quinta-feira, 27 de julho de 2017

O que é a separação judicial hoje, com o advento da EC nº 66 e a facilidade de divorciar?

Publicado por Pedro Henrique S. Pinto

Desde o princípio a sociedade em geral teve a concepção e ensinamentos quase inalterados sobre casamento, dado o seu viés costumeiro, religioso, “sagrado”, vindo de gerações pretéritas com ares da era patriarcal, porém, com o passar dos anos e a modernidade com que a sociedade teve de se adaptar aos poucos, podemos depreender as dificuldades na adequação que o Direito passou até hoje, para que possamos estudar as novas evoluções da sociedade em todos os sentidos, por assim dizer.

O escopo deste texto não é o casamento, mas sim, Separação Judicial. Que é v.g. uma das formas da dissolução da sociedade conjugal (Casamento), onde não rompe o vínculo matrimonial, isto é, nenhum dos consortes até o divórcio consumado, poderá contrair novas núpcias. É, portanto, uma medida preparatória da Ação do Divórcio, ainda vigente no Ordenamento Jurídico Brasileiro, “como uma esperança de reconciliação e o retorno do ex-cônjuge à sociedade conjugal antes havida entre ambos”, se assim podemos definir, sem mais burocracias jurídicas, esperando não haver, afinal, o divórcio.

Bem antes do ano de 1977, marco do Divórcio, com a promulgação da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), o Brasil pairava na vigência de um Código Civilconservador do ano de 1916, que preconizava que o vínculo conjugal somente se dissolvia, pela morte (art. 315, parágrafo único, do Código de 1916).

Isso porque a Constituição vigente à época, bem como todas as anteriores, por serem da era patriarcal, conservadora, trazia em seu bojo os dogmas do paterinstituto romano da concepção do poder paterno e, consagrava veementemente a indissolubilidade do casamento por ser questão de honra e retidão familiar.

Admitia-se, muito dificilmente, e isso em via de muitas achincalhações e vergonha para a família da mulher (por óbvio) o rompimento da sociedade conjugal, com a manutenção do vínculo, o que era possível por meio do desquite (art. 315, III, do Código Civil de 1916), em que as mulheres eram “taxadas” como desquitadas (isso quando não eram consideradas meretrizes).

Com o desquite, autorizava-se a separação dos cônjuges, e se extinguia o regime de bens (art. 322). Porém, os cônjuges permaneciam casados, todavia, poderiam se relacionar com outras pessoas sem que isso caracterizasse o crime de adultério, mas, não podiam casar novamente.

Com o advento da EC nº 09/1977, introduziu-se em nosso ordenamento a possibilidade da dissolução do casamento pelo divórcio, (condicionado à prévia separação do casal – separação judicial). Com a então vigente Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio). Imperioso destacar aqui, que a separação judicial manteve o mesmo conteúdo que antes tinha o “desquite”.

Pois bem, no fim dos anos 80, com a promulgação da Constituição Federal“Cidadã” de 1988, com seus direitos e deveres “inovadores” para todas as esferas, inclusive no tocante ao divórcio, este instituto passou a contar com dois “pré-requisitos” por assim dizer, um deles é a necessidade da separação judicial com a duração de 01 (um) ano para que pudesse haver a então ação de divórcio. Ou, a separação de fato que deveria durar 02 (dois) anos (agora, como conseguia provar essa separação por 02 anos? difícil.), então o casal poderia dar início ao processo de divórcio, tudo como definia o § 6º do art. 226 da Constituição, isso, por mais de 20 anos, trazendo imenso sufoco para quem pretendia se divorciar, tanto pelo dispêndio em processo de separação judicial e em seguida o processo de divórcio, quanto para provar que a separação fora dada ao período de 02 (dois) anos.

Foi então que em 13 de julho de 2010, após quase um século de verdadeira humilhação, surgiu a EC nº 66, que alterou completamente o tema da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal. A partir da emenda, o § 6º do art. 226 da Constituição passou a ter a seguinte redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. (apenas)

É óbvio que a partir de então a doutrina civilista viria a se divergir em correntes, os que defendem que a EC nº 66 aboliu a separação judicial, e os que acreditam que mesmo com a EC nº 66, não necessariamente aboliu a separação judicial deixando-a apenas a critério do casal, ademais, os Códigos devem ser interpretados a diversas maneiras, afinal, os operadores do direito são formadores de opiniões.

O Mestre Elpídio Donizetti, num recente artigo publicado no Site Gen Jurídico, demonstrou que a partir de 2010, o divórcio deixou de depender de prévia separação judicial ou de fato, admitindo-se, então que seja imediato (e atemporal). Isso não significa, no entanto, que o casal não possa optar, antes de pedir o divórcio, pela separação judicial (opção que não é muito viável por óbvio). Em conclusão, agora pelo Código Civil de 2002, a sociedade conjugal termina (art. 1.571): com a morte de um dos cônjuges; com a declaração de nulidade ou anulação do casamento; com a separação judicial; com o divórcio.

O novo art. 693 do CPC/2015 inclui a separação contenciosa como “ação de família”, contrariando o posicionamento doutrinário no sentido de que a EC nº 66 teria acabado com esse instituto. Com a nova redação resta clara a possibilidade de opção entre o desfazimento imediato do vínculo matrimonial por meio do divórcio e a ultimação apenas da sociedade conjugal por meio da separação judicial (ficando a critério do casal, caso tenham a intenção de reatarem o casamento posteriormente). (DONIZETTI, 2016)

O Mestre Carlos Roberto Gonçalves, manteve ensinando, pouco depois da EC nº 66, em suas doutrinas civilistas do Direito de Família, salientando ainda mais que esta modalidade de dissolução da sociedade conjugal ainda permanece viva com a nova emenda:
“a separação judicial, embora coloque termo à sociedade conjugal, mantém intacto o vínculo matrimonial, impedindo os cônjuges de contrair novas núpcias” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família.7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 6, p. 201).

No mesmo sentido, a Mestra Maria Helena Diniz ressalta:
“A separação judicial é causa de dissolução da sociedade conjugal, não rompendo o vínculo matrimonial, de maneira que nenhum dos consortes poderá convolar novas núpcias. (...). A separação judicial é uma medida preparatória da ação do divórcio, (...).” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Deito Civil Brasileiro: direito de família. 23ª ed. rev. atual. e ampl. de acordo com a reforma do Código de Processo Civil e com o Projeto de Lei 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 282 e 283).

O Mestre Elpídio Donizetti, complementou ainda, que os preceitos do Código Civil devem ser equiparados com o novo texto da EC nº 66, para evitar o que chamou de “contradições não toleráveis” (em relação ao que falo ao norte sobre as correntes doutrinárias). Seja na separação judicial (litigiosa ou consensual), seja na extrajudicial, é salutar para o texto aqui tratado que deve-se levar em consideração que não mais persiste o requisito temporal de um ano de casamento para o pedido de separação judicial por mútuo consentimento. Ora, se o divórcio pode ser requerido de imediato (a qualquer tempo, inclusive um dia após o casamento), não há motivos para se dificultar a decretação da separação, ainda mais havendo consentimento de ambos os cônjuges.

