domingo, 18 de março de 2018

Se não houver indicação, seguro de vida deve ser pago ao último companheiro

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Em sede de seguro de vida, há uma discrepância na lei para lá de inconstitucional. Quando o titular morre, sem ter indicado beneficiário na apólice, o legislador elege o cônjuge não separado judicialmente como favorecido. Concede-lhe metade do valor do seguro. O restante, aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem de vocação hereditária (CC 792).
Na união estável, a concessão do benefício está sujeita a dupla condição (CC 793): que o contrato seja firmado depois de o tomador estar separado de fato e que o companheiro conste como seu beneficiário. Ou seja, só é contemplado se foi expressamente indicado em seguro instituído depois do fim do casamento do segurado.
Não atendidas essas duas exigências, a indenização é paga ao ex-cônjuge, que recebe o capital segurado simplesmente por não ter sido formalizada a dissolução do casamento. Ora, de há muito está pacificado que a separação de fato sela o término do casamento, não sobrevivendo quaisquer direitos ou deveres entre ex-cônjuges[1]. De outro lado, a expressão "não separado judicialmente" não dispõe de qualquer significado, eis que o instituto da separação judicial foi excluído do panorama jurídico[2]. Logo, depois da separação de fato, não há como conceder direito algum nem a ex-cônjuge nem a ex-companheiro.
O Superior Tribunal de Justiça, buscando uma solução salomônica — mas distanciada do que diz a lei — atribuiu um quarto do capital segurado à ex-mulher e um quarto à companheira, sendo o restante pago aos herdeiros[3].
É imperioso reconhecer que existe uma lacuna na lei no que diz com o companheiro sobrevivente, quando não há indicação do beneficiário. No entanto, o reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar (CF, artigo 226, parágrafo 3º) é o que basta para impedir que a omissão legal sirva para conceder privilégio a quem nem mais estava casado com o segurado.
Agora, não mais subsiste qualquer resquício de dúvida sobre a equiparação entre casamento e união estável. Foi espancada pelo Supremo Tribunal Federal, que, em sede de repercussão geral, proclamou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil[4]. Mas a decisão foi além. Consta da própria ementa: não é legítimo desequiparar cônjuges e companheiros; a hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. E conclui o ministro Luis Roberto Barroso: discriminar os companheiros, dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos aos cônjuges, entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso[5].
Ou seja, a equiparação levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal não se limita à concorrência sucessória. Vai além. Enlaça todas as hipóteses em que se verifica eventual discriminação entre cônjuges e companheiros. Ainda que o seguro de vida esteja fora do âmbito do Direito Sucessório, sua eficácia está sujeita a condição suspensiva — o evento morte. Ainda assim, o companheiro não pode ser reconhecido como beneficiário somente quando indicado como tal ao tempo da contratação do seguro.
Quer pelo fim do instituto da separação, quer por a separação de fato romper o casamento, não pode subsistir a desequiparação consagrada nos artigos 792 e 793 do Código Civil. Está maculada de inconstitucionalidade. Quem convivia com o instituidor à data de sua morte — cônjuge ou companheiro — é que pode se beneficiar do seguro. Independentemente de quando o contrato foi firmado, se antes ou depois da separação do segurado. Não é possível consagrar enriquecimento sem causa. De todo descabido deferir o seguro a quem não mais convive com o segurado, deixando de beneficiar a pessoa que com ele mantinha uma entidade familiar[6].
Voltaire Marensi vai além. Sugere que o seguro seja pago, em sua integralidade, a quem vivia com o segurado, mantendo-se o parágrafo único do artigo 792 do CC, única hipótese em os herdeiros seriam contemplados com a metade do capital segurado[7].
A consagração constitucional do princípio da afetividade, como elemento constitutivo dos elos de convivência, faz com que, na falta de indicação de beneficiário na apólice, seja contemplado com a indenização securitária quem dividiu a vida com outro alguém até sua morte.


[1] IBDFAM – Enunciado 2: A separação de fato põe fim ao regime de bens e importa extinção dos deveres entre cônjuges e entre companheiros.
[2] A Emenda Constitucional 66/2010 deu nova redação ao parágrafo 6º do artigo 226 da CF.
[3] STJ, REsp 1.401.538- RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, decisão monocrática de 14/8/2015.
[4] STF - Tese 498: É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002 (RE 646.721 e RE 878.694).
[5] STF, RE 646.721/RS, rel. min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão, min. Luis Roberto Barroso. j. 10/5/2017.
[6] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 11ª ed., 2017, p. 241.
[7] MARENSI, Voltaire. A união estável e o seguro de pessoa(www.conjur.com.br)
Maria Berenice Dias é advogada especializada em Direito de Família, das Sucessões e Homoafetivo, além de vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam).
Revista Consultor Jurídico, 28 de fevereiro de 2018, 6h21
https://www.conjur.com.br/2018-fev-28/maria-berenice-dias-ultimo-companheiro-dever-receber-seguro-vida
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Em circunstâncias excepcionais, avós podem adotar neto, diz STJ

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Em circunstâncias excepcionais, os avós podem adotar o próprio neto, apesar da vedação prevista no artigo 42, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim definiu, nesta terça-feira (27/2), a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Por unanimidade, o colegiado seguiu o voto da relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, para quem a proibição da legislação pode ser superada para proteger e preservar o melhor interesse da criança.
No caso concreto, a criança nasceu em outubro de 2000. A concepção decorreu de violência sexual praticada contra a mãe, o que provocou trauma psicológico que a impediu de cuidar do filho. Por isso, os pais dela assumiram a criação, situação que se prolongou durante todo o desenvolvimento do menor. Após obter a guarda judicial, o casal pediu autorização para adotar o neto, alegando que estabeleceu “verdadeiro” e “indiscutível” vínculo de parentalidade socioafetiva.
No primeiro grau, a sentença extinguiu o processo, sem resolução do mérito, por causa da impossibilidade jurídica do pedido. O Tribunal de Justiça de São Paulo negou apelo dos avós. “Ainda que os apelantes tenham proposto interessante desafio hermenêutico, patrocinado pela caráter humanitário da pretensão, não nos é dado desatender norma de organização social, que regulamenta o parentesco, pena de contribuir para o desarranjo da ordem jurídica em outros casos”, diz o acórdão.
Usualmente são elencados como elementos justificadores da vedação à adoção por ascendentes a prevenção de confusões na estrutura familiar, problemas decorrentes de questões hereditárias e fraudes previdenciárias, entre outros.
No entanto, a ministra Nancy e os outros integrantes da 3ª Turma discordaram da tese do TJ-SP. Ela concorda com o parecer do Ministério Público Federal, para quem o Poder Judiciário não pode fazer ponderação de valores, se o próprio legislador já o fez, no caso do ECA, ao normatizar práticas sociais à luz dos valores sociais.
Para a ministra, porém, quando é o próprio legislador que outorga ao juiz a possibilidade de, excepcionalmente, suplantar ou suplementar normas em nome do melhor interesse do menor, que embora tenha regulado as relações intrafamiliares, há inúmeras circunstâncias, ditadas pela imprevisível dinâmica social, que podem fazer o sistema protetivo legislado conspirar contra os melhores interesses do menor, a quem pretende proteger.
“O princípio do melhor interesse da criança é o critério primário para a interpretação de toda legislação atinente a menores, sendo capaz, inclusive, de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o ao crivo objetivo de apreciação judicial da situação concreta”, afirmou.

Clique aqui para ler o voto.
REsp 1.635.649
Marcelo Galli é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 28 de fevereiro de 2018, 16h24
https://www.conjur.com.br/2018-fev-28/circunstancias-excepcionais-avos-podem-adotar-neto-stj
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ADEQUAÇÃO À JURISPRUDÊNCIA: Projeto permite que união estável de casal seja reconhecida em inventário

Tramita na Câmara dos Deputados uma proposta para permitir que a união estável de um casal seja reconhecida no inventário, desde que comprovada por documentos. Segundo o deputado Augusto Carvalho (SD-DF), autor do Projeto de Lei 8.686/2017, o objetivo é adequar o Código Civil à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
No ano passado, a 3ª Turma da corte abriu a possibilidade de reconhecimento da união estável em ação de inventário. A relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que cabe ao juízo esclarecer todas as questões relacionadas ao espólio, só remetendo às vias ordinárias quando a questão depender de outros processos especiais ou de provas que não sejam documentais.
De acordo com o deputado, “a proposta atualiza a redação do Código Civil diante da abordagem inovadora da jurisprudência, bem como dá celeridade ao procedimento do inventário quando, restando caracterizada a união estável, a parte interessada possa pleitear os seus direitos sucessórios”.
O projeto tramita de forma conclusiva (sem necessidade de passar pelo Plenário) e será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família; e Constituição e Justiça e de Cidadania. Com informações da Agência Câmara.
Revista Consultor Jurídico, 5 de março de 2018, 8h16
https://www.conjur.com.br/2018-mar-05/projeto-permite-uniao-estavel-seja-reconhecida-inventario
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Mulher pode manter condições de plano de saúde mesmo excluída por ex-marido

