terça-feira, 20 de março de 2018

Como funciona o contrato de parceria firmado nos salões de beleza?

Publicado por Aline Simonelli Moreira

A lei n. 13.252/2016, apelidada de lei Salão Parceiro, regulamenta o contrato de parceria entre os profissionais que exercem as atividades de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador e pessoas jurídicas registradas como salão de beleza.

A regra é que se celebrado o contrato de parceria entre o salão e o profissional parceiro, não há vínculo trabalhista. No entanto, excepcionam-se as hipóteses em que não há contrato de parceria escrito formalizado nos termos abaixo, bem como quando o profissional-parceiro desempenha funções diversas das estipuladas no contrato.

O salão-parceiro é o responsável pela centralização dos pagamentos e recebimentos decorrentes das atividades de prestação de serviços de beleza realizadas pelos profissionais-parceiros, bem como deve fazer os recolhimentos de tributos e contribuições sociais e previdenciárias.

O profissional-parceiro não pode assumir responsabilidades contábeis, fiscais, trabalhistas e previdenciárias do salão, logo, não pode o parceiro ser o responsável pelo pagamento e/ou recolhimentos de tributos.

Conforme art. 1º-A, § 10º dessa lei, nesse contrato escrito, obrigatoriamente devem existir cláusulas que estabeleçam:

a) o percentual das retenções pelo salão dos valores recebidos por cada serviço prestado pelo parceiro;

b) obrigação, por parte do salão, de retenção e de recolhimento dos tributos e contribuições sociais e previdenciárias devidos pelo profissional-parceiro em decorrência da atividade deste na parceria;

c) condições e periodicidade do pagamento do profissional-parceiro, por tipo de serviço oferecido;

d) direitos do profissional-parceiro quanto ao uso de bens materiais necessários ao desempenho das atividades profissionais, bem como sobre o acesso e circulação nas dependências do estabelecimento;

e) possibilidade de rescisão unilateral do contrato, no caso de não subsistir interesse na sua continuidade, mediante aviso prévio de, no mínimo, trinta dias;

f) responsabilidades de ambas as partes com a manutenção e higiene de materiais e equipamentos, das condições de funcionamento do negócio e do bom atendimento dos clientes;

g) obrigação, por parte do profissional-parceiro, de manutenção da regularidade de sua inscrição perante as autoridades fazendárias.

Há ainda a responsabilidade do salão com a preservação das condições de trabalho dos parceiros, especialmente quanto aos equipamentos e instalações, permitindo a segurança e saúde dos profissionais.

Existindo dúvidas quanto aos contratos de parceria entre salões procure o auxílio de um advogado especialista em direito do trabalho.

https://alinesimonelli.jusbrasil.com.br/artigos/557418096/como-funciona-o-contrato-de-parceria-firmado-nos-saloes-de-beleza?utm_campaign=newsletter-daily_20180320_6868&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/sal%C3%A3o-de-cabeleireiro-cabeleireiro-2306768/

Mudança de nome do transexual – o registro civil mais uma vez sob os holofotes do STF

terça-feira, 20 de março de 2018

Vitor Frederico Kümpel e Giselle de Menezes Viana

Não é incomum que ao jurista – embora acostumado a lidar com conceitos jurídicos complexos – faltem palavras para exprimir ideias aparentemente banais. As incertezas subjacentes a determinadas expressões passam batidas no irrefletido uso cotidiano. O hábito tem o peculiar efeito de camuflar perplexidades.

O nome é um exemplo por excelência desse paradoxo: embora encerre uma ideia bastante complexa, pouco tempo é dispendido para se refletir sobre o seu significado. Mas se o uso cotidiano dispensa maiores reflexões, não se pode dizer o mesmo quando há direitos em jogo. Especialmente se tais direitos estão sendo discutidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Adotando-se um conceito singelo, nome é a palavra que serve para designar o ser. Nomear é designar objetos por meio de linguagem. O nome surge na medida em que a palavra passa a traduzir uma ideia. O homem, então, passa a se referir àquilo que imaginava, usando um nome para cada ser ou coisa que passa a indicar1.

Embora pareça óbvia a indissociável ligação entre nome e linguagem, não é tarefa simples definir as nuances dessa conexão. Há correntes filosóficas sustentando que a linguagem advém da natureza das coisas. Outras entendem a linguagem como fruto de mera convenção. Para o naturalismo, cada objeto ou coisa tem um nome estabelecido por natureza, de modo que o logos está na physis. O convencionalismo, ao revés, defende que a ligação entre o nome e o objeto é arbitrária, ou seja, convencional2.

Quando visa designar uma pessoa natural, evocando uma personalidade única e irrepetível, o nome assume dimensões ainda mais profundas. Não por outro motivo surgiram inúmeras teorias ao longo do tempo com o fim de definir a sua natureza jurídica3. A dificuldade em defini-lo redunda na dificuldade em discipliná-lo. Daí tantas polêmicas em matéria de mudança nomástica4.