Como exemplo da evolução, não mais cabe à invocação de culpa como fundamento da separação judicial, ou para a negativa desta, isto é, a discussão de culpa como motivo para a separação judicial não tem mais validade no ordenamento jurídico brasileiro até porque não há utilidade em se definir quem deu causa à ruína do casamento (pois isso ocasionaria um retrocesso, e um intrometimento na seara intima de cada um), ou seja, como o divórcio, a separação judicial pode ser requerida a qualquer momento por qualquer dos cônjuges.

Ainda que a culpa não seja mais elencada como motivo para a decretação da separação, é preciso considerar que permanecem alguns casos específicos em que a culpa poderá ser analisada, como por exemplo, na anulação do casamento por vício de vontade de algum dos cônjuges. Nesse caso, a culpa deve ser aferida para verificar a ocorrência de coação ou de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge.

Já foi visto alhures, que a separação judicial como pré-requisito para o divórcio ainda vinha sido mantido pela Constituição pelo motivo de o Brasil, ainda hoje, ser um país tradicionalmente fiel às concepções da Igreja Católica e da família (patriarcal), no qual muitos se mostravam e mostram-se ainda hoje (muitas das vezes) contra a dissolução do casamento por ser algo “sagrado”, “O que Deus uniu nos céus, o Homem não separa na terra”, entre outros motivos pelo qual a Lei dificultava o divórcio imediato, na expectativa de que o casal, repensando seu casamento nesse período de Separação Judicial ou mesmo de Fato, decidisse por reatar a sociedade conjugal.

Destarte, entendeu-se que a desburocratização do divórcio desestabiliza o instituto da família e, também é possível que se possa aferir um reflexo econômico negativo, já que não mais precisarão as partes arcar com custas processuais, cartorárias, nem honorários advocatícios por duas vezes. Com a aprovação da EC nº 66, o pedido de divórcio passou a ser um direito potestativo do cônjuge, independentemente de benefícios ou desvantagens à facilitação do divórcio.

A discussão acerca da permanência ou não da separação judicial dentro do ordenamento jurídico só se faz necessária porque as pessoas entendem que família é sinônimo de casamento “de papel passado”. E isso como brilhantemente define a Dra. Karla Cortez de Souza em seu artigo na Internet, “se protrai em uma mentalidade inquietante por parte dos juristas quanto ao real significado da Emenda 66/2010, pois o fim do casamento seria sinônimo de fim da família”. (SOUZA, 2014)

Entretanto, entendo que na realidade, o fim da família se dá, efetivamente, no processo de convivência de um casal, nas atitudes expressadas, nos desgastes emocionais provenientes de traições, falta de assistência familiar efetiva, afeto, amor, compreensão, que é muito difícil se extrair de um casal nos dias atuais e isso muito antecede ao Divórcio (ponto final da sociedade conjugal).

Segundo a Dra. Karla, em brilhante analogia ao assunto:
“aos que prezam por sua manutenção, em analogia ao Direito Penal, o divórcio seria a consumação do fim de uma família e a simples existência da separação judicial ainda que não condicionante após a emenda, se prestaria então como uma circunstância alheia à vontade do agente que poderia evitar a consumação. E mais, antes da alteração do texto constitucional, esperava-se que separação judicial funcionasse como o “arrependimento eficaz” do Direito de Família”. (SOUZA, 2014)

Concluo o entendimento como sendo a separação judicial uma forma alternativa ao divórcio; quando ainda se tem dúvida sobre o fim ou não do casamento; quando ainda há uma pequena porcentagem de esperança no reatar da sociedade conjugal, pode ser inclusive (deixando claro que é opinião própria, e talvez possa repassar a futuros clientes em caso de divórcio consensual) uma indicação aos mesmos, para que possam repensar individualmente, neste período de um ano, a sua vida “a dois” desde o início, ou os filhos, os bens havidos entre ambos, e a família como um todo, se é que possível, as vantagens e as desvantagens, em fim, tudo o que não venha gerar um desgaste emocional, que pode ser evitado.

O divórcio a partir da EC nº 66 ganhou muito mais força, tanto pela praticidade, quanto pela desburocratização, que por derradeiro, acabou gerando a quase inutilização da separação judicial como método preparatório para o divórcio, isto é, a qualquer momento, inclusive um dia após as núpcias, é possível haver o pedido de divórcio, que é um direito potestativo de ambos os cônjuges, uma escolha neste sentido é extremamente costumeira, fria, e sem as mediações ao norte, que até julgo necessárias e racionais para um término responsável, que deveriam ser levadas em consideração por ambos os cônjuges.

Por fim, a separação judicial hoje é mera opção e não mais obrigação, e por ser um direito potestativo dos cônjuges pode ser requerida a qualquer tempo, bem como o divórcio.

REFERÊNCIAS

DONIZETTI, Elpídio. Separação Judicial, o fim da controvérsia gerada pela EC66. EM: 09. Mar.2016 Disp In: http://genjuridico.com.br e https://portalied.jusbrasil.com.br/artigos/302532958/separação-judicialofim-da-controversia-gerada....
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito de família. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V. 6, p. 201.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Deito Civil Brasileiro: direito de família. 23ª ed. rev. atual. e ampl. de acordo com a reforma do Código de Processo Civil e com o Projeto de Lei 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 282 e 283.
SOUZA, Karla Cortez. A Emenda Constitucional nº 66 e seus reflexos na separação judicial. EM: 09. Jul.2014 Disp In: http://www.direitonet.com.br/artigos.

https://pedroheadv.jusbrasil.com.br/artigos/481085195/o-que-e-a-separacao-judicial-hoje-com-o-advento-da-ec-n-66-e-a-facilidade-de-divorciar?utm_campaign=newsletter-daily_20170726_5680&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Cartório de RR passa a emitir registro de nascimento a animais de estimação com sobrenome do dono.

Documento custa R$ 70 e é emitido no Cartório do 1º Ofício, em Boa Vista.

Publicado por Vitor Guglinski

Donos de animais domésticos agora podem obter o registro de guarda, uma espécie de certidão de nascimento, dos bichos que muitas vezes são tratados como integrantes da família. O documento passou a ser oferecido nesta sexta-feira (21) no Cartório do 1º Ofício, em Boa Vista, e pode até ter o sobrenome dos guardiões para provar o 'parentesco'.

Com 6 anos, Gaspar, um cão sem raça definida, foi o primeito pet da capital a ter o 'Identpet', como também é chamado o registro de guarda.

O documento foi emitido no nome da Yawara, uma associação de proteção animal, mas levou o sobrenome da estudante Letícia Lapóla, que a partir de agora assume a guarda dele.Letícia é uma das voluntárias da Yawara e se apegou a Gaspar em uma das ocasiões em que visitou o abrigo, por isso resolveu adotá-lo. Para a estudante, que também é dona de outros três cães, o registro dá segurança ao dono e se torna algo que 'ninguém pode tomar'.

