Há alguns anos, poucos após a entrada em vigor da
Lei Maria da Penha
(11.340/2006), uma senhora me procurou em meu antigo escritório, em
Cuiabá, para contar o que se passava consigo, na verdade, com o seu
relacionamento conjugal.
Dizia ela estar casada havia 3 anos e
meio e há muito já não sabia o que era ouvir uma palavra carinhosa do
marido, ao contrário disso, só ouvia frases depreciativas à respeito de
sua aparência, suas vestes, sua inteligência, sua formação profissional.
Aliás, ela não sabia dizer se algum dia teria ouvido um elogio do
marido sobre algo relacionado a ela, mesmo antes de casarem.
Foi relendo a
Lei Maria da Penha
que me dei conta dessa história. A senhora em questão havia me
procurado para saber se tinha algo que ela pudesse fazer acerca do
assunto, uma vez que também considerava aquilo como um tipo de violência
doméstica. Ela estava certa. A violência porquê passava no dia a dia,
dentro do lar, é considerada pela
Lei 11.340/2006 como sendo Violência Psicológica, e vem prescrita nos artigos
5º “caput” e 7º, inciso II da referida Lei.
Art.
5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150 de 2015);
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
(…)
II - a
violência psicológica,
entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e
diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à
saúde psicológica e à autodeterminação.
Segundo especialistas
no assunto a violência em questão é tão grave quanto a física, podendo
ser até pior, vai depender do “estado emocional” de cada mulher e da
intensidade da agressão.
A pessoa da história acima passou a
sofrer depressão com o decorrer do tempo. Frequentava o psiquiatra e
tomava remédios controlados; não conseguia mais trabalhar e fazer as
atividades da casa como antes pois vivia mais acamada do que disposta.
Engordou, deixou de fazer coisas que antes gostava, coisas normais e
consideradas necessárias para uma mulher como: pintar as unhas,
depilar-se, fazer exercícios, ir ao cinema, falar e encontrar com amigas
e parentes; isolou-se em seu mundo – passou a ser tão “agressiva” com
as palavras como o próprio marido; a vida dentro de casa transformou-se
em “elogios” mútuos. De pessoa “doce”, carinhosa, gentil e amável, em
especial com os romances que já havia tido anteriormente, passou a ser
amarga e tratar esse companheiro da mesma forma que ele a tratava pois,
segundo ela, “é dando que se recebe”; “quem oferece flores receberá
flores, mas quem só dá espinhos é isso que conseguirá” (palavras dela).
O
que fiz por essa senhora? A Lei ainda era considerada “experimental”,
estava em vigor há mais de um ano, todavia era novidade, inclusive em se
tratando de violência psicológica – no que tive de estudar o assunto
para dar uma melhor resposta. Acredito que ela somente aguardou a
resposta porque eu era indicação de uma amiga sua. Diz ela que contar o
caso que se passava em sua vida já era difícil e vergonhoso por demais
para me contar, sair relatando a dois ou três Advogados era impossível.
Assim fui “estudar” a lei mais a fundo para saber se o caso dela haveria solução.
Percebi
que, pelo fato de não estar disposta à separação, nem tinha vontade de
vê-lo preso pois era quem mantinha a casa com o “bom salário” que
recebia; ela estava desempregada e na época sem condições psicológicas
para tal; não haveria muito o que fazer a não ser indicar acompanhamento
psicológico para ele também – até porque, como já dito, a lei era muito
nova e não havia precedentes ou algo que se pudesse valer como
“exemplo” para resolver a situação.
Acredito que minha explicação
não lhe tenha caído muito bem, pois ela insistia que àquilo era crime,
já que havia lido a lei antes de ir me consultar. Um tipo difícil de
cliente, pois acha que sabe tudo; não aceita conclusões e explicações
que não seja do agrado. Mas qual seria a resposta que ela gostaria de
ouvir se não queria se separar do marido nem vê-lo preso?
- Já não sei.
Só
sei que se a vida dela não estava fácil, a minha também não ficou nada
agradável depois dessa consulta. Essa senhora estava muito impaciente,
amarga e intolerante. Chorava com facilidade e perdia a paciência por
qualquer coisa. Realmente estava doente devido ao relacionamento
perturvado que tinha com o marido, segundo ela, já tinha até pensamentos
suicidas. Confesso que fiquei atormentada por não “conseguir” fazer
nada.