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Quando uma pessoa é beneficiária do plano de saúde familiar e se mantém assim por longo período mesmo após divórcio, tem direito de manter as condições quando o titular decide exclui-la. Com esse entendimento, 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que uma operadora migre uma mulher do plano de saúde familiar para individual, com as mesmas características de atendimento.
A mulher continuou com o plano depois de se divorciar do titular, pagando sua parte ao ex-marido durante três anos, até que ele decidiu excluí-la como dependente. Representada pelo advogado Cláudio Castello de Campos Pereira, do Castello de Campos Sociedade de Advogado, a autora alegou ter direito a manter o benefício pois seria, na verdade, cotitular.
Já a operadora ré afirmou que não poderia transferir um cliente de plano familiar para individual, muito menos nas mesmas condições de cobertura e pagamento de prêmio. Segundo a empresa, o Poder Judiciário não poderia criar obrigações inexistentes na regulação do setor, em nome do direito à vida.
Sem prejuízo
O desembargador Francisco Loureiro, relator do caso, concordou com os argumentos da autora. Ele reconheceu que o ex-marido tem direito de excluir a ex, pois encontraria obstáculo caso no futuro desejasse incluir a nova mulher ou companheira.
Por outro lado, Loureiro ressaltou que a autora passou anos arcando com a mensalidade do benefício relativamente à sua cota, o que evitou qualquer prejuízo ao plano de saúde.
“Se podem os dependentes manter o plano de saúde familiar após a extinção do vínculo do titular, (...), não existe razão plausível ou lógica que impeça situação parelha: o desligamento de beneficiário de plano familiar não impede a migração para plano individual”, disse o relator.

Clique aqui para ler a decisão.
Apelação 1069039-05.2016.8.26.0100
Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 11 de março de 2018, 9h06
https://www.conjur.com.br/2018-mar-11/mulher-manter-plano-saude-mesmo-excluida-ex-marido
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"Ativismo do Judiciário inviabiliza, em boa parte, o modelo brasileiro de Estado"

