quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Pensão por morte no trânsito se transmite aos herdeiros do autor do acidente

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça garantiu ao marido e à filha de uma vítima fatal de acidente de trânsito ocorrido em 1997 a manutenção do pagamento de pensão pelos herdeiros do causador do acidente, que faleceu em março de 2009. Os ministros aplicaram o previsto no Código Civil de 1916, vigente à época.
O pagamento da pensão havia sido suspenso pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que considerou — com base no artigo 402 do Código Civil de 1916 — que a obrigação alimentar se extinguia com o óbito do devedor, respondendo os sucessores apenas pelos débitos até então vigentes.
Ao analisar recurso dos familiares da vítima, o ministro Marco Aurélio Bellizze afirmou que deve mesmo ser aplicado ao caso o Código Civil de 1916, que estava em vigor quando ocorreu o acidente. Contudo, o ministro apontou que não foi correto aplicar o artigo 402, pois esse dispositivo tratava da obrigação entre parentes de se ajudarem mutuamente com pensão alimentícia em caso de necessidade. O encargo é inerente ao direito de família e, por ser personalíssimo, efetivamente não se transmite aos herdeiros do devedor.
Relator do recurso, Bellizze explicou que, no caso analisado, deve ser aplicado o artigo 1.526, integrante do título VII, livro III, que tratava das obrigações por atos ilícitos. A obrigação em debate decorreu de ato ilícito praticado pelo autor da herança, o qual foi considerado culpado pelo acidente de trânsito que matou a vítima. Essa obrigação não se extingue com a morte do causador do dano, mas se transmite aos herdeiros até o limite da herança.
Seguindo o voto do relator, a turma deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença que determinou o prosseguimento da execução contra o espólio do responsável pelo acidente. Porém, com fundamento no Código Civil de 1916, e não no de 2002, que havia sido aplicado pelo juízo de primeiro grau.
No caso, foi reconhecida a culpa concorrente dos envolvidos. A vítima era transportada no para-lama de um trator que rebocava uma carreta, atingida pelo motorista que dirigia embriagado. Ela morreu aos 29 anos de idade, deixando marido e uma filha.
Considerando a culpa concorrente, a sentença fixou o dano moral em R$ 50 mil e estabeleceu pensão mensal no valor de 70% do salário mínimo, a ser paga ao marido até a data em que a vítima completaria 73 anos, expectativa de vida média da mulher gaúcha. São 44 anos de pensão. No caso da pensão à filha, foi fixado como termo final a data em que ela completasse 25 anos.Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 13 de maio de 2015, 12h30
http://www.conjur.com.br/2015-mai-13/pensao-morte-transmite-aos-herdeiros-autor-acidente

Legislação brasileira não se aplica à herança de imóvel do exterior

Legislação brasileira não se aplica à herança de imóvel fora do país. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou abertura de ação que pedia o pagamento do valor de uma propriedade, localizada na Alemanha, deixada em herança e entregue a apenas um familiar.
Durante a Segunda Guerra Mundial, um casal de alemães fez testamento deixando a propriedade para o cônjuge sobrevivente. Caso ambos morressem, o bem deveria ser dividido igualmente entre os dois filhos (um homem e uma mulher). E se um deles morresse, o patrimônio seria destinado integralmente para o filho vivo.
A família veio para o Brasil. O filho morreu em 1971, deixando esposa e dois filhos. No ano seguinte, morreu o pai e, em 1980, a mãe. Os bens adquiridos no Brasil foram regularmente partilhados. O imóvel na Alemanha não entrou na partilha porque o casal não era proprietário do bem na ocasião das mortes.
Com a queda do muro de Berlim em 1989, que unificou a Alemanha, os imóveis confiscados foram devolvidos aos antigos donos. Em viagem ao país europeu, um dos netos do casal descobriu que a tia, usando o testamento feito em 1943, obteve na Justiça alemã seu reconhecimento como única herdeira da propriedade, que foi vendida em 1993.
Os sobrinhos entraram com ação de sonegados no Brasil pedindo o pagamento do valor total recebido pelo imóvel, alegando má-fé da tia, pois eles a haviam questionado sobre o bem e, segundo o processo, ela teria dito que nada sabia a respeito.
Jurisdição
O pedido dos sobrinhos foi negado em primeira e segunda instâncias pela Justiça de São Paulo. Os julgadores entenderam que o caso estava fora da jurisdição brasileira.
No recurso ao STJ, os sobrinhos alegaram que o artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que “os bens móveis trazidos para o país serão regidos pela nossa legislação”. Para eles, o produto da venda da casa localizada na Alemanha, dinheiro que foi trazido ao Brasil, deveria ter sido dividido na proporção de 50% para a tia e 50% para eles.
O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou no processo que, em correspondência enviada a advogados na Alemanha, a tia deixou clara a intenção de preservar os interesses dos sobrinhos caso eles tivessem algum direito hereditário perante a legislação alemã. Contudo, o tribunal alemão reconheceu a tia como única herdeira, conforme expresso no testamento.
Regra do domicílio
Bellizze explicou que a discussão no caso era definir qual estatuto deveria ser aplicado à sucessão de bem situado no exterior: se a lei brasileira, que considera a lei do domicílio do morto, ou se a lei da Alemanha, onde está o imóvel e onde o testamento foi feito.
Para o relator, a prevalência da lei do domicílio do indivíduo para regular suas relações jurídicas pessoais não é absoluta. A conformação do direito internacional privado exige a ponderação de outros elementos de conectividade que deverão, a depender da situação, prevalecer sobre a lei de domicílio do falecido.
No caso, observou o ministro, não bastasse o imóvel, objeto da pretensão de sobrepartilha, encontrar-se situado na Alemanha, circunstância suficiente para tornar inócua a incidência da lei brasileira (a do domicílio da de cujus), a autora da herança, naquele país deixou testamento lícito, segundo a lei alemã regente à época de sua confecção, conforme decidido pelo órgão do Poder Judiciário alemão.
Lei do país do imóvel
Bellizze apontou que a própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) dispõe no seu artigo 8º, caput, que as relações concernentes aos bens imóveis devem ser reguladas pela lei do país em que se encontrem.
Já o artigo 89 do Código de Processo Civil é expresso ao reconhecer que a jurisdição brasileira, com exclusão de qualquer outra, deve conhecer e julgar as ações relativas aos imóveis situados no país, assim como proceder ao inventário e partilha de bens situados no Brasil, independentemente do domicílio ou da nacionalidade do autor da herança.
“A lei brasileira, de domicílio da autora da herança, não tem aplicação em relação à sucessão do bem situado na Alemanha antes de sua consecução, e, muito menos, depois que o imóvel passou a compor a esfera jurídica da única herdeira. Assim, a pretensão de posterior compensação revela-se de todo descabida, porquanto significaria, em última análise, a aplicação indevida e indireta da própria lei brasileira”, ponderou Bellizze.
A conclusão do relator para negar o recurso dos irmãos foi seguida pela Turma. Os ministros decidiram que a existência de imóvel situado na Alemanha, bem como a realização de testamento nesse país, são circunstâncias prevalentes para definir a norma do local onde o bem se encontra (lex rei sitae) como a regente da sucessão relativa a esse bem. Afasta-se, assim, a lei brasileira, de domicílio da autora da herança, e o herdeiro do imóvel será apenas quem a lei alemã disser que é. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1362400
Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2015, 19h19
http://www.conjur.com.br/2015-mai-14/lei-brasileira-nao-aplica-heranca-imovel-exterior

