quinta-feira, 3 de maio de 2018

Recolhimento e guarda em caso concreto julgado pelo STJ em 03 de abril de 2018

"Ministro Buzzi pediu vista na 4ª turma do STJ em processo relatado pelo desembargador convocado Lázaro Guimarães, após este garantir que criança retorne para o amparo de casal com quem vivia. Aos fatos: quando tinha 10 meses, ela foi entregue pela mãe biológica ao casal, que a criou. Contudo, já em idade escolar, ela foi parar em um abrigo do Conselho Tutelar após ação do MP. Para o desembargador Lázaro, o HC assegurará a liberdade da criança, "que tinha sua vida normal, com plena adaptação a quem a acolhera, e de repente se vê privada de sua liberdade de locomoção"; "esse tipo de recolhimento se destina àqueles menores que estão em situação de abandono, de dificuldade, de maus tratos, o que não é o caso dessa criança. Ela estava acolhida, tinha plena integração ao casal. Essa medida [recolhimento] só deveria ser adotada no interesse do menor, quando verificada situação de abandono, algo que a justificasse." Por isso, concedia a ordem até o desenrolar da ação de destituição do poder familiar. (HC 439.885)" (Fonte: Sexta-feira, 20 de abril de 2018 - Migalhas nº 4.341 - Fechamento às 10h45.)