Por  e 
O Judiciário é hoje o controlador das políticas públicas sociais no Brasil. Mas não deveria ser, pois não é o formulador de projetos e nem foi eleito para isso. Excessivamente politizada, a Justiça se colocou no lugar da administração pública e do Legislativo, analisa Elival da Silva Ramos, que acaba de deixar o cargo de procurador-geral do estado de São Paulo.
Agora aposentado, Ramos esteve por 37 anos na Procuradoria do estado de São Paulo, 12 deles no cargo de procurador-geral. É homem de confiança de Geraldo Alckmin, que o nomeou para o cargo em 2011, depois de ter exercido o comando da Procuradoria de 2001 a 2006, na outra gestão de Alckmin. 
Mestre e doutor em Direito do Estado e livre-docente em Direito Constitucional pela USP, sua linha de pesquisa está centrada no estudo dos sistemas de controle de constitucionalidade das leis e omissões legislativas.
Ramos afirma que o Supremo Tribunal Federal tem avançado o sinal e que, agora, aposentado da Procuradoria, poderá emitir opiniões de forma mais livre.
Além de dar um panorama da atuação da procuradoria no ano que passou, ele diz que boa parte da inviabilização do modelo brasileiro do Estado passa pelo ativismo de juízes. “O Judiciário está imputando um custo ao Estado fenomenal em várias coisas. A gente briga o tempo todo. Mas aí não é a questão dos argumentos do Estado serem piores ou melhores, é questão ideológica, eu diria. O Judiciário brasileiro assumiu indevidamente outro papel.”
Recebendo em seu gabinete a equipe do Anuário da Justiça, que o entrevistou para a edição do Anuário São Paulo 2018, com lançamento em breve, Elival Ramos fez um balanço das finanças de São Paulo, conta que “pagou” mais de R$ 3 bilhões de precatórios em 2017 e acredita que, até 2024, prazo dado pela Emenda Constitucional 99/2017, o estado terá sua dívida de precatórios quitada. Ele também explica por que as finanças de São Paulo estão em uma situação bem diferente de outros estados em crise.
Leia a entrevista:
ConJur — Como foi o trabalho da Procuradoria-Geral do Estado em 2017?
Elival da Silva Ramos —
 Nós atuamos em três áreas fundamentais. Na área de consultoria, que é a área extrajudicial, tivemos um avanço muito grande nas concessões. Foi um período de praticamente três anos de arrecadação de valor real em queda. Em São Paulo, só não houve maior problema porque praticamos um ajuste fiscal rigoroso, envolvendo corte de despesas, que também contou com a participação da Procuradoria, na revisão de contratos, na apreciação de casos concretos que surgiram... Isso fez com que nós conseguíssemos, digamos assim, uma curva próxima entre a queda de receita e as despesas praticadas. Isso que viabilizou ao estado continuar, por exemplo, honrando a folha de pagamento, pagando antecipadamente o décimo terceiro salário.
Ao mesmo tempo, já partindo para o setor tributário-fiscal, claro que nós procuramos alavancar a receita e, para isso, foi importante um esforço muito grande em conjunto com a Secretaria da Fazenda. E, de fato, melhoramos. Terminamos o ano com uma arrecadação próxima de R$ 4 bilhões, arrecadação de dívida ativa. A Procuradoria vem melhorando seus índices nesse campo. Quando assumi o cargo de procurador-geral na primeira gestão, lá nos idos 2001, a arrecadação da nossa dívida ativa era da ordem de R$ 600 milhões. De novidade nesse período, nós tivemos a implantação do protesto, que corresponde a cerca de 60% da nossa arrecadação. 
ConJur — É um protesto que vai direto para o cartório, que não passa pela Justiça?
Elival da Silva Ramos —
 Sim. Quase todo IPVA é cobrado mediante protesto. IPVA é tipicamente uma dívida boa para usar o protesto. Nós não temos uma enxurrada de pedidos de sustação de protesto, por exemplo. E são dívidas de um valor menor, aos milhares, muito pulverizada. Se não fosse assim, nós estaríamos ajuizando aí um volume imenso de execuções fiscais. É difícil estimar. Mas nós temos uma carteira de execuções da ordem de um 1,3 milhão de execuções. Hoje, com a decisão do STF, acabou-se a discussão. Eu fui ao Supremo fazer a sustentação oral e um dos pontos foi esse: a orientação do Judiciário é a desjudicialização em tudo, usando a arbitragem, usando mecanismos consensuais, acordos e tal. O protesto é fundamental nesse trabalho, na dívida ativa.
São Paulo deve ter hoje o melhor índice nacional de cobrança. Se desconsiderar as dívidas que nós mesmos consideramos de difícil possibilidade de recebimento, que é contribuinte que já tem o CNPJ inativo por alguma razão, a empresa não funciona mais, se descontar tudo isso, o estado deve estar recebendo algo em torno de 2,5%, 3% anual. O que é um índice altíssimo. A média nacional é 0,5%. Então é seis vezes a média nacional. Ou seja, são bons resultados.
ConJur — E no setor fiscal?
Elival da Silva Ramos —
  As batalhas são muitas. Nós temos a frente em que o Estado é devedor e a frente em que ele é credor. Mas, em relação ao Estado devedor, o contexto geral é mais dessa natureza, nós temos um contencioso importante que nos envolve com as concessionárias das rodovias. São ações em que pedem reequilíbrios contratuais — em que nós temos vencido invariavelmente —, algumas questões envolvendo compensação geraram demandas. Temos ações contra as 12 concessionários do estado de São Paulo. Das nove julgadas, ganhamos seis e perdemos três.
É claro que também há algumas questões de desapropriação, a importância de programas do Estado, de PPPs em que o Estado está envolvido. O quadro de ações indenizatórias de servidores melhorou bastante, porque nós procuramos ao longo dos anos, usando a área de consultoria, diminuir essas demandas. E, internamente, nós melhoramos nossa informatização, porque ela já era muito boa no setor fiscal, mas ainda não existia na área de consultoria, isso se implantou. Não foi só esse ano, já vem vindo de outros anos, mas avançou bastante, também com o programa de contenção geral. Temos melhores condições de saber em quê o Estado está sendo mais derrotado, os temas mais importantes.
ConJur — Quais temas o Estado vence e em quais é derrotado?
Elival da Silva Ramos —
 Depende. As ações em que o Estado se envolve são ações de pessoal, ações de medicamento, normalmente o estado é derrotado. Não o estado, o município, a União. Essa é uma questão que é um problema importante para o Brasil. Hoje temos práticas de saúde pública de primeiríssimo mundo por força de decisões judiciais, só que isso tem um custo. E, em razão disso, talvez não se consigam fazer outros investimentos. Nós estamos aqui em São Paulo vivendo a epidemia de febre amarela. Já tivemos dengue, são doenças de países pobres, não compatíveis com o nível de riqueza do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, tem tratamentos sofisticadíssimos, todos com ordem judicial, que o SUS, as entidades ligadas ao SUS, cumprem.
Isso está mal colocado. Nós temos que ter um país mais justo, em que aquelas questões que atingem a totalidade da população tenham mais investimento. E os tratamentos sofisticados não podem ser gratuitos, a pessoa tem que ter um custo para fazer isso. Tem tratamento dado pelo SUS que é o padrão, claro que aquilo não é o melhor dos tratamentos, mas é aquilo que é possível pagar dentro da realidade do SUS. Se a pessoa quiser algo a mais do que isso, tem todo o direito, mas pagando.
O Poder Público não é obrigado a fazer. Infelizmente, o Judiciário não pensa assim. O Judiciário brasileiro passou a entender que a saúde é um direito fundamental — como é, de fato — mas que isso não tem custo, então determina os tratamentos mais exóticos do mundo. Manda dar fralda geriátrica com marca, medicamentos experimentais... O que avançou nesse campo foi que a Secretaria da Saúde e o Tribunal da Justiça, enfim, as entidades envolvidas, estabeleceram uma fase aí pré-processual, vamos dizer, para ver se a gente não consegue atender algumas demandas. Em alguns casos é problema de acesso à informação.
ConJur — O Acessa SUS?
Elival da Silva Ramos —
 Exatamente. Então a Secretaria da Saúde, o Ministério Público, o Judiciário celebraram um termo de cooperação. Esse é um tema em que o Estado é normalmente derrotado. É um julgamento liminar que prevalece.
ConJur — Como estão as demandas de servidores?
Elival da Silva Ramos —
 No funcionalismo há um quadro melhor. Nós temos evitado criações de novas gratificações. Resolvemos algumas demandas importantes já anteriormente. Até hoje existem ações, por exemplo, envolvendo incidência de quinquênio, sexta parte, os adicionais quinquenais, temporais, sobre gratificações que o estado não acha que é gratificação. Muitas vezes é discutido se é a autêntica gratificação ou apenas o nome que é de gratificação e é vencimento. Há ainda algumas condenações nesse campo. Muitas questões envolvendo trânsito. Isso tem aumentado bastante. Para se ter uma ideia, nós tivemos que criar um núcleo especializado dentro do Detran porque aumentou tanto, e a demora, a tramitação de informações, tudo, já era um negócio que dificultava a defesa. Nós estamos tentando centralizar ali ações do estado inteiro, porque, tudo é eletrônico. Um advogado que é daqui pode trabalhar em uma ação que corre em Presidente Prudente. E o Detran daqui centraliza as informações. Esse é um campo muito grande.
ConJur — Como estão os pagamentos de precatórios?
Elival da Silva Ramos —
 Precatório é outro trabalho, porque é na fase de execução. Não importa nem a natureza da dívida, mas em geral são alimentares, que também é boa parte dos nossos trabalhos. O poder público em geral tem que ter um compromisso com a eliminação do passivo. Há muitos anos isso gerou soluções não adequadas. O STF deu uma data concreta, era 2020. Agora é 2024 [pela Emenda Constitucional 99/2017]. Não daria para cumprir até 2020, ainda mais com os recursos existentes, que é 1,5% da receita corrente líquida.
O que a Emenda mais recentemente fez foi agregar recursos privados.O Estado vinha já fazendo isso com as ações das quais participa. Se ele tem, por exemplo, uma ação fiscal, poderá ganhar ou perder. Muitas vezes o contribuinte faz o depósito para garantir, não tem problema de execução, e vamos aguardar julgamento de mérito. O que o Estado fazia era utilizar esse recurso e, depois, se perder, devolver com os acréscimos, como se fosse um empréstimo. Mas paga juros de poupança, os juros das contas judiciais, o que é muito mais em conta do que tomar isso do mercado. De outra maneira, se não fizesse isso, quem ficaria com o lucro seriam as instituições financeiras, porque elas emprestam a juros de mercado, que são juros altíssimos, e pagam juros de poupança. Às vezes, divide isso com o Judiciário também, dependendo dos acordos que tenha. Esses seriam os setores que perderiam com essa proposta.
A ideia é ter mais recursos para poder, efetivamente, cumprir o que o Supremo decidiu. A pior coisa é ter decisão judicial não cumprida, ainda mais do STF. Nós temos aí propostas que somam R$ 1 bilhão. Isso significa, só nesse começo de ano, teríamos uma economia para o estado de São Paulo, caso venha a ser formalizado e o Judiciário homologue, R$ 400 milhões. Para que servem esses R$ 400 milhões? Para pagar mais precatório. Com isso, a dívida vai sendo quitada e chegaremos em 2024 com condições de pagar. Mas a novidade foram recursos privados. Já em 2016 havia uma emenda aprovada prevendo isso, mas o Senado fez o favor de colocar uma cláusula que inviabilizou completamente o uso dos recursos. Colocou que não permitia a utilização de recursos de processos de natureza alimentar. Acontece que os bancos não sabem qual é a natureza do processo. O mais importante é dizer que poderão usar esses valores, que não entram para o 1,5%. São recursos adicionais.