Guarda de filhos e alienação parental têm ocupado a cena no direito de família

Por Giselle Câmara Groeninga

O tema da Guarda Compartilhada, e a outra face da moeda — a alienação parental, têm ocupado a cena no direito de família. Além das famílias serem hoje plurais, tradicionais, mosaico, as formadas por casais de sexos diferentes ou iguais, e mesmo as pluriparentais, são aquelas famílias com filhos que exigem nossa reflexão.
E o intuito, aqui, é o de examinar mais o que está latente nos referidos institutos do que o manifesto na forma de leis.
A diversidade e a pluralidade dos modelos familiares,  traduzem valores e modos de relações entre gerações, e entre os sexos, e intrincadas questões e decisões se colocam ao Legislativo e ao Judiciário, atropelados pela velocidade das mudanças. São ameaçadas as convicções que escapam ao modelo idealizado, e mesmo aqueles conhecidos de família, e surgem, assim, angústias antes impensadas. 
E em tempos em que se questionam as formas de relação entre os adultos, e destes com os filhos, em tempos de distinção entre o casal conjugal e o casal parental, o norte mais importante a resgatar diz respeito ao cuidado com os filhos.
Nos litígios entre os pais os filhos são, muitas vezes, desconsiderados em suas necessidades, embora cada um dos pais invoque, com indiscutível boa-fé, mas num clima competitivo, saber melhor qual o Superior Interesse daqueles.
A questão de base, latente àquelas manifestas nas leis e nos litígios, reside, a meu ver, no modelo de família que se tem em mente e nas políticas e leis que a ele atendem. A família é anterior às codificações e à forma que a elas se queira imprimir. E ela resiste ao movimento inverso, resiste à apropriação de sua finalidade por instituições e ideologias que a queiram submeter; na verdade às instituições ela deve inspirar.
Cabe, assim, pensar qual o ideário de família que embasa as propostas relativas à convivência. Seria um modelo de relações paralelas entre pais e filhos, ou de relações complementares?
Em busca de novos horizontes, distantes daqueles moldados nos moldes conhecidos de família — vez que hoje são plurais —, é com a compreensão do que faz uma família, de quais as bases de sua constituição e, sobretudo, de qual sua finalidade, é que podemos tentar resgatar o norte da família no que diz respeito a filhos e pais.
Os tempos são de valorização da convivência com pai e mãe. E aqui a provocação reflexiva: não seria o modelo de guarda paralela, alternada, com privilégio da alternância física e temporal, uma ideologia que fere as bases da família?
Vejamos um panorama das características da família.
A família se constitui por interditos ou leis, que lhe são intrínsecos, anteriores às leis codificadas que a ela devem proteger. A diferença entre gerações, com a interdição do incesto, apesar de encontrar variações das proibições de cultura para cultura, é universal e condição de nossa humanidade, seja em que sociedade for. Interdição que marca a diferença entre o casal conjugal e o parental.
E, por seu turno, a parentalidade também é universal, embora se exerça de forma diversa, e que, também, vem se modificando no mundo ocidental.
Quanto à organização da família, essa decorre de nossa natureza ambivalente, amorosa e agressiva, e da natureza gregária e de dependência — em diversos graus —, que caracteriza o psiquismo humano. Somos seres por natureza vinculares, do que decorre a necessidade de regras que a regulem. Vínculos entre o casal, entre pais e filhos e entre os pais.
A família é uma estrutura que para abrigar nossa existência, em certa medida, nos protege de nós mesmos e nos ensina a transformar e sublimar o descontrole dos nossos impulsos, sexuais e agressivos, em fins que sejam socialmente aceitos. É o que a psicanálise identifica como a passagem da natureza para a civilização.
Quanto à finalidade da família, ela transcende a de perpetuação da espécie: é na perpetuação de nossa humanidade e os valores a ela intrínsecos que residem nossos mais elevados interesses. Em um misto de altruísmo e egoísmo, buscamos transcender nossa existência, e esse é o lugar de projeto que os filhos ocupam.
Quanto à lei essencial à constituição da família essa é a da diferença entre gerações, divisão que delimita a expressão da sexualidade e da agressividade. E, sobretudo, é essa lei que marca a diferença entre o casal conjugal e o parental.
E é o exercício das funções materna e paterna que caracteriza a diferença entre o casal conjugal e o casal parental, e entre os pais entres si, e que marca os necessários limites quanto às funções, conjugal e parental, e o exercício do cuidado e da proteção de que necessitam os filhos.
E hoje, mais do que nunca, e até mesmo transcendendo questões originárias dos tratos e “contratos” entre o casal que dá origem à família, tais como posse, propriedade e mesmo fidelidade, está o atendimento à finalidade da família quanto à criação dos filhos.
Analisada a paisagem, retomo a importância desse norte, o dos dos filhos, para pensarmos as famílias plurais e as questões da convivência entre pares não conviventes.
O modelo biológico, em que são necessários dois diferentes para formar um, é também o do nosso psiquismo que necessita de dois para construir os alicerces da personalidade. São necessários, de início, dois modelos de identificação aos quais se agregam outros modelos e relacionamentos a serem eleitos ao longo da vida. E, do ponto de vista que aqui enfatizo, não se cuidam de dois modelos dissociados, mas de um casal parental, em uma relação complementar
É certo que os modelos de casal, dito conjugal, e do casal parental são hoje plurais: isso graças à compreensão não só de que a identidade sexual transcende o sexo biológico.
E do lado do casal parental, a pluralidade dos novos modelos de relacionamento e convivência se justifica na medida em que verificamos que as funções paterna e materna, em certa medida, são exercidas pelo pai e/ou — não mais só um “ou” — pela mãe. Para tal pluralidade contribuem as novas formas de organização social, de divisão de trabalho, e de consciência quanto ao compartilhamento de responsabilidades parentais e, nos últimos tempos, há uma crescente consciência da importância do papel do pai.
O modelo de família tradicional e de relacionamento entre pais e filhos era também o utilizado como o dito “normal” para a formação psicológica dos filhos, com uma série de recomendações em como proceder e em como ser. Conceito de normalidade hoje questionável, e que deve, retomo, encontrar o norte na definição mesma de família — organização marcada pela diferença entre as gerações, pelo cuidado e proteção, e pela diferença quanto ao exercício das funções. Diferença que não mais se atém de forma unívoca ao sexo biológico e ao gênero.
E a grande questão está em como integrar as novas possibilidades e diversidades de relacionamentos com a responsabilidade que aos adultos cabe. Ou seja, a questão que se impõe é: qual a importância em preservar o modelo de casal parental que, de alguma forma, integra a natureza mesma de constituição das famílias?
No que toca ao relacionamento das famílias transformadas, e aquelas ditas mosaico, diversas modalidades de exercício do Poder Familiar quanto à convivência tem sido objeto de discussão.
Não podemos ignorar que as formas eleitas de relacionamento dos pais trarão diversas experiências emocionais aos filhos. Temos filhos que convivem com pais que convivem e com pais que não convivem; são diversas as experiências e emoções nos filhos que convivem com novos companheiros dos pais, ou as emoções nos filhos para com os pais que permanecem sem outros relacionamentos. E são diversas, ainda, para aqueles a quem se atribui mais de um pai ou mais de uma mãe, e para aqueles criados por pais e mães do mesmo sexo, e assim por diante. Filhos iguais em seus direitos mas diferentes quanto ao contexto.
Não cabe sermos indiferentes quanto às diferença, e por vezes dilemas, que se impõem com as variações nas formas de relações entre os adultos e, consequentemente, destes com os filhos. E aqui, todo cuidado é pouco para não imprimirmos juízos de valor e ideologias: são formas diversas, mas nem piores, nem melhores. Apenas outros modos  e, por vezes, mais trabalhosos.
Portanto, embora o casal conjugal e o parental não mais se sobreponham, não se pode negar as consequências das escolhas dos adultos que se farão sentir nos filhos. E este é o limite até onde, acredito, se pode ir nestas considerações, sem correr o risco de impor ideologias que transcendam a família: as escolhas dos adultos se farão sentir, não de modo negativo ou positivo, mas afetarão os filhos e a formação de suas personalidades. E disto devemos cuidar.
No contexto que toca em modificações quanto às formas de constituição do casal parental, não à toa que a questão da alienação parental tem ocupado a cena, insurgindo-se, em geral os pais, mas não só eles, contra a exclusão e mesmo à tentativa de substituição de um pelo outro, ou de dois por apenas um, num inegável movimento de busca  de inclusão e de resgate de funções.
Do meu ponto de vista, a reflexão se faz mais ampla do que a guerra entre os sexos e entre pais e mães, e da luta, legítima claro, de igualdade parental: o pleito latente é o da reconsideração da importância de cada um na família, em tempos de individualismo exacerbado e de diversas possibilidades de relacionamentos. Assim, os pleitos de alienação tocam aos pais e mães excluídos face a um novo modelo, a  pais desempoderados, mas sobrecarregados, num panorama econômico de crescente exigência de trabalho e de feminilização da pobreza.
Seja qual for o modelo de família, e dos tratos e distratos entre os adultos por ela responsáveis, seja a família composta do jeito que for, dentro da miríade de escolhas e de inclinações que se possa ter em relação à manifestação da sexualidade e à exclusividade dos relacionamentos entre adultos, ou sua multiplicidade ao longo da vida, uma escolha superior se impõe: a coerência em relação à finalidade da família.
Em outras palavras, cuida-se da consideração da parentalidade como indissolúvel, ou, por outro lado, de se considerar a paternidade e a maternidade como relações paralelas entre cada pai com os filhos. Note-se que, na primeira alternativa cabe o conceito de parentalidade, já na segunda não.
Queira-se, ou não, o casal parental existe biologicamente, mesmo que de forma artificial, e simbolicamente de forma real ou virtual. Dar-lhe a necessária materialidade por meio da convivência possível com os filhos e, também, enfatizar a importância do reconhecimento recíproco de sua importância, implica em coerência quanto ao que, até aqui, consideramos como essência do que constitui as famílias: o exercício das funções parentais.
Coerente ao modelo de casal parental, seja o relacionamento conflituoso ou não, e mesmo que sequer considerem ter relacionamento, fundamental se faz o reconhecimento por parte de cada um da importância do outro, mesmo que for da sua ausência; e fundamental se faz a consciência da impossibilidade de substituição de pai e de mãe. Mesmo no caso de multiparentalidade, a cada um deve ser dado o seu lugar.
A esta concepção de família atendem as novas abordagens dos conflitos familiares, a mediação interdisciplinar, as oficinas de pais e outros recursos de fortalecimento das relações continuadas, com uma compreensão da necessária complementaridade das relações, com o conceito de parentalidade, e de responsabilidade compartilhada quanto ao exercício das funções. 
Talvez, uma nova ideologia de paternidade e maternidade enquanto relações paralelas com os filhos, esteja animando as discussões em relação ao exercício do Poder Familiar e à ênfase nas questões materiais quanto ao tempo de convivência e os chamados alimentos.
E, face aos conflitos existentes entre os pais, o caminho parece ser, nesta esteira, o de elidi-los e mesmo negá-los, considerando as relações como paralelas. Do ponto de vista das relações complementares, que se conhece até aqui como modelo de família, alienar-se-ia o casal parental quase que num movimento pré-salomônico de resolver conflitos negando-os e às suas consequências.
O norte nos é dado não só pela compreensão do quê estrutura as famílias, de sua finalidade em tempos pós-modernos, mas pela escuta cotidiana de filhos sujeitos aos litígios entre os adultos por eles responsáveis. A escuta de crianças e adolescentes traduz seu superior interesse: a invariável realidade de que os vínculos são mais realistas e verdadeiros com os pais que delas cuidam e sua invariável necessidade e pleito — ao qual não podemos ensurdecer — de que seus pais, sobretudo, se entendam.
Giselle Câmara Groeninga é psicanalista, doutora em Direito Civil pela USP, diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família, professora da Escola Paulista de Direito.
Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2015, 8h16
http://www.conjur.com.br/2015-mai-24/processo-familiar-latente-discussoes-respeito-guarda-filhos-alienacao-parental