"É uma maneira de provar que o animal é nosso, até porque eu considero os animais como membros da família. Me sinto mãe deles. No meu coração o Gaspar já era registrado. Hoje foi só a oficialização", disse.

O 'Identpet' é emitido com o nome do animal, raça, cor, tamanho, data de nascimento e o nome do dono. Caso o bicho tenha cicatrizes ou outras características, essas informações também são acrescentadas ao documento.

No cartório, segundo explicou o tabelião Josiel Loureiro, ficam arquivadas fotos do animal em casos de perda, por exemplo.

"Hoje, para muitas pessoas, os animais domésticos são mais importantes até que alguns seres humanos. Então ter um documento que prove essa relação é muito importante. Nossa intenção é valorizar essa relação e dar segurança tanto ao dono quanto ao animal", disse Loureiro.

O registro de guarda de animais domésticos é um documento que também auxilia na busca por animais perdidos ou roubados e até em casos de disputa de guarda.

Documentos para registro do animal de estimação

Para registrar o animal de estimação é necessário todos os documentos pessoais do dono, comprovante de residência e fotos do animal. No cartório, o interessado preenche um formulário e aguarda um dia para receber o 'Identpet'.

"De preferênca que os donos tragam foto do bichinho com o guardião. A emissão demora em média 24 horas, pois fazemos uma verificação prévia no sistema para ver se o animal não possui algum outro registro", explicou o tabelião.

Parte da taxa de registro será doado a Yawara

Conforme José Loureiro, a cada animal registrado no cartório serão doados R$ 5 para a ONG Yawara. A ideia é contribuir para que a associação continue com o trabalho de resgatar animais de rua.

Atualmente o grupo cuida de 40 animais, entre cães e gatos.

"Nosso trabalho é resgatar das ruas e disponibilizar os animais para adoção. Com isso temos muitas despesas, principalmente com clínicas veterinárias. A partir de hoje, além de incentivarmos a adoção dos nossos bichos, também vamos orientar para que os donos oficializem o registro no cartório", frisou a diretora-geral da Yawara, Débora Almeida.

Fonte: G1

https://vitorgug.jusbrasil.com.br/noticias/481479975/cartorio-de-rr-passa-a-emitir-registro-de-nascimento-a-animais-de-estimacao-com-sobrenome-do-dono?utm_campaign=newsletter-daily_20170726_5680&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Atualmente, a jurisprudência admite a multiparentalidade?

Publicado por Flávia Teixeira Ortega

O Supremo Tribunal Federal recentemente aprovou importante tese sobre direito de família, delineando alguns contornos da parentalidade no atual cenário jurídico brasileiro. A manifestação do STF contribui para a tradução contemporânea das categorias da filiação e parentesco, sendo um paradigmático leading case na temática.

O tema de Repercussão Geral 622 envolvia a análise de uma eventual “prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica”. Ao deliberar sobre o mérito da questão, o STF optou por não afirmar nenhuma prevalência entre as referidas modalidades de vínculo parental, apontando para a possibilidade de coexistência de ambas as paternidades.

Os aludidos conflitos familiares refletem alguns dos desafios que as múltiplas relações interpessoais apresentam aos juristas. No complexo, fragmentado e líquido cenário da atualidade, a possibilidade de pluralidade de vínculos parentais é uma realidade fática que exige uma acomodação jurídica.

O plenário do STF, ao apreciar a temática subjacente à referida repercussão geral, por maioria, houve por bem em aprovar uma diretriz que servirá de parâmetro para casos semelhantes.

A tese aprovada tem o seguinte teor: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

O texto foi proposto pelo ministro Luiz Fux, relator, tendo sido aprovado por ampla maioria, restando vencidos apenas os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio, que discordavam parcialmente da redação final sugerida.

A tese é explícita em afirmar a possibilidade de cumulação de uma paternidade socioafetiva concomitantemente com uma paternidade biológica, mantendo-se ambas em determinado caso concreto, admitindo, com isso, a possibilidade da existência jurídica de dois pais.

Ao prever expressamente a possibilidade jurídica da pluralidade de vínculos familiares nossa Corte Suprema consagra um importante avanço: o reconhecimento da multiparentalidade, um dos novíssimos temas do direito de família.

Os principais reflexos da decisão supramencionada do Supremo é, em primeiro lugar, o reconhecimento jurídico da afetividade. Resta consagrada a leitura jurídica da afetividade, tendo ela perfilado de forma expressa na manifestação de diversos Ministros. No julgamento da repercussão geral 622 houve ampla aceitação do reconhecimento jurídico da afetividade pelo colegiado, o que resta patente pela paternidade socioafetiva referendada na tese final aprovada. A afetividade inclusive foi citada expressamente como princípio na manifestação do Ministro Celso de Mello, na esteira do que defende ampla doutrina do direito de família. Não houve objeção alguma ao reconhecimento da socioafetividade pelos ministros, o que indica a sua tranquila assimilação naquele tribunal.

A necessidade do Direito contemporâneo passar a acolher as manifestações afetivas que se apresentam na sociedade está sendo cada vez mais destacada, inclusive no direito comparado, como na recente obra de Stefano Rodotà, lançada em 2015, denominada Diritto D’amore. Em suas afirmações, o professor italiano sustenta que um novo cogito poderia ser escrito na atualidade, com o seguinte teor: “amo, ergo sum”, ou seja, amo, logo existo, tamanha a atual centralidade conferida para a dimensão afetiva nos relacionamentos interpessoais deste início de século.

Na esteira disso, a necessidade da compreensão e de um tratamento jurídico escorreito da afetividade se impõe, conforme já sustentamos em obra sobre o tema. Cabe avançar nos contornos da afetividade a partir das balizas conferidas pelo direito brasileiro. Nesse sentido, a tese aprovada pelo Supremo Tribunal Federal parece, de alguma forma, contribuir para uma adequada significação jurídica da afetividade e dos seus consectários.
O segundo aspecto que merece destaque foi o reconhecimento da presença no cenário brasileiro de ambas as paternidades, socioafetiva e biológica, em condições de igualdade jurídica. Ou seja, ambas as modalidades de vínculo parental foram reconhecidas com o mesmo status, sem qualquer hierarquia apriorística (em abstrato).

Esta equiparação é importante e se constitui em um grande avanço para o direito de família. A partir disso, não resta possível afirmar aprioristicamente que uma modalidade prevalece sobre a outra, de modo que apenas o caso concreto apontará a melhor solução para a situação fática que esteja em análise.

Havia dissenso sobre isso, até então imperava a posição do Superior Tribunal de Justiça, que indicava uma prevalência do vínculo biológico sobre o socioafetivo nos casos de pedido judicial de reconhecimento de paternidade apresentados pelo filhos.