Dentre as hipóteses de alteração do nome, a mudança motivada pela transsexualidade é umas das mais debatidas. A jurisprudência, durante muito tempo, negou a alteração do nome e do sexo no registro civil ao transexual5. Nos últimos anos, porém, o tema alçou posição de destaque nas discussões jurídicas, e o entendimento enveredou para outra direção. Progressivamente, os tribunais passaram a admitir a modificação do prenome do transexual, e a correspondente retificação nos registros civis, até mesmo independentemente de cirurgia6-7.

A discussão jurisprudencial desaguou no STF, que tratou da questão na recentíssima ADI 4.275-DF. No julgamento, encerrado na sessão plenária realizada em 1º de março do corrente ano, discutiu-se a possibilidade de modificação do prenome e gênero no registro civil, mediante averbação por pessoa transexual independentemente de qualquer procedimento médico.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador Geral da República, buscando dar interpretação conforme ao art. 58 da Lei dos Registros Públicos. Pela interpretação proposta, reconhecer-se-ia aos transexuais, independentemente de cirurgia de transgenitalização, a possibilidade de modificar o gênero e prenome junto ao assento de nascimento.

Duas correntes se firmaram no STF. A primeira, conduzida pelo relator Min. Marco Aurélio, quedou vencida com cinco votos. A segunda, encampada pelo min. Ricardo Lewandowski, prevaleceu com seis votos. Ambas as correntes reconheceram a possibilidade de alteração tanto do prenome quanto do gênero. Tal possibilidade estaria assentada no próprio art. 58 da Lei Registrária, que dá por definitivo o prenome mas admite a sua substituição por "apelidos públicos notórios".

Ambas as correntes também reconheceram que, para a pessoa que não se submeteu à transgenitalização, são necessários alguns requisitos.

Duas foram as divergências entre as correntes. A primeira diz respeito aos requisitos que devem existir para o pedido de modificação de nome e gênero no registro civil. A segunda diz respeito à necessidade de judicialização do pedido.

Para a corrente vencida, o pleiteante da modificação deve apresentar os preencher requisitos:

a) Idade mínima de 21 anos (maturidade adequada para a tomada de decisão);
b) Diagnóstico médico de transsexualismo (art. 3º da Resolução 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina), por equipe multidisciplinar constituída por médico, psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social
c) Acompanhamento conjunto por equipe multidisciplinar por dois anos.

A corrente vencida, conforme já mencionado, entendeu que os pressupostos devem ser aferidos em procedimento de jurisdição voluntária, com a participação do Ministério Público, observados os arts. 98 e 99 da Lei dos Registros Públicos.

A corrente vencedora desjudicializou a questão, entendendo que o requerimento deve ser feito diretamente ao registrador civil. Quanto aos requisitos, seriam os seguintes:

a)Idade superior a 18 anos;
b)Convicção, pelo menos 3 anos, de pertencer ao gênero oposto ao biológico;
c)Baixa probabilidade, de acordo com o pronunciamento do grupo de especialistas, de modificação da identidade de gênero.

Muitos questionam a insegurança que pode advir da referida modificação, que pode gerar inclusive consectários econômicos. Como já dito em outra ocasião, a necessidade de proteger terceiros não implica necessariamente impor obstáculos à mutabilidade do nome8. Mais efetivo que simplesmente dificultar alterações é garantir sua satisfatória publicidade9.

E têm havido diversos aprimoramentos neste sentido. Cite-se, por exemplo, o Provimento nº 63 do CNJ, determinando a obrigatoriedade do CPF nos assentos e certidões do registro civil. O controle da pessoa natural passa a ser feito por meio do CPF. Instaura-se uma espécie de "unitariedade matricial" da pessoa natural.

Por fim, cabe consignar que não pode o registrador civil proceder à averbação da modificação de gênero e nome sem que as normas estaduais contemplem os referidos requisitos e estabeleçam os documentos necessários a viabilizar a referida modificação. É esse controle qualificatório, somado à publicidade registral, que fornecerão a necessária segurança jurídica à mudança.

Sejam felizes e continuem conosco!
_________

1 N. Martins Ferreira, O Nome Civil e Seus Problemas, Rio de Janeiro, Baptista de Souza, 1952, pp. 12-13.

2 L. L. Streck, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise – Uma exploração hermenêutica da construção do direito, 11ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2014, pp. 152-153: “O Crátilo representa o enfrentamento de Platão á sofística. Com a tese convencionalista dos sofistas, a verdade deixa de ser prioritária. A palavra, para os sofistas, era pura convenção e não obedecia nem à lei da natureza e tampouco às leis divinas (sobrenatural). Como era uma invenção humana, podia ser reinventada e, consequentemente, as verdades estabelecidas podiam ser questionadas. Os sofistas provocam, assim, no contexto da Grécia antiga, um rompimento paradigmático(...)”. A formulação medieval dessa discussão corresponde à distinção que a filosofia moderna faz entre o realismo e o nominalismo, cf. J. Marias, Historia de la Filosofía, trad. port. de C. Berliner, História da Filosofia, São Paulo, Martins Fontes, 2004, pp. 143-147.

