segunda-feira, 26 de junho de 2017

Existência de ação sobre posse de área, por si só, não configura turbação

A existência de ação que discute a posse de uma área, bem como uma liminar de reintegração, não são, por si só, elementos suficientes para caracterizar a turbação de posse. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou recurso de um agricultor que havia comprado uma fazenda.
Alegando que houve turbação, o agricultor suspendeu os demais pagamentos referentes à compra da fazenda, de acordo com cláusulas contratuais que previam essa suspensão em caso de esbulho ou turbação.
A Justiça, porém, não considerou que houve turbação e reconheceu a inadimplência do agricultor. Em consequência, permitiu a rescisão do contrato de compra e venda da fazenda e a reintegração da posse em favor dos vendedores.
Para a relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, o que se debate no recurso é se houve, de fato, turbação, já que não está em discussão a validade da cláusula contratual que possibilita a suspensão dos pagamentos em caso de embaraço na posse.
A turbação, segundo a relatora, configura-se com a violência praticada contra a vontade do possuidor, perturbando o exercício das faculdades do domínio sobre a coisa possuída, sem acarretar, entretanto, a perda da posse (esbulho).
Um ponto chave para a solução da controvérsia, segundo a ministra, é que a venda foi concretizada com pleno conhecimento sobre outro litígio acerca da posse das terras.
“Ao firmar o aditivo contratual, o recorrente tomou ciência, também, de que estava em trâmite ação anulatória de escritura pública de compra e venda por vício, sem que, naquela oportunidade, considerasse a existência dessa ação como qualquer ato turbador à sua posse”, afirmou Nancy Andrighi.
No entendimento seguido pelos ministros, não houve embaraço sobre a posse do imóvel suficiente a justificar a suspensão dos pagamentos por mais de uma década.
O recorrente ficou três meses afastado da fazenda, até que uma liminar possibilitou a sua manutenção na área comprada até o julgamento da ação que discute a posse das terras. Na visão da relatora, não há impedimento real de usufruto da fazenda capaz de caracterizar a turbação.
Além disso, os ministros destacaram que o agricultor exerce pleno domínio sobre a utilização da fazenda, não sendo possível suspender os pagamentos com a justificativa de turbação à posse.
Assim, o colegiado manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, com a rescisão do contrato de compra e venda (por inadimplência) e posterior reintegração de posse em favor dos vendedores, com indenização pelo período ocupado. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.460.951
Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2017, 18h18
http://www.conjur.com.br/2017-jun-20/existencia-acao-posse-area-nao-configura-turbacao

Só haverá segurança jurídica quando juízes largarem o individualismo, diz Moraes

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Em palestra no evento Benefícios Fiscais e Segurança Jurídica em Matéria Tributária, promovido pelo Fórum Permanente de Direito Tributário da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro nesta sexta-feira (23/6), o mais novo integrante do STF afirmou que há uma desconfiança recíproca entre juízes no país. Os de primeiro grau desrespeitam os precedentes de cortes superiores, enquanto os ministros destas extrapolam suas funções e reformam as decisões de mérito daqueles magistrados.
Enquanto essa “guerra fria” não tiver um armistício, os precedentes judiciais terão impacto limitado, avaliou Alexandre de Moraes. Tanto que os mecanismos de common law introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional 45/2004 — súmula vinculante e repercussão geral — ainda não produziram os efeitos esperados, como redução da morosidade judicial e aumento da segurança jurídica.
“Não há um advogado sério, um consultor jurídico sério, que possa chegar para um investidor e falar o seguinte: ‘Pode investir no Brasil, você não vai ter problemas com a Justiça’. Quem falar isso não estará sendo sério”, disse o ministro.
Problema interno
Segundo Alexandre de Moraes, o destino de uma ação precisa deixar de ser decidido por quem a distribui no tribunal. E mais: os magistrados, inclusive de cortes superiores, devem ser mais coerentes em seus posicionamentos, sem ficar mudando de opinião em períodos relativamente curtos. Também não é possível que uma mudança de governo altere os rumos de um tribunal como o Supremo, apontou.
Um exemplo de como as instituições deveriam se sobrepor às individualidades, de acordo com Alexandre de Moraes, está na postura do ex-ministro da Suprema Corte dos EUA Antonin Scalia, morto em 2016, em julgamento recente sobre a manutenção ou não da decisão do tribunal que liberou o aborto no país. Mesmo sendo conservador e totalmente contra a interrupção da gravidez, Scalia afirmou que era muito cedo para reverter o posicionamento da corte no caso Roe vs Wade — que é de 1973.
“Vejam a consciência de segurança jurídica dele. Não sou americanófilo, mas tenho uma admiração extrema pela forma como eles tratam as instituições. Isso é um exemplo de respeito à segurança jurídica do país”, opinou.
Se o país não mitigar essa insegurança, continuará perdendo investimentos para vizinhos, ressaltou Moraes, citando a recente decisão da fabricante de roupas e calçados Riachuelo de instalar uma nova fábrica no Paraguai, em vez de no Brasil.
Importação ineficaz
No mesmo evento, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que de nada adianta importar institutos jurídicos sem adaptá-los ao ordenamento jurídico brasileiro. Como exemplo de mecanismo desvirtuado no país, o integrante do governo Michel Temer citou a delação premiada nacional, “que não tem nada a ver com o plea bargain”, dos EUA.