O esposo dessa cliente transformou a vida dela num inferno ao se aproveitar de sua fragilidade e dependência econômica.
Chamá-la
de preguiçosa, burra, gorda e inútil era comum, isso fez com que a auto
estima dela se perdesse por completo. Era por isso que não desejava a
separação, acreditava que não encontraria mais ninguém e muito menos um
emprego para seguir vivendo – ele fazia questão de dizer, também, que
niguém a iria querer. A atitude dele parecia a de um sádico; só se
sentia feliz quando a fazia chorar – muitas vezes chegou a pensar que
ele poderia ser um psicopata, já que não sentia nada por ela nem por
ninguém, totalmente desalmado e descompassivo – o pior de tudo é que ele
deixava claro que gostava de ser assim!
O relato que acabo de
transcrever é bastante comum. Acredito que hoje a facilidade em lidar
com tais situações é bem maior que há 8 anos, quando essa senhora me
procurou. Hoje existem delegacias especializadas em defesa da mulher em
qualquer cidade, há ajuda psicológica oferecida pelo próprio Estado e
apoio incondicional à mulher vítima de qualquer violência que venha
descrita no artigo
7º da
Lei Maria da Penha.
Um dos motivos que me fez recordar dessa infeliz Senhora foi a leitura de um artigo publicado na revista
Marie Clarie de outubro de 2014, que entrevistou a Psicóloga Adelma Pimentel sobre o lançamento do livro em que é autora, denominado
“Violência Psicológica nas relações conjugais” (da Summus Editorial).
A obra fala do efeito devastador que uma violência desse gênero poderá acarretar nas relações conjugais.
Preferi, no entanto, nomear este artigo como
“Bullying” nas relações conjugais,
pois a violência psicológica é partida, quase sempre, de um membro que
se acha superior direcionada a outro que se encontra, segundo quem
pratica, em relação de inferioridade.
Veja o que diz o artigo da Marie Claire:
Protegida
pelo silêncio, incorporada aos costumes, herança da cultura patriarcal,
ela se instala nos lares desde muito cedo, levando os casais a
estabelecer relações pobres e, muitas vezes, doentias. Estudiosa do
assunto e militante da causa da prevenção e da erradicação da violência,
Adelma apresenta um retrato dos embates psicológicos que acometem
parceiros das mais diversas origens e classes sociais. No livro, ela faz
uma análise profunda sobre o tema, propõe a nutrição psicológica de
cada membro do casal para que diminuam os conflitos e oferece elementos
indicativos para romper o ciclo de violência e restabelecer os vínculos
afetivos do casal.
Apesar da grande incidência nas relações
conjugais, a agressão geralmente não é reconhecida pelos cônjuges,
sobretudo pela mulher. Entre suas manifestações estão
o deboche, a humilhação e o isolamento.
Na avaliação da psicóloga, famílias são organizações complexas,
dialéticas e ambíguas. Campo de diversos choques, ódios e de trânsito
voraz de rápidas, variadas e múltiplas emoções que podem coexistir no
mesmo dia, conforme os atores e seus atos
. “Dentro delas, os embates
atravessados pela violência psicológica podem contribuir para forjar
casamentos precipitados, uniões estáveis e até mesmo namoros que
perpetuam o círculo vicioso de aprisionamento dos sujeitos”, complementa.
Num mundo totalmente reconfigurado, em que os papéis de gênero sofrem
mudanças a cada dia, o livro é um referencial para discutir antigos
modelos familiares e novos caminhos de expressão, baseados no
autoconceito, na autoestima e na autoimagem nutridos psicologicamente
desde a infância.
“O objetivo é cooperar com os esforços coletivos
para atualizar e renovar nossa humanidade, tão fragilizada pela
supressão de valores éticos”, afirma a autora. Para ela, o diálogo é
o nutriente imprescindível de uma relação afetiva amorosa. Ele é
mediador do fortalecimento dos vínculos e do não enraizamento das
violências privadas, sobretudo a psicológica.
Fonte: gruposummus. Com por Marie Claire
Autoria /Comentários: Elane F. De Souza OAB-CE 27.340-B
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