indubitavelmente referendam paradigmas sociais na direção de mundo ideal, ainda que minimamente na busca dos valores constitucionais na ordem da dignidade da pessoa humana e de todos os seus consectários principiológicos.

Nem sempre um pedido público de desculpas é capaz de fazer da ferida uma flor, mas que nos sirva de exemplo para atentarmos em direção a premente necessidade de introspectarmos as diferenças e passarmos a enxergá-las como nossas, no melhor sentido de pertencimento.

Difícil imaginarmos inseridos em um Estado Democrático de Direito que ainda carregas estas escaras aos 4 ventos e do modo subcutâneo, nas entranhas.

Ao Ministro despiciendo seria rememorá-lo, porém é sempre bom dialogarmos com a sociedade nossa "Constituição Cidadã" - CRFB/88: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).

Leonardo Sarmento - Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Processual Civil, Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV. Autor de 3 obras jurídicas e algumas centenas de artigos publicados. Nossa última obra (2015) de mais de 1000 páginas intitulada "Controle de Constitucionalidades e Temáticas Afins", Lumen Juris.

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STF: Lei de cotas para negros em concursos públicos é constitucional

Plenário declarou constitucional a lei Federal 12.990/14.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

O plenário do STF finalizou nesta quinta-feira, 8, o julgamento da ADC 41, proposta pela OAB em defesa da chamada lei de cotas (lei 12.990/14), que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública Federal direta e indireta.

Por unanimidade, os ministros seguiram o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, pela constitucionalidade da lei Federal. O ministro propôs a seguinte tese: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.

O julgamento foi iniciado em 11 de maio último, ocasião na qual votaram, além do relator, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux, todos pela procedência da ação.

Em seu voto, o ministro Barroso afirmou que a lei de cotas, embora crie uma vantagem competitiva para um grupo de pessoas, não representa qualquer violação ao princípio constitucional da igualdade.

Segundo ele, essa diferenciação entre candidatos é compatível com a Constituição, pois é motivada por um dever de reparação histórica decorrente da escravidão e de um racismo estrutural existente na sociedade brasileira.

“É uma reparação histórica a pessoas que herdaram o peso e o custo social e o estigma moral, social e econômico que foi a escravidão no Brasil e, uma vez abolida, entregues à própria sorte, sem condições de se integrarem à sociedade.”

Para o ministro, também não há violação à regra constitucional do concurso público, pois para serem investidos nos cargos públicos é necessário que os candidatos sejam aprovados, ou seja, que tenham um desempenho mínimo exigido. Em relação ao princípio da eficiência, ele entende que será estimulado pelo pluralismo e pela diversidade que passará a existir no serviço público.

“Portanto, apenas se criaram dois critérios distintos de preenchimento de vagas, mas sem abrir mão do critério mínimo de suficiência. Apenas se previram duas filas diversas em razão das reparações históricas.”

O relator também considerou compatível com a Constituição o modelo de controle da autodeclaração previsto na lei e observou que a adoção do sistema de cotas não representa duplo benefício para os cotistas das universidades públicas, pois, em sua avaliação, a maioria dos cargos disputados pelos favorecidos é de nível técnico e não exige curso superior.

Na plenária de hoje também acompanharam o relator os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski , Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

Processo relacionado: ADC 41

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI260199,91041-STF+Lei+de+cotas+para+negros+em+concursos+publicos+e+constitucional