Heterônimos e pseudônimos problematizam direito ao próprio nome

Por 
No contexto privatístico dos direitos de personalidade o Código Civil tutela o pseudônimo, protegendo-o, quando adotado para atividades lícitas (artigo 19). Maria Helena Diniz retomou lição de Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes, estendendo esse abrigo para a heteronímia[1]. Lembrou ainda algum exemplo histórico, a exemplo de George Sand (Amandine Aurore Lucile Dudevant), Gabriela Mistral (Lucila Godoy Alcayla) e Di Cavalcanti (Emiliano de Albuquerque Melo)[2]. Pseudônimos e heterônimos são alargamentos da proteção ao nome, dilatam a potencialidade criativa, afrouxam restrições e liberalizam possibilidades de invenção.
Fernando Pessoa (1888-1935) foi escritor português que explorou até o limite essa técnica de identificação e dissimulação[3]. Esse disfarce se confunde com o fingimento (no sentido positivo e teatral do termo): “o poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”, passo emblemático, que encima a Autopsicografia desse cogente poeta de Portugal.
Sua vasta obra (cerca de 30 mil papeis, na expressão de Cavalcanti Filho)[4]acende quase uma centena de heterônimos. Destacam-se entre eles Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, com personalidades, origens, ambiências e experimentos imaginários distintos. Um deles é bucólico (Caeiro), outro é obcecado com o mundo greco-romano (Reis) e um deles é tiete do porvir: Álvaro de Campos é um futurista.
Há suspeitas de que alguns podem, de fato, ter vivido fora da prosa e dos poemas de Fernando Pessoa. Tiveram existência real; ou, pelo menos, há muita semelhança, real ou também fantasmagórica. Cavalcanti Filho teria encontrado um Antonio Joaquim Caieiro, farmacêutico, que teria atendido em Lisboa, por volta de 1922, na Avenida Almirante Reis-108-D. O intelectual pernambucano especialista em Fernando Pessoa (Cavalcanti Filho foi Ministro da Justiça e ocupou cadeira na Academia Pernambucana de Letras) constatou a existência dessa repetição de Alberto Caieiro em um farmacêutico da época, ainda que Antonio, e não Alberto[5].
A heteronímia distancia-se do mero pseudônimo, ainda que dele seja uma manifestação, na medida em que oportuniza a expansão da criação literária, em oposição ao mero pseudônimo, que camuflava a autoria, ainda que por todos conhecida. É o caso de Machado de Assis, que assinou crônicas como Dr. Semana, ou como Gil, contos e avulsos como Sileno, como Victor de Paula, críticas como Platão, crônicas em forma de poesia como Malvolio, entre tantos outros.
Pseudônimos eram muito usados em polêmicas intelectuais, comuns na segunda metade do século XIX[6], a exemplo das disputas em torno do livro sobre a Confederação dos Tamoios (José de Alencar contra Araújo Porto-Alegre e D. Pedro II), bem como questiúnculas entre o General Abreu Lima e o Cônego Pinto de Campos, Alencar e Joaquim Nabuco, Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco, Júlio Ribeiro e o Padre Sena Freitas, Sílvio Romero e Lafayette Rodrigues Pereira.
A matéria igualmente é recorrente na jurisprudência. O tema do ghost-writer, indiretamente, também é conexo com a questão do pseudônimo. É o que nos revela a discussão travada no Superior Tribunal de Justiça em torno do livro Doce Veneno do Escorpião, e sua relação com autobiografia de personagem conhecida como Bruna Surfistinha[7].
De igual modo, a altercação em torno do pseudônimo Tiririca, quando o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “o pseudônimo goza da proteção dispensada ao nome, mas, por não estar configurado como obra, inexistem direitos materiais e morais sobre ele”[8]. Um dos detentores do pseudônimo, Francisco Everardo Oliveira Silva, deputado federal por São Paulo, do Partido da República, travou intensa disputa com Ubyraja Vianna, que desde os cinco anos atuava em circos com o mesmo pseudônimo de Tiririca. A discussão é interessante, e merece ser conferida.
O direito ao próprio nome parece ser problematizado com pseudônimos e heterônimos, cuja titularidade pode ser dissolvida, diluída, multiplicada e disputada. Isto é, sua extensão a pseudônimos e heterônimos demanda o exame de situações fáticas, pendentes de prova e de juízos de valor.

