domingo, 10 de dezembro de 2017

STJ reconhece filiação socioafetiva e mantém adoção de neto por avós *

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que permitiu a adoção de neto por seus avós, reconhecendo a filiação socioafetiva entre ele e o casal. O colegiado concluiu que os avós sempre exerceram e ainda exercem a função de pais do menor, por sua vez concebido por uma mãe que também havia sido adotada pelo casal aos oito anos de idade.

“A adoção foi deferida com base na relação de filiação socioafetiva existente”, afirmou o relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, para quem não se trata de um caso de simples adoção de descendente por ascendentes – o que é proibido pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).

“O constrangimento a que o menor é submetido a cada situação em que precisa apresentar seus documentos é altíssimo, sobretudo se levarmos em conta que tal realidade não reflete a vivenciada no dia a dia por ele, filho que é de seus avós”, acrescentou o relator.

O casal adotou a mãe do menino quando ela tinha apenas oito anos e estava grávida, vítima de abuso sexual. Tanto a menina quanto seu bebê passaram a ser cuidados como filhos pelo casal, que mais tarde pediu a adoção formal também do menino.

Ordem familiar
O menino – hoje um adolescente de 16 anos – foi registrado apenas no nome da mãe e com informações desatualizadas, pois após o registro a genitora teve o próprio nome alterado sem que houvesse a retificação no documento.

A sentença deferiu o pedido de adoção. O Ministério Público de Santa Catarina apelou, sustentando que o menor já residia com sua mãe biológica e com os avós adotivos, razão pela qual a situação fática não seria alterada pela adoção. Alegou também que a adoção iria contrariar a ordem familiar, porque o menino passaria a ser filho de seus avós, e não mais neto.

O Tribunal de Justiça, entretanto, manteve a sentença, levando em conta as peculiaridades do caso e o princípio constitucional da dignidade humana, com vistas à satisfação do melhor interesse do menor.

Segundo o Tribunal, a mãe biológica concordou com a adoção no depoimento prestado em juízo. Além disso, o estudo social foi favorável à adoção ao reconhecer a existência de relação parental afetiva entre as partes.

Como irmãos
No STJ, o Ministério Público afirmou que a adoção somente pode ser deferida quando a criança ou o adolescente não mais tem condições de ser mantido na família natural (formada por pais e seus descendentes) ou na família extensa (que inclui parentes próximos). Sustentou ainda a impossibilidade jurídica da adoção pelos avós do filho da filha adotiva e defendeu a extinção do processo sem resolução de mérito. De acordo com o MP, a adoção de pessoas com vínculo de ascendência e descendência geraria confusão patrimonial e emocional, em prejuízo do menor.

Em seu voto, o ministro Moura Ribeiro concluiu que a decisão do Tribunal estadual deve ser mantida. Segundo ele, não é o caso de simplesmente aplicar o artigo 42 do ECA, que proíbe a adoção por ascendentes, uma vez que esse dispositivo se destina a situações diferentes daquela vivenciada pela família.

“Ainda que se fale em ascendentes e descendente, a realidade trazida é outra. Não foi o adotando tratado pelos requerentes como neto e, por isso mesmo, eles buscam a sua adoção, até porque não houve um dia sequer de relação filial entre a mãe biológica e o menor, que sempre se trataram como irmãos”, afirmou o relator.

Interesse do menor
Ao fazer uma retrospectiva sobre a história legal da adoção no Brasil, Moura Ribeiro disse que no Código Civil de 1916 a principal característica era a preocupação com os anseios dos adotantes, que, na maioria das vezes, queriam assegurar a continuidade de suas famílias quando não pudessem ter prole natural. Seguiram-se três leis sobre o tema (3.133/57, 4.655/65 e 6.697/79) antes da elaboração do ECA, que privilegia o interesse do menor.

Moura Ribeiro afirmou que é inadmissível que a autoridade judiciária se limite a invocar o princípio do superior interesse da criança para depois aplicar medida que não observe sua dignidade. “Frise-se mais uma vez: o caso é de filiação socioafetiva. Em verdade, em momento algum pôde essa mãe criança criar laços afetivos maternais com seu filho, porquanto nem sequer deixou de ser criança à época do parto. A proclamada confusão genealógica gritada pelo MP aqui não existe”, disse o ministro.