Em 2017, batemos o recorde nominal de pagamento do precatório, mais de R$ 3 bilhões. Quase o dobro. Se somar as OPVs, aquilo que também nós vínhamos sempre levando um saldo de OPVs do ano anterior, esse ano não deixamos saldo. Quitamos. Então tem mais de R$ 700 milhões aí, um valor alto. Somando tudo, deu quase R$ 4 bilhões, OPV e precatório. É muito dinheiro. O estado hoje tem uma dívida da ordem de R$ 23 bilhões, é entre 15% a 20% da dívida que está quitando em um ano. É um esforço grande. Lógico que, agora, com recursos privados, estima-se que o estado de São Paulo vá receber por volta de R$ 6 bilhões desses recursos. Se isso ocorrer, ajudará na implementação de mais acordos.
ConJur — O senhor é a favor de pagar dívida com precatórios?
Elival da Silva Ramos —
 A objeção da PGE, em geral, em relação a esse tema, sempre foi por uma razão: parte do ICMS vai para o município. Se a empresa faz uma compensação, libera aquele precatório, como se tivesse recebido aquela dívida. O efeito no precatório vai ocorrer. Acontece que o estado tem que repassar, pois, em tese, o município não tem nada a ver com isso. E a Emenda exclui esse repasse. Por isso, passamos a ser favoráveis. Agora, pelos nossos cálculos, feitos a pedido do TJ-SP, o estado de São Paulo — acho que, nominalmente, tem a maior dívida do Brasil — conseguirá quitar a sua dívida precatória até 2024, já considerados os precatórios novos. Como sempre diz o governador, vai ser muito bom ser governador do estado a partir de 2025. Não vai ter precatório mais. E a receita de royalties vem aumentando muito, São Paulo é o segundo estado da Federação em valor nominal de royalties, só perde para o Rio de Janeiro.
ConJur — Do petróleo?
Elival da Silva Ramos —
 De gás, basicamente, no estado de São Paulo. Então, a tendência com a exploração do gás da bacia de Santos, cuja reserva é monumental, é a mudança da matriz energética do estado de São Paulo e o recebimento de royalties. Vai subir a receita de royalties, mas, pelos nossos cálculos, também vai ter mais aposentadorias, aumentando a dívida previdenciária, mas uma coisa vai caminhando junto a outra. Assim, o estado de São Paulo não é um mar de rosas, mas tem uma situação hoje financeiramente equilibrada.
ConJur — Como vê a reforma da Previdência?
Elival da Silva Ramos —
 Eu acho que a reforma da Previdência é algo absolutamente estratégico e necessário para o país. Não acho isso de agora não. Não é por causa do atual governo. Eu lembro que desde 1995 esse tema entrou no Brasil. Eu me lembro do ministro Reinhold Stephanes, que era do governo Fernando Henrique Cardoso, fez umas publicações mostrando que estava havendo uma alteração da pirâmide populacional, que a população estava envelhecendo. Entre outras coisas, isso significa que entra menos gente no mercado de trabalho, portanto tem menos contribuições e mais benefícios. Isso não fecha a conta. Ou seja, nós vivemos, em matéria previdenciária, durante muito tempo, uma espécie de corrente da felicidade. Como o Brasil é uma população jovem, está entrando um monte de gente, trabalhando, tem muita informalidade, então vamos trabalhar para a formalização. Isso faz com que as pessoas entrem e comecem a pagar. A expectativa de vida também era muito menor, então a fechava durante algum tempo.
ConJur —  É um remédio amargo...
Elival da Silva Ramos —
 Não é muito gostoso tomar, em um Congresso que tem como função representar a sociedade como um todo, não é? Só funciona se for feita, previamente, uma reforma política para reduzir o número de partidos. Com muitos partidos, temos a irresponsabilidade política. Ninguém se sente responsável por nada. Não há um vilão para ser apontado como responsável pela derrota do governo no Congresso. A melhor coisa que poderia acontecer para o interesse público é o governo desistir de votar essa reforma agora, até ter um ministro novo no governo que possa, eventualmente, fazer um rearranjo, compor sua base em outros termos. Aí será possível uma reforma real, consistente.
ConJur — Há quem conteste que a Previdência é deficitária. Dizem que é uma manipulação de cifras pelo governo. Qual a sua opinião?
Elival da Silva Ramos —
 É deficitária. O problema é que tem um enorme número de servidores que entraram antes da mudança na lei e não contribuíram jamais. Aqui em São Paulo, até 2003, não é tão antigo, a contribuição que o funcionário fazia era 6% do vencimento. Só 6% para a pensão dos dependentes. Não pagava nada para a aposentadoria. Zero. E se aposenta com integralidade de vencimentos. Um juiz se aposenta aqui em São Paulo, provavelmente pelo teto, será R$ 33 mil por mês, tendo contribuído só a partir de 2003. Aí sim passou a contribuir com 5% disso. Essa conta não vai fechar nunca. Não tem como. Precisa aumentar a idade para aposentar, como todos os países aumentaram. Na Europa já está chegando aos 70 anos, no Brasil, em um primeiro momento não vai chegar a tanto, mas vai acabar chegando mais para frente. Tem que caminhar na equalização da previdência pública com a privada. 
ConJur — No ano passado, a PGE precisou desembolsar cerca de R$ 1 bilhão com condenações em saúde. Os gastos continuam nesta faixa?
Elival da Silva Ramos —
 Tem crescido no estado, mas na União tem crescido mais ainda. O estado tem um valor alto, expressivo no seu orçamento, a título de despesas com saúde.
ConJur — A defesa da Fazenda não é muito genérica?
Elival da Silva Ramos —
 É, de fato. A pessoa mostra que está doente e que existe um medicamento para aquilo, mas não está na lista do SUS. A grande controvérsia na judicialização da saúde, em geral, é essa. Tem duas maneiras de ver isso. Antes a gente argumentava pela "reserva do possível", afirmando que não tinha orçamento. Era uma defesa padrão. Hoje, a grande tese do Estado, do poder público, é a seguinte: não existe um único medicamento ou um único tratamento para cada moléstia, há várias possibilidades. Tem que combinar uma estratégia no setor público, de saúde pública, que envolva custo do medicamento e envolva eficácia. Mas é importante que o Judiciário concorde com isso.
No fundo, a única possibilidade de ganhar uma causa dessa na Justiça é assentar-se que não cabe ao Poder Judiciário interferir na discricionariedade técnica-administrativa de montagem de um sistema de saúde pública que vai, evidentemente, para cada agravo, prescrever um tratamento, levando em conta custo e eficácia do medicamento. O que a maioria dos juízes aceita é a prescrição de um médico contratado falando que um medicamento importado é melhor que o tratamento que o SUS disponibiliza. Às vezes [o remédio] nem é registrado na Anvisa. Muitas vezes, foi registrado há tão pouco tempo que não teve sequer análise do SUS. O juiz então defere uma liminar, depois concede a sentença. Mas a questão principal é que o juiz não pode fazer isso. Só se faz isso em países como África do Sul e Colômbia, que são ativistas judiciais.
ConJur —  Caímos no ativismo judicial, sobre o qual o senhor já escreveu...
Elival da Silva Ramos —
 É uma questão séria, e não é só para o direito à saúde. A mesma questão envolve o direito à moradia e outros direitos sociais. A princípio, deveria ser assim: o poder público tem uma estratégia de implantação que leva em conta o planejamento para o futuro. Nisso, não pode dar tudo para todos. Então vai escolher o que é mais grave, descobrir o que é mais urgente. No fundo, tinha que melhorar a nossa discussão democrática do orçamento. O que é prioritário? Vamos dar moradia? Ou vamos resolver vacina? Agora, o Judiciário, que não tem compromisso com o fechamento dessas contas, vem, analisa individualmente e diz que "é justo que as pessoas tenham moradia”. Também acho. É justo que todos tenham acessibilidade, todos tenham isso e tenham aquilo. Mas o custo disso não fecha. Vamos ter um Estado inchado, endividado.
Boa parte da inviabilização do modelo brasileiro de Estado passa pelo ativismo judicial. O Judiciário está imputando um custo ao Estado fenomenal em várias coisas. A gente briga o tempo todo. E aí não é a questão de os argumentos do Estado serem piores ou melhores, é questão ideológica, eu diria. No fundo, o Judiciário é o controlador da política pública de prestações sociais. Ele não é o formulador de políticas públicas e nem é o responsável por isso. Não é o Judiciário brasileiro o responsável por resolver a questão de saúde. Não é o Judiciário brasileiro o responsável por resolver a questão de habitação. É o legislador, é o administrador. O Judiciário deve controlar para que isso seja feito com isonomia, com segurança jurídica.
ConJur — O Judiciário brasileiro assumiu indevidamente esse papel?
Elival da Silva Ramos —
  Ele se auto-impôs esse papel, porque isso dá matéria na imprensa, isso dá poder social. O magistrado aparece como Robin Hood. Essa é a realidade. Um amigo meu juiz diz que a Fazenda está em dificuldade porque os juízes gostaram de ter poder. Porque antigamente, alguns casos só se resolviam cobrando que um deputado apresentasse um projeto de mudança na lei ou fazendo uma manifestação na frente do Palácio, para ver se o governador ou prefeito se sensibilizava, Pressionavam partidos, faziam movimento. Agora, a solução é achar um advogado e judicializar.
Isso é uma coisa que não tem cabimento, por um simples motivo: políticas sociais envolvem sempre exclusões, envolvem sempre planejamento. É preciso optar por coisas, examinar globalmente, senão provoca uma enorme injustiça. As pessoas que entram com ações na área da saúde são pessoas que já são privilegiadas, em geral. Porque quem tem acesso à Justiça é quem tem mais educação, mais acesso à informação, advogado melhor. Entram e conseguem um tratamento caríssimo. Quem perde nessa equação? Perde o pobre, que não tem advogado, que não tem informação. Então não tem judicialização no Brasil, por exemplo, para combater a esquistossomose ou para doença tropical em geral, dengue etc. O juiz é moldado, o processo judiciário é moldado para controlar a prática de ilegalidades, quebra de isonomia. Não é para entrar na conveniência e oportunidade.
Quem é que diz que eu tenho que investir em remédios caríssimos e deixar de, por exemplo, dar creche para as crianças, que inviabiliza as mulheres de exercer trabalho etc.? O que é mais importante? Tudo tem a sua importância. É o representante político que tem que dizer, não é o Judiciário. Essas são questões assim básicas de organização do Estado brasileiro que nós vamos ter que enfrentar nos próximos anos.
ConJur — Mas a Constituição Federal não coloca que saúde é direito de todos e dever do Estado?
Elival da Silva Ramos —
 A Constituição tem um dispositivo perfeito. É um dos mais bem redigidos nessa matéria. O problema é que o juiz só lê a primeira parte. É só questão de eles lerem melhor. Leiam o artigo inteiro. Está escrito assim: “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Mas não é só ponto final, tem uma vírgula: "esse direito é assegurado mediante políticas públicas”, é o que vem dito em seguida.  Então na verdade o que está escrito é que você tem direito à saúde, mas é condicionado a uma política pública que o torne concreto. E quem monta essa política, quem implementa, é o poder público, administração seguindo a legislação. 
ConJur — O debate jurídico está politizado?
Elival da Silva Ramos —
 Está totalmente politizado. Veja os debates no Supremo Tribunal Federal, a forma como se realizam agora. Lembro do ministro Moreira Alves, anos atrás, quando eu estava fazendo faculdade e ele foi dar uma palestra no Largo do São Francisco. Fizeram uma pergunta sobre um tema específico e ele respondeu: “Esse tema está chegando ao Supremo, eu quero me preservar. Então vou falar só sobre alguns estudos correlatos”. Muito cuidadoso. Hoje o ministro fala em off, reservadamente, em tese. E depois até vai dar uma palestra ou escrever um artigo em jornal defendendo o ponto de vista. Isso não é papel de ministro. O ministro deveria reservar a posição dele para falar nos autos.. O juiz deveria falar pouco, ouvir muito e decidir. Mas está fazendo parte de um debate político.