[1] Diniz, Maria Helena, Código Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65.
[2] Diniz, Maria Helena, Código Civil Anotado, cit., loc. cit.
[3] Recomenda-se, nesse tema, Cavalcanti Filho, José Paulo, Fernando Pessoa- uma quase biografia, Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2011.
[4] Cavalcanti Filho, José Paulo, Fernando Pessoa- uma quase biografia, cit., p. 12.
[5] Cavalcanti Filho, José Paulo, Fernando Pessoa- uma quase biografia, cit., p. 13.
[6] Por todos, nesse delicioso assunto, Bueno, Alexei e Ermakoff, George, Duelos no Serpentário- uma antologia da polêmica intelectual no Brasil- 1850-1959, Rio de Janeiro: Ermakoff Casa Editora, 2005.
[7] Superior Tribunal de Justiça, Resp 1387242/SP, relatado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
[8] Superior Tribunal de Justiça, RESp 555483/SP, relatado pelo Ministro Antonio de Pádua Ribeiro. 

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP. Doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).
Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2015, 8h00
http://www.conjur.com.br/2015-mai-17/embargos-culturais-heteronimos-pseudonimos-problematizam-direito-proprio-nome

Mulher que perdeu visão ao ser agredida pelo marido receberá pensão alimentícia

Uma mulher alvejada por seu marido porque queria o divórcio conseguiu na Justiça o direito de receber pensão alimentícia provisória de um salário mínimo. O benefício será pago pelo agressor, que deverá manter distância mínima de 200 metros da vítima. A decisão, considerada excepcional pela própria corte, é do Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher da Comarca de Rio Verde (GO). Por causa da tentativa de homicídio, a mulher perdeu a visão do olho direito e parte dos movimentos do corpo por causa do disparo.
Segundo o juiz que analisou o caso, a Lei Maria da Penha autoriza a fixação de alimentos provisórios como medida emergencial e precária, pois não está submetida ao contraditório e à ampla defesa. A medida protetiva de urgência que proíbe a aproximação do agressor também alcança os familiares da vítima. O atirador também não pode frequentar a residência ou tentar qualquer tipo de contato. A medida, de acordo com o juiz, busca apenas atender as necessidades da vítima e de seus filhos.
“É de se observar que os elementos cognitivos carreados à presente representação não demonstram com exatidão a capacidade financeira do representado para o adimplemento da prestação alimentar, o que não o exime do cumprimento de tal obrigação, principalmente quando se leva em consideração que a necessidade em relação aos alimentos é presumida, sobretudo diante da patente incapacidade produtiva da ofendida, em razão das sequelas deixadas pela injusta agressão sofrida por ela, bem como dos filhos menores, que são dependentes de seus pais, inclusive financeiramente”, disse o juiz na decisão.
O caso
A vítima e o agressor mantiveram um relacionamento durante 16 anos anos e tiveram dois filhos. Após expulsá-la de casa e manter as crianças sob o seu poder, o marido afirmou que a mataria caso não voltasse com ele. Em 9 de novembro do ano passado, ele buscou a mulher para irem até um advogado e resolver a situação dos filhos do casal.
Depois de buscarem as crianças no colégio, eles foram à casa da família, mas somente os dois entraram na casa. Nesse momento, a vítima percebeu que o revólver do agressor estava sobre o sofá. 
Após xingar a mulher, o agressor apontou a arma em sua direção e disparou. O tiro passou do olho direito, com bala alojada na cabeça da mulher, que ficou hospitalizada por 50 dias, perdeu a visão do olho direito e anda em uma cadeira de rodas por ter perdido parte da mobilidade da perna e do braço esquerdo. Ela também tem dificuldade para falar. O agressor fugiu do local. Com informações da Assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Goiás.
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2016, 11h23
http://www.conjur.com.br/2016-mar-26/vitima-violencia-domestica-direito-pensao-alimenticia

Sobre o acordo entre mineradoras e governos no caso de Mariana (MG)

Por Onofre Alves Batista Júnior e Tarcísio Diniz Magalhães

Desde a veiculação de nossa coluna anterior, indicando a imperiosa necessidade de composição de uma solução global/holística para o desastre ambiental de Mariana (MG)[1], os governos da União e dos estados mineiro e capixaba, assessorados, respectivamente, pela AGU, pela AGE-MG e pela PGE-ES, têm atuado, com o maior afinco e dedicação, no bom propósito de garantir a integralidade da reparação dos danos causados pela Samarco (e suas corresponsáveis Vale e BHP Billiton), compreendido o desastre em sua dimensionalidade tanto socioambiental quanto socioeconômica.

Nesse meio tempo, a ação civil pública que havia sido proposta pelos três entes no Distrito Federal foi deslocada, por prevenção, da capital do país para o foro da capital de Minas Gerais. Recebida a ação em Belo Horizonte, houve imediato provimento liminar, com determinação à Samarco de: depósito inicial de R$ 2 bilhões e bloqueio dos bens de suas controladoras; elaboração de planos de ação e estudos técnicos; adoção de medidas; indisponibilização das licenças e concessões para exploração de lavras; suspensão da possibilidade de distribuição de dividendos, juros de capital próprio, bonificações de ações ou qualquer outra forma de remuneração dos sócios; tudo sob pena de multas diárias de R$ 150 mil ou, até mesmo, de R$ 1,5 milhão.

Paralelamente, as três empresas envolvidas na catástrofe já vinham se mostrando predispostas a manter um canal de diálogo aberto para tratativas junto ao poder público, na busca por um acordo amplo e eficaz para pôr fim aos litígios e amparar, o mais rápido possível, os vários atingidos. Nesse compasso, foram feitas, no decorrer dos últimos meses, inúmeras (e longas) reuniões e rodadas de debate, com a presença dos representantes das corporações, de políticos (Presidência da República, ministros, governadores de estado, prefeitos) e técnicos governamentais (Ibama, ANA, Ministério e secretarias de Estado do Meio Ambiente), de advogados públicos e membros do Ministério Público federal e estadual, bem como de integrantes da sociedade civil, incluindo, é claro, os diretamente afetados.

Desde o início, o objetivo foi buscar uma solução inovadora, que fugisse da vala comum, preservando empregos e priorizando as vítimas, sem redundar, como não raras vezes ocorre, em simples fracasso e maior sofrimento para a sociedade. Pois bem se sabe, pela experiência brasileira dos últimos anos, que os mecanismos tradicionais de bloqueio de recursos de empresas, criando-se uma montanha de dinheiro a ser administrada por agentes públicos, nunca funcionaram de verdade. O resultado sempre foi impunidade, desemprego, inação, enfim, ineficiência total, a deixar o povo sem qualquer amparo por longos períodos. Morosas batalhas judiciais são claramente ineficazes, tendendo a levar à produção de efeitos pífios e tardios (depois de décadas).

