sábado, 17 de fevereiro de 2018

Como vender um imóvel quando um dos coproprietários não quer a venda?

Publicado por Custódio & Goes Advogados

Quando um imóvel possui mais de um proprietário nós temos o chamado condomínio de proprietários, que não se confunde com o condomínio edílico, onde o primeiro se refere à copropriedade de um único bem imóvel e o outro está relacionado à propriedade de unidades privativas, conhecido por condomínio de apartamentos, vertical ou horizontal, sobre as dependências de uso comum de edificação.

No chamado condomínio de proprietários a sua formação pode ocorrer de diferentes formas: herança, compra conjunta, aquisição parcial de um imóvel, término de casamento e união estável, entre outras.

Neste tipo de condomínio todos os proprietários precisam estar de acordo com a administração do bem, isto é, se irão alugá-lo, manter desocupado, vender, reformar, doar etc.

Muitos imóveis objetos de condomínio são considerados indivisíveis, ou seja, não são passíveis de desmembramento, pois o bem não está inserido nos parâmetros de divisão determinados pela Prefeitura Municipal de situação do imóvel. Lembrando que cada Prefeitura tem a liberdade de determinar quais são as regras e limitações impostas à possibilidade de desmembramento de um determinado bem.

Para se conservar o condomínio sobre um bem imóvel indivisível, é indispensável que se verifique uma relação harmoniosa entre os coproprietários, a fim de que as responsabilidades e frutos provenientes do bem sejam suportados e partilhados de forma equilibrada.

Todavia, o que fazer quando a harmonia se torna um fator inexistente, tornando a venda do imóvel medida de máxima urgência? Simples, basta que as partes de comum acordo vendam o bem, porém, e se houver discordância quanto a venda, o que fazer?

A lei é clara ao determinar que é direito fundamental do condômino à extinção do condomínio a qualquer tempo, ou seja, é possível exigir a divisão da coisa comum no momento em que o interesse surgir, visto que se trata de direito fundamental inerente à propriedade.

O direito de promover a ação de divisão pode ser exercido por qualquer um dos condôminos, fato que obriga os demais a partilharem o imóvel, visto que a indivisão deve ser temporária e não uma situação permanente, que impossibilita à coadministração e o exercício dos direitos atinentes à propriedade.

Neste viés ensina Orlando Gomes, ao conceituar a indivisão como “um estado inorgânico, uma situação excepcional, que não deve durar, porque se contrapõe, econômica e socialmente, a forma normal do domínio” (Direitos reais. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 502).

Assim, quando a coisa for indivisível será vendida e o valor proveniente da venda repartido entre os donos na medida do quinhão de cada um, inclusive no que tange as despesas provenientes da divisão.

Ainda, podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior do que cinco anos, suscetível de prorrogação, o mesmo prazo se aplica ao doador ou testador, sendo possível requerer ao juiz a determinação da divisão antes de findar o prazo quando da existência de razões graves.

No mais, as previsões contidas nos textos legais que tratam do tema não se subordinam a necessidade de concordância dos demais condôminos, uma vez que se trata de um direito protestativo, restando aos outros, apenas, a possibilidade de se submeterem às consequências da declaração de vontade do requerente.

A parte interessada na dissolução do condomínio deve ofertar o seu quinhão primeiramente aos demais coproprietários, uma vez que os mesmos possuem direito de preferência na compra, conforme determina o artigo 504 do Código Civil.

Assim, não pode um condômino vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser. Caso exista interesse, o condômino, a quem o imóvel não foi ofertado, poderá, depositando o preço do bem, haver para si a parte vendida a estranhos, desde que respeite o prazo de cento e oitenta dias, a contar da venda, sob pena de perder o direito a pretensão. Ainda, o coproprietário que possuir o maior número de benfeitorias no imóvel e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior, terá preferência em relação a todos os interessados no bem, inclusive aos outros condôminos.

Quando os proprietários do bem não possuem mais os mesmos interesses com relação ao imóvel, inexistindo acordo entre as partes, no que tange a venda, deve o bem ser alienado em leilão, nos parâmetros constantes nos artigos 725 e 730 do Código de Processo Civil.