ConJur — Isso se deu quando o STF determinou o cumprimento da pena a partir da condenação em segundo grau?
Elival da Silva Ramos —
 A discussão posta é: deveríamos prender alguém que é condenado em primeiro grau e tem a condenação confirmada em segundo grau? Isso melhoraria o combate à corrupção? Mas isso é uma discussão de mérito, que tem que ser travada no parlamento. A Constituição diz que a prisão só pode ser feita depois do trânsito em julgado. Com letras claríssimas. A Constituição não permite outra solução. Eu mesmo critico o texto constitucional, mas eu cumpro. Ele tem que ser cumprido. A solução para isso seria uma emenda à Constituição. E aí não cabe ao Judiciário. O parlamento não discute o assunto, fica aguardando o Supremo decidir. O STF decide uma coisa hoje, outra amanhã, depende do clamor popular. Claro que isso repercute na insegurança jurídica, porque, no mundo da política, aquilo que é lei hoje pode não ser cumprido amanhã.
Thiago Crepaldi é repórter da revista Consultor Jurídico.

Claudia Moraes é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 11 de março de 2018, 9h10
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Filho adotado não tem direito à herança do pai biológico, decide TJ-DF

A partir do momento em que é adotada por outros pais, uma pessoa perde os vínculos com a família biológica e, por consequência, o direito à herança. Com esse entendimento, a 7ª Turma Civil do Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou provimento a recurso de uma mulher criada e adotada pelos tios, que buscava inclusão no inventário de seu pai biológico.
Nos autos, a requerente alega que viveu durante 32 anos como filha legitima e biológica do inventariado. Apesar de ter mantido contato com ele, diz sempre ter sido tratada com indiferença e não ter recebido bens ou custeios de estudos como os outros filhos do mesmo. Fruto do primeiro casamento, ela conta que foi abandonada pela mãe com 21 dias de vida, criada e adotada pelos tios diante do desprezo afetivo e financeiro do pai.
O requerimento de tutela recursal com propósito de incluí-la como herdeira não foi aceito. O acórdão, assinado pelo juiz Romeu Gonzaga Neiva, confirmou decisão da 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Taguatinga, que excluía a autora do processo de inventário por não ser mais herdeira de seu pai biológico.
Os desembargadores entenderam que, apesar de haver razões emocionais envolvidas na controvérsia, não há amparo legal para o recurso movido. “No caso, a partir do momento em que a Agravante foi legalmente adotada por outra família, deixou de ostentar a condição de filha do de cujus, afastando, assim, sua condição de descendente. Isso porque o direito de herança se extingue com a adoção”, determinou Neiva, que foi acompanhado pelas desembargadoras Leila Arlanch e Gislene Pinheiro.
Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2018, 8h37
https://www.conjur.com.br/2018-mar-13/filho-adotado-nao-direito-heranca-pai-biologico-tj-df
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Liberdade de expressão não protege manifestações concretas de ódio religioso

Por 


"O abuso no exercício da liberdade de expressão não pode ser tolerado", afirmou o ministro Celso. "Os postulados da igualdade e da dignidade pessoal dos seres humanos constituem limitações externas à liberdade de expressão, que não pode, e não deve, ser exercida com o propósito subalterno de veicular práticas criminosas tendentes a fomentar e a estimular situações de intolerância e de ódio público."
Para Dias Toffoli, social e historicamente o Brasil se orgulha de ser um país de tolerância religiosa, valor que faz parte da construção de nosso Estado Democrático de Direito. De acordo com o ministro, a condenação transcreve vídeos publicados na internet que alimentam o ódio e a intolerância. Citando trechos dos vídeos, o ministro entendeu que, se o Estado não exercer seu papel de pacificar a sociedade, vai se chegar a uma guerra de religiões. “Ao invés de sermos instrumento de pacificação, vamos aprofundar o que acontece no mundo”, declarou.
O ministro Ricardo Lewandowski, que também acompanhou a divergência, disse que o Preâmbulo da Constituição fala na construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Para ele, a ação do condenado atua contra um importante valor erigido pelos constituintes como fundamento da República Federativa do Brasil, que é a solidariedade.
Caso Ellwanger
Terceiro a votar pelo desprovimento do recurso, o ministro Gilmar Mendes lembrou do célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82.424), em setembro de 2003, quando o Supremo manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra judeus. A decisão é um histórico precedente de imposição de limites à liberdade de expressão como forma de dar mais efetividade ao princípio da liberdade religiosa, como explicou o ministro Maurício Corrêa, autor do voto vencedor.
No caso do pastor, Gilmar Mendes disse que, a despeito da importância dada à liberdade de expressão, o próprio texto constitucional impõe limites. O artigo 220, parágrafo 1º, da Constituição diz que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observados determinados incisos do artigo 5º, onde estão contidas as limitações.
Gilmar disse ainda que, no Brasil, convivem pacificamente comunidades as mais diversas, que às vezes estão em guerra mundo afora. “Esse é um valor que precisamos preservar.”
"Bíblia, sim"
Segundo a acusação, o pastor publicou vídeos e postou ofensas a autoridades e seguidores de outras crenças religiosas — católica, judaica, islâmica, espírita, wicca, umbandista e outras —, pregando inclusive o fim de algumas delas e imputando fatos ofensivos aos seus devotos e sacerdotes.
O pastor, que agora usa a internet para atacar o Direito com o lema "Bíblia, sim, Constituição, não", tentou derrubar a condenação, mas não conseguiu. No Superior Tribunal de Justiça, o ministro Joel Ilan Paciornik explicou: o caso do pastor trata apenas da defesa da própria crença, mas de um ataque ao culto alheio que põe em risco a liberdade religiosa. 
Após a rejeição do HC pelo STJ, a defesa apresentou recurso ao STF pedindo o trancamento da ação por atipicidade da conduta. Segundo os advogados, a condenação ideológica de outras crenças é inerente à prática religiosa, uma garantia constitucionalmente assegurada.
O relator do caso, ministro Luiz Edson Fachin, votou pelo provimento do recurso. Para ele, apesar de caracterizar uma atitude “absolutamente reprovável e arrogante”, o ato narrado não pode ser tipificado penalmente. A conduta, ainda que “intolerante, pedante e prepotente”, se insere no embate entre religiões e decorre da liberdade de proselitismo essencial ao exercício da liberdade religiosa, frisou o relator.
Ataques ao Judiciário
Mesmo com a condenação pelas publicações na internet, o pastor continua usando essa ferramenta para atacar os outros. Desta vez, o foco do condenado é o Direito e o Judiciário. Em diversos vídeos publicados no YouTube, o pastor e seus fiéis defendem o lema "Bíblia, sim, Constituição, não". 
"O sistema judiciário é a maior bandalheira que as nações inventaram. Homens dando sentença em cima das leis que eles próprio criaram. O homem quando cria uma lei deixa margem para dúbias interpretações. Não é como a palavra de deus, que é interpretada por sacerdote e a coisa é sim, sim, não, não", diz o pastor condenado, em um vídeo publicado em janeiro, no qual ironiza a Justiça dizendo que a cadeia para ele é apenas um descanso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Clique aqui para ler o voto do ministro Celso de Mello.
RHC 146.303
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 14 de março de 2018, 13h17

https://www.conjur.com.br/2018-mar-14/liberdade-expressao-nao-protege-manifestacoes-odio-religioso

Não quero mais! Direito ao Arrependimento

Entenda como funciona e em quais situações você pode solicitar a devolução do valor pago

Publicado por Thiago dos Santos Souza

No dia 15 de Março é comemorado o Dia do Consumidor, e nada melhor do que comemorar essa data explicando ao cidadão em quais hipóteses pode solicitar o cancelamento, bem como o respectivo prazo para tal medida.

Fatos como esse não são raridades: Quem nunca realizou a compra de algo por impulso e se arrependeu, logo em seguida ? Abaixo iremos explicar como funciona o direito de arrependimento.

Qual o prazo de arrependimento para compras realizadas a distância (internet/telefone):

Em casos que a compra do produto se der fora do estabelecimento comercial, ou seja, via telefone; internet ou até mesmo a domicílio, o consumidor terá o prazo de 7 dias corridos para optar pela possibilidade do cancelamento.

Ressalta-se que a contagem do prazo se inicia com a data do recebimento do produto ou assinatura do contrato, com fulcro no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor.

Vide o art. 49 do CDC da Lei Lei 8.078/90:
"O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou em domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados".

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Como faço para exercer o meu direito ?

Quando o consumidor quiser exercer o seu direito, deverá formalizar o seu pedido ao fornecedor. Ou seja, independente de como entrará em contato com o fornecedor, guarde comprovantes (protocolos de ligação; e-mails; aviso de recebimento, etc).

Preciso ficar me justificando?

Em situações que ocorrerem o arrependimento na compra, o consumidor não é obrigado a informar o motivo da desistência.

Ademais, caso a sua solicitação de desistência tenha sido realizada no prazo legal e nas situações explicadas acima, o fornecedor deverá restituir o valor integral imediatamente.

Ressalta-se que o arrependimento, bem como a restituição se dão independente da violação da embalagem do produto.

Em lojas físicas posso exercer esse direito ?

NÃO! O direito ao arrependimento só se aplica a situações em que o consumidor realizar a compra fora do estabelecimento comercial (telefone;internet;domicílio).

Tal medida se dá pelo fato do consumidor não possuir o contato direto com o produto e nem com o fornecedor.

A troca ou desistência de produtos comprados em lojas físicas só acontecerá quando houver apresentação de danos ou defeitos ao mesmo.

Conclui-se que se o consumidor desistir da compra em loja física, o mesmo dependerá da política interna da loja.

Restituição do valor pago em loja física

Não obstante as hipóteses mencionadas acima, a devolução do produto com restituição do valor pago somente será possível por motivo de defeito sem possibilidade de reparo.

Ou seja, a devolução do dinheiro ocorre por falha na garantia do bem.

É de extrema importância que o consumidor saiba que todo produto possui um prazo de garantia legal obrigatório independente da garantia dada pelo fabricante:
30 (trinta) dias para reclamar de vício ou defeito de produto não durável;
90 (noventa) dias para reclamar de vício ou defeito de produto durável.

Não havendo o reparo do produto o cliente poderá escolher:
a substituição do produto por outro novo;
o ressarcimento do valor pago devidamente atualizado;
ou o abatimento proporcional do preço se o defeito não comprometer o uso do produto.

Destarte, se o consumidor realizar a compra do produto e não o retirar da loja, o mesmo poderá contar com a figura do direito ao arrependimento, pois não houve contato direto com o produto, entretanto se a loja determinar taxa de cancelamento, tal cobrança é lícita.

Bibliografia
http://www.procon.sp.gov.br
http://www.migalhas.com.br
http://www.planalto.gov.br
https://www.direitoeconsumo.adv.br

https://thiisouza.jusbrasil.com.br/artigos/556247064/nao-quero-mais-direito-ao-arrependimento?utm_campaign=newsletter-daily_20180315_6847&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Cumprimento de sentença na nova sistemática do código de processo civil: obrigação de fazer e de não fazer

1 INTRODUÇÃO

O Novo Código de Processo Civil trouxe consigo formas inovadoras acerca da efetividade no sistema processual e, principalmente, nas demandas executivas, buscando democratizar suas técnicas, para regular as relações humanas, garantir e melhorar a vida em sociedade; determinando por meio de preceitos legais, a necessidade de uma nova metodologia com intuito de objetivar a celeridade das ações cíveis, como as relacionadas a dívidas, família, propriedade e indenizações.