À guisa de ilustração, vale novamente recorrer à experiência norte-americana no tratamento do trágico incidente no Golfo do México, em que houve preocupação constante de se chegar a um Consent Decree entre os governos federal e dos estados do Alabama, Florida, Louisiana, Mississippi e Texas, e as rés BPXP e BP Entities, encerrando uma infinidade de ações propostas pelo poder público e por particulares. Depois de redigido o acordo, no valor histórico de US$ 20,8 bilhões, foi franqueada oportunidade de participação popular, para os fins de cumprir as exigências do Oil Pollution Act, de 1990 (33 U.S. Code Chapter 40), com abertura para comentários e sugestões às minutas dos planos arquitetados, pelo prazo de 60 dias (findo em 4 de dezembro do ano passado)[2].

Com o mesmo espírito, porém de forma ainda mais célere e transparente do que ocorrido nos Estados Unidos, os governos brasileiros redigiram, após consultas junto às comunidades e aos movimentos sociais[3], e contando com o indispensável apoio da força-tarefa mineira comandada pelo secretário Tadeu Leite, uma extensa minuta de Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, que está prestes a ser submetida à homologação judicial. O texto, que prevê diversos eixos temáticos, programas sociais no campo econômico e ambiental e medidas compensatórias, certificando-se de incluir a população nos processos decisórios, está pautado em normas-princípios e diretrizes que deverão nortear toda a execução programática, a qual é deixada a cargo de uma fundação privada, cujo patrimônio será formado por aportes financeiros das empresas responsabilizadas[4]. O programa de recuperação se faz acompanhar, ainda, de um arrojado sistema de governança, estrutura e gerenciamento, para melhor apropriação, pela população, dos objetivos ali alvitrados[5].

Recapitulando: quanto mais rápido a empresa voltar a produzir, mais fácil será obter os recursos necessários à recuperação integral; quebrada, restaria apenas uma imprestável massa falida. No mais, evitando-se que o dinheiro destinado aos atingidos transite por fundos ou cofres públicos, ficam por conta dos agentes privados, e não da coletividade, todos os gastos com a recuperação. Para além da ineficiência, responsabilizar o Estado ou deixar que agentes públicos se ocupem das complexas tarefas de recuperação social-econômica-ambiental (contratação de dragagem de rio, promoção do replantio, reconstrução de casas por meio de lentas licitações, e assim por diante) equivaleria a socializar parcela considerável dos custos desencadeados a partir do incidente, aliviando assim os encargos que deveriam recair exclusivamente sobre os verdadeiros responsáveis: as sociedades empresárias, que sempre lucraram com a exploração dos valiosos recursos minerais pertencentes ao povo.

Aliás, sobre o funding, é preciso esclarecer que o montante acordado para as indenizações e reparações não tem limite máximo, podendo ultrapassar a cifra dos R$ 26 bilhões. Não poderia ser mesmo diferente, já que a recuperação dos danos causados deve ser integral[6]. A minuta do termo contém cláusulas expressas (subseção I.5), com redação cristalina sobre a composição do patrimônio da fundação mediante aportes anuais a serem feitos pela empresa Samarco (ou, subsidiariamente, pela Vale e BHP), os quais variarão de acordo com as exigência dos projetos e medidas a serem executados. Dispõe o parágrafo 2º da cláusula 203 da minuta do acordo que “a revisão das medidas reparatórias não se submete a qualquer teto, as quais deverão ser estabelecidas no montante necessário à plena reparaçãodos impactos socioambientais e socioeconômicos descritos, conforme os PRINCÍPIOS e demais cláusulas deste Acordo”[7].

O que acontece, no entanto, é que algumas balizas foram pré-fixadas, mas única e exclusivamente para os primeiros exercícios e no que diz respeito à compensação, tendo em vista a impossibilidade prática de aporte e aplicação de volume maior de recursos[8]. É dizer: foram definidos limites apenas em relação ao fluxo de caixa e às medidas compensatórias, sem prejuízo da necessidade de reparação, em sua integralidade, dos danos causados, para os quais não há falar em qualquer limitação prévia[9].

Em síntese, é possível prever que o processo de restauração das regiões atingidas ocorrerá de forma muito mais rápida do que se fosse necessário esperar a prolação de sentenças, após longa instrução probatória. O plano global evita, por certo, o risco de decisões conflitantes e capazes de dispersar recursos, impondo prazos para constituição do fundo, início do funcionamento das operações, elaboração e execução dos programas, tudo sujeito à aplicação de elevadas multas.

Em que pesem todos os esforços encetados, com grandes avanços na modelagem de um acordo amplo e razoável, críticas recentes têm colocado em dúvida a possibilidade de se chegar, efetivamente, a uma resolução satisfatória, em tempo hábil e que atenda a todos. Entretanto, de pé no chão, a situação exige que se leve em conta a viabilidade financeira do fluxo de caixa das empresas e a urgência no atendimento à população afetada, sem que isso implique em concessões indevidas. Não custa lembrar que os valores previstos não se sujeitam a nenhum teto, no que tange às reparações e indenizações.

Certo é que nada do que se pensou será passível de concretização enquanto se insistir em questionamentos vagos e imprecisos. A viabilidade do intricado programa de monitoramento, estruturação de projetos e acompanhamento do plano de restauração ambiental do Rio Doce, que pretende garantir transparência na aplicação dos recursos, privilegiando a interlocução institucional e social com os entes e a população envolvida, depende, em última análise, de uma atuação colaborativa e coordenada entre os diversos atores estatais, de ambas as esferas estadual e federal (MP, advocacia pública, órgãos governamentais, prefeituras, sociedade civil organizada). Sem cooperação e um diálogo construtivo entre os poderes democráticos, o resultado seguramente será a prorrogação, por tempo indeterminado, da reparação dos danos, em prejuízo da população carente, que não pode esperar.

Ninguém suporta mais ter de aguardar por longos anos para ver algum resultado concreto, sobretudo quando há indivíduos em situações precárias. A proteção dada pelo acordo, que é ampla e sensata, merece ser abraçada o quanto antes, sob pena de nunca se tornar realidade.