A decisão do STF acolhe a equiparação dentre as modalidades de vínculos, o que merece elogios. A manifestação do Ministro relator, ao julgar o caso concreto que balizou a repercussão geral, não deixa dúvidas quanto a essa igualação: “Se o conceito de família não pode ser reduzido a modelos padronizados, nem é lícita a hierarquização entre as diversas formas de filiação, afigura-se necessário contemplar sob o âmbito jurídico todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais (como a fecundação artificial homóloga ou a inseminação artificial heteróloga – art. 1.597, III a V do Código Civil de 2002); (ii) pela descendência biológica; ou (iii) pela afetividade.”

Com isso, resta consolidado o status da parentalidade socioafetiva como suficiente vínculo parental, categoria edificada pelo professor Guilherme de Oliveira, em Portugal, e, no Brasil, corroborada pelos professores João Baptista Vilella, Zeno Veloso, Luiz Edson Fachin e Paulo Lôbo, dentre outros.

Esta equiparação prestigia o princípio da igualdade entre os filhos, previsto no art. 227, parágrafo 6º, CF, e reiterado no art. 1.596 do Código Civil e art. 20 do ECA, mostrando-se adequada e merecedora de elogios.

Um dos maiores avanços alcançados com a tese aprovada pelo STF certamente foi o acolhimento expresso da possibilidade jurídica de pluriparentalidade. Este é um dos novos temas do direito de família, que vem sendo objeto de debate em diversos países.

Esta aceitação da possibilidade de concomitância de dois pais foi objeto de intenso debate na sessão plenária que cuidou do tema, face uma divergência do Min. Marco Aurélio, mas restou aprovada por ampla maioria. Com isso, inequívoco que a tese aprovada acolhe a possibilidade jurídica da multiparentalidade.

O voto do ministro Luiz Fux é firme no sentido do reconhecimento da pluriparentalidade, com um amplo estudo a partir do direito comparado. Em um dado momento, afirma: “Da mesma forma, nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos.(…) Por isso, é de rigor o reconhecimento da dupla parentalidade”.

Essas situações de manutenção de dois pais ou duas mães já vinham sendo objeto de algumas decisões judiciais e estavam figurando com intensidade na doutrina. Há inclusive um enunciado do IBDFAM aprovado sobre o assunto: enunciado nº 09 – “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos”, do X Congresso Brasileiro de Direito de Família.

O acolhimento da possibilidade dessa multiplicidade de vínculos familiares, exclusivamente pela via de uma decisão da nossa Corte Constitucional, coloca — mais uma vez — o Supremo Tribunal Federal na vanguarda do direito de família

Muitas são as análises possíveis a partir da paradigmática decisão proferida nessa repercussão geral. Nesse momento, registram-se apenas as primeiras impressões, com o intuito de destacar os principais avanços e conquistas advindos da referida tese aprovada.

Inegável que houve significativo progresso com a referida decisão, conforme também entendem Flávio Tartuce e Rodrigo da Cunha Pereira. Não se nega que alguns pontos não restaram acolhidos, como a distinção entre o papel de genitor e pai, bem destacado no voto divergente do Min. Edson Fachin ao deliberar sobre o caso concreto, mas que não teve aprovação do plenário. Esta é uma questão que seguirá em pauta para ser melhor esclarecida, sendo que caberá a doutrina digerir o resultado do julgamento a partir de então.

Merecem ouvidos os alertas de José Fernando Simão, a respeito do risco de se abrir a porta para demandas frívolas, que visem puramente o patrimônio contra os pais biológicos. Essa possibilidade deverá merecer atenção especial por parte dos operadores do direito, mas não parece alarmante e, muito menos, intransponível.

O parecer do Ministério Público Federal apresentado no caso concreto que balizou a repercussão geral também traz esses alertas, mas confia na existência de salvaguardas dentro do próprio sistema: “De todo modo, os riscos de indolência e excesso nas questões alimentícias são controlados pelo binômio necessidade-possibilidade, que obsta o enriquecimento ilícito dos envolvidos na multiparentalidade. (…) Eventuais abusos podem e devem ser controlados no caso concreto. Porém, esperar que a realidade familiar se amolde aos desejos de um ideário familiar não é só ingênuo, é inconstitucional.”

Entre limites e possibilidades importa louvar a decisão do STF e destacar a participação do Instituto Brasileiro de Direito de Família como Amicus Curiaenesse emblemático caso.

Por tudo isso, parece que os ganhos foram muitos, de modo que merecem destaque para que reverberem de forma adequada na avançada doutrina jusfamiliarista brasileira. É alvissareira a decisão do Supremo Tribunal Federal, que certamente remete a outras questões e a novos desafios, mas nos traz a esperança de uma nova primavera para o direito de família brasileiro.

https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/481469641/atualmente-a-jurisprudencia-admite-a-multiparentalidade?utm_campaign=newsletter-daily_20170726_5680&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Indignidade e deserdação: uma breve análise sobre as espécies de exclusão da capacidade sucessória


Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, contudo, há hipóteses de seu titular sofrer a perda da capacidade de herdar quer por indignidade ou deserdação.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo distinguir as espécies de exclusões sucessórias por Indignidade e Deserdação, existentes no Direito de Sucessões, ambas decorrentes de atos do herdeiro/sucessor. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, contudo há hipóteses de seu titular sofrer a perda da capacidade de herdar, quer por indignidade ou deserdação. Constituem objetivos específicos: conceituar, no âmbito de Direito Sucessório, a exclusão da capacidade sucessória por Indignidade e por Deserdação, bem como apresentar suas peculiaridades, suas causas e seus efeitos. A metodologia consiste numa pesquisa bibliográfica necessária a fundamentação teórica. A conclusão aponta que a indignidade alcança também os herdeiros testamentários e os legatários, enquanto a deserdação afasta da sucessão somente os herdeiros necessários, por meio da manifestação de última vontade, que pode ser obtida mediante testamento válido.

Palavras-chave: Indignidade; Deserdação; Espécies; Exclusão; Capacidade Sucessória. 

INTRODUÇÃO

Sabe-se que o Direito existe na função de ordenar a coexistência humana em sociedade, a fim de que haja justiça e organização entre os pares. E, embora se espere que, na instituição familiar, como ramo social, e na convivência com indivíduos próximos por laços afetivos, exista a confiabilidade como pilar daquelas relações, há casos em que a ganância e a falta de moral prevalecem e geram acontecimentos, por vezes, inesperados em que os pares familiares cometem crimes que atentam contra pais, filhos etc. Nestas situações, podemos nos valer do Direito a fim de resguardarmos e protegermos nosso patrimônio e interesses.

O rompimento dos laços afetivos impacta no âmbito patrimonial. A legislação pune os herdeiros que atentam contra a entidade familiar. Assim sendo, e entendendo que a hereditariedade material é intrínseca à relação de parentesco que se estabelece entre indivíduos que compõem o segmento social denominado família, e ainda, entendendo que a sucessão de bens e posses se estende ao indivíduo pelo qual o de cujus protestou sentimento de gratidão ou cooperação humana, como preceitua o artigo 1784, do Código Civil, a saber: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”, questionamos quais fatores acarretariam à exclusão da capacidade sucessória? E ainda, uma vez estabelecida a possibilidade de haver perda da capacidade sucessória, quais seriam suas espécies e efeitos?