“Não se pode descuidar, no direito familiar, de que as estruturas familiares estão em mutação. E, para lidar com essas modificações, não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada caso. É preciso ter em mente que o estado deverá cada vez mais estar atento à dignidade da pessoa humana”, concluiu. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

(*) Com informações da Assessoria de Comunicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 09 de novembro de 2014.

http://fabricioadvocacia.blogspot.com.br/2014/11/stj-reconhece-filiacao-socioafetiva-e.html

Afeto e a relação avoenga: o regresso do parentesco parcial

01/06/2017 por José Fernando Simão

Há muito tempo, quase 10 anos, escrevi nessa Carta Forense uma coluna denominada “Novamente o Afeto”[1] cujo tema que narrava era um jantar familiar de comemoração de aniversário de minha tia socioafetiva. Transcrevo um pequeno trecho da coluna para os leitores:

“Durante o jantar meu tio me pergunta: ‘Zé Fernando, você quer ver uma foto de minha neta?’ Estranhei a pergunta e meu tio, sacou o celular e, todo orgulhoso, mostrou a foto da linda criança de 3 anos de idade, toda sorridente. Ele me dizia que a menina o chama de avô e ele a chama de neta (tractatus) e que todos sabem, na cidade o carinho especial que se criou entre os dois (fama). "Ela me cativou!", dizia meu tio todo feliz. Meus tios têm planos para o futuro da neta: abrir uma poupança para custear seus estudos! Hoje, dão presentes, ajudaram a mãe da criança a construir uma casa e assim por diante. Um de seus filhos me perguntou assustado se a menina teria, juridicamente, algum direito”.

Dessa conversa vieram algumas perguntas. Curiosamente, hoje[2], em sala de aula da Faculdade de Direito da USP, uma aluna me fez essa pergunta: é possível uma relação socioafetiva de 2º grau na linha reta, ou seja, entre avós e netos?

É verdade que nesses 10 anos que separam minhas duas reflexões sobre o AFETO como valor jurídico, muita coisa mudou. Em 2016, com a decisão da Repercussão Geral 622 o STF reconheceu ser possível a cumulação da paternidade biológica e a afetiva: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”

Assim cabe, agora, responder àquela pergunta não respondida em agosto de 2007: a neta socioafetiva tem direitos patrimoniais com relação aos avós? Contudo, antes dessa resposta temos uma outra pergunta que se faz necessária: Como pode haver uma relação avoenga se não uma relação paterno-filial?
No caso narrado, João e Maria tratavam a pequena Antonia como neta e essa assim se sentia. Contudo, entre os filhos de João e Maria não havia para com a pequena Antonia o menor sinal de afeto ou carinho. Simplesmente os filhos do casal ignoravam a menina e não tinham com ela qualquer relação afetiva. A pequena Antonia seria neta de João e de Maria mesmo sem que fosse filha de um de seus filhos?

A pergunta é difícil e incômoda, mas a resposta tem amparo no sistema jurídico: entre os avós e o neto haveria apenas parentesco parcial ou limitado, já que o vínculo não expandiu aos filhos do casal.

A noção de parentesco limitado sempre existiu no modelo de adoção simples que vigia no Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do ECA. Dispunha o art. 376 que: “Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, á cujo respeito se observará o disposto no art. 183, ns. III e V”

Assim, o adotado não era irmão dos filhos do adotante, nem neto dos pais do adotante. Havia parentesco parcial e limitado.

Entre o cônjuge do adotado e o adotante não havia parentesco por afinidade. Não havia a relação de sogro-sogra e genro e nora. Daí porque dispunha o Código Civil de 1916 que não poderiam se casar o adotado com quem foi cônjuge do adotante e o adotante com quem o foi do adotado. Curiosamente essa regra foi repetida no atual CC (art. 1521, III) apesar de atualmente, nas adoções ocorridas sob o sistema do ECA, o parentesco ser ilimitado.

Com as relações avoengas, o mesmo ocorrerá. João e Maria serão avós de Antonia e o parentesco não vai além da linha reta em segundo grau. Assim, Antonia não será irmã dos filhos de João e Maria e com eles não terá qualquer relação jurídica.

Desse parentesco parcial temos o seguinte:

a) estabelecido o vínculo limitado aplicam-se as regras alimentares entre avós e netos que passam a ser reciprocamente credores e devedores de acordo com o binômio possibilidade-necessidade, lembrando-se sempre que na classe dos ascendentes há uma ordem para se cobrar alimentos. Primeiro são chamados os de grau mais próximo e depois os de grau mais remoto.

b) Os avós socioafetivos não poderão adotar a neta, por expressa proibição do Eca (art. 42, par. 1º), mas estão habilitados a exercer sua tutela (art. 1731, I do CC) caso os pais percam o poder familiar ou venham a falecer.

c) Os avós socioafetivos podem ter a guarda da menor observado seu melhor interesse.