[1] http://www.conjur.com.br/2015-dez-08/pulverizacao-acoes-samarco-requer-reuniao-juizo-unico.
[2] http://www.justice.gov/opa/pr/us-and-five-gulf-states-reach-historic-settlement-bp-resolve-civil-lawsuit-over-deepwater; http://www.justice.gov/enrd/deepwater-horizon.
[3] http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/comunidades-atingidas-pela-barragem-da-samarco-debatem-acordo-coletivo-com-uniao-e-estados.
[4] Como primeira ideia, foi considerada a possibilidade de se atribuir à Samarco a obrigação de colocar em prática os programas reparatórios. Ocorre que a empresa é especializada em mineração, não estando apta a fazer o árduo e específico trabalho de recuperação do meio ambiente e dos danos produzidos nas esferas social e econômica. Daí, surgiu a alternativa inovadora que veio a ser prestigiada no acordo: criar uma pessoa jurídica privada especializada, que seria financiada inteiramente pela Samarco, Vale e BHP (incluindo os custos administrativos), fiscalizada pelo Ministério Público e controlada por um Comitê Interfederativo (com representantes da União, dos dois estados e dos municípios), por um Conselho Consultivo (preenchido pelas vítimas, pela sociedade civil e por experts) e por uma auditoria externa independente. Partiu-se da premissa de que, muitas das vezes, o poder público se mostra muito bom no controle, mas ineficaz na execução de programas complexos. Assim, o intuito foi fazer uso dos eficientes mecanismos privados, sem necessidade de envolver licitações e procedimentos administrativos, funcionários estatais, dinheiro público, mas mantendo a completa transparência e a possibilidade de policiamento pela população, órgãos população, órgãos públicos e meios de comunicação.
[5] A participação de atores da sociedade civil é essencial à legitimação política das soluções aventadas. Não por outra razão, a inicial da ACP dispôs sobre o engajamento e a mobilização da população nas atividades do programa, com vistas a contribuir com o seu reposicionamento, diante da relação direta que mantêm com o meio ambiente e das interrelações sociais subjacentes (urbana, campo e estuário). Seguindo essa lógica democrática e participativa, o acordo só foi concluído depois que as vozes dos atingidos e demais interessados foram ouvidas. Mas a participação direta do povo não se encerrou por aí. Ao nível da estrutura de governança, tem-se que o Conselho de Administração não pode desacatar as opiniões do Conselho Consultivo, de composição popular. Qualquer discordância deverá ser fundamentada e, persistindo as dissidências, cabe ao Conselho Interfederativo (Estado) resolver o impasse. De qualquer forma, as decisões sempre poderão ser impugnadas judicialmente, já que a fase de execução judicial do acordo não será extinta, mantendo-se vivo o processo.[6] Para se ter uma ideia, apesar de a área danificada corresponder a 2.000 hectares, serão reparados, a título de compensação, 40.000 hectares de mata (ou seja, 38.000 a mais); serão, também, destinadas verbas (R$ 500 milhões) para o financiamento de obras de saneamento e tratamento de esgotos e a recuperação de 5.000 nascentes. Mas tais medidas, em particular, têm natureza compensatória, pretendendo aprimorar a qualidade da água do rio, para torná-la melhor do que antes do desastre. Não visam indenizar ou restaurar, mas compensar perdas irreparáveis e o tempo que o rio ficou sujo. Já os gastos com a recuperação integral não têm previsão máxima, podendo ser superiores aos valores previsto no acordo.
[7] Por sua vez, o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo prevê que “caso a FUNDAÇÃO, a AUDITORIA INDEPENDENTE ou o COMITÊ INTERFEDERATIVO, a qualquer tempo, verifiquem, com fundamentos em parâmetros técnicos, que os PROGRAMAS são insuficientes para reparar, mitigar ou compensar os impactos decorrentes do EVENTO, a FUNDAÇÃO deverá revisar e readequar os termos, metas e indicadores destes PROGRAMAS, bem como realocar recursos entre os PROGRAMAS, após aprovação pelo COMITÊ INTERFEDERATIVO”.
[8] Durante os anos de 2016-2018, foi determinado que seriam aportados R$ 2 bilhões, R$ 1,2 bilhão e mais R$ 1,2 bilhão. Já para os exercícios de 2019 a 2021, fixaram-se valores mínimo (R$ 800 milhões) e máximo (R$ 1,6 bilhão), entre os quais poderão variar os aportes anuais, a depender dos projetos. Em arremate, ficou acordado expressamente que, a partir de 2019, o valor seria em quantia suficiente e compatível com a execução dos planos (cláusula 231), havendo, ainda, disposição no sentido de que deverão ser depositados R$ 240 milhões ao ano, durante um período de 15 anos (cláusula 232), dentro dos respectivos orçamentos anuais, mais R4 500 milhões para coleta e tratamento de esgoto e destinação de resíduos sólidos (cláusula 169).
[9] Houve até mesmo a preocupação de segregar as despesas finalísticas da fundação das despesas de caráter administrativo, com aportes financeiros em separado, por parte das empresas responsáveis (cláusulas 238 a 240).

Onofre Alves Batista Júnior é advogado-geral de Minas Gerais, mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e doutor em Direito pela UFMG, pós-doutorado em Direito (Democracia e Direitos Humanos) pela Universidade de Coimbra e professor de Direito Público da Universidade Federal de Minas Gerais.

Tarcísio Diniz Magalhães é assistente do advogado-geral de Minas Gerais. Mestre em Direito e Justiça pela UFMG e doutorando em Direito e Justiça pela mesma universidade.

Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2016, 7h13

http://www.conjur.com.br/2016-mar-27/acordo-entre-mineradoras-governos-mariana

Berço da formação moral, família tem responsabilidade sobre a corrupção

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A família é base da sociedade e também matriz de todas as outras instituições. E em tempos em que a corrupção ocupa a cena, cabe pensar o caminho inverso: se na família estaria, em germe, o que se manifesta no meio social, político e econômico.
Corrupção: mau uso do poder, por autoridade, friso, para obter vantagens por interesses próprios, egoístas. Alguns meios de corrupção: autoritarismo, paternalismo, submissão, sedução, engano, chantagem, distorção e mentira. Perversão: mudança da finalidade original de uma função; um fenômeno não exclusivamente sexual, privado, mas público, social e político — um fenômeno estrutural.
De forma geral, o uso do poder e da autoridade podem reforçar, impedir, perverter o exercício das funções, seja na família, seja em outras instituições.
E é justamente na família que aprendemos que cada um tem um lugar, e exerce uma função a partir de seu estado (de filho, de pai, de mãe, e outros). É ela o berço das formas de exercício do poder, cabendo aos pais a autoridade.
É ela, também, o berço da formação ética e moral, dos direitos da personalidade, e de seu livre desenvolvimento.
Os direitos na família são complementares, e se atualizam nos vínculos afetivos. Direitos que estão em relação direta com os níveis de responsabilidade que cabe a cada um, conforme o grau de maturidade e consequente hierarquia.
A diferença entre os estados — pais, filhos, e outros — é característica essencial da família, e a divisão entre gerações é sua norma fundante. Lei conhecida, a partir da psicanálise e da sociologia, como o tabu do incesto. E este transcende, em muito, as manifestações da sexualidade explícita; demarca as diferenças quanto à maturidade psíquica, emocional, e quanto à maior vulnerabilidade dos filhos. Lei que delimita as diferenças quanto aos estados e exercício das funções e, portanto, da autoridade dos pais. É uma lei que marca a proibição da satisfação direta dos desejos, das vontades, o que cabe aos pais dar o exemplo e zelar.
Quando as diferenças entre as funções e gerações não são respeitadas a família torna-se disfuncional. E pode sê-lo de diversas formas.
Em caso mais extremo, que aqui nos interessa, ocorre a perversão da lei que marca não só a divisão das gerações (o referido tabu do incesto) mas a necessária submissão às leis que regem o relacionamento entre os indivíduos. A perversão implica em grave desconsideração das diferenças, e no uso mais do que indevido do poder de quem goza e detém a autoridade em zelar pela finalidade da família. Finalidade de cuidado e de proteção dos afetivamente mais vulneráveis e de ensinamento de formas socialmente aceitas de satisfação dos impulsos. Na perversão, tal finalidade é desviada para a satisfação direta dos desejos e vontades, sendo os filhos cooptados nesta direção.
Outras instituições têm suas finalidades específicas: educacionais, profissionais, governamentais etc. Mas, a despeito das diferenças, estas outras organizações guardam relação com a estrutura familiar, com os princípios que as constituem, com as formas de exercício de poder e de autoridade, e com os tipos de vínculos que pautam as relações.
Não podemos esquecer, e pelo contrário cabe aqui enfatizar, que os vínculos que formam as relações são, sobretudo, de natureza afetiva, do que decorre a grande vulnerabilidade aos tipos de liderança de quem exerce a autoridade e o poder. 
Podemos traçar um paralelo entre os tipos de vínculos que estabelecemos na família e aqueles que caracterizam a forma de exercício de poder pelas lideranças, alvo dos afetos, também em outras instituições: mais autoritário, mais democrático, perverso e corrupto.
O primeiro caso, de vínculo autoritário, representa uma forma mais antiga, patriarcal, de exercício do poder não equilibrado entre os pais, e destes com os filhos.
O segundo caso, de vínculos mais democráticos, representa uma forma mais contemporânea de exercício de poder e de autoridade, pautada pela igualdade entre os gêneros e a consciência da vulnerabilidade dos filhos e assim, de seu superior interesse.
Já a forma perversa implica na corrupção, por meio de técnicas de sedução, para o exercício do poder.
Nas primeiras formas, autoritária e democrática, o desejo, as vontades, se submetem às formas socialmente aceitas de expressão — seguem a lei. No último caso, o da perversão e da corrupção, busca-se a satisfação do desejo, das vontades, de forma direta, sem a intermediação da lei.
Certo é que o exercício da autoridade e seu questionamento faz parte do cotidiano das famílias. Em momentos de crise com os filhos, e de ameaça ao respeito e exercício das funções e ao poder familiar, pode-se lançar mão da justificativa: “é assim porque eu mando!”, “minha vontade é uma ordem!”. Ou ainda, a justificativa pode vir sob a forma: “porque sou seu pai”, “porque sou sua mãe”. E, finalmente, em outras, de forma manifesta ou velada: “se você me obedecer, se fizer o que eu quero, terá tal ou qual vantagem”, e, não raro, “se concordar comigo permito que participe de situações de prazer, próprias dos adultos e/ou proibidas”.
Nos dois primeiros casos, a alusão é à função, materna e paterna, cuja autoridade é legitimada pela própria lei de constituição (com letra minúscula) da família — a diferença entre gerações. O múnus que aos pais cabe transcende meras vontades e impulsos pessoais. Em outras palavras a vontade dos pais encarna, mas não é, a lei.
Na situação autoritária, o poder se baseia numa hierarquia marcada pela submissão, pelo medo e extremo respeito. Uma forma mais repressora e prevalente nos sistemas patriarcais e paternalistas.
No segundo caso, democrático, o poder se baseia não só na hierarquia mas também no respeito conquistado e no diálogo. Os membros da família têm voz, dentro de um espírito de proteção dos direitos da personalidade de todos, levando-se em conta as vulnerabilidades, diferenças de idade, de maturidade e de necessidades. A autoridade se legitima pelo exercício da função na equalização e ponderação dos direitos. Uma forma mais contemporânea de funcionamento das famílias, de igualdade entre os pais, e do superior interesse dos filhos. Uma família democrática. 
E, nos dois casos, mais autoritário e mais democrático, está presente, embora de forma diferente, a alteridade — o outro é considerado enquanto tal — e, assim, se mantém a finalidade da família e as diferenças que a constitui.
Mas, na situação perversa, a função ao invés de ser baseada no exercício de autoridade legítima — em benefício da instituição familiar —, não só se reveste de autoritarismo, muitas vezes travestido de paternalismo e democracia, mas perverte a lei. Esta é utilizada com fins egoístas e não em benefício de todos. Os pais acreditam ser a lei, e não seus representantes; lei ditada conforme seus desejos, e não se submetendo à lei propriamente dita — esta não tem valor em si mesma, mas pela finalidade com a qual se a utiliza. Perde-se a característica de alteridade, impera o egoísmo e a satisfação não mediada das vontades — a existência do outro só é reconhecida enquanto satisfaz a vontade de quem detém a autoridade.
Neste terceiro caso, em que a perversão da finalidade da família e a corrupção são mais explícitas, a autoridade se estabelece por meio do medo, submissão e sedução; a recompensa de quem se submete é existir para agradar à autoridade e com ela se identificar no usufruir aquilo que aos demais, na mesma condição, é proibido. Borra-se, em alguns aspectos, a diferença entre gerações que deveria ter como finalidade o cuidado e a proteção. Cria-se um conluio de satisfação entre a vontade de quem detém o poder e a daqueles que a ele se submetem. A corrupção é a perversão em funcionamento.
Em via de mão dupla, não podemos esquecer que na família não só se refletem os valores sociais, as leis das quais os pais devem ser porta-vozes, como grande é a influência daqueles que gozam de autoridade no meio social e público, e que exercem as funções relativas aos poderes constituídos. São figuras alvos de nossos afetos, de nossas emoções, de admiração e mesmo paixões, em um contexto mais autoritário, mais democrático e, ainda, mais corrupto e perverso. Contexto que pode ser referendado, ou não, por aqueles que são as figuras de referência por excelência — os pais. Estes detém um poder, uma autoridade, um múnus,uma responsabilidade na formação da personalidade que não podem, e não devem, obviamente, ser terceirizados. Famílias não infantilizadas constroem sólidas bases da sociedade. 
Giselle Câmara Groeninga é psicanalista, doutora em Direito Civil pela USP, diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família, professora da Escola Paulista de Direito.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2016, 8h00
http://www.conjur.com.br/2016-mar-27/processo-familiar-berco-formacao-familia-responsabilidade-corrupcao

Relação estável de homem com vítima de estupro reduz sua pena no TJ-RS

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A Justiça não deve aplicar sanção penal que possa vir a piorar ainda mais a relação entre acusado e réu que têm relação de convivência. Com este argumento, as desembargadoras integrantes da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reduziram a pena aplicada a um homem condenado por estuprar a própria mulher, com quem vive, em regime de união estável, há quase 30 anos.
Denunciado pelo  Ministério Público estadual como incurso às penas do artigo 213 do Código Penal (crime estupro), ele foi condenado, no primeiro grau, a nove anos e nove meses de prisão, em regime fechado. Agora, pelo voto médio do colegiado, ele cumprirá sua condenação com prestação de serviços comunitários, sem se afastar do lar.
Inicialmente, a relatora da Apelação-Crime, desembargadora Lizete Andreis Sebben, manteve os termos da sentença, por entender  que a vítima foi obrigada a manter relação sexual com o réu. ‘‘Como se sabe, tratando-se de crime sexual que, por sua própria natureza, é praticado fora das vistas de testemunhas, a palavra da vítima é de vital importância para a determinação da materialidade e da autoria do delito’’, justificou em seu voto.
A revisora do julgamento, desembargadora Cristina Pereira Gonzales,  pediu a absolvição, por ausência de provas de que o réu tenha praticado o crime. Ela concordou que este tipo de crime geralmente é cometido na clandestinidade e não deixa vestígios,  amparando sua comprovação na palavra da vítima. No entanto, ponderou que poderia haver algum tipo de prova somada ao relato. ‘‘Observo que além não ter se submetido a exame de corpo de delito para comprovar as agressões (puxões de cabelo, constrição de seus braços etc), a vítima tampouco se submeteu ao exame de conjunção carnal, de molde a comprovar a materialidade delitiva. Além disso, a narrativa da ofendida foi se alterando ao longo do tempo, pois em juízo não mais disse ter sido puxada pelos cabelos’’, escreveu no voto divergente.
A desembargadora Genacéia da Silva Alberto, presidente do colegiado, autora do voto-condutor do acórdão, disse que a relação matrimonial não dá ao marido o direito de exigir o cumprimento de dever conjugal de manutenção de relação sexual se a cônjuge assim não o quiser. Apesar de concordar com a condenação do réu, entendeu que os termos deveriam ser diferentes daqueles aplicados na sentença. Ela também levou em conta que o casal ainda vivem em união estável e cuida de uma neta menor de idade.
Assim, levando em conta o princípio da razoabilidade, a desembargadora aplicou a pena de tentativa de estupro, cominada em três anos, um mês e 15 dias de reclusão, a ser cumprida em regime aberto. ‘‘Também pela peculiaridade do caso em julgamento, entendo pedagógico ao réu, com base no art. 44 do Código Penal, substituir a pena restritiva de liberdade por prestação de serviço à comunidade, em local a ser designado pelo juízo pelo prazo da pena e dez dias multa, fixada a multa no mínimo legal, observada a situação econômica do réu’’, encerrou.  O acórdão foi lavrado na sessão de 27 de janeiro.