Desta forma, em decorrência ao excesso de formalismo que apresentava o Código de Processo Civil de 1973, foi necessária a criação de um instituto que colaborasse para conferir maior credibilidade e efetividade ao processo. Ao longo da história processual civil o CPC antigo (1973) passou por inúmeras reformas em todo seu ordenamento. Uma das mais importantes foi promovida pela Lei nº 11.232/2005, que deu uma nova vida para a execução civil, ocasionando relevantes alterações na sua redação final acerca do cumprimento de sentença. Destinou-se também a atualizar a legislação infraconstitucional com a Reforma do Judiciário efetuada no ano de 2004, com a crescente valorização da jurisprudência, principalmente com a criação no direito pátrio das súmulas vinculantes, através da Emenda Constitucional nº 45, voltada ao acesso à Justiça e à harmonização dos ideais de efetividade e de celeridade com o dogma do devido processo, que é incorporado no rol de direitos e garantias fundamentais no inciso LXXVIII, do art. 5º da Constituição Federal, o qual dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).

A partir daí, a denominada “reforma executiva” trazida pela Lei nº 11.232 de 25 de dezembro de 2005, desempenhou significativas modificações junto à complexidade dos dispositivos do diploma processual civil, ao estabelecer a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento; abrangendo também a efetivação das obrigações de fazer, de não fazer, pagar quantia certa e entrega de coisa constante dos títulos judiciais previstos no atual art. 515 (BRASIL, 1973, art. 475-N).

Desta forma, todas estas obrigações serão cumpridas na mesma relação processual, ou seja, independentemente da instauração de processo executivo próprio.

Foi feita uma análise histórica no cumprimento de sentença, sua competência e as características provisórias e definitivas, alcançadas pela referida lei, buscando-se avaliar se o sistema processual se torna mais efetivo e célere em conformidade com a prestação de tutela jurisdicional nas obrigações de não fazer e fazer, no intuito de gerar uma nova formulação que vise a atuação prática da norma jurídica concreta, que deva disciplinar determinada situação, o sincretismo prático e teórico do processo e, com isso, evitando acontecimentos que dificultavam à efetividade da Justiça, passando a seguir, em regra, a atividade cognitiva, sem solução de continuidade marcada, convertendo-se assim aquela atividade e a executiva em fases de um único processo.

A motivação para este trabalho de conclusão de curso surgiu quanto às necessidades encontradas pelos operadores do direito acerca da dificuldade no manuseamento de uma nova técnica de cumprimento de sentença e seus respectivos pressupostos e as exigências traçadas por uma nova fonte de direito contemporâneo.

A metodologia utilizada foi embasada na análise do cumprimento de sentença, que parte da doutrina processualista atualizada e contemporânea com a paralela observação da legislação nacional e os dispositivos do antigo Código de Processo Civil (1993), se atentando às mudanças decorrentes da Lei 11.232/2005 para a criação de um novo Código, para, posteriormente exercer a um estudo crítico acerca do tema, na sua forma dedutiva pelos autores, com influência do pouco tempo de uso de sua aplicação na nossa realidade atual.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ACERCA DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Desde os tempos mais remotos se todos atentassem ao “meu direito termina onde começa o do outro”, não haveria necessidade de processo. Muitas vezes o ser humano se vê em situações de conflitos, estes que podem ser resolvidos através de um diálogo e não somente com a adjudicação da sentença.

Atualmente, o sistema jurídico brasileiro admite a intervenção do Estado-juiz como uma das formas (considerada a opção pela conciliação, mediação e a arbitragem) para a solução de conflitos, utilizando um aparato normativo composto pelos precedentes judiciais, regras e princípios, capazes de dar fim ao conflito. Mas nem sempre foi assim, para tanto foi necessário fazer uma significativa reforma no Código de Processo Civil, em quase todo o seu material, alterando assim, a redação final de cada dispositivo exposto.

Em 1939, o CPC oferecia apenas dois meios de execução, compreendidos na ação executiva e no processo de execução. Já no Código de 1973, de início, estruturou os procedimentos de acordo com as três diferentes tutelas jurisdicionais, compreendidas nas tutelas de conhecimento, executiva e cautelar. Sua redação originária dava tratamento unificado à execução que estivesse fundada em título judicial ou extrajudicial. Em ambos os casos, haveria sempre a necessidade de formação de um processo de execução autônomo, em que o executado precisava ser citado.

Quanto à autonomia da execução de sentença como nova relação processual, cumpre apontar que no período compreendido entre a idade média até antes do CPC de 1939, a doutrina considerava as fases cognitiva e executória como integrantes de um único processo, mas esta ideia foi superada pelo CPC de 1973, que separou as tutelas judiciais de conhecimento e satisfação do direito (BRASIL, 1973).

Com a Lei nº 11.232/2005, houve mais uma relevante alteração na sistemática originária no Código de Processo Civil, onde deixa de existir um processo de execução instituído em título executivo judicial, salvo em casos de sentença arbitral, estrangeira e penal condenatória. A execução passou a ser apenas uma fase única que se compõe ainda da fase cognitiva procedente. Não existe mais processo de execução fundado em título judicial, mas apenas mera fase de cumprimento de sentença (BRASIL, 2005).

Antigamente, antes da edição da referida lei, era possível detectar três processos diferentes, o condenatório, o de liquidação e o de execução. Cada qual constituía um processo autônomo embora nos mesmos autos. Desta forma, o devedor seria citado em cada processo.

Através da Emenda Constitucional 45 de 2004, assegurou-se os respectivos meios que garantam a necessidade da sua celeridade na tramitação (art.5º, LXXVIII) e a razoável duração do processo, tanto na esfera administrativa, quanto na judicial. Tornou-se impreterível a reforma do CPC no sentido de também tornar efetiva a prestação da tutela jurisdicional (BRASIL, 2004).

Com a edição da Lei nº 11.323/2005, a execução de título judicial perdeu a autonomia e deixou de ser tratada como processo autônomo. Continua tendo característica de execução, porém passou a ser uma fase do processo. Os atos executivos serão praticados dentro do próprio processo em que se proferiu a sentença. Portanto não haverá citação do executado, ele apenas será intimado dos atos de constrição executiva. A execução de título executivo judicial, atualmente, é fase de cumprimento de sentença, e o título executivo extrajudicial necessita de um processo autônomo (processo de execução).

O Novo Código de Processo Civil manteve a sistemática instituída pela referida lei, tratando a execução por título judicial como fase subsequente do processo de conhecimento, necessária quando não há cumprimento de sentença voluntário da condenação imposta na sentença.

O Novo Código de Processo Civil, veio como forma inovadora para garantir a efetividade e a celeridade processual, trazendo técnicas cada vez mais contemporâneas acerca da sua estrutura como um todo, e principalmente na esfera de cumprimento de sentença, onde está estruturado na Parte Geral e Parte Especial no Código. O primeiro livro da Parte Especial trata do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença; o segundo, do processo de execução. O cumprimento de sentença pode também ser chamado de fase de execução fundada em título judicial, que consiste na fase posterior ao processo de conhecimento, nas hipóteses em que houver condenação mas não cumprimento voluntário de obrigação.

No tocante, a Lei nº. 11.232/2005 de certa forma, revolucionou o direito processual civil brasileiro, não apenas por unificar a execução de título judicial ao seu processo de conhecimento, como também por dinamizar o cumprimento de sentença parcialmente líquida, por estipular multa coercitiva para constranger o devedor a adimplir o título nos primeiros 15 dias e por regulamentar a execução provisória. O cumprimento de sentença não mais necessita da construção de nova relação processual, mas depende de mero pedido da parte nos autos do processo de conhecimento, como também se processa um simples pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

3 CUMPRIMENTO DA SENTENÇA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Buscou-se inserir no Código Processual Civil brasileiro pela Lei nº 11.232/2005, uma nova forma de processo, que seja moderno e eficiente dando efetividade nas relações de conflitos, de maneira que possa ser adequado e célere para o cumprimento das sentenças e com isso trazer a satisfação do direito material, afastando a lentidão das demandas processuais incorporadas no nosso ordenamento jurídico, através do sincretismo processual.

Compreende cumprimento das obrigações de fazer, não fazer e de entregar coisa, frequentes nas decisões judiciais, quanto à execução de obrigação de pagar quantia certa, no vigente art. 515 (art. 475-N do CPC de 1973). Essas obrigações serão cumpridas na mesma relação processual, ou seja, independentemente se instaurado um processo próprio.

Como bem relatou o Ministro de Estado da Justiça, Bastos (apud MARTINS, 2013):
A ‘efetivação’ forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um ‘tempus iudicatti’, sem necessidade de um ‘processo autônomo’ de execução (afastam-se os princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade); processo ‘sincrético’, no 4 dizer de autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário são alteradas as ‘cargas de eficácia’ da sentença condenatória, cuja ‘executividade’ passa a um primeiro plano; em decorrência, ‘sentença’ passa a ser o ato ‘de julgamento da causa, com ou sem apreciação de mérito.

Há uma substancial diferença entre o cumprimento, e as peculiaridades da obrigação de pagar quantia, que de regra se dá com a execução dos bens do devedor, e a execução das obrigações de fazer, de não fazer e entrega de coisa.