d) Surgem entre eles impedimentos matrimoniais para casamento (art. 1521, I do CC).

e) Há direitos sucessórios por sucessão l) Há direitos sucessórios por sucessão legítima. A única questão é que como descendentes de grau mais próximo excluem os de grau mais remoto, restaria saber se a neta socioafetiva herdaria por representação (como se por ficção seu pai fosse pré-morto) ou apenas herdaria por direito próprio em concorrendo com os demais netos apenas. A resposta mais adequada é que herdaria por representação, pois o espírito da lei é garantir a vontade presumida do morto. Nessa hipótese, por presunção de afeto, poder-se-ia concluir que os avós gostariam que a neta herdasse parte de seus bens.

E com relação aos filhos do casal com quem a neta sociafetiva não tem qualquer parentesco, os efeitos jurídicos são inexistentes. Não há parentesco algum, quer seja para fins de guarda ou tutela, quer seja para fins de sucessão legítima, quer seja para fins de impedimentos matrimoniais. São estranhos que tem parentes em comum.

Assim, 10 anos depois respondo aos leitores: há efeitos patrimoniais evidentes decorrentes do parentesco limitado que surge em uma relação avoenga socioafetiva.

[1] http://cartaforense.com.br/conteudo/colunas/novamente-o-afeto/837
[2] 29 de maio de 2017.

http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/afeto-e-a-relacao-avoenga-o-regresso-do-parentesco-parcial/17624

Valor pago a título de arras, mesmo superior a 50 por cento do negócio, pode ser retido

21/11/2017 por Assessoria de Comunicação - STJ

A quantia dada como garantia de negócio (sinal ou arras) pode ser retida integralmente em razão de inadimplência contratual, mesmo nos casos em que seja superior a 50% do valor total do contrato.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que permitiu a retenção de R$ 48 mil pagos como sinal na negociação de um imóvel que, na ocasião, seria comprado por R$ 90 mil.

A ministra relatora do recurso no STJ, Nancy Andrighi, destacou que o contrato de compra e venda foi rescindido devido a inadimplência dos compradores, motivo que respalda a decisão de reter integralmente o valor pago em arras, de acordo com as regras do Código Civil.

O recorrente buscou limitar o valor a ser retido, alegando que o valor superior a 50% do imóvel era exorbitante e seria fonte de enriquecimento sem causa do vendedor.

Nancy Andrighi lembrou que não houve, no caso, exercício do direito de arrependimento, mas inadimplência contratual, situação prevista na legislação e que justifica a retenção integral dos valores.

“Do regramento constante dos artigos 417 a 420 do Código Civil, verifica-se que a função indenizatória das arras se faz presente não apenas quando há o lícito arrependimento do negócio, mas principalmente quando ocorre a inexecução do contrato”, ressaltou a ministra.

Valores razoáveis

Nancy Andrighi afirmou ser possível a redução equitativa dos valores pagos em arras, já que é uma forma de restabelecer o equilíbrio contratual. Entretanto, no caso analisado, não há como limitar a retenção dos valores pagos, já que os vendedores sofreram embaraços com o descumprimento do contrato.

“Observa-se que a perda integral do valor do sinal pelos promitentes cessionários não se mostra desarrazoada, haja vista os prejuízos sofridos pelos promitentes cedentes, que foram privados da posse e usufruto do imóvel desde outubro de 2009, sem qualquer contrapartida”, afirmou a relatora.

Na hipótese de inadimplência, segundo a ministra, as arras funcionam como cláusula penal compensatória, indenizando a parte não culpada pela inexecução do contrato. Na visão dos ministros que compõem a Terceira Turma, não há exagero no valor retido, tendo em vista as particularidades do caso, como a necessidade de reintegração de posse decorrente da quebra de contrato, o que demonstra a indisponibilidade do bem por período significativo.

Leia o acórdão.

http://www.cartaforense.com.br/conteudo/noticias/valor-pago-a-titulo-de-arras-mesmo-superior-a-50-por-cento-do-negocio-pode-ser-retido/17976