Portanto, “nos casos expressos em lei, não havendo acordo entre os interessados sobre o modo como se deve realizar a alienação do bem, o juiz, de ofício ou a requerimento dos interessados ou do depositário, mandará aliená-lo em leilão, [...]”.

Referido entendimento é pacífico nos tribunais nacionais, ao garantir ao condômino interessado a possibilidade de extinção do condomínio de bem imóvel indivisível, com sua posterior alienação em hasta pública.

Além disso, quando um dos coproprietários permaneceu explorando o bem unilateralmente, é cabível indenização por lucros cessantes, na forma de pagamento de aluguéis pela fruição singular do imóvel de propriedade comum.

Portanto, presentes os pressupostos de extinção do condomínio, quais sejam: a) indivisibilidade do imóvel; b) existência de vontade de extinção do condomínio; c) ausência de interesse de compra da cota-parte do proprietário descontente; é que se torna cabível a propositura da Ação de Extinção de Condomínio cumulada com Alienação de Bem Imóvel em Hasta Pública, meio esse que possibilita a venda forçada de imóveis indivisíveis.
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• Lana Alberta da Silva Custódio, advogada e sócia do Custódio e Goes Advogados

https://custodiogoes.jusbrasil.com.br/artigos/545799896/como-vender-um-imovel-quando-um-dos-coproprietarios-nao-quer-a-venda?utm_campaign=newsletter-daily_20180217_6701&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Principais dúvidas para autorização de menores em viagens ao exterior

Publicado por Lorena Lucena Tôrres

Como prometido no artigo anterior – https://lucenatorres.jusbrasil.com.br/artigos/544987136/viagem-internacional-de-menores – seguem as principais dúvidas enfrentadas pelos responsáveis em casos em que o menor viaja desacompanhado.

Menor desacompanhado: dúvidas mais comuns

1. O meu filho vai fazer 18 anos poucos dias depois do embarque, preciso da autorização?

Sim, você precisa! Haja vista que a autorização só será dispensada caso o passageiro já tenha 18 anos no dia do embarque.

2. O reconhecimento da firma tem que ser por autenticidade ou por semelhança?

Tanto faz, pois desde a Resolução do CNJ nº 131/2011, basta que a firma seja reconhecida em cartório.

3. O pai/mãe faleceu, como devo fazer?

Se um dos pais faleceu e a criança está viajando com o outro, será necessário apresentar a certidão de óbito original no momento do embarque.

Caso a criança esteja viajando desacompanhada, então precisará apresentar a certidão de óbito acompanhada da autorização de viagem assinada pelo responsável vivo.

4. Um dos pais já está no exterior, como faço para viajar com meu filho?

Nesta hipótese, a mãe/pai que já se encontra no exterior deverá preencher a autorização de viagem em 02 (duas) vias e assiná-la na presença de uma autoridade consular brasileira, que também assinará o documento. Depois disso, basta enviar o documento original para o Brasil.

5. Posso preencher a autorização no computador, ou tenho que fazer isso manualmente?

Tanto faz, o importante é que todas as informações necessárias estejam legíveis.

6. Se o atendente da Cia. Aérea liberar o check-in com a apresentação de uma autorização SEM firma reconhecida, então quer dizer que deu tudo certo?

Não, haja vista que o check-in é apenas uma etapa. O importante é a análise que será realizada pelo agente da Polícia Federal, já dentro do terminal.

E, nesse caso, ele somente permitirá a viagem caso esteja tudo em sintonia com a legislação, ou seja, autorização em 2 vias corretamente preenchidas e com firma reconhecida, além da cópia da identidade do passageiro menor de idade.

7. Esqueci de reconhecer a firma na autorização e não terei tempo de fazer isso antes da viagem, como faço?

Infelizmente, neste caso o melhor é remarcar a viagem. Já que no aeroporto, nem a Polícia Federal, nem mesmo o Juizado da Infância e Juventude podem autorizar o embarque, sendo indispensável a autorização com firma reconhecida.