Sem mudar a cultura jurídica do Brasil, continuaremos sofrendo com insegurança, declarou Jardim, reforçando o coro de que o Judiciário deve ser encarado como uma instituição, e não como um aglomerado de indivíduos.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 23 de junho de 2017, 17h13
http://www.conjur.com.br/2017-jun-23/havera-seguranca-juizes-deixarem-individualismo-moraes

Alienação parental: uma inversão da relação sujeito-objeto (Rodrigo da Cunha Pereira)

Os pais não têm noção do mal que fazem aos próprios filhos quando falam mal um do outro. Às vezes mais sútil, às vezes mais explícito, aos poucos vão, mesmo sem ver, implantando nos filhos uma imagem negativa daquele que é um dos responsáveis pela formação e estruturação psíquica do filho. Os malefícios causados aos próprios filhos, nesses casos, são tantos e tão violentos que dificilmente são reversíveis. Mas isso não acontece do dia para a noite. É aos poucos. Quase imperceptível, às vezes só verão esse estrago na psique do filho muito mais tarde. E aí, quando vir à consciência do mal feito a eles, já será tarde demais, e o arrependimento de nada adiantará. As marcas são indeléveis.
A essa maldade humana damos o nome de alienação parental. Um dos pais, consciente ou inconscientemente, aliena, isto é, retira da vida do filho o outro pai/mãe, em um plano “diabólico”, na maioria das vezes sutil. Lentamente vai desconstruindo a imago paterna ou materna, até que o filho não quer mais conviver com o pai/mãe alienado. Segundo o psiquiatra americano, Richard Gardner, o primeiro a usar essa expressão, em meados da década de 1980, essa desconstrução da imago paterna/materna pode acontecer em várias etapas. No estágio leve, as campanhas de desmoralização são discretas e raras; no médio, os filhos sabem o que o alienador quer escutar e começam a colaborar com a campanha de denegrir a imagem do pai/mãe alienado; no grave, os filhos já entram em pânico por terem de conviver com o outro pai/mãe e evitam qualquer contato (Cf. meu Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado. Ed. Saraiva. Pág. 74).
O Brasil é um dos raros países do mundo que tem uma legislação específica sobre o assunto. Em 27/8/2017, comemoramos os sete anos da Lei 12.318, que veio definitivamente solidificar esse importante conceito, como se vê em seu artigo 2º: "Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, que promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie o genitor ou que cause prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. E o parágrafo único deste mesmo artigo exemplifica atos de alienação parental, além de outros que podem ser declarados pelo juiz, se constatados por perícia ou por outros meios de prova: I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II – dificultar o exercício da autoridade parental; III – dificultar contato da criança ou adolescente com genitor; IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V – omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar sua convivência com a criança ou adolescente; VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós". A expressão genitor não é adequada, pois ela exclui outras categorias de pais, como os adotivos e outras parentalidades socioafetiva.
Alienação parental sempre existiu, desde que o mundo é mundo. Apenas não sabíamos nomeá-la. A partir do momento em que conseguimos dar nome a essa maldade humana, ficou mais fácil proteger as crianças e adolescentes vítimas dessa violência praticada pelos próprios pais. Em alguns casos, a alienação é tão grave que pode até transformar-se em uma síndrome, como inicialmente foi denominada: SAP (Síndrome da Alienação Parental). Mas na evolução do pensamento jurídico, não mais denominamos assim, pois nem sempre há uma síndrome, essa categoria médica de difícil aferição. Por isso, o texto da lei brasileira, com razão, não se refere à síndrome, embora algumas pessoas ainda resistam em assim denominá-la.