Equilíbrio Contratual e Dever de Renegociar

05/12/2017 por Anderson Schreiber

Há quase dez anos publiquei nesta mesma Carta Forense um artigo sobre a revisão judicial dos contratos. Aquele texto tinha um caráter predominantemente informativo, mostrando algumas controvérsias suscitadas pela disciplina da revisão contratual trazida pelo Código Civil de 2002. Passada quase uma década, voltei ao tema na minha tese de titularidade, lançada ao público neste mês de dezembro sob o título Equilíbrio Contratual e Dever de Renegociar. No livro, revisito os fundamentos do direito contratual brasileiro, examinando em perspectiva crítica os chamados princípios contratuais. Analiso, em seguida, os pressupostos e as consequências do desequilíbrio contratual no direito brasileiro, em comparação com outros sistemas jurídicos, oferecendo algumas propostas interpretativas que acredito possam contribuir para uma aplicação mais efetiva dos institutos da lesão e do estado de perigo, bem como da resolução contratual e da revisão judicial do contrato por onerosidade excessiva superveniente. Proponho, por fim, o reconhecimento entre nós de um dever de renegociar contratos em desequilíbrio, nada mais aprovado em primeiro lugar, obtive o cargo de Professor Titular de Direito Civil da UERJ. Njetivos quem dirdelineando seus contornos e indicando as consequências da sua violação.

É uma tese ambiciosa, como toda tese de titularidade deve ser. Se alcancei, no todo ou em parte, meus objetivos não sou eu quem dirá, mas o leitor que me dê a honra da sua leitura. O que acho importante destacar neste espaço é a importância do equilíbrio contratual na reconstrução do direito dos contratos na ordem jurídica brasileira. Há, atualmente, enorme confusão em torno do equilíbrio contratual, que começa já pela sua nomenclatura. Alude-se, nesse sentido, a princípio do equilíbrio das prestações, princípio da equivalência material dos contratos, princípio do equilíbrio econômico do contrato, princípio do equilíbrio econômico-financeiro, princípio da igualdade material contratual, princípio da justiça contratual, entre outras designações. Todavia, a esse grande mosaico terminológico corresponde uma produção doutrinária e uma aplicação jurisprudencial absolutamente tímidas, quando se observa o tema sob a ótica de um autêntico princípio.

Com efeito, a menção dos tribunais a um princípio do equilíbrio contratual (ou nomes assemelhados) parece limitada a exercer uma função decorativa nos julgados, sendo empregada quase sempre para “introduzir” a aplicação dos institutos específicos da lesão, do estado de perigo e da resolução ou revisão por onerosidade excessiva, institutos que são expressamente disciplinados pelo Código Civil (arts. 156, 157, 317 e 478 a 480) e que, ainda que tragam não poucos desafios ao intérprete, dispensariam, a rigor, uma fundamentação principiológica no âmbito interno da própria codificação civil. Em uma pesquisa jurisprudencial ampla, não será possível encontrar em nossos tribunais uma decisão sequer em que o princípio do equilíbrio contratual tenha desempenhado alguma papel útil, que não aquele de simplesmente “confirmar” a aplicação de normas mais específicas já estabelecidas pelo legislador. Na doutrina, a situação é semelhante: com raras exceções, os autores festejam o princípio do equilíbrio contratual, mas passam, logo em seguida, a tratar do funcionamento dos institutos específicos (lesão, estado de perigo etc.). O princípio fica, então, “esquecido”, não se lhe atribuindo qualquer utilidade autônoma, como se servisse unicamente como uma espécie de apresentação de temas mais específicos, de aplicação pontual.

Tal cenário explica-se, em larga medida, pelo teor do Código Civil de 2002: ao contrário do que fez com a função social do contrato e com a boa-fé objetiva, noções enunciadas de modo aberto já na inauguração do capítulo dedicado aos contratos em geral (arts. 421 e 422), a codificação civil não aludiu nominalmente ao equilíbrio contratual, ao equilíbrio das prestações ou a qualquer outra expressão semelhante. Tal princípio tem origem na doutrina, ora por dedução dos princípios constitucionais, ora por indução das normas regulamentares (regras) constantes da legislação, em particular daquelas que tratam, na parte geral do Código Civil, da lesão e do estado de perigo (arts. 156 e 157), e daquelas que contemplam, no livro dedicado ao Direito das Obrigações, a resolução e a revisão contratual por onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 a 480).

Nesses seis dispositivos legais, o Código Civil brasileiro reprimiu, em alguma medida, o desequilíbrio exagerado do contrato, fornecendo bases normativas específicas para que a doutrina civilista identificasse uma orientação geral da codificação em prol de relações contratuais equilibradas ou, ao menos, não exageradamente desequilibradas. É nessa acepção que os autores brasileiros aludem normalmente a um “princípio” do equilíbrio contratual – não um princípio que o Código Civil de 2002 tenha estampado às claras, como fez com a função social do contrato e a boa-fé objetiva, mas sim um princípio “implícito” extraído do conjunto de dispositivos específicos que reprimem o desequilíbrio originário ou superveniente das prestações. Vê-se que, ao contrário do que ocorre com a boa-fé objetiva e a função social do contrato, o termo princípio é usualmente atribuído pela nossa doutrina ao equilíbrio contratual à moda dos tradicionais princípios gerais de direito, vistos como fonte de integração de lacunas, e não como diretriz autônoma a incidir mesmo na ausência de uma omissão normativa. Talvez por essa razão, o princípio do equilíbrio contratual acabe surgindo no âmbito civil de modo muito contido, sempre circunscrito aos estreitos limites dessas seis normas regulamentares.