O que ocorre no cumprimento das obrigações de fazer, ou não fazer e entrega de coisa é que não carece a alienação do patrimônio do devedor para sanar o débito, e historicamente no nosso ordenamento há a proteção do inviolável direito de propriedade (art. 5º, caput, XXII, XXIII, LIV, da CF/88), de forma que seja necessário para o legislador haver um devido processo para que se dê a desapropriação no patrimônio de alguém (BRASIL, 1988), exceto se tais obrigações específicas não forem convertidas em perdas e danos.

Conforme disposto nos arts. 536 e 537 do NCPC, o juiz poderá de ofício ou a requerimento, conceder para a efetivação da tutela específica ou por determinação de providências que assegurem o resultado prático equivalente (BRASIL, 2015). Em outras medidas, pode o juiz impor multa, a busca e apreensão da coisa, requisitar o auxílio de força policial, se necessário, remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividades nocivas (BRASIL, 2015, art. 536 §1º).

O art. 513, §1º, determina que: “o cumprimento de sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, se faz requerimento do exequente” (BRASIL, 2015).

Neste sentido, o dispositivo deixou bem claro, que se tratando do cumprimento de sentença que vise a expropriação do devedor (da obrigação de pagar quantia certa), será indispensável o requerimento do credor. Ou seja, sem esse requerimento inicial não terá início a fase de cumprimento de sentença para o pagamento de quantia.

Quando referir-se à obrigação de pagamento de quantia certa, transitado em julgado a sentença ou mesmo na pendência recursal ao qual se atribui efeito devolutivo, o credor poderá promover o cumprimento da decisão, muito embora o cumprimento se dê através de atos executivos, da mesma forma como ocorre na execução de título extrajudicial.

Ao se falar em sincretismo processual, onde “sincretismo”, significa “fusão de elementos antagônicos em um única matéria” (ROSA, 2014). No sistema processual podemos dizer que é a fusão de atos de cognição e de execução, que vem como forma de celeridade e clareza, permitindo que o juiz conhecedor da causa dê mais eficácia àexecução, tendo em vista a sua breve consumação.

Sendo introduzidas as obrigações de pagar quantia em 2005, quando a lei propôs a alteração no CPC de 1993. Antes disso, era possível apenas para as tutelas de obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa, requerer o cumprimento no próprio processo de conhecimento. Ou seja, não há necessidade de instauração de processo executivo para alcançar o bem jurídico almejado.

Após transitada e julgada a sentença, é necessário que o devedor cumpra voluntariamente a obrigação à qual foi sentenciado. Entretanto, ao persistir a inadimplência e estando o credor resguardado pela decisão judicial líquida que reconheceu a obrigação de pagar, de entregar, de fazer e não fazer, será possível o início de uma nova fase processual, buscando a efetividade do direito reconhecido pela parte credora. Onde já estará comprovada a existência do título e da liquidez, mas dependerá do exequente para atestar a que condição ou termo ao qual estava sujeita a relação jurídica se implementou.

Posteriormente, apresentado o requerimento de cumprimento o executado será intimado para cumprir a sentença. No Código de Processo Civil de 1973, o Superior Tribunal de Justiça, quanto a interpretação dos seus dispositivos relativos ao cumprimento de sentença, entendia que nas hipóteses de obrigação de fazer, não fazer e entrega de coisa, o devedor era intimado pessoalmente; já nas obrigações de pagar quantia certa, as intimações poderiam ser por meio do advogado constituído nos autos. De acordo com o novo CPC, independentemente da natureza da obrigação, é que em regra o devedor deverá ser cobrado pelo Diário de Justiça, na pessoa do advogado constituído nos autos. Assim, há uma desnecessidade acerca da intimação do devedor, pois o mesmo já tem plena ciência da condenação, pois já teria participado do processo de conhecimento. As exceções à intimação por meio do Diário Oficial estão previstas nos incisos II, III, IV §2º (art. 513), bem como no §4º do mesmo dispositivo, em que consta: se o devedor estiver representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, sua intimação deve ocorrer com aviso de recebimento; quando o devedor for a União, Estado, Distrito Federal, Município ou entidade de administração indireta, a intimação deverá ser realizada por meio eletrônico, no endereço constante no cadastro previsto no §1º do art. 246; na fase de conhecimento o devedor, citado por edital, tiver sido declarado revel, a sua intimação deverá ocorrer por meio de edital; se o pedido de cumprimento de sentença for requerido depois de um ano do transitado em julgado da sentença, a intimação deverá ser feita, necessariamente na presença do devedor (BRASIL, 2015).

Conforme afirma Donizzetti (2016) dentre tantas novidades trazidas pelo novo CPC, segundo o §5º do art. 513, “o cumprimento de sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do co-responsável que não tiver participado da fase de conhecimento (BRASIL, 2015)”. Em que este dispositivo pudesse ser deduzido do princípio do contraditório, o legislador processual aproveitou a oportunidade para fortalecer a idéia de proteção ao fiador ou coobrigado que não exerceu o seu direito de defesa no processo de conhecimento. Bem como consolidou na legislação processual firmado no âmbito do STJ, súmula nº 268.

3.1 COMPETÊNCIAS PARA O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

A competência para o cumprimento de sentença está arguida no art. 516 do novo CPC:

Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante:
I - os tribunais, nas causas de sua competência originária;
II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;
III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo (BRASIL, 2015).

Neste caso, podemos sintetizar as duas primeiras formas contidas neste dispositivo no inciso I e II, é habilitado para o cumprimento da sentença o juízo no qual se prolatou a decisão. O Fato de haver recurso não altera a competência para o cumprimento da sentença (BRASIL, 2015).

Nas causas onde há competência originária dos tribunais, cabe ao tribunal que proferiu o acórdão processar o seu cumprimento (inciso I). Havendo decisão da causa no juízo de primeiro grau de jurisdição, terá idoneidade para a execução da sentença (inciso II) (BRASIL, 2015).

Em regra, o inciso I do art. 516 estabelece uma regra geral de competência, por sua funcionalidade. Como já foi dito, se a causa é de competência originária, a execução será processada no próprio tribunal. De regra, a competência será do relator da ação de competência originária (BRASIL, 2015).

Conforme Gonçalves (2016), a tendência seria acompanhar o que preleciona o Regimento Interno do STF. No Supremo Tribunal Federal, a competência para processar e julgar a execução sempre será do relator do processo de conhecimento (arts. 21, II e 341 do RISTF). No Supremo Tribunal de Justiça, a competência para decisão é do presidente do órgão onde tramitou o processo de conhecimento. Dessa forma, fica determinada a competência de tal juízo para o cumprimento da sentença, com fundamento na esfera funcional.

No parágrafo único do art. 516, dispõe:
Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem (BRASIL, 2015).

Segundo este dispositivo e na mesma linha de pensamento de Eupídio Donizetti (2016), na hipótese de cumprimento de sentença proferida no primeiro grau de jurisdição, de sentença penal condenatória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira, poderá o exequente optar pelo juízo do local do atual domicílio do executado, onde se encontram os bens sujeitos à execução ou o local em que se deva ser processada a obrigação de fazer, ou de não fazer.

3.2 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PROVISÓRIO E DEFINITIVO

O cumprimento de título judicial poderá ser definitivo ou provisório. Será definitivo quando a decisão tiver transitado em julgado; será provisório quando a decisão tiver sido impugnada mediante recurso ao qual não tenha sido atribuído recurso suspensivo.

Essa afirmação segundo Gonçalves (2016) é uma classificação que só diz respeito ao cumprimento de sentença, pois a execução de título extrajudicial é sempre definitiva.

Por outro lado, o cumprimento provisório quando fundado em decisão judicial não transitada em julgado porque o título ainda não se formou, em caráter irreversível, ou para efetivação de tutela provisória, nos termos do art. 297, parágrafo único.

Já o cumprimento de sentença transitada em julgado terá seu cumprimento definitivo, ainda que haja recurso contra impugnação julgado improcedente, que tenha ou não sido recebido com efeito suspensivo. Os títulos extrajudiciais, em decorrência da súmula 317 só Superior Tribunal de Justiça, dispõe: “É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedente os embargos”.

Entretanto, é necessário reconhecer que, nos casos mencionados, haverá um certo risco para o acusado. Porque sendo definitiva a execução, todos os atos do procedimento poderão ser realizados sem caução, incluindo o levantamento de dinheiro e a alienação de bens. Mas, se promovida a apelação nos embargos ou o agravo de instrumento na impugnação, a execução poderá ser extinta. Não se cogita de responsabilidade o exequente em prestação de caução para o desempenho de ações executivas, sequer em restituição das partes ao estado anterior. Deste modo, nesta modalidade abrangerá a penhora, arrematação e pagamento independentemente do oferecimento de qualquer garantia por parte do credor, por seu caráter de cumprimento definitivo de título, não se cogita de prejuízos pelos quais possa vir a ser responsabilizado ao exequente (credor). A responsabilidade do exequente é objetiva, assim, se reformado o título provisório, ele deverá arcar com os prejuízos sofridos pelo executado, independentemente de culpa.