8. Se a mãe/pai que não irá viajar estiver presente no aeroporto, é possível autorizar a viagem?

Mesmo que a mãe/pai que não irá viajar vá ao aeroporto, o embarque só é permitido com o documento de autorização impresso, preenchido e com firma reconhecida.

9. Se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a possibilidade da justiça expedir um alvará com autorização de viagem, porque o Juizado do aeroporto não faz isso?

Porque para a obtenção do alvará é necessário dar início a um processo judicial, com obediência dos prazos legais, o que pode exigir vários dias, ou até meses, até que o documento finalmente esteja liberado.

Espero que tenham gostado das dicas!
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Divórcio em outro país

Publicado por Minuto em Família

Os motivos podem ser vários. Uma nova oportunidade de trabalho. A busca de melhor qualidade de vida. Ou simplesmente uma paixão que ultrapassou as fronteiras do Brasil.

Cada vez mais, é comum vermos pessoas constituindo famílias em outros países, pouco importando a nacionalidade do casal.

Sabemos, contudo, que o amor nem sempre é eterno. E quando o relacionamento acaba em outro país e o casal se vê obrigado a se divorciar pelas leis daquele Estado? O que fazer para que o divórcio realizado naquele país também tenha efeitos no Brasil?

Em regra, toda Sentença Estrangeira deve ser homologada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) para ter efeito no Brasil. Isto porque, antes de produzir efeitos no Brasil, o Tribunal verifica alguns requisitos de compatibilidade desta decisão¹.

Essa mesma regra vale para a sentença de divórcio proferida no exterior. Ou seja, antes de produzir efeitos no Brasil, ela deve ser homologada pelo STJ, a fim de verificar sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro.

Mas o novo código de processo civil brasileiro elencou uma exceção que pode facilitar a vida de muita gente. Quando o divórcio feito no exterior for amigável (consensual) e não tratar sobre guarda de filhos, alimentos ou partilha de bens, a sentença pode ser averbada diretamente no cartório competente. Esta situação é chamada de divórcio consensual simples ou puro.

Neste caso, não é preciso passar pelo processo de homologação no STJ, podendo ser averbada em cartório. Para tanto os requisitos são similares, mas a tramitação em cartório é bem mais rápida que a regra de homologação pelo STJ, o que pode poupar tempo e dor de cabeça aos interessados.

AVERBAÇÃO DIRETA

Vamos explicar agora como é feita a averbação direta da sentença de divórcio consensual simples que dispensa homologação do STJ, que passou a valer desde 16 de março de 2016, com a entrada em vigor do novo código de processo civil.

A averbação da sentença estrangeira de divórcio pode ser feita direta em cartório, mas antes disso, a sentença do divórcio realizado no exterior e a respectiva certidão de trânsito em julgado precisam ser levadas ao consulado brasileiro daquele país para se obter a chancela (uma verificação da autenticidade do documento estrangeiro, a exemplo de como é feito nos cartórios brasileiros), salvo convenção entre países que dispensam essa burocracia².

Após esta autenticação, a documentação que não estiver em língua portuguesa³ deve ser passar por tradução juramentada antes de ser levada ao Cartório brasileiro.

Já com a tradução da sentença, da certidão de trânsito e a chancela consular, deve-se requerer ao cartório competente a averbação da sentença, assim tendo efeito o divórcio no Brasil.

Abaixo lista dos documentos necessários à averbação direta:
Cópia integral da sentença estrangeira de divórcio, autenticada por autoridade consular brasileira;
Tradução juramentada;
Comprovação do trânsito em julgado, ou seja, que não é passível de recurso.

Como visto, o procedimento é bem simplificado, mas atentar que é somente quando tratar de divórcio simples, ou seja, que não trate sobre guarda de filhos, partilha de bens e nem alimentos.

Uma consulta com um advogado especialista em direito internacional privado pode ser fundamental para traçar uma estratégia eficiente, evitando que as dores do fim de um relacionamento não sejam ainda maiores do que naturalmente são.

Fellype Ribeiro
Advogado com atuação em Direito Internacional.
Paulo Francisco Veil
Advogado e pesquisador em Direito das Família e Sucessões
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¹ Como, por exemplo, se ela foi proferida por autoridade competente daquele país; se o que foi determinado na sentença atende aos preceitos brasileiros da soberania nacional, da ordem pública e dos bons costumes; e se foi devidamente transitada em julgado, ou seja, se não cabe mais recurso.

