Consoante o que já foi dito, os alimentos, do ponto de vista jurídico,
envolvem não apenas o alimento em si, mas também a condição social que o
cônjuge possuía anteriormente ao divórcio, bem como o binômio
necessidade-possibilidade, o qual sempre deve ser observado quando se
discutir pensão alimentícia.
Nesta perspectiva, afirma o doutrinador Beviláqua apud Cahali (2006, p.
16) que “a palavra alimentos tem, em direito, uma acepção técnica, de
mais larga extensão do que na linguagem comum pois compreende tudo o que
é necessário à vida: sustento, habitação, roupa e tratamento de
moléstias”. Neste sentido, dispõe o ordenamento jurídico pátrio,
precisamente no Código Civil de 2002, artigo 1.694, caput, quanto aos
cônjuges, que estes possuem o direito de pedir alimentos reciprocamente,
quando deles necessitarem para manter mesma condição social, bem como
para atender às necessidades de sua educação.
Dessa forma, pode-se observar que a prestação alimentícia tem como uma
das características a reciprocidade, já que o devedor dos dias atuais
pode vir a necessitar dos alimentos no futuro, de modo que passaria a
ocupar o polo passivo da questão. Tal afirmação está prevista no artigo
1.696 do Código Civil de 2002, segundo o qual o direito de perceber os
alimentos é recíproco entre pais e filhos, sendo, ainda, extensivo a
todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau,
uns em falta de outros.
No que diz respeito ao binômio necessidade-possibilidade, é necessário
que se observe os “dois lados da moeda”, ou seja, a condição financeira
do alimentante e a necessidade do alimentado. Porém, a doutrina
moderna, segundo os ensinamentos de Gagliano e Pamplona Filho (2011, p.
674), prefere denominar tal requisito de trinômio, visto que é
importante levar em consideração três elementos, quais sejam:
necessidade, possibilidade do alimentante e proporcionalidade e
razoabilidade. Isto porque, além de existirem os dois primeiros, estes
devem ocorrer de forma conjunta, a fim de evitar que uma parte se
beneficie ou se prejudique além do que é necessário.
Em outras palavras, segundo o artigo 1.695, do Código Civil de 2002, a
prestação alimentícia não pode ser aplicada como uma de punição ao
devedor, de forma que este seja condenado a pagar um valor alto de
prestação alimentícia ao seu dependente, prejudicando o próprio
sustento.
Desse modo, se após o divórcio um dos ex-cônjuges não puder nem tiver
como se sustentar, ou quando a dissolução da vida matrimonial ocasionar
grandes prejuízos a uma das partes, de modo a modificar sua condição de
vida social, serão cabíveis os alimentos. Estes, por sua vez, podem ser
requeridos tanto pelo homem quanto pela mulher. Isto está em
conformidade com o princípio da igualdade de direitos e deveres entre o
homem e a mulher, previsto no artigo 5º, inciso I, da Constituição
Federal de 1988. No entanto, se a parte demandante exercer alguma
atividade profissional, de modo que possa sustentar-se, dificilmente
terá seu pedido deferido pelo magistrado. Conforme o exposto, pode-se
observar tal posicionamento na seguinte jurisprudência do TJ–DF:
48372362 – APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. PRELIMINAR DE
CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO ACOLHIMENTO. PEDIDO DE ALIMENTOS CÔNJUGE.
NECESSIDADE. POSSIBILIDADE. 01. A prova é dirigida ao juiz e compete a
ele aquilatar a necessidade de sua produção ou não, sem que o
indeferimento de uma ou outra pretensão acarrete cerceamento de defesa.
02. Embora a Lei Civil admita que, com o divórcio, qualquer um dos
cônjuges possa pleitear alimentos, mostra-se indispensável a comprovação
inequívoca da necessidade dos mesmos, bem como as possibilidades
financeiras do obrigado. 03. Preliminar rejeitada. Recurso improvido.