Tal diferença de tratamento normativo entre os três novos princípios contratuais pode ser explicada por razões históricas e ideológicas: a boa-fé objetiva nasce, em certa medida, como uma “concessão” interna ao liberalismo jurídico e econômico, voltada à preservação substancial dos negócios no ambiente comercial; também a função social do contrato, embora destinada à concretização de interesses socialmente relevantes diversos dos interesses individuais dos contratantes, exprime, em sua roupagem jurídica contemporânea, uma espécie de “fórmula intermediária” – noutro contexto já criticada como fruto de “profunda hipocrisia”, como dizia Orlando Gomes – que legitima a liberdade de contratar por meio do reconhecimento de sua utilidade social (supraindividual). Por outro lado, um princípio do equilíbrio contratual, em “estado puro”, poderia ser visto como uma oposição mais frontal ao pensamento liberal, na medida em que não incidiria sobre os comportamentos adotados pelas partes no cumprimento do contrato, nem diria respeito a repercussões externas da avença, mas atuaria sobre o próprio objeto do contrato.

Uma efetiva concretização dos valores constitucionais no campo do Direito dos Contratos depende, contudo, dessa intervenção sobre o objeto contratual. O reconhecimento do equilíbrio contratual como princípio em sentido genuíno pode ser a mola propulsora de uma real transformação do nosso Direito dos Contratos, que não se limite a um papel puramente formal, mas que efetivamente contribua para o estabelecimento de relações contratuais equilibradas e para a preservação deste equilíbrio em todas as fases do itinerário contratual.

http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/equilibrio-contratual-e-dever-de-renegociar/18016

A (não) obrigatoriedade do regime de separação de bens para as pessoas maiores de 70 anos

(...)
3. EXPOSIÇÕES GERAIS À (NÃO)OBRIGATORIEDADE DO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS.

O interessado que deseja contrair matrimônio, tendo a capacidade plena a partir dos 18 anos ou a relativa entre 16 e 18 anos, onde a lei exige a autorização dos pais, descrita nos Artigos 3º e 4º do Código Civil, quando atingida a maior idade, terá ampla liberdade de escolha e poderá praticar todos os atos da vida civil, liberdade também de contrair matrimônio com quem desejar e escolher o regime de bens que melhor lhe atender.

O Código Civil, no Artigo 1.514, descreve o momento da realização do casamento quando o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados, já o Caput do Art. 1.639 do Código Civil relata que os nubentes, antes de celebrado o casamento, podem estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. No entanto, como prescreve o inciso II do artigo 1.641, tal liberdade cai por terra, pois se um deles estiver com 70 (setenta) anos completos, não terão a opção de escolha, pois será aplicado obrigatoriamente o regime da separação de bens no casamento da pessoa acima desta idade.

Uma vez que, ao atingir os 18 anos, a pessoa se torna plenamente capaz de reger todos os atos da vida civil, ganhando assim a capacidade plena, não pode uma pessoa com idade acima de 70 (setenta) anos ser considerada incapaz, uma vez que impõe uma limitação a liberdade e autonomia da vontade dos interessados de contraírem matrimônio e escolher com qual regime de bens desejam.

O Código Civil não menciona a cessação da capacidade civil em relação à idade, ressalvada as hipóteses do Artigo 3º e 4º do Código Civil que foram modificados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência através da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, passando o caput do Artigo 3º a estabelecer tão somente que “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”.

Assim sendo, a não liberdade dos interessados de escolher o regime de bens que lhe aprouver, limita sua vontade, criando uma incapacidade em relação à idade, retirando a opção de uma pessoa acima de 70 (setenta) anos de escolher o regime que lhe é mais favorável, liberdade esta que, até os 69 (sessenta e nove) anos, lhe era atribuída, colocando um tratamento diferenciado para pessoas acima desta faixa etária.