² Veja, por exemplo, a lista de países signatários da convenção de apostilamento de Haia, que dispensa a referida chancela consular: https://www.hcch.net/en/instruments/conventions/status-table/?cid=41

³ Ver caso de documentos redigidos em língua portuguesa de outros países, como Portugal: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83335-documentos-redigidos-em-lingua-portuguesa-dispensam-traduca...

https://minutoemfamilia.jusbrasil.com.br/artigos/545261006/divorcio-em-outro-pais?utm_campaign=newsletter-daily_20180216_6695&utm_medium=email&utm_source=newsletter

A história de Nagibão e o art. 1.790 do Código Civil

Artigo do Mestre Zeno Veloso, Doutor Honoris Causa pela Universidade da Amazônia. Professor da UNAMA e da UFPA. Tabelião e Diretor Nacional do IBDFAM.

Publicado por Flávio Tartuce

Desde que foi aprovado o Código Civil, em 2002 – e o mesmo ainda estava na vacatio legis ­-, em artigos, palestras, pareceres, livros, manifestações orais e escritas, combati o art. 1.790 do aludido Código, que regulava a sucessão entre companheiros, e surgiu estranho, equivocado, desde o local em que foi inserido. Mostrei que o dispositivo era retrógrado, discriminador, reacionário, passadista, “dando um pulo para trás”, voltava a um tempo já ultrapassado em que imperavam a hipocrisia e a intolerância. Garanti que se tratava de uma norma que violava princípios fundamentais da Carta de 1988, apresentando-se perdidamente inconstitucional. Mas, apesar dos males indescritíveis que essa lei causava no meio social, das angústias e injustiças que proporcionou, continuava vigorando, e os anos se sucedendo...

Fiz uma verdadeira pregação contra o art. 1.790, em muitas cidades, em todas as capitais – exceto Rio Branco, no glorioso Acre, onde nunca estive. E por toda parte, ao lado dos argumentos de ordem técnica, de índole civil e constitucional, contava a história de Nagibão e de sua fiel companheira de muitos anos, a doce Terezinha, que ele havia conhecido e começado a amar na simpática cidade de Manacapuru, no Amazonas. Sem exagero, para combater o terrível art. 1.790 do Código Civil, provando que era insensato, desarrazoado, desproporcional, injustíssimo, devo ter falado da vida e da morte de Nagibão umas cem vezes, de Norte a Sul do País, “do Monte Caburaí (RR), ao Arroio Chuí (RS)”. Quem sabe – e pela última vez -, atendendo a muitos pedidos, e pelo site de nosso IBDFAM, vou dizer como tudo aconteceu. A história é verídica, com alguma coisa inventada, pois “quem conta um conto aumenta um ponto”. Aproveito para fazer uma homenagem à memória de Nagibão, cujo exemplo ajudou a derrubar um artigo do Código Civil que era uma poderosa muralha de iniquidade, preconceito e parcialidade.

Nagib nasceu em Zahle, zona montanhosa do Líbano e ali começou seus estudos. Tinha dois amigos, muito próximos: Salim, que era seu primo, e Mustafá. Eram meninos pobres, nem sequer conheciam Beirute, na margem do Mediterrâneo, que ficava tão próxima, no pé da montanha. Desde logo perceberam que, sem estudo, trabalho e muita sorte não iriam conseguir vencer a pobreza e ascender social e economicamente.

Com 16 anos, Nagib era o melhor aluno da turma em História e Geografia. Apaixonou-se pelo Brasil e, especialmente, pela Amazônia. Tinha um parente afastado de sua mãe estabelecido em Manaus, e resolveu se transferir para essa cidade. Com o apoio de seus pais e a boa vontade desse parente, tirou o passaporte, obteve o visto e partiu para o sonho. Veio de navio, na terceira classe. Salim não quis acompanhá-lo, mas seu melhor amigo, Mustafá, gostou da aventura amazônica, e veio junto.