Clique aqui para ler o acórdão modificado.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2016, 13h40
http://www.conjur.com.br/2016-mar-27/relacao-estavel-homem-vitima-estupro-reduz-pena

Se companheiro está vivo, colaterais não podem questionar herança, define STJ

Por 

É que o regime de sucessão de cônjuges estabelece que os “colaterais” só têm direito a herança se não houver mais filhos, cônjuge ou ascendentes vivos. Como o Supremo decidiu em março deste ano que não pode haver diferença entre cônjuges e companheiros, irmãos e sobrinhos não têm legitimidade ativa para questionar os efeitos da partilha de bens se há companheiro vivo.
A decisão da 4ª Turma, que seguiu voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, foi a de confirmar sentença que não conheceu de pedido de anulação de adoção feito por irmão e sobrinho interessados em herança deixada pelo pai do adotado. Segundo eles, a criança, hoje maior de idade, foi adotada num momento em que o pai estava com “capacidade mental reduzida” por causa de um acidente de carro.
Ele estava em união estável quando morreu e a companheira hoje é viúva. Os autores, no entanto, com base no artigo 1.790 do Código Civil, alegavam estar em quarto lugar na linha de sucessão, não fosse o filho. Por isso pediam a anulação da adoção.
O artigo 1.790 é o que define a regra de distribuição da herança nos casos de união estável, declarado inconstitucional pelo Supremo em março. O dispositivo dizia que companheiros têm direito a um terço da herança nos casos de concorrer com parentes do autor.
Com a declaração de inconstitucionalidade desse trecho do Código Civil, passou a valer a regra do cônjuge: ele tem direito a metade da herança (a outra metade fica com os filhos. Se não houver filhos, ele divide com os ascendentes. Na ausência de filhos e pais, o cônjuge recebe tudo. Os “colaterais”, como é o caso de irmãos, sobrinhos e primos, só recebem se não houver nenhum dos demais parentes.
Portanto, concluiu Salomão, “a partir de agora, [o companheiro] concorrerá com os descendentes (inciso I), a depender do regime de bens adotado para união (comunhão universal, separação obrigatória e comunhão parcial); concorrerá com os ascendentes, independentemente do regime (inciso II); e na falta de descendentes e de ascendentes, receberá a herança sozinho, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos), antes com ele concorrentes”.

REsp 1.337.420 
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 22 de agosto de 2017, 20h54
http://www.conjur.com.br/2017-ago-22/companheiro-vivo-colaterais-nao-podem-questionar-heranca

Tenho direito à herança dos meus irmãos?

Publicado por Paulo Henrique Brunetti Cruz

Tenho direito à herança dos meus irmãos caso eles morram? Essa dúvida aflige muitos que viram seus irmãos partirem, sobretudo quando isso ocorreu prematuramente.

Os irmãos são sim herdeiros uns dos outros[1]. Porém, isso não se dá de forma absoluta[2], mas, ao contrário, de maneira bem restrita[3].

Na prática, a maioria das vezes em que vejo um irmão herdando do outro é porque o falecido teve uma morte ainda jovem, antes de ter constituído família própria.

Contudo, há também situações nas quais o irmão era divorciado e não tinha filhos (por opção ou impossibilidade biológica), e também casos em que tragédias aconteceram e dizimaram o irmão com toda a sua família de uma só vez[4].

Quando tenho direito à herança do meu irmão?

A lei[5] diz que os irmãos são chamados a herdarem somente na ausência de outras classes de herdeiros.

Para melhor elucidação, explico abaixo como se dá a ordem de herdeiros (ordem de vocação hereditária)[6]:
Descendentes, eventualmente em concorrência com o cônjuge[7] ou companheiro[8];
Ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro[9];
Cônjuge ou companheiro[10];
Colaterais (dentre os quais estão os irmãos).

Portanto, essas são as 4 classes de herdeiros existentes[11]. No entanto, não são chamadas à sucessão todas essas classes ao mesmo tempo.

A regra é que a próxima classe de herdeiros só será chamada à herança se faltar a classe anterior.

Explico: primeiro são chamados os descendentes[12]; se eles não existirem, chamam-se os ascendentes[13]; se também não houver, entra em cena o cônjuge[14] ou companheiro[15]; caso não tenha cônjuge, só então o irmão[16] receberá a herança[17].

A hipótese pode parecer remota, todavia, não é. Dois irmãos podem ter ficado órfãos com cerca de 30 anos de idade, e, depois de certo tempo, um deles vir a falecer sem ter deixado esposa, nem filhos, também não possuindo avós, nem bisavós, etc..

Nesse caso o irmão sobrevivente herdará o que foi deixado pelo irmão finado. Muito provavelmente ele acabará por receber a metade da herança dos pais que havia sido atribuída ao seu irmão.

Com efeito, quando eles ficaram órfãos, a herança de seus pais fora dividida em 50% para cada um. Tendo falecido agora um dos irmãos, o outro receberá todos os bens do que morreu, incluindo a antiga herança dos pais.

E se eu não quiser que meu irmão tenha direito à herança?


Para excluir por completo a hipótese de que um irmão venha a receber herança do outro, a solução é simples: deve ser feito um testamento.

Basta que o testamento contemple qualquer outra pessoa que não o irmão, e este automaticamente está excluído da herança[18].

Por fim, deixo claro que isso não se trata de deserdar o irmão. A deserdação é uma outra figura, a qual tratei noutro artigo (veja aqui), e exige que haja motivo para a exclusão do herdeiro, sendo ainda que este deve constar de um rol taxativo estabelecido pelo Código Civil.

Na exclusão de irmão (colateral) via testamento, não é preciso indicar qualquer motivação, e, justamente por isso, não se discute se a razão é ou não válida.

[1] É o que diz o art. 1.829, inc. IV, do Código Civil, ao listar a classe hereditária dos colaterais entre os chamados à vocação à herança. Os irmãos estão inseridos entre os denominados colaterais.
[2] Como acontece com os chamados herdeiros necessários (art. 1.845, CC).
[3] Tanto por ser a quarta classe da vocação hereditária, quanto por ser a única passível de exclusão da herança por simples disposição testamentária (não me refiro à deserdação, que é outro tipo de instituto jurígeno).
[4] O que acontece quase sempre nos acidentes automobilísticos, sobretudo naqueles em que o indivíduo está viajando com toda a família no mesmo veículo. Aplica-se, no mais das vezes, a regra da comoriência, na esteira do disposto no art. da Lei Federal nº. 10.406/2002.
[5] Código Civil.
[6] Secundum preleciona o art. 1.829 do CC.
[7] A depender do regime de bens. Não olvido de algumas orientações doutrinárias que emprestam ao cônjuge o direito de concorrência sucessória independentemente do regime de bens matrimonial. Além de não concordar com a corrente, a jurisprudência dominante não está nesse sentido, sobretudo a do Superior Tribunal de Justiça, que é quem tem a palavra final em se tratando de debate legislativo federal.
[8] Memoro que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a sucessão do companheiro que está capitulada no art. 1.790 do CodexSubstantivo Civil, devendo ser observadas as disposições do art. 1.829 do CC/02 (RE nº. 646.721 e RE nº. 878.694).
[9] Ver nota de rodapé anterior.
[10] Conforme já demonstrado na nota nº. 8.
[11] Vale frisar que quando o município recebe herança jacente, não a recebe como herdeiro, e sim por decisão judicial de declaração de vacância da herança. Portanto, o município não é herdeiro e não há que se falar numa quinta classe.
[12] Art. 1.833 do CC.
[13] Consoante art. 1.836 do Código Civil.
[14] Art. 1.838 c/c art. 1.830, ambos do CC/2002.
[15] Cf. nota de rodapé nº. 8.
[16] Ou outro parente colateral.
[17] Como se dessume da leitura do art. 1.839 do Código Civil.
[18] Tal se depreende do teor do art. 1.850 do CC. Calha salientar que o colateral não é herdeiro necessário (ver, a propósito, o art. 1.845 do Código Civil).

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