Diversos doutrinadores rebatem a imposição, julgando ser uma afronta a princípios constitucionais, sendo que, para Maria Berenice Dias[11] o Regime de Separação Obrigatória de Bens se “trata de mera tentativa de limitar o desejo dos nubentes mediante verdadeira ameaça. A forma encontrada pelo legislador para evidenciar sua insatisfação frente à teimosia de quem desobedece ao conselho legal e insiste em realizar o sonho de casar, é impor sanções patrimoniais”.

Alexandre de Moraes[12], trata da dignidade da pessoa humana como sendo um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que deve ser respeitado pelas demais pessoas, constituindo um mínimo que deve ser assegurado pelo estatuto jurídico:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Para Paulo Lôbo[13], a imposição reduz a autonomia da pessoa e restringe a liberdade:
[...]essa hipótese é atentatória do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, por reduzir sua autonomia como pessoa e constrangê-lo a tutela reducionista, além de estabelecer restrição à liberdade de contrair matrimônio, que a Constituição não faz. Consequentemente é inconstitucional esse ônus.

Na mesma linha de pensamento, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[14], um dos doutrinadores que defendem a revogabilidade do inciso que obriga o regime de separação de bens debate que [...] é uma absurdo caso de presunção absoluta de incapacidade decorrente da senilidade, afrontando os direitos e garantias fundamentais constitucionais, violando, ainda, a dignidade do titular e razoabilidade entre a finalidade almejada pela norma e os valores por ela comprometidos. Trata-se de uma indevida e injustificada interdição compulsória parcial, para fins nupcias.

Corroborando, ainda mais, com a ideia da não obrigatoriedade do regime de bens, o Enunciado 125 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal[15] traz a proposta de Revogação do Inciso II do Art. 1641 do Código Civil, com a Justificativa de que “A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectativa de vida com qualidade, que se tem alterado drasticamente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses”.

Como se pode notar, tanto a doutrina como a jurisprudência tem se manifestado sobre a não imposição do mencionado regime para estas pessoas, tendo em vista os avanços científicos em diversas áreas da saúde e da melhoria da qualidade de vida que aumentaram, consideravelmente, a expectativa de vida dos brasileiros, concluindo assim que uma parcela cada vez maior na nossa sociedade virá a sofrer tal intervenção.

A tendência atual aponta que a maioria das pessoas com 70 (setenta) anos desfrutam de uma vida plena nos aspectos social, físico, financeiro, profissional, afetivo e, inclusive, sexual. A suposta fragilidade, insegurança ou carência que fez com que o legislador civil interferisse de sobremaneira na liberdade de escolha destas pessoas não encontra mais suporte real nos dias atuais.

Contrariando essa ideia, atualmente se busca valorizar e proteger a plenitude de vida deste grupo, prova disso é a Lei 10.741/2013 que dispõe sobre o Estatuto do Idoso que trata sobre o “papel da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público de assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”[16].

A sociedade moderna mudou muito e em pouco tempo, em seus costumes, conceitos, visões, etc. O avanço tecnológico, o amplo acesso a informações e cultura, inclusão social, enfim, mudanças que de um certo modo exigem também, a evolução do Direito, para que essa ciência caminhe juntamente com a humanidade, sem correr o risco de se tornar normas e diretrizes defasadas.

O homem atualmente, atento aos progressos e evoluções, tem uma longevidade maior, se preocupa mais com a saúde mental e física, várias pessoas chegam nessa idade em plena atividade física e intelectual, assim como, em pleno exercício de suas faculdades civis. Ou seja, tudo colabora para uma longevidade maior, além dos constantes avanços tecnológicos, que permitem que uma pessoa de 70 anos ainda tenha uma boa qualidade de vida, contrastando com uma das razões em existir a proibição estampada no Inciso II do Artigo 1641, qual seja a do provável interesse meramente econômico em detrimento de atributos pessoais no matrimônio, entre ou com pessoas acima desta idade.

Ao determinar uma regra fixa, a lei impede a vontade da pessoa, mas não leva em consideração que há o desejo de estabelecer uma comunhão de vida permeada pelo carinho e ajuda mútua. Tal fator é inerente a qualquer ser humano, independentemente de sua idade.

(...)
5. A LIBERDADE, IGUALDADE E DIGNIDADE DO IDOSO COMO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Logo no início da Constituição Federal de 1988, em seu preâmbulo, formulado pelos legisladores constituintes originários, onde trata das justificativas, dos objetivos, dos valores e dos ideais da Constituição, se retira algumas normativas sobre liberdade e a igualdade que devem ser seguidos e tratados no decorrem de toda constituição.