STJ - HC 439.885

HABEAS CORPUS Nº 439.885 - SP (2018/0053016-0) RELATOR : MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) IMPETRANTE : EDVALDO AYRES DA SILVA E OUTROS ADVOGADOS : KARINA MIDORI OSHIRO - SP229092 RODRIGO MASSAMI OSHIRO - SP220704 IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : D L DA S C DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de DL da SC, visando, no âmbito de ação de destituição de pátrio poder c/c medida protetiva, seja concedida ordem de liberação do menor do abrigo a que foi recolhido, com a determinação de retorno ao lar dos guardiães de fato. Considerando a inexistência de elementos suficientes nos autos, este Relator, em análise preliminar, indeferiu a liminar. Instado a se manifestar, o impetrado, às fls. 53-178 (e-STJ), apresentou informações, nos seguintes termos: Em resposta à solicitação encaminhada, tenho a honra de prestar a Vossa Excelência as informações necessárias ao julgamento do habeas corpus impetrado por (...), em decorrência do acolhimento do infante, processo em trâmite neste Juízo da Vara da Infância e da Juventude de Guarulhos, nos autos nº 1003092-49.2018.8.26.0224. Cuida-se de ação de destituição do poder familiar, cumulada com aplicação de medidas protetivas, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em face de (...). Conforme consta da inicial (fls. 1/10), em apertada síntese, a requerida Elza é a genitora biológica do infante (nascido em 4/9/16) e, por dificuldades financeiras, confiou na figura dos demais requeridos os cuidados de seu filho. O genitor biológico é desconhecido. Há informações de que o casal (Edvaldo e Lucicleide) pretendia ampliar o núcleo familiar, mas não podem mais ter filhos biológicos. Não procuraram os meios legais para concretizar a adoção pois acham o procedimento burocrático e demorado. O casal, que não possui vínculo parental, estava com a guarda fática do infante há 6 meses, não possuindo vínculo algum com eles e nem contato com sua genitora biológica ou demais familiares. Certidão de nascimento do infante à fl. 19 dos autos. No procedimento de guarda ingressado pelo casal, houve pedido de esclarecimentos, os quais seguem às fls. 35/36. Laudo de avaliação psicossocial acostado às fls. 52/62. Foi concedida parte dos efeitos antecipatórios da tutela (fls. 100/101), determinando-se a busca e apreensão da criança. A primeira tentativa foi frustrada (fls. 111), assim como a segunda (fls. 123) e a terceira (fls. 155). Os requeridos Edvaldo e Lucicleide foram citados pessoalmente em Cartório (fls. 141) e apresentaram contestação (fls. 143/149) alegando, preliminarmente, necessidade de suspensão do feito pela litispendência. No mérito, afirmaram que a genitora veio a São Paulo, na casa do casal, e lá deixou seu filho sem mais explicações, por serem conhecidos dela. Requereu o retorno do infante ao seu lar. Os requeridos Edvaldo e Lucicleide interpuseram agravo de instrumento perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 159/170). Conforme consta à fl. 172, o pedido de suspensão do feito foi indeferido. Em 6/3/18, compareceram em Juízo a genitora, acompanhada de Advogado e da criança, que foi formalmente acolhida pelas Técnicas do Juízo, sendo conduzida à Instituição de Acolhimento pela Coordenadora do Núcleo Batuíra, Sr.a Maria José (fls. 184). A genitora biológica foi citada pessoalmente em Cartório (fls. 180) e apresentou contestação (fls. 187/191) alegando, em síntese, que veio em busca de seu filho assim que ficou sabendo da possibilidade da criança ir para um abrigo, encontrando-se hospedada na casa do casal requerido. Afirmou que possui condições de cuidar de seu filho, na sua residência na Bahia. Afirmou que à época, em que entregou seu filho ao casal, passava por severas dificuldades, confiando na figura do casal os cuidados de seu filho. Conforme fl. 218, foi agendada oitiva e atendimento psicossocial da genitora para o mesmo dia. Atualmente, Davi encontra-se em Instituição de Acolhimento. Não foi inserido em família substituta, dado seu recente acolhimento e por demandar maiores estudos Técnicos. Acreditando serem estas as informações necessárias, coloco-me à disposição de Vossa Excelência para quaisquer outros esclarecimentos ou providências que forem determinados. Remeto cópia das principais peças, bem como as mencionadas neste ofício. Aproveito o ensejo para apresentar a Vossa Excelência meus protestos de estima e consideração. A seguir, vieram-me conclusos os autos. É o relatório. Passo a decidir. De início, ressalta-se que, apesar de a impetração voltar-se contra decisão unipessoal proferida no Tribunal de origem, é necessário afastar a Súmula n. 691/STF, o que, consoante a jurisprudência do STJ, é possível em casos excepcionais. Em exame perfunctório, considero que, na hipótese, a r. decisão que determinou o recolhimento da criança em abrigo afrontou o art. 101 c/c o art. 98 do ECA, que prevêem as situações nas quais o infante será encaminhado a abrigamento, atualmente denominado acolhimento institucional. O art. 101 prevê que o acolhimento institucional será determinado pela autoridade competente quando ocorrer uma das hipóteses do art. 98, a saber: "Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta." O caso tratado nos autos não se subsume a nenhuma das condutas acima mencionadas, pois o fundamento para a retirada da criança foi, em síntese, o fato de os impetrantes possuírem de forma irregular a guarda do menor, por não estarem inscritos no Cadastro Nacional de Adoção - CNA. Nesse contexto, ao que parece, o comando legal foi afrontado. Isso porque foi ignorada a excepcionalidade prevista no § 1º do art. 101, tendo sido adotado o acolhimento institucional como primeira medida. A ilegalidade é ressaltada quando confrontada com o entendimento desta Corte, que preceitua a necessidade de se dar prevalência ao melhor interesse da criança, privilegiando sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, faz-se importante mencionar que há julgados deste Sodalício no sentido de que não atende ao melhor interesse da criança o acolhimento institucional em detrimento de sua permanência no lar, salvo naquelas situações de evidente risco físico ou psíquico para o menor, senão vejamos: "HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA E ADOÇÃO. MENOR IMPÚBERE (3 MESES DE VIDA) ENTREGUE PELA MÃE A CASAL. ALEGAÇÃO DE SE TRATAR DE PAI BIOLÓGICO. INDÍCIOS DE BURLA À LISTA DE ADOÇÃO. AÇÃO CAUTELAR. ACOLHIMENTO DETERMINADO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO. LIMINAR NEGADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. MEDIDA TERATOLÓGICA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A jurisprudência do STF e do STJ evoluiu no sentido de não se admitir a impetração originária de habeas corpus como sucedâneo recursal, ressalvada a hipótese excepcional de concessão ex officio da ordem quando constatada flagrante ilegalidade ou decisão teratológica. Precedentes. 