3 Cf. V. F. Kümpel – C. M. Ferrari, Tratado Notarial e registral, vol. II, São Paulo, YK, 2017, pp. 217 e ss.

4 Muitas destas foram abordadas em V.F. Kümpel, dinâmico, sistema registral permite a mitabilidade do nome, in Conjur. Para uma abordagem mais ampla, cf. V. F. Kümpel – C. M. Ferrari, Tratado Notarial e registral, vol. II, São Paulo, YK, 2017, pp. 258 e ss.

5 L. Brandelli, Nome Civil da Pessoa Natural, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 170.

6 "RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUAL QUE PRESERVA O FENÓTIPO MASCULINO. REQUERENTE QUE NÃO SE SUBMETEU À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO, MAS QUE REQUER A MUDANÇA DE SEU NOME EM RAZÃO DE ADOTAR CARACTERÍSTICAS FEMININAS. POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO AO SEXO PSICOLÓGICO. LAUDO PERICIAL QUE APONTOU TRANSEXUALISMO. Na hipótese dos autos, o autor pediu a retificação de seu registro civil para que possa adotar nome do gênero feminino, em razão de ser portador de transexualismo e ser reconhecido no meio social como mulher. Para conferir segurança e estabilidade às relações sociais, o nome é regido pelos princípios da imutabilidade e indisponibilidade, ainda que o seu detentor não o aprecie. Todavia, a imutabilidade do nome e dos apelidos de família não é mais tratada como regra absoluta. Tanto a lei, expressamente, como a doutrina buscando atender a outros interesses sociais mais relevantes, admitem sua alteração em algumas hipóteses. Os documentos juntados aos autos comprovam a manifestação do transexualismo e de todas as suas características, demonstrando que o requerente sofre inconciliável contrariedade pela identificação sexual masculina que tem hoje. O autor sempre agiu e se apresentou socialmente como mulher. Desde 1998 assumiu o nome de "Paula do Nascimento". Faz uso de hormônios femininos há mais de vinte e cinco anos e há vinte anos mantém união estável homoafetiva, reconhecida publicamente. Conforme laudo da perícia médico-legal realizada, a desconformidade psíquica entre o sexo biológico e o sexo psicológico decorre de transexualismo. O indivíduo tem seu sexo definido em seu registro civil com base na observação dos órgãos genitais externos, no momento do nascimento. No entanto, com o seu crescimento, podem ocorrer disparidades entre o sexo revelado e o sexo psicológico, ou seja, aquele que gostaria de ter e que entende como o que realmente deveria possuir. A cirurgia de transgenitalização não é requisito para a retificação de assento ante o seu caráter secundário. A cirurgia tem caráter complementar, visando a conformação das características e anatomia ao sexo psicológico. Portanto, tendo em vista que o sexo psicológico é aquele que dirige o comportamento social externo do indivíduo e considerando que o requerente se sente mulher sob o ponto de vista psíquico, procedendo como se do sexo feminino fosse perante a sociedade, não há qualquer motivo para se negar a pretendida alteração registral pleiteada. A sentença, portanto, merece ser reformada para determinar a retificação no assento de nascimento do apelante para que passe a constar como "Paula do Nascimento". Sentença reformada. Recurso provido". (TJSP, 10ª Câm., Apel. Cível n. 0013934-31.2011.8.26.0037, rel. Carlos Alberto Garbi, j. 23-9-2014).

7 "Ação de retificação de assento civil. Alteração do nome por contra dos constrangimentos sofridos em razão do transexualismo. Insurgência contra sentença de improcedência do pedido porque o autor não se submeteu à cirurgia de ablação dos órgãos sexuais masculinos. Desnecessidade. Desconformidade entre sexo biológico e sexo psicológico que pode ser demonstrada por perícia multidisciplinar. Constrangimentos e humilhações que justificam o pedido de alteração do prenome masculino para feminino. Exigência de prévia cirurgia para interromper situações vexatórias constitui violência. Dilação probatória determinada. Sentença anulada para esse fim. Recurso provido". (TJSP, 3ª Câm., Apel. Cível n. 0040698-94.2012.8.26.0562, rel. Carlos Alberto de Salles, j. 24-6-2014).

8 Cf. V. F. Kümpel, Dinâmico, sistema registral permite mutabilidade do nome, in Revista Consultor Jurídico, 2017.

9 F. C. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, v. 7, São Paulo, RT, 2012, p. 114.

Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.

http://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI276625,51045-Mudanca+de+nome+do+transexual+o+registro+civil+mais+uma+vez+sob+os

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/clube-leil%C3%A3o-direito-s%C3%ADmbolo-juiz-2492011/