A seguir, no Titulo I, que trata Dos Princípios Fundamentais, em seu Art. 1º, inciso III, traz como uns dos fundamentos a dignidade da pessoa humana. No Art. 3º, inciso IV, confirma que constituem objetos fundamentais da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

No Art. 5º, falando sobre os direitos e garantias fundamentais, o legislador asseverou que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

O artigo 230, caput, da Constituição Federal, é uma das mais claras e notórias expressões do princípio da dignidade humana, onde afirma que as pessoas idosas, também fazem jus a uma vida digna e devem, portanto, serem inclusas na sociedade, assegurando sua participação na comunidade e

Segundo Flávio Tartuce[20], há pelo menos cinco razões que ferem princípios constitucionais pela limitação imposta pelo Código Civil, conforme se verifica: A primeira Justificativa é que a norma discrimina o idoso, afrontando o artigo 5º da Constituição Federal. A segunda razão é que atenta contra a liberdade do indivíduo, fundada na sua dignidade humana (art. 1º, inc. III, da CF/88). A terceira é o desprezo ao afeto, fundado no princípio da solidariedade social e familiar (art. 3º, inc. I, da CF/88). A quarta justificativa é de que a norma protege excessivamente os herdeiros, sendo pertinente citar o dito popular que aduz: filho bom não precisa, filho ruim não merece. A quinta, e última, está relacionada à conclusão de que não se pode presumir a incapacidade de escolha de pessoa que tem mais do que essa idade.

Conforme demonstrado acima, a Constituição Federal traz princípios que devem ser seguidos e observados por todas as leis infraconstitucionais. As normas anteriores à constituição, se conflitarem com a mesma, não podem ser recepcionadas e as posteriores deveram, antes, ser avaliadas. Assim não pode uma norma, com resquícios de inconstitucionalidade, principalmente no tocante a princípios fundamentais, prevalecer frente a princípios expressos na Carta Maior, devendo ser rigorosamente observado pelos legisladores.

6. JURISPRUDÊNCIAS, PROJETOS DE LEI E AS POSSIBILIDADES DE REVOGAÇÃO DO INCISO II DO ART. 1.641 DO CÓDIGO CIVIL.

O inciso II do Art. 1.641 tem sido debatido pelo poder Judiciário, atestando que tal inciso “fere o direito fundamental do cônjuge de decidir quanto à sorte de seu patrimônio disponível”, o que se pode notar pelo Incidente de Inconstitucionalidade nº 2010107802/2010[21] do TJ de Sergipe que teve como Relator o Desembargador Osório de Araujo Ramos Filho, que declarou a inconstitucionalidade do dispositivo, com argumentação de que “o disposto no inciso II, do art. 1.641, do CC exprime exigência legal que irradia afronta à dignidade humana abarcando sem critérios válidos cidadãos plenamente capazes e com extrema carga de experiência de vida, igualando-os às pessoas sem capacidade civil”.

O regime de separação de bens imposto aos que atingirem os 70 (setenta) anos, se demonstra discriminatório, atestando a incapacidade, explicitamente, do idoso, limitando sua liberdade de escolha, violando o princípio da dignidade da pessoa humana.

Desta forma, em 2011, a 4ª Câmara do TJ de Santa Catarina no julgamento da Apelação Cível nº 575350[22], onde o Desembargador Relator Luiz Fernando Boller deu por provida a apelação, possibilitando a modificação do regime de bens obrigatório para o regime de comunhão universal de bens, explanando em seus argumentos que, tal imposição afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, que a idade de 60 (sessenta) - à época- não era sinônimo de incapacidade ou ausência de discernimento de praticar atos da vida civil.

Não é de se surpreender as decisões e posições tomadas por estes tribunais e de outros estados do Brasil, não restando dúvidas que a imposição ao regime de separação obrigatória de bens para aqueles que atingirem 70 (setenta) anos, implica em discriminá-los, colocando-os como incapazes, tirando a liberdade consagrada na Constituição Federal.

Visando à eliminação deste ato atentatório contra o idoso, no Congresso Nacional tramitam projetos de lei visando a revogação do Inciso II do Art. 1.641 do Código Civil.

O primeiro foi o Projeto de Lei nº 4945/2005[23], de autoria do Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia, apresentado em 23 de março de 2005, com a justificativa de que tal inciso “é atentatório à dignidade humana dos mais velhos, que ficam impedidos de livremente escolher o regime de bens, ao se casarem, como punição pela renovação do amor. Esse dispositivo é incompatível com os arts. 1º, III, e 5º, I, X e LIV da Constituição Federal”. O projeto foi arquivado em 22 de fevereiro de 2008.