Unânime. (TJ-DF; Rec 2009.09.1.017253-9; Ac. 525.268; Quinta Turma
Cível; Rel. Des. Romeu Gonzaga Neiva; DJDFTE 12/08/2011; p. 108).
Sendo assim, do ponto de vista fático, é perfeitamente possível o
deferimento de alimentos à ex-mulher, por exemplo, que passou a vida
conjugal inteira apenas trabalhando dentro de casa, ou seja, sendo “do
lar” enquanto que o ex-marido era o responsável pelo sustento da casa,
de forma que após a dissolução do casamento aquela não tenha como se
manter. Tal prestação visaria conceder àquela, no mínimo, um pouco de
dignidade.
Entretanto, para que ocorra a referida procedência, outro fator deve
ser conjuntamente levado em conta, qual seja: a possibilidade da
ex-mulher se recolocar no mercado de trabalho. Caso o ex-cônjuge virago,
no momento do rompimento do vínculo matrimonial, possua idade avançada,
considerada, geralmente, como de difícil ingresso no mercado de
trabalho, o juiz poderá conceder a ela alimentos pelo resto da sua vida, desde
que ela não se case novamente ou tenha um companheiro ou concubino,
pois isto desvincularia a obrigação quanto ao ex-cônjuge varão. Tal fato
está disposto no artigo 1.708, caput, do Código Civil de 2002, in
verbis: “Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor,
cessa o dever de prestar alimentos”. O mesmo não ocorre caso o
alimentante contraia matrimônio, conforme expressa o artigo 1.709 do
Código Civil de 2002, in verbis: “O novo casamento do cônjuge devedor
não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio”.
Diferentemente ocorreria caso o ex-cônjuge virago, na mesma ocasião,
fosse jovem e apta a exercer atividade laboral, no entanto, também nunca
tenha trabalhado “fora de casa”. Nesse caso, ser-lhe-ão concedidos
alimentos transitórios, ou seja, por tempo determinado, suficiente para
que possa começar alguma atividade que lhe proporcione renda, de modo
que possa prover seu próprio sustento. O exposto anteriormente está em
conformidade, por exemplo, com a seguinte jurisprudência, a qual se
encontra disposta na doutrina de Farias e Rosenvald (2010, p. 696-697),
in litteris:
Alimentos. Mulher jovem, saudável, mas despreparada para o mercado de
trabalho. Pensão temporária destinada a proporcionar-lhe condições de
exercer atividade laboral digna. Se não obstante jovem e saudável a
mulher não está qualificada para ingressar no mercado de trabalho,
mormente por ter o casamento, contraído em idade muito jovem, a impedido
de adquirir uma profissão definida, deve ser-lhe assegurada pensão por
prazo razoável a fim de se preparar para o exercício de atividade
laboral digna. (TJ/RJ, Ac.2ªCâm.Cív.,ApCív.1998.001.2706, rel. Des.
Sérgio Cavalieri Filho, j.18.6.98).
Ressalta-se que este posicionamento é pacífico nos tribunais, de acordo
com Farias e Rosenvald (2010, p. 696-697). Nesta perspectiva, pode-se
observar, ainda, tal situação no seguinte julgado, citado por Tartuce e
Simão (2010, p. 38):
Família. Alimentos entre cônjuges. Prazo. Se, na constância do
casamento, a mulher não dispõe dos meios próprios para prover o
seu sustento e se o seu marido tem capacidade para tanto, não se pode
fixar o dever alimentício pelo prazo de apenas um ano, apenas porque é
jovem e capaz para o trabalho. Recurso conhecido e provido (STJ, REsp
555.429/RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4.ª Turma, j. 08.06.2004, v.u.,
Boletim AASP 2.413/1.010, abril de 2005).