Para elucidar essas questões, o presente trabalho distinguirá as espécies de exclusões sucessórias por Indignidade e Deserdação, existentes no Direito de Sucessões, ambas decorrentes de atos do herdeiro/sucessor, de modo a possibilitar melhor compreensão acerca do tema, contribuindo, assim, para a difusão do Direito em suas particularidades. Constituem seus objetivos específicos conceituar a Exclusão da Capacidade Sucessória, por Indignidade e por Deserdação, bem como apresentar suas peculiaridades, suas causas e seus efeitos.

O presente trabalho se justifica por ser um ramo de evidente importância na seara jurídica, e que, por vezes, tem suas causas e consequências desconhecidas pela sociedade. Desta forma, se mostra como sendo de utilidade pública, à medida que explicará, aos que por ele demonstrarem interesse, quais as formas legais de se ter um indivíduo excluído da sucessão de bens e posses de pessoas falecidas.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO DE SUCESSÕES

O Direito das Sucessões é o conjunto de regras que disciplinam a transmissão do patrimônio de alguém, depois de sua morte, aos seus sucessores, em razão de lei ou de testamento. Sua origem remonta a mais alta Antiguidade, sempre ligado à ideia de continuidade da religião e da família.

Tal ramo do Direito, “refere-se apenas às pessoas naturais, não alcançando as pessoas jurídicas, uma vez que não tem natureza de disposições de última vontade os preceitos estatutários que regulam o destino do patrimônio social” (GONÇALVES, 2009, p. 2).

A etimologia indica que “sucessão” vem do latim succedere. Segundo Aulete (2004), suceder é o ato de ocorrer ou vir após (algo), ou sucessivamente; substituir (alguém) em um cargo ou desempenho de uma função.

Na seara jurídica do Direito de Sucessão, o vocábulo “sucessão” é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, transferência de suas posses, títulos etc., a outra pessoa.

Direito das sucessões, em sentido objetivo, é o conjunto das normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em conseqüência de sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente se diria – direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um defunto (MAXIMILIANO, 1942 apud GONÇALVES, 2009, p. 2).

De acordo com Dias (2011), a transmissão do patrimônio de uma pessoa para outra se realiza ou por vontade das partes ou pelo falecimento de uma delas. Assim, no primeiro caso, a sucessão é inter vivos. Na ocorrência do falecimento se esta diante da transmissão causa mortis. Contudo, não existe “herança de pessoa viva”, pois o direito hereditário só nasce após o evento morte.

Assim, denotamos que o ato de suceder à herança tem início com a morte do detentor ou titular dos bens, e que a sucessão será o ato que dará posse da titularidade dos bens do de cujus a outrem. A sucessão se dará sempre que um indivíduo suceder outrem no que concerne às relações jurídicas, exigindo, desta forma, um novo titular do direito de posse, em detrimento do indivíduo anterior.

A Carta Magna brasileira confere o direito à herança em seu artigo 5°, inciso XXX, a saber: “Art. 5°.(...) XXX - é garantido o direito de herança” (BRASIL, 1988). Por sua vez, o Código Civil Brasileiro de 2002, no artigo 6°, explicita o falecimento como sendo o termo da existência da pessoa física ou da personalidade jurídica, em seu artigo 6°, como segue: “A existência da pessoa natural termina com morte”. (BRASIL, 2002).

Desta forma, e tendo o termo da personalidade jurídica do titular de bens, ou, em outras palavras, após o falecimento do titular da herança, abre-se o processo de sucessão, conforme preceitua o Código Civil, seu artigo 1784: “Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários”. (BRASIL, 2002).

Vale destacar ainda, neste primeiro momento, as duas formas de sucessão, quais sejam: Legítima e Testamentária.

A sucessão legítima se caracteriza pela ausência de testamento legal formal, em que há a presunção de legitimidade no que concerne aos bens deixados pelo de cujus. De acordo com este tipo de sucessão, os bens deixados pelo seu titular serão entregues aos sucessores necessários, ou seja, àqueles que se supõe que o detentor da herança passaria a mesma após sua morte. Para elucidação, o artigo 1845 do Código Civil afirma que: “São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”. (BRASIL, 2002).

Tal preceito subsiste graças ao artigo 1788, do Código Civil, a saber: “Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.” (BRASIL, 2002.).

Já no que refere à sucessão testamentária, podemos dizer que se caracteriza pelo ato de última vontade do de cujus. Embora este instituto seja de pouco uso/costume no Brasil. O legislador reservou dois artigos sobre o tema, a fim de resguardar, ainda, o direito dos sucessores necessários, mesmo no advento de testamento. Assim, cabe a demonstração do artigo 1.746, que disserta: “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”; e o artigo 1789: “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”. (BRASIL, 2002).

Vale ressaltar uma concepção pertinente, vez que o artigo 1786, do Código Civil disserta: “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”. Entendemos, assim, que a transmissão dos bens do de cujus pode ocorrer por disposição de lei ou por disposição de sua última vontade.

Tal explanação, realizada de forma sucinta, a fim de não nos distanciarmos do tema proposto, diz respeito ao instituto herança, e temos que é: “Totalidade de bens deixados por uma pessoa morta; Aquilo que é transmitido por sucessão” (AULETE, 2004). Esta, por sua vez, poderá ser testamentária ou, em caso de o falecido, outrora detentor dos bens, não ter deixado testamento, incumbida por força de lei, conforme o artigo 1788, do Código Civil, como vemos: “Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo”. (BRASIL, 2002).

Cabe, então, destacarmos que pode haver perda ou não recebimento da herança em caso de Renúncia, elencada no artigo 1086 do Código Civil Brasileiro, a saber: “Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial”, que decorre da vontade do herdeiro de não receber a divícia deixada pelo falecido; e, ainda, nos casos de Premoriência e Comoriência, descritas no artigo 8°, do mesmo código, qual seja: “Art. 8o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”. (BRASIL, 2002).

Distinguimos que tal perda da capacidade sucessória se dá por motivo alheio à vontade do herdeiro, mas que ao mesmo tempo lhe impossibilita a percepção da herança, uma vez que também terá falecido. Na Premoriência, o titular falece e, logo em seguida, seu(s) herdeiro(s) também podem falecer, muitas vezes, inclusive, durante o mesmo episódio. Já na Comoriência, ambos, titular dos bens e herdeiros, falecem ao mesmo tempo.

Dito isto, a legitimidade ou capacidade sucessória à herança se dá com o falecimento do titular dos bens, havendo herdeiros ou sucessores do mesmo. Mas, assim como o indivíduo se torna apto à percepção da herança após o falecimento de seu titular, também pode tornar-se incapaz, ou seja, sofrer a perda da capacidade de herdar, quer por renúncia, premoriência, comoriência, indignidade ou deserdação.

Aqui, trataremos apenas da indignidade e da deserdação, por serem as formas de exclusão mais peculiares e de maior semelhança, motivo pelo qual explicaremos as diferenças entre os institutos, bem como seu funcionamento, causas e efeitos. A indignidade está prevista do artigo 1.814 ao 1.818 e a deserdação nos artigos 1.961 ao 1.965, ambos do diploma civil de 2.002.