2. Também está consolidado no STF e no STJ não caber habeas corpus contra decisão de indeferimento de liminar, a fim de evitar indevida supressão de instância, ressalvada, contudo, a possibilidade de concessão, de ofício, da ordem na hipótese de evidente e flagrante ilegalidade. Precedentes. 3. Ainda, em se tratando de questão atinente à guarda/adoção de menor - afeta, portanto, ao Direito de Família, costumando exigir, como tal, ampla dilação probatória -, tem-se por inadequada a utilização de habeas corpus para defesa dos interesses do infante. Precedentes. 4. Na espécie, contudo, está-se diante de uma situação bastante delicada e que impõe a adoção de cautela e cuidado ímpar, dada a potencial possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança, ora paciente, de modo a se afastar, excepcionalmente, todos os óbices que, em princípio, acometem o presente writ e que, ordinariamente, culminariam no seu não conhecimento. 5. Apuração de suposta irregularidade no registro de nascimento do menor, cuja paternidade poderia ter sido reconhecida como forma de burlar a lista de adoção. 6. Situação anômala que, entretanto, não importaria em prejuízo ao infante, pois, ainda que momentaneamente, a guarda de fato teria se revelado satisfatória aos seus interesses, haja vista a manifestação de interesse do casal em dispensar cuidados (médicos, assistenciais, afetivos etc.) suficientes à elisão de qualquer risco imediato à integridade física e/ou psíquica do menor. 7. Não se descura que a higidez do processo de adoção é um dos objetivos primordiais a ser perseguido pelo Estado, no que toca à sua responsabilidade com o bem-estar de menores desamparados, tampouco que, na busca desse desiderato, a adoção deve respeitar rígido procedimento de controle e fiscalização estatal, com a observância, v.g., do Cadastro Único Informatizado de Adoções e Abrigos (CUIDA), o qual, aliás, pelos indícios probatórios disponíveis, teria sido vulnerado na busca de uma adoção intuito personae. 8. Contudo, o fim legítimo não justifica o meio ilegítimo para sancionar aqueles que burlam as regras relativas à adoção, principalmente quando a decisão judicial implica evidente prejuízo psicológico para o objeto primário da proteção estatal para a hipótese: a própria criança. 9. Ademais, dita burla ainda está no campo do juízo perfunctório, o que igualmente torna temerária a adoção de um procedimento que, por sua natural demora, pode prolongar a permanência do menor em abrigo ou instituição de acolhimento, numa verdadeira inversão da ordem legal imposta pelo ECA, na qual esta opção deve ser a última e não a primeira a ser utilizada. 10. Medida que, na hipótese, notoriamente beira a teratologia, pois inconcebível se presumir que um local de acolhimento institucional possa ser preferível a um lar estabelecido, onde a criança não sofreria nenhum tipo de violência física ou moral. 11. Ordem concedida de ofício."(HC 298.009/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 04/09/2014)"HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. DETERMINAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. ADOÇÃO. 1. O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, ao preconizar a doutrina da proteção integral (artigo 1º da Lei nº 8.069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança. 2. A avaliação realizada pelo serviço social judiciário constatou que a criança adotanda está recebendo os cuidados e a atenção adequada às suas necessidades básicas e afetivas na residência da família substituta. 3. Ressalvado evidente risco à integridade física ou psíquica do infante é inválida a determinação de acolhimento da criança que não se inclui em nenhuma das hipóteses do art. 98 do ECA. 4. Nos casos de flagrante constrangimento ilegal é possível a concessão da ordem de ofício. 5. Habeas Corpus concedido de ofício. (HC 358.536/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 24/06/2016) HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. DESTITUIÇÃO LIMINAR DE GUARDA. DETERMINAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. MENOR ENTREGUE AOS IMPETRANTES PELA MÃE BIOLÓGICA. CONVÍVIO COM A FAMÍLIA SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE MAUS-TRATOS, NEGLIGÊNCIA OU ABUSO. INTERESSE DO INFANTE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (HC 331.121/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 03/11/2015) No caso dos autos, ademais, não há elementos que indiquem maus tratos com a criança, tampouco de que ela não desfrute de condições para permanecer com os impetrantes, ao menos até o julgamento de mérito deste habeas corpus. Assim, não se percebe nenhum perigo na permanência da paciente com a família" adotante "até o julgamento final da lide, apesar da alegada ocorrência de"adoção à brasileira". Ao contrário, ao que tudo indica os interesses do menor estarão mais bem respaldados se permanecer acolhido pela família" adotante ", enquanto aguarda a conclusão do processo, mormente porque esta demonstra condições de zelar pela vida, pela saúde física e psíquica, e pela educação da criança, além da existência de vínculos afetivos e emocionais já estabelecidos com os impetrantes. Esclareça-se, por fim, que as questões invocadas neste habeas corpus não infirmam a necessidade do processo de guarda, com a realização de todas as etapas que lhes são inerentes, para a aferição das condições morais e materiais para o perfilhamento, o que há de ser feito no bojo da ação já ajuizada, com urgência. Ante o exposto, defiro a liminar para determinar que o menor nos autos referido permaneça com os impetrantes, até o julgamento final deste habeas corpus. Oficie-se. Após, dê-se vista dos autos ao Ministério Público. Cumpra-se. Publique-se. Brasília, 03 de abril de 2018. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Relator

(STJ - HC: 439885 SP 2018/0053016-0, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Data de Publicação: DJ 05/04/2018)

Fonte do julgado: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/563418130/habeas-corpus-hc-439885-sp-2018-0053016-0?ref=topic_feed

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/fam%C3%ADlia-felicidade-piquenique-2680314/