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) expediu, em 25/4/2016, a Recomendação 32/2016, estabelecendo uma importante política de combate à alienação parental e atuação do Ministério Público brasileiro, de políticas e diretrizes administrativas que fomentem o combate à alienação parental, que compromete o direito à convivência familiar da criança, adolescente, pessoas com deficiência e incapazes de exprimir a sua vontade. Mas essa bem intencionada medida parece ter ficado só no papel. Não se tem notícia de comprometimento e efetivação de programas de combate a essa prática tão danosa às crianças e aos adolescentes. Precisamos saber o porquê dessas boas intenções ficarem só no papel. Os pais que são vítimas de alienação parental devem cobrar do Ministério Público uma ação mais efetiva de combate a essa violência.
As consequências psíquicas da alienação parental nos filhos são quase imensuráveis. Vão desde sintomas mais evidentes, como desestruturação psíquica, psicossomatizações, dificuldades de estabelecer vínculos afetivos, depressão, transtornos de identidade, comportamento hostil, consumo de álcool e drogas e até mesmo suicídio.
As consequências jurídicas, uma vez declarada pelo juiz a alienação parental, em ação autônoma ou incidental, são advertência, inversão de guarda, restrições de convivência ou convívio monitorado e até mesmo a suspensão do poder familiar (artigo 6º). As provas da alienação parental, em geral, são feitas por perícia, mas também por documentos e testemunhas.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4.488/2016, em análise na Câmara dos Deputados, que volta a inserir à Lei 12.318/2010 a tipificação e a criminalização da alienação parental, que havia sido vetada pela Presidência da República.
Um dos antídotos para a alienação parental é a prática da guarda compartilhada. Se os pais compartilham o cotidiano dos filhos, os efeitos da alienação parental podem ser diminuídos ou evitados, especialmente quando os filhos conseguem introjetar que eles têm duas casas, o que é uma prática saudável para um compartilhamento do exercício da autoridade parental.
A raiz dessa inacreditável violência contra as crianças e adolescentes, em sua quase totalidade, está associada a uma relação de amor e ódio mal resolvida entre os pais. Esse ressentimento entre os ex-casais vem, inclusive, da idealização do amor romântico, que cria no imaginário das pessoas uma idealização do par perfeito, que sabemos, é perfeitamente impossível. E, quanto maior é a idealização e expectativa na conjugalidade, maior é a decepção. Mesmo nos casais que se separaram consensualmente, mas não elaboraram bem o fim da conjugalidade, há um discurso do não dito que conduz à alienação parental, que em síntese é: “Se você não quer viver comigo e continuar nosso amor, vai comer o pão que o diabo amassou. Nem seu filho vai querer conviver com você”.
A alienação parental vincula-se a um dos mais terríveis sentimentos humanos, que é a rejeição. Alguém que não elabora psiquicamente o fato de o outro não mais amá-lo, ou não querer mais viver uma relação amorosa, é capaz de tirar de suas entranhas um sentimento de vingança, que não poupa nem o próprio filho. Tudo isso para não se deparar com o seu desamparo estrutural, e desencadeia um processo de desmoralização do(a) “ex” a ponto de aliená-lo da vida do filho. E é aí que o filho é deslocado do lugar de sujeito de direitos e desejos e passa a ser objeto de desejo e satisfação do desejo do “alienador”. É a objetificação do sujeito, para transformá-lo em veículo de ódio. Ainda bem que temos a Lei 12.318/10 para tentar barrar esses excessos gozosos e colocar limites em quem não o tem internamente. Eis aí a função mais importante da lei jurídica.
Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.
Revista Consultor Jurídico, 25 de junho de 2017, 8h00
http://www.conjur.com.br/2017-jun-25/processo-familiar-alienacao-parental-inversao-relacao-sujeito-objeto