O procedimento de execução de título judicial em regra, observará as disposições do cumprimento provisório. O devedor será intimado para pagar o débito no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10%. Convém salientar que controvertia-se sobre a incidência de multa, no CPC de 1973, mas o atual é expresso (art. 520 §2º).

O art. 520, estabelece:
Art. 520 - O levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos (BRASIL, 2015).

Ou seja, surge para evitar que os danos se tornem irreversíveis. A caução só será essencial para a aplicação dos atos mencionados nos dispositivos. Não se exigirá para outros atos da execução, como aresto ou penhora de bens. Neste sentido: “Na execução provisória, à medida que o executado não sofreu cominação de perda de posse ou domínio dos bens penhorados, não se fará exigível a caução” (RSTJ, 71:188).

Contudo, a distinção dessas duas modalidades de cumprimento é a responsabilidade do credor, a possibilidade de retorno das partes ao estado anterior e a exigência da caução para o levantamento de depósito em dinheiro e alienação da propriedade ou de outro direito.

4 CUMPRIMENTO DA SENTENÇA NAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER

A tutela jurisdicional das obrigações de fazer e de não fazer, do mesmo modo que as de entrega de coisa e pagar quantia, constituem títulos hábeis à execução, ao que se possa apresentar nos títulos judicias previstos no art. 515, I. do CPC/2015, em que nele afirma que as decisões proferidas no processo civil reconheçam sua exigibilidade, independentemente da instauração de um novo processo (DONIZETTE, 2016).

As prestações de fazer e não fazer não apenas englobam as oriundas de contrato, portanto, obrigação em sentido estrito, mas também as decorrentes dos dispositivos legais, ao que podemos chamar de poderes legais, que são fundamentais previstos na CF/88 (meio ambiente, saúde, lazer etc). Desta forma, todos os direitos e deveres disponíveis, ensejadores de obrigação em sentido estrito, serão tutelados pelos referidos dispositivos do CPC.

No cumprimento de sentença que tenha sido fixado a obrigação de fazer ou de não fazer, para que se torne mais efetiva a prestação da obrigação o legislador adorou técnicas inovadoras para que de certa forma pudesse coagir o devedor a cumprir tais obrigações, pactuadas, passando as perdas e danos constituírem o último remédio à disposição do credor.

Conforme dispõe o art. 536:
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente (BRASIL, 2015).

Desta forma, transitada em julgado a sentença, poderá o juiz de ofício ou mediante requerimento do credor, utilizar-se de meios legais disponíveis para “forçar” o devedor a cumprir a obrigação já firmada. Mas, caso não seja possível, o juiz determinará as medidas que assegurem o resultado prático equivalente. A tutela específica ou equivalente poderá ter sido concedida na própria sentença, em acolhimento ao pedido do autor, ou de ofício, diante da eventual impossibilidade de concessão de tutela específica.

4.1 OBRIGAÇÕES FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS

Segundo Abelha (2015), é fungível a obrigação de fazer cuja prestação respectiva pode ser executada por terceiro, levando em conta o resultado prático a ser obtido, e não a pessoa que prestaria a obrigação. Por outro lado, denomina-se infungível a obrigação deve ser executada por pessoa específica, no caso, o devedor.

Portanto, a distinção entre elas reside no fato de que, sendo fungível a prestação de obrigação de fazer, o resultado prático a ser desejado pelo exequente será viável a ser obtido por ato de terceiro, na medida em que ele poderá executá-lo, independentemente da vontade do devedor. Já nas prestações infungíveis e em todos os casos de obrigação de não fazer (são sempre infungíveis), apenas o devedor, na sua pessoa, poderá cumprir a obrigação, de forma que seu descumprimento retrata a possibilidade de o credor receber as perdas e danos pelo inadimplemento.

4.2 CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS

Aparentemente, a conversão em perdas e danos não é favorável ao credor, que só poderá obter quantia convertida após prévia liquidação e posteriormente por intermédio de uma execução por expropriação, seguindo o rito processual dessa modalidade de obrigação, caso o devedor não cumpra voluntariamente o preceito condenatório da sentença. Tendo em vista que a solução da conversão em perdas e danos não se aponta como solução imediata para inexecução das obrigações de fazer, ou de não fazer.

Segundo o art. 499, o momento para conversão em perdas e danos deve ocorrer “quando for impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente” (BRASIL, 2015), dessa forma, quando se esgotarem as técnicas de efetivação da tutela in natura. Neste caso, deve-se propor a liquidação antes ou depois de iniciado o cumprimento da sentença. Contudo, o legislador deixa claro que “a indenização por perdas e danos se dará sem detrimento da multa predeterminada para impor ao réu o cumprimento específico da obrigação” (BRASIL, 2015, art. 500).

4.3 CUMPRIMENTO DE MULTA NAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER

Será possível a aplicação de multa com o intuito de desestimular o réu a descumprir a determinação judicial. Ela poderá ser fixada por tempo de atraso, de forma que possa eventualmente impor ao devedor cumprir a obrigação na sua especificidade. Geralmente, a multa é definida por dia de descumprimento. Porém, nada impede que a circunstância concreta exija outra periodicidade. Por esta razão é que foi permitida a alteração da multa na vigência da decisão que a cominou.

Poderá ser cobrada pelo juiz de ofício, em sede de descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, sem a necessidade de prévio requerimento da parte. O Novo Código de Processo Civil prevê que terá que ser concedido um prazo razoável para o cumprimento do preceito (art. 537), é indispensável a intimação do executado (devedor) previamente para aplicação da multa (BRASIL, 2015).

Não é facultado ao devedor optar pelo pagamento da multa ou pelo cumprimento do preceito firmado na sentença. Pois a multa possui carater complementar e será devida até mesmo nos casos em que a obrigação tenha se convertido em perdas e danos. E mesmo que ocorra o pagamento em perdas e danos e o adimplemento da sentença, a multa cominatória anteriormente fixada ainda poderá ser exigida pelo credor.

A decisão que fixa as astreintes, segundo Abelha (2015) é a coerção psicológica do executado, atuando no sentido pressioná-lo a cumprir a obrigação específica, não integra a coisa julgada, sendo apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado.

A multa também poderá ser executada provisionalmente, ou seja, antes do trânsito em julgado da decisão definitiva, entendimento firmado no Tribunal Superior de Justiça, AgR no REsp 142.691/BA, 2º turma, Relator: Min. Humberto Martins, julgado em 18 de fevereiro de 2014. Ressalta-se que o legislador do novo CPC permitiu apenas o cumprimento provisório da multa, resguardando o entendimento em que as astreintes tem eficácia imediata. Desta forma, o eventual levantamento do valor fixado a título de multa só poderá ser realizado após transitada e julgada a sentença conveniente à parte ou na demanda pendente do agravo fundado nos incs. II e III do art. 1.042. O cumprimento será provisório enquanto não for definitiva a decisão de procedência em favor do autor da demanda. No novo CPC/2015, a exigibilidade é imediata, contudo, o valor dever permanecer depositado em juízo à espera do trânsito em julgado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evoluções das demandas judiciais nos últimos anos acarretou em um sistema jurisdicional processual lento em toda a esfera processual civil. Entretanto, foi necessário a criação de um sistema inovador, que pudesse tornar mais efetivo as relações processuais cíveis em todo o seu ordenamento jurídico, de maneira que pudesse trazer celeridade na tramitação de suas ações e uma técnica mais eficiente na sua jurisdição processual.

Com a entrada da Lei nº 11.232/2005, foi possível adotar uma maneira mais didática acerca do seu conteúdo exposto, trazendo consigo grandes alterações na sua redação final e inaugurando uma nova disciplina para a execução civil no Código de Processo Civil, em que é possível destacar o desaparecimento de um processo de execução fundado em título executivo judicial (exceto em casos de sentença arbitral, estrangeira ou penal condenatória). A execução passa a ser apenas mera fase de cumprimento de sentença, quando fundada em título judicial. As obrigações de fazer ou não fazer, entrega de coisa e pagar quantia certa serão cumpridas na mesma relação processual, ou seja, independentemente da instauração de processo executivo próprio. A multa coercitiva de 10% sobre o valor da condenação em caso de não pagamento voluntário no prazo de quinze dias, retirando-se do devedor a prerrogativa de indicar bens à penhora. E também uma nova normatização em relação ao cumprimento provisório de sentença.

Conclui-se que a reforma advinda da Lei nº 11.232/2005 foi de suma importância, buscando a melhor maneira, por meio de um processo uno, de garantir ao credor a satisfação, celeridade e efetividade a condenação de uma obrigação. Nesse sentido, a nova sistemática processual garante a efetiva compreensão de suas técnicas, objetivando o sincretismo processual, trazendo o desfecho de um formalismo excessivo em todo o seu ordenamento jurídico, para que assim possa ser entendido como um processo mais simples, e que consiga fazer com que toda a sociedade compreenda a sua nova metodologia de maneira mais eficiente. Com isso, as obrigações de fazer e de não fazer acarretam um novo ideal, a busca por demandas executivas que visem a satisfação jurisdicional das relações cíveis.

REFERÊNCIAS
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BORBA, Marcela Patrícia Amarante. Disposições elementares sobre o cumprimento de sentença que ainda não foram delimitadas pelas sucessivas reformas do CPC. 2009. 71f. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33744-43980-1-PB.pdf>. Acesso em: 4 ago. 2016.
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