O segundo foi o Projeto de Lei nº 209/2006[24], de autoria do Senador José Maranhão, apresentado em 06 de julho de 2006, com a justificativa de “supor, de modo apriorístico, que a pessoa, por ter atingido determinada idade - seja qual for - tem sua capacidade de raciocínio e de discernimento comprometida, implica incorrer em patente discriminação, bem assim em ofensa ao princípio da dignidade humana. E, para harmonizar a legislação infra-constitucional com os preceitos constitucionais, cremos inarredável a revogação do inciso II do art. 1.641”. O projeto foi arquivado em 23 de dezembro de 2010.

O terceiro foi Projeto de Lei nº. 2.285/2007[25], de autoria do Deputado Sérgio Barradas Carneiro, apresentado em 25 de outubro de 2007, conhecido como “Estatuto das Famílias”, que além o inciso em tela propõe a revogação de todo o livro de Direito de Família do Código Civil, que passará a ser tratado no “Estatuto das Famílias”. Atualmente o projeto de lei encontra-se apensado ao Projeto de Lei nº. 674/2007 bem como outros projetos que tratam sobre o assunto de Direito de Família.

O mais recente é Projeto de Lei nº 189/2015[26], de autoria do Deputado Federal Cleber Verde, apresentado em 04 de fevereiro de 2015, com a justificativa de que “Atribuir ao idoso condição de incapaz, impendido-o de estipular sobre o Regime de Bens que vigorará em seu casamento viola o princípio da isonomia, da liberdade e da autonomia privada. Discriminar as pessoas em razão da autonomia privada. Discriminar as pessoas em razão da idade ofende o princípio da igualdade. Deduzir que aqueles acima de sessenta anos não são mais alvo de amor verdadeiro atenta contra a dignidade da pessoa humana. A norma que padece de vicio material de constitucionalidade termina por violar o princípio da razoabilidade”, e na conclusão de seus argumentos firma o entendimento de que tal “dispositivo legal combatido deve ser revogado, de forma a apagar qualquer vestígio de discriminação, pois ao Direito cabe o papel de conceder a todos, de forma igualitária, as garantias legais previstas”. O projeto encontra-se atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania-CCJC.

Conforme se observa em todo o decorrer do presente trabalho, o poder Judiciário, Legislativo e doutrinadores, defendem a imediata revogação do Inciso II do Art. 1.641 do Código Civil, onde se obrigada aos maiores de 70 (setenta) anos o regime de separação de bens.

Assim, espera que o atual Projeto de Lei 189/2015, anteriormente mencionado, seja aprovado e encerre esta aberração jurídica do Código Civil, o que deveria ter ocorrido há muito tempo.

CONCLUSÃO

O regime de separação obrigatória de bens, que era previsto no Código Civil de 1916, tinha um cunho patrimonialista, e o mesmo entendimento foi trazido para o Código Civil de 2002, ainda que a Constituição tenha trazido entendimento de não recepção, uma vez que não se adequa à realidade atual, além das diversas modificações havidas no Direito de Família desde sua vigência.

Às pessoas maiores de 70 (setenta) anos, é imposto o regime de separação de bens, dando a ideia de que eles são menos capazes e podem ser iludidos por outras pessoas que só querem seu patrimônio, construído até aquele momento. A imposição do regime, na ideia dos legisladores, visa à proteção dos bens para os futuros herdeiros, o que não tem boa recepção, uma vez que não existe herança de pessoa viva, retirando destas pessoas a liberdade de fazer o que aprouver com seus bens.

A imposição do regime de bens para essas pessoas afronta diretamente princípios expressos na Constituição, tais como o da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade. Desrespeitando normas que protegem o idoso, vedando todas as formas de discriminação, considerando uma pessoa de 70 (setenta) anos de idade impossibilitada, incapaz de fazer escolhas para sua vida, desconsiderando que, na atualidade, estas pessoas estão a pleno vapor, cada vez mais ativas, e os avanços científicos trazem uma maior expectativa de vida para toda a população.

Dessa forma, pode-se observar que o inciso II do art. 1.641 do Código Civil está eivado de vícios de inconstitucionalidade, não refletindo a atual realidade e as ideias elencadas no Direito de Família. Necessário haver a erradicação de tal inciso do ordenamento jurídico brasileiro, proporcionando o reconhecimento da capacidade e plena liberdade de escolha para este grupo de pessoas que, até o momento, encontram-se desamparadas juridicamente.
(...)
Leandro Alves. A (não) obrigatoriedade do regime de separação de bens para as pessoas maiores de 70 anos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5273, 8 dez. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/59291>. Acesso em: 9 dez. 2017.