Em Manaus, e já tendo aprendido algumas palavras de português, Nagib começou a trabalhar como balconista numa mercearia. E ali permaneceu durante quatro anos. Os fregueses o chamavam de Nagibão, pois era alto, gordo e trazia, sempre, um sorriso no rosto. Logo que completou vinte anos, e já com alguma economia, o rapaz resolveu assumir seu próprio negócio. Comprou a prazo um pequeno barco motorizado, e se dedicou ao ramo dos regatões. Percorria rios, lagos, furos, igarapés, levando os mais diversos produtos – leite em pó, cerveja, açúcar, charque, manteiga, brinquedos etc -, que vendia no interior ou trocava com os ribeirinhos por mercadorias regionais, como frutas, farinha de mandioca, aves, couro de animais e essências da floresta. Nagib ficou conhecido numa extensa região. Quando aportava nos trapiches das pequenas localidades, ouvia a algazarra simpática do molecório – a quem doava balas e bolas de futebol -: “o Nagibão chegou, o Nagibão chegou”...

Assim o tempo foi correndo, e ele enriquecendo. Já tinha comprado três casas em Manaus e o barco em que fazia o regatão era maior e mais equipado. Foi quando conheceu Lívia, que tinha vindo de Parintins para estudar na capital. Entre namoro a noivado decorreram dois anos, e se casaram. O casal não teve filhos, o que, provavelmente, estreitou os laços do matrimônio. Eram muito felizes. Mas a esposa morreu, prematuramente. Nagibão, desconsolado, chorando compulsivamente, na beira do túmulo, fez o juramento: “Livia, meu amor, jamais me casarei de novo”.

Viúvo, com uma boa renda dos imóveis que havia adquirido – nessa altura já era dono de mais de uma dezena deles na progressista Zona Franca de Manaus -, Nagibão diminuiu suas atividades, mas, de vez em quando, até para reencontrar antigos clientes, matar saudades, partia em seu barco para localidades em que tantas e tantas vezes havia chegado. Uma vez, foi à linda cidade de Manacapuru, na margem esquerda do rio Solimões, onde tinha muitos amigos. No domingo, dirigiu-se ao lago do Miriti, onde fica o balneário local, e viu um grupo de moças que se banhavam. Uma delas era morena-jambo, olhos esverdeados, levemente puxados, cabelos negros que cobriam as costas largas, enfim, uma cabocla típica da terra, coisa mais linda o nosso libanês jamais tinha visto antes. Desde que deitou seus olhos sobre aquela exuberante figura de mulher, Nagibão ficou apaixonado. Aproximou-se da moça, a simpatia foi correspondida, começaram a namorar. Chamava-se Terezinha, e contou-lhe que tinha sido noiva de um rapaz, moço rico, a quem se entregou com amor e confiança, mas ele, entretanto, enganou-a, abandonando-a às vésperas do casamento.

Para resumir, Nagibão passou a viajar em seu barco com Terezinha, e levou-a para morar com ele, em sua casa, na rua Maceió, bairro de Vila Municipal, em Manaus. Numa noite, acordou depois de um sonho, em que uma voz dizia: “E o teu juramento no enterro de Lívia?”. Respondeu: “mas eu não casei com Terezinha; só estou amigado”. Simples assim, e a questão ficou resolvida.

Passaram-se dez anos. Nagibão e Terezinha viviam sob o mesmo teto, assumiram um relacionamento afetivo de forma pública, notória, contínua, respeitosa, frequentavam a casa de amigos e os recebiam em sua morada, formavam uma verdadeira família. Todos os requisitos do art. 1.723 do Código Civil – que define a união estável – estavam observados, atendidos. Diria o velho e bom Virgílio de Sá Pereira: todos viam ali uma família. Não tiveram filhos e Nagibão não comprou mais nenhum imóvel, satisfeito que estava com os muitos que já tinha e administrava.