Por conseguinte, pode-se observar que a fixação de alimentos
transitórios, ou seja, por prazo determinado, tem como finalidade evitar
que o alimentando se aposse daquela vantagem advinda da pensão
alimentícia como um critério desmotivador a ir à busca de algum emprego,
já que se o pagamento fosse por prazo indeterminado, sempre estaria sob
a sombra daquele que sempre lhe sustentou, desde o matrimônio.
Quanto aos princípios, deve-se ressaltar que dentre os que regem a
prestação alimentícia, está um dos mais importantes princípios do
ordenamento jurídico, qual seja: o da dignidade da pessoa humana. Isto
se deve ao fato de que sem suprir as necessidades básicas da vida, bem
como sem continuar tendo um padrão de vida que possuía por muito tempo,
após o divórcio, no caso dos ex-cônjuges, não se tem como ter uma vida
digna e decente. Segundo Diniz (2011, p. 613), tal princípio encontra
respaldo jurídico no dispositivo primeiro, inciso III, da Lei Maior de
1988, o qual cita a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos
da República Federativa do Brasil.
Além deste, pode-se citar também o princípio da solidariedade humana e
econômica que deve existir entre os membros da família ou os parentes,
como assevera Gonçalves (2011, p. 499). Já esse princípio, encontra-se
previsto no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, o qual
elenca a solidariedade na sociedade como um dos objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil.
Outra particularidade do divórcio é a que diz respeito à prestação
alimentícia a ser suprida ao ex-cônjuge após a ruptura do vínculo
matrimonial. Nas palavras de Farias e Rosenvald (2010, p. 694), “a
obrigação alimentícia entre os cônjuges decorre da frustração do dever
de mútua assistência e tem o condão de materializar os efeitos impostos
pelo matrimônio”. Dessa forma, tendo por base o princípio da mútua
assistência entre os consortes, bem como o princípio da igualdade entre o
homem e a mulher, sendo este previsto no artigo 5º, inciso I, da
Constituição Federal de 1988, os alimentos são devidos após o divórcio,
quando houver necessidade.
Deve-se ressaltar, sobretudo, que a prestação alimentícia entre os
ex-cônjuges, segundo a doutrina de Farias e Rosenvald (2010, p. 87), tem
como uma das finalidades evitar a ocorrência de violação da boa-fé
objetiva ou princípio da confiança entre aqueles. Pode-se citar como uma
hipótese de tal violação o marido que, na constância do casamento, pede
à esposa que não trabalhe e deixe o sustento da casa por conta dele.
Não obstante, após muitos anos de união, advém o divórcio, rompendo o
vínculo existente entre o casal. Dessa forma, o ora ex-marido se recusa a
prestar assistência à ex-mulher, ficando a sobrevivência desta à mercê
da sorte, visto que nunca trabalhou nem tem mais condições físicas que
possibilite o trabalho. Nesse caso, teria direito a perceber os
alimentos.
Entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro, só são possíveis os
alimentos atuais e futuros, visto que se a pessoa necessitada conseguiu
sobreviver sem os alimentos pretéritos não há motivo para a sua
obtenção. Isto ocorre, ressalta-se, em todos os casos de prestação
alimentícia, não apenas entre os ex-cônjuges.
Há que se argumentar, ainda, o tocante à pena pelo descumprimento das
obrigações alimentares. Este requisito também é aplicável a todos os
casos que envolvam alimentos e encontra-se expresso na Súmula 309 do
STJ, nos seguintes termos: “O débito alimentar que autoriza a prisão
civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao
ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
Dessa forma, pode-se afirmar que, atualmente, esta é a única situação de
prisão civil possível no ordenamento jurídico brasileiro, já que a
Súmula Vinculante nº 31 considerou como inconstitucional a prisão civil
decorrente de atitude de depositário infiel.
Por fim, convém afirmar que no pedido de divórcio o cônjuge interessado
na ação pode renunciar ou dispensar os alimentos a serem pagos pelo seu
consorte após a dissolução do matrimônio, conforme será discutido
adiante.
ZARUR, Larissa Alves de Brito.
Obrigações