EXCLUSÃO DA CAPACIDADE SUCESSÓRIA POR INDIGNIDADE

A Constituição Cidadã de 1988 tem como um dos seus fundamentos a proteção da dignidade humana. Assim, “por elementar razão de ordem ética, quem desrespeita a dignidade do outro merece ser punido” (DIAS, 2011, p. 300).

Considerando-se que uma conduta venha a desrespeitar a dignidade familiar, a punição insere-se no direito patrimonial através da exclusão daquele que afrontou a ordem de vocação hereditária.

Segundo Gonçalves (2009, p.101) “a indignidade é instituto próximo a falta de legitimação para suceder que o Código de 1916 tratava como incapacidade sucessória.”

Conforme o artigo 1.814, do Código Civil Brasileiro, temos que:
“São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.” (BRASIL, 2002).

Desta forma, preceitua Diniz, ao afirmar que: “Instituto bem próximo da incapacidade sucessória é o da exclusão do herdeiro ou do legatário, incurso em falta grave contra autor da herança e pessoas de sua família, que o impede de receber o acervo hereditário, dado que se tornou indigno.” (DINIZ, 2005, p. 50).

Segundo Gonçalves (2009, p. 102) “a exclusão por indignidade somente obstaculiza a conservação da herança, enquanto a falta de legitimação para suceder impede que surja o direito à sucessão.”.

Quando se fala em exclusão por Indignidade, não significa dizer que o indivíduo, ao bel prazer do detentor da herança ou de outros herdeiros, seja afastado de seu direito de herdar. Neste caso, se faz imprescindível Sentença Judicial pautada no devido processo legal. Conforme nos ensina Gonçalves (2009, p. 101), “nos casos de indignidade, o indigno adquire a herança e a conserva até que passe em julgado a sentença que o exclui da sucessão.”.

Neste sentido temos o artigo 5° da constituição Federal, em seu inciso LIV, que afirma “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL, 1988).

Quanto à legalidade desta formalidade, podemos citar o artigo 1.815 do Código Civil, que disserta: “A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença” (BRASIL, 2002).

Desta forma, temos que, em qualquer das situações descritas no artigo 1.814 do Código Civil, a fim de caracterizar-se a exclusão da capacidade sucessória por indignidade, deve haver num primeiro momento, a provocação judicial, através de Ação Ordinária de Indignidade, interposta pelos demais herdeiros ou pessoas que demonstrem legitimidade ou interesse de agir.

Portanto, verificamos que o surgimento desse instituto da exclusão exige sentença judicial que condene o herdeiro por falta grave, realizada contra o titular originário da herança, o que o torna indigno de tal privilégio.

A sentença declaratória da indignidade produz efeitos ex tunc, ou seja, retroage a data da abertura da sucessão. Além disso, seus efeitos são pessoais, conforme preceitua o artigo 1.816 do Código Civil, que determina a substituição do indigno pelos seus descendentes. Vale dizer, que, inexistindo sucessores do indigno em linha reta descendente, seu quinhão retorna ao monte, seguindo destinação legítima e testamentária.

Outro efeito da exclusão por indignidade é que mesmo conservando o poder familiar, o excluído indigno fica privado do direito ao usufruto e a administração dos bens que a seus filhos menores forem destinados, em razão da substituição, perdendo também o direito sucessório sobre o patrimônio devolvido aos descendentes, que, em regra, teria pelo falecimento destes (DINIZ, 2005).

Por fim, importa esclarecer que, o Código Civil vigente prevê a hipótese de um indigno ser reabilitado, não vindo a sofrer a privação da herança: “Art. 1818. Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.” (BRASIL, 2002).

EXCLUSÃO DA CAPACIDADE SUCESSÓRIA POR DESERDAÇÃO

De acordo com Silvio Rodrigues “Deserdação é o ato pelo qual alguém, apontando como causa uma das razões permitidas em lei, afasta de sua sucessão, e por meio de testamento, um herdeiro necessário”. (RODRIGUES, 2006, p.254).

Gonçalves (2009, p. 398) e Rodrigues (2006, p. 255) afirmam se tratar de ato unilateral do testador que afasta da sucessão o herdeiro necessário, mediante cláusula testamentária, motivado em infração grave por ele cometida, prevista em lei.

Nesse sentido podemos concluir que a deserdação nada mais é que o ato de privar o testador da herança, com motivo justo, ascendentes ou descendentes, nas situações previstas no diploma civil.

De acordo com Gonçalves (2009), a deserdação é uma instituição histórica, que vem de um passado remoto, pois já era prevista no Código de Hammurabi, há mais de 2 mil anos. Já naquele tempo o pai podia deserdar o filho indigno, dependendo, porém, o seu ato da confirmação de um juiz.

As causas mais comuns que acarretam a deserdação estão previstas no art. 1.814 do Código Civil de 2002, atinentes à indignidade. Embora tal dispositivo legal esteja exposto em parte que diz respeito à indignidade, poderá, conforme art. 1.961 do Código Civil, ser utilizado também na configuração da deserdação.

Aqui importa lembrar que os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão. Para excluir da sucessão os parentes colaterais, não é preciso deserdá-los. Segundo informa o artigo 1.850 do Código Civil: “basta que o testador disponha do seu patrimônio sem os contemplar” (BRASIL, 2002).

Além das causas supracitadas, existem outras previstas em lei que devem ser observadas, pois causam da mesma forma a exclusão por deserdação.

A causa de deserdação do descendente está prevista no art. 1.962 do Código Civil, que dispõe o seguinte:

“Art. 1.862. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.

Estas ofensas podem ser de caráter leve ou grave, pois o que se busca neste dispositivo é a “prova absoluta de falta de afeto, respeito ou gratidão para com seu ascendente, não sendo justo, por isso que lhe suceda” (DINIZ, 2005, p. 125). Sendo assim, a imposição dessa pena de caráter civil, independe de prévia decisão na esfera criminal.

Assim, as características da deserdação podem ser assim dispostas: a deserdação só pode recair sobre a legítima dos herdeiros necessários; os herdeiros são privados de todo e qualquer benefício, atribuídos por testamento anterior; só pode ser sujeito passivo o herdeiro legitimado; somente o autor da herança pode deserdar o seu herdeiro; caberá ao interessado fazer a prova do ato constitutivo da deserdação, em ação própria e a deserdação tem que ser expressa com explicação da causa (RODRIGUES, 2006).

Quanto aos efeitos da deserdação, Gonçalves (2009) informa que, ao contrário da exclusão por indignidade, cujos efeitos são pessoais, na deserdação, o legislador foi omisso, o que acabou por prevalecer o entendimento de que seus efeitos também são pessoais. Por sua vez, Dias (2011) entende que, em razão de haver consonância entre os institutos da deserdação e da indignidade, em caso do deserdado não ter filhos, seu quinhão é transmitido aos demais herdeiros, pois só há representação na linha reta descendente, surgindo o direito de acrescer dos demais herdeiros do mesmo grau.

Doutrinadores como Gonçalves (2009) e Diniz (2005) compreendem que, assim como a deserdação só pode ser feita em testamento – cabendo prova de veracidade do fato apontado pelo testador – não é possível o perdão do deserdado, salvo por outro testamento. Dias (2011, p. 353) expressa entendimento semelhante “nem a conciliação e nem o perdão subtraem a eficácia da deserdação. Só há a possibilidade de ser afastada a deserdação se manifestada expressamente em outro testamento”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatamos que a exclusão da capacidade sucessória decorrente de fatos tipificados, ou seja, quando o herdeiro utilizou-se de meios fraudulentos, criminosos ou mesmo indignos contra o detentor dos bens que, em tempo oportuno, e seguindo o curso natural da vida, um dia seriam seus, e que resultaram, por determinação do falecido, como ato de última vontade ou mesmo por alegação comprovada de terceiros interessados, e, ainda, por questão de justiça, em seu afastamento, quando da legitimidade ao recebimento da herança do de cujus.

Tanto a indignidade como a deserdação têm o mesmo objetivo, o qual seja a punição de quem ofendeu o de cujus, mas, embora tenha essa semelhança, são institutos bem distintos, pois como vimos, a indignidade funda-se com exclusividade nos casos expressos no art. 1.814, do Código Civil, ao qual a deserdação repousa na vontade exclusiva do autor da sucessão, que demonstra ao ingrato, em seu ato de última vontade, seu desejo de que, fundado em motivo legal não é ele merecedor de tal benefício. Portanto, indignidade e deserdação não se confundem.

Própria da sucessão legítima, a indignidade alcança também os herdeiros testamentários e os legatários, enquanto na deserdação afasta da sucessão somente os herdeiros necessários, através da manifestação de última vontade, que pode ser obtida mediante testamento válido. 

REFERÊNCIAS

AULETE, Francisco Júlio de Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
_______. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>, Acesso: às 01:35, de 15/03/2016.
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 6.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: VII, Direito das Sucessões. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. 2 ed. São Paulo: Atlas, p. 198 , 1987
___________________________. Metodologia científica. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. 305 p.
PERELMAN, Chaim. Tratado da argumentação – a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 26ª ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva, 2006. vol. 7.

SOUZA, Daniel Pereira Mira de. Indignidade e deserdação: uma breve análise sobre as espécies de exclusão da capacidade sucessóriaRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22n. 513826 jul. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/59064>. Acesso em: 27 jul. 2017.

Da indenização por abandono afetivo na mais recente jurisprudência brasileira

Por Flávio Tartuce, quarta-feira, 26 de julho de 2017.

A responsabilidade civil no Direito de Família projeta-se para além das relações de casamento ou de união estável, sendo possível a sua incidência na parentalidade ou filiação, ou seja, nas relações entre pais e filhos. Uma das situações em que isso ocorre diz respeito à responsabilidade civil porabandono afetivo, também denominado abandono paterno-filial ou teoria do desamor.
Trata-se de aplicação do princípio da solidariedade social ou familiar, previsto no art. 3º, inc. I, da Constituição Federal, de forma imediata a uma relação privada, ou seja, em eficácia horizontal.Como explica Rodrigo da Cunha Pereira, precursor da tese que admite tal indenização, "o exercício da paternidade e da maternidade – e, por conseguinte, do estado de filiação – é um bem indisponível para o Direito de Família, cuja ausência propositada tem repercussões e consequências psíquicas sérias, diante das quais a ordem legal/constitucional deve amparo, inclusive, com imposição de sanções, sob pena de termos um Direito acéfalo e inexigível" (Responsabilidade civil por abandono afetivo. In: Responsabilidade civil no direito de família. Coord. Rolf Madaleno e Eduardo Barbosa. São Paulo: Atlas, 2015, p. 401).
O jurista também fundamenta a eventual reparabilidade pelos danos decorrentes do abandono na dignidade da pessoa humana, eis que "o Direito de Família somente estará em consonância com a dignidade da pessoa humana se determinadas relações familiares, como o vínculo entre pais e filhos, não forem permeados de cuidado e de responsabilidade, independentemente da relação entre os pais, se forem casados, se o filho nascer de uma relação extraconjugal, ou mesmo se não houver conjugalidade entre os pais, se ele foi planejado ou não. (...) Em outras palavras, afronta o princípio da dignidade humana o pai ou a mãe que abandona seu filho, isto é, deixa voluntariamente de conviver com ele" (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Responsabilidade Civil por abandono afetivo. In: Responsabilidade Civil no Direito de Família, ob. cit., p. 406). Para ele, nesse seu texto mais recente, além da presença de danos morais, pode-se cogitar uma indenização suplementar, pela presença da perda da chance de convivência com o pai.
O doutrinador e presidente nacional do IBDFAM atuou na primeira ação judicial em que se reconheceu a indenização extrapatrimonial por abandono filial. Na ocasião, o então Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou um pai a pagar indenização de duzentos salários mínimos a título de danos morais ao filho, por não ter com ele convivido (Apelação Cível n. 408.550-5 da Comarca de Belo Horizonte. Sétima Câmara Cível. Presidiu o julgamento o Juiz José Affonso da Costa Côrtes e dele participaram os Juízes Unias Silva, relator, D. Viçoso Rodrigues, revisor, e José Flávio Almeida, vogal).
Filiando-se ao julgado mineiro e à possibilidade de indenização em casos semelhantes também está a Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, uma das maiores juristas deste País na atualidade, expoente não só do Direito de Família, mas também da Responsabilidade Civil. De acordo com as suas lições, "a responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da ideia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar (...). Paralelamente, significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. Poder-se-ia dizer, assim, que uma vida familiar na qual os laços afetivos são atados por sentimentos positivos, de alegria e amor recíprocos em vez de tristeza ou ódio recíprocos, é uma vida coletiva em que se estabelece não só a autoridade parental e a orientação filial, como especialmente a liberdade paterno-filial" (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva nas relações entre pais e filhos: além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: . Acesso em 21 jun. 2017).
Entretanto, como se sabe, o Superior Tribunal de Justiça reformou a primeva decisão do Tribunal de Minas Gerais, afastando o dever de indenizar no caso em questão, diante da ausência de ato ilícito, pois o pai não seria obrigado a amar o filho. Em suma, o abandono afetivo seria situação incapaz de gerar reparação pecuniária (STJ, Recurso Especial 757.411/MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves; votou vencido o ministro Barros Monteiro, que não conhecia do recurso. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Cesar Asfor Rocha votaram com o Ministro relator. Data do julgamento: 29 de novembro de 2005).
De qualquer modo, tal decisão do Tribunal da Cidadania não encerrou o debate quanto à indenização por abandono afetivo, que permanece intenso na doutrina. Cumpre destacar que me posiciono no sentido de existir o dever de indenizar em casos tais, especialmente se houver um dano psíquico ensejador de dano moral, a ser demonstrado por prova psicanalítica. O desrespeito ao dever de convivência é muito claro, eis que o art. 1.634 do Código Civil impõe como atributos do poder familiar a direção da criação dos filhos e o dever de ter os filhos em sua companhia. Além disso, o art. 229 da Constituição Federal é cristalino ao estabelecer que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Violado esse dever e sendo causado o dano ao filho, estará configurado o ato ilícito, nos exatos termos do que estabelece o art. 186 do Código Civil em vigor.
Quanto ao argumento de eventual monetarização do afeto, penso que a Constituição Federal encerrou definitivamente tal debate, ao reconhecer expressamente a reparação dos danos morais em seu art. 5º, incs. V e X. Aliás, se tal argumento for levado ao extremo, a reparação por danos extrapatrimoniais não seria cabível em casos como de morte de pessoa da família, por exemplo.
A propósito, demonstrando evolução quanto ao tema, surgiu, no ano de 2012, outra decisão do Superior Tribunal de Justiça em revisão à ementa anterior, ou seja, admitindo a reparação civil pelo abandono afetivo. A ementa foi assim publicada por esse Tribunal Superior:
"Civil e Processual Civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado –, importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido" (STJ, REsp 1.159.242/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Em sua relatoria, a julgadora ressalta, de início, ser admissível aplicar o conceito de dano moral nas relações familiares, sendo despiciendo qualquer tipo de discussão a esse respeito, pelos naturais diálogos entre livros diferentes do Código Civil de 2002. Desse modo, supera-se totalmente a posição firmada no primeiro julgado superior sobre o tema, especialmente o que foi desenvolvido pelo então Ministro Asfor Rocha, da impossibilidade de interação entre o Direito de Família e a Responsabilidade Civil.
Para a Ministra Nancy Andrighi, ainda, o dano extrapatrimonial estaria presente diante de uma obrigação inescapável dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos. Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, com fundamento no princípio da afetividade, a julgadora deduz pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: "amar é faculdade, cuidar é dever". Concluindo pelo nexo causal entre a conduta do pai que não reconheceu voluntariamente a paternidade de filha havida fora do casamento e o dano a ela causado pelo abandono, a magistrada entendeu por reduzir o quantum reparatório que foi fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, de R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais) para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Penso que esse último acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça representa correta concretização jurídica do princípio da solidariedade; sem perder de vista a função pedagógica ou de desestímulo que deve ter a responsabilidade civil. Sempre pontuei, assim, que esse último posicionamento deve prevalecer na nossa jurisprudência, visando também a evitar que outros pais abandonem os seus filhos.
De todo modo, fazendo uma pesquisa mais atual, posterior ao último aresto superior, notei que há ainda grande vacilação jurisprudencial na admissão da reparação civil por abandono afetivo, com ampla prevalência de julgados que concluem pela inexistência de ato ilícito em casos tais, notadamente pela ausência de prova do dano.
Trilhando esse caminho, de acordo com a primeira orientação do Tribunal da Cidadania, na Corte Estadual que despertou o debate, deduziu-se que "por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do CC, que pressupõe prática de ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação" (TJMG, Apelação Cível n. 1.0647.15.013215-5/001, Rel. Des. Saldanha da Fonseca, julgado em 10/05/2017, DJEMG15/05/2017).
Na mesma linha, sem prejuízo de muitas outras ementas de negação do ilícito: "a pretensão de indenização pelos danos sofridos em razão da ausência do pai não procede, haja vista que para a configuração do dano moral faz-se necessário prática de ato ilícito. Beligerância entre os genitores" (TJRS, Apelação Cível n. 0048476-69.2017.8.21.7000, Teutônia, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Luís Dall’Agnol, julgado em 26/04/2017, DJERS 04/05/2017). De todo modo, pode ser notada certa confusão técnica no último decisum, pois não é o ilícito que é elemento do dano moral, mas vice-versa.
Por outra via, concluindo pela ausência de prova do dano, entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo que "a jurisprudência pátria vem admitindo a possibilidade de dano afetivo suscetível de ser indenizado, desde que bem caracterizada violação aos deveres extrapatrimoniais integrantes do poder familiar, configurando traumas expressivos ou sofrimento intenso ao ofendido. Inocorrência na espécie. Depoimentos pessoais e testemunhais altamente controvertidos. Necessidade de prova da efetiva conduta omissiva do pai em relação à filha, do abalo psicológico e do nexo de causalidade. Alegação genérica não amparada em elementos de prova. Non liquet, nos termos do artigo 373, I, do Código de Processo Civil, a impor a improcedência do pedido" (TJSP, Apelação n. 0006195-03.2014.8.26.0360, Acórdão n. 9689092, Mococa, Décima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. J. B. Paula Lima, julgado em 09/08/2016, DJESP 02/09/2016).
Em complemento, e mais recentemente, o Tribunal gaúcho aduziu que "o dano moral exige extrema cautela no âmbito do direito de família, pois deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é considerado como aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano, que pode ser material ou exclusivamente moral. Para haver obrigação de indenizar, exige-se a violação de um direito da parte, com a comprovação dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta desenvolvida e o dano sofrido, e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si só, situação capaz de gerar dano moral" (TJRS, Apelação Cível n. 0087881-15.2017.8.21.7000, Porto Alegre, Sétima Câmara Cível, Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro, julgado em 31/05/2017, DJERS 06/06/2017). Na pesquisa que realizei, em junho de 2017, constatei que muitos julgamentos seguem a última frase da ementa, segundo a qual o mero distanciamento físico entre pai e filho não configura, por si só, o ilícito indenizante.
Diante desse panorama recente, recomendo que os pedidos de indenização por abandono afetivo sejam bem formulados, inclusive com a instrução ou realização de prova psicossocial do dano suportado pelo filho. Notei que os julgados estão orientados pela afirmação de que não basta a prova da simples ausência de convivência para que caiba a indenização.
Acrescente-se que no próprio Superior Tribunal de Justiça existem acórdãos recentes que não admitem a reparação de danos por abandono afetivo antes do reconhecimento da paternidade. Desse modo, julgando "alegada ocorrência de abandono afetivo antes do reconhecimento da paternidade. Não caracterização de ilícito. Precedentes" (STJ, AREsp 1.071.160/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJE 19/06/2017). Ou, ainda, "a Terceira Turma já proclamou que antes do reconhecimento da paternidade, não há se falar em responsabilidade por abandono afetivo" (STJ, Agravo Regimental no AREsp n. 766.159/MS, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJE09/06/2016).
Em suma, parece que a doutrina contemporânea foi bem festiva em relação à admissão da reparação imaterial por abandono afetivo, em especial após o julgamento do REsp 1.159.242/SP, em 2012. Porém, no âmbito da jurisprudência, há certo ceticismo, com numerosos julgados que afastam a indenização. Muitos deles o fazem também com base na existência de prescrição da pretensão, tema a ser tratado no futuro, neste mesmo canal.
Flávio Tartuce é doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito. Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.
Fonte: http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI262537,61044-Da+indenizacao+por+abandono+afetivo+na+mais+recente+jurisprudencia