Em 2003, com 58 anos de idade, Nagibão sofreu um enfarte e faleceu. Não tinha testamento, pois era supersticioso e achava que quem fazia testamento morria em seguida. O enterro atraiu muita gente. O falecido tinha um largo círculo de amigos. Terezinha estava desconsolada, chorava muito, era amparada pelas amigas. Mustafá, o melhor amigo do defunto, e que sempre recebera favores dele, vivendo praticamente às suas custas, passou-lhe o braço nas costas e dirigiu palavras de conforto. O enterro deu-se no cemitério de São João Batista. A sepultura está debaixo de uma mangueira, como ele queria.

Passada a Missa do 7º Dia, Terezinha estava resolvida a conversar com um advogado, pedir conselhos e perguntar como devia agir com relação ao patrimônio deixado pelo de cujus.

Nessa altura, um fato misterioso ocorreu: Mustafá, que desde a juventude e até então jamais tinha saído de Manaus, estava desaparecido. Ninguém dava notícias dele. Alguém disse que tinha partido para Belém. Outro garantiu tê-lo visto no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Na verdade, Mustafá havia obtido empréstimo num banco – já que não tinha mais o velho amigo que o sustentara a vida inteira -, comprou uma passagem de avião e foi para o Líbano, seguindo para sua cidade natal, Zahle. Não foi difícil localizar o amigo de infância, Salim, que, no primeiro momento nem o reconheceu. Já não se viam há décadas. Explicou, então, a razão de sua visita: convidava o amigo para ir ao Brasil, conhecer a Amazônia, visitar Manaus. Salim riu-se e disse: “Eu não tenho dinheiro nem para ir ali próximo, a Beirute, quanto mais para uma viagem tão longa”. Mustafá explicou, então, que todas as despesas seriam pagas por ele. Contou que Nagib havia morrido, deixado grande fortuna – uns quinze imóveis – e que ele, Salim, era o único herdeiro do falecido, como seu parente colateral mais próximo. Salim ainda argumentou: “mas eu não vi este meu primo desde que ele foi embora; nunca mandei ou recebi uma carta sequer; é um parente longínquo; quem é o louco que te disse que sou o único herdeiro dele?” Mustafá respondeu: “Quem diz é o próprio Código Civil brasileiro”, e completou: “não vamos perder tempo: tu assinas uma escritura me cedendo metade da herança de teu primo e vamos partir para o Brasil, buscar o que é nosso, de direito, que estamos muito ricos”.

E assim aconteceu. Assessorado pelo ladino Mustafá e por um experiente advogado, Salim apresentou-se em juízo, no Amazonas, mostrou documentos que provaram seu parentesco com o de cujus. Seu advogado, num elegante arrazoado, mostrou que todos os bens de Nagibão haviam sido comprados antes do início de sua união com Terezinha, e que nenhum deles tinha sido adquirido na vigência da união estável, razão pela qual a companheira sobrevivente não era meeira, nem, muito menos, tinha direito à herança. Considerando que o falecido não deixou descendentes, nem ascendentes, sendo o parente mais próximo, na linha colateral, de quarto grau, seu primo, Salim, requereu em nome deste a adjudicação de toda a herança, como único e universal herdeiro, tudo nos termos do art. 1.790, caput, do Código Civil.

Realmente, esse terrível art. 1.790, mal pensado e pessimamente inspirado, excluía a companheira da herança do companheiro morto, neste caso. Na sequência, Terezinha foi praticamente expulsa de casa, de “sua” casa, na qual vivia há tantos anos, ao lado do homem que a amava. Voltou a morar na sua terra querida, Manacapuru, onde trabalhava como costureira, sobrevivendo na pobreza, com toda a dignidade.

No direito brasileiro, desde a Lei Feliciano Pena, de 31 de dezembro de 1907, o cônjuge sobrevivente ocupa a terceira classe na ordem da sucessão legítima, afastando os colaterais. Esta boa solução foi mantida nos arts. 1.603 e 1.611 do Código Civil de 1916 e nos arts. 1.829 e 1.838 do Código Civil em vigor. Com o advento da Constituição de 1988, surgiu a Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que regulou o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, estabelecendo, no art. , III: “na falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança”. Ou seja, os colaterais não concorriam com o companheiro sobrevivente, que excluía tais parentes da sucessão. Não havia tradição, clamor social, argumento jurídico, motivo ou razão para que o Código Civil de 2002 determinasse no art. 1.790 o grave retrocesso na sucessão dos companheiros.

Há um ditado popular que afirma: “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”. No dia 10 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal – STF concluiu a votação do Recurso Extraordinário 878.694-MG, com repercussão geral, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, e declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, que tratava da sucessão hereditária dos companheiros. O ilustre Ministro Barroso, em seu precioso voto, deu-me a honra de citar um trabalho que escrevi sobre o tema. Para efeito de repercussão geral, foi aprovada a seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil”. Ou seja, a sucessão entre companheiros passa a ser regida pelas normas do Código Civil dirigidas à sucessão dos cônjuges. Esta decisão trará, sem dúvida, importantes consequências e desdobramentos no Direito das Famílias brasileiro, e simboliza mais um passo vigoroso para a equiparação entre casamento e união estável como formas de constituição de entidades familiares, com a mesma dignidade e respeito, baseadas na afetividade, seriedade, estabilidade, compromisso de constituição de família. No direito brasileiro, considerando a legislação e a jurisprudência, e quanto aos efeitos jurídicos, nada distingue ou separa, praticamente, a união estável do casamento.

Se nosso querido Nagibão tivesse morrido mais tarde, depois daquela histórica decisão do STF, acima citada, Terezinha, sua companheira, ocuparia a terceira classe dos herdeiros legítimos, afastando os colaterais, e ficaria com toda a herança do falecido. Salim, o primo libanês, provavelmente, nem teria realizado a longa viagem desde Beirute; e, se a tivesse feito, sentiria o grande prazer de conhecer Manaus, a Amazônia, mas, do primo distante, que não via há várias décadas, não teria herdado nada e coisa alguma.

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É obrigatório fazer um contrato?

Publicado por Dyego de Freitas

Muita gente procura um escritório de advocacia perguntando se é obrigatório fazer um contrato escrito para certos negócios da vida civil (venda de carros, casas, aluguel, prestação de serviços etc.).

A resposta, para a maioria das perguntas é: não, não é obrigatório.

Isso porque o Código Civil trata como obrigatório o contrato escrito apenas para alguns poucos tipos de negócios, tais como: a venda de imóveis com valor maior do que 30 salários mínimos, o pacto antenupcial, o testamento, o contrato de fiança, entre outros.

O direito chama esses contratos de “contratos formais”, pois a Lei exige que eles tenham uma forma (forma escrita, por exemplo).

Os contratos formais são ainda divididos em: “solenes” e “não solenes”.

Os contratos solenes são aqueles que necessitam obrigatoriamente de instrumento público registrado em cartório para sua validade jurídica (escritura de venda e compra de imóvel, artigo 108 do Código Civil, por exemplo).

Já os contratos formais não solenes são aqueles que somente exigem a forma escrita para que seja facilitada a prova de sua existência (contrato de fiança, artigo 819 do Código Civil, por exemplo), não precisa ser registrado em cartório.

Todos os outros contratos tem forma livre, ou seja, podem ser feitos verbalmente, por escrito, por desenho, por mímica, tanto faz.

Ok. Após explicado isso, vamos ao ponto principal:
Qual o risco que se corre em não formalizar um contrato?

Um contrato nada mais é do que um acordo de vontades entre duas partes.

Quando se coloca essas vontades por escrito em um papel o que temos é um documento em que estão escritas essas vontades. É como uma fotografia do momento em que as partes decidiram alguma coisa.

Dizem que uma imagem fala mais do que 1000 palavras, não é?

Pois então.

Se esse documento é como uma fotografia do momento em que foi decidido o contrato, podemos dizer, ainda analogicamente, que o contrato propriamente dito é um vídeo, pois ele reflete todo o período em que as partes negociam.

Por exemplo: em uma venda de veículo, o contrato se inicia no momento em que é aceita a proposta do valor, percorre pelo momento em que o comprador leva o veículo no mecânico, avança até a entrega do bem, ao pagamento da entrada, segue com o pagamento das parcelas (se for o caso), até a quitação do preço, a entrega do recibo e, ao final na transferência definitiva da propriedade. Todo esse período representa o contrato.

Podemos imaginar então que o instrumento (contrato escrito) de compra e venda assinado no início da negociação é somente uma fotografia e o contrato (acordo entre as partes) é o vídeo de todo o período.

O fato é que, no meio desse caminho, as pessoas podem querer mudar de ideia e agir de forma diferente do que combinaram no início. E isso ocorre com uma frequência muito maior do que se imagina, por diversos motivos, que vão desde o mau-caratismo até uma dificuldade econômica inesperada.

Portanto, se você tem uma “fotografia” guardada do que foi discutido no início certamente você se assegurará de demonstrar o que foi combinado originalmente.

É óbvio que muita coisa pode mudar durante a execução de um contrato e que situações inesperadas podem fazer o contrato seguir um outro rumo, mas a segurança de um instrumento escrito certamente servirá como defesa em face de pessoas que tentem agir de má-fé com você.

Assim como oriento os meus clientes, espero ter ajudado o leitor na tomada de decisão a respeito da formalização dos contratos. Até a próxima!

https://dcfreitasdireito.jusbrasil.com.br/artigos/545263680/e-obrigatorio-fazer-um-contrato?utm_campaign=newsletter-daily_20180216_6695&utm_medium=email&utm_source=newsletter

É possível comprar posse?

Não só é possível, como é muito comum no mercado imobiliário as pessoas celebrarem contratos onde é negociada somente a posse de um imóvel e não a propriedade.

Publicado por Blog Mariana Gonçalves

Isso porque a propriedade é um direito real que garante o poder de usar, gozar (usufruir), dispor e reivindicar de quem injustamente a detenha ou possua. Ou seja, aquele que é o “dono” do imóvel pode alienar (vender), doar, alugar e hipotecar (dar o bem em garantia, constituindo ônus real).

Por outro lado, a posse é um instituto mais limitado do que a propriedade, constituindo apenas uma situação de fato. Assim, aquele que detém a posse não detém o domínio do bem, uma vez que só é dono, quem registra.

Entretanto, é importante deixar claro que, embora a posse tenha natureza jurídica diferente e mais limitada do que a propriedade, também tem respaldo jurídico e pode ser protegida por meio das ações possessórias e da elaboração de instrumentos contratuais específicos e pormenorizados em relação a clareza e segurança do negócio entabulado.

Portanto, a posse possui valor monetário e jurídico, mas não podem ser confundida com propriedade, uma vez que há consequências jurídicas distintas.

Uma dessas consequências, vale destacar, é que a posse gera certa insegurança jurídica, pois, até o registro (onde há mudança da propriedade), muitas situações fáticas e adversas podem surgir, impossibilitando a efetiva transferência da propriedade (como um todo) para aquele que compra.

Nesse sentido, há que se ter uma boa orientação nas transações imobiliárias, pois quem compra de quem não é dono (ou seja, daquele que não possui o imóvel registrado em nome próprio ou da pessoa jurídica da qual faça parte) na verdade, esta comprando apenas a posse e não a propriedade. Não há como transferir aquilo que não se tem.

Na prática, é importante o trabalho de profissionais qualificados, principalmente dos corretores de imóveis, que precisam orientar os interessados, de maneira espontânea e clara, sob pena de responsabilização, que as partes envolvidas na negociação estão vendendo e comprando posse e não propriedade, bem como as implicações fáticas e jurídicas dessa diferença.

Outro importante cuidado é a análise minuciosa da real condição de proprietário daquele que se pretende vendedor, pois não raro, o que se tem é a transferência reiteradas vezes da posse de um bem imóvel.

Portanto, é possível sim comprar posse. O que não se pode é confundir posse com propriedade já que ambas, embora possuam valor monetário e jurídico, resultam em implicações jurídicas diferenciadas que precisam ser conhecidas de todos aqueles envolvidos em uma transação imobiliária, com a finalidade de se evitar situações conflituosas e desgastantes num futuro, muitas vezes, não tão distante.

Post elaborado por:
Jaqueline Rezende Nogueira - Advogada, atuante na área do Direito Imobiliário em Divinópolis-MG e especializanda em Direito Imobiliário Aplicado pela Escola Paulista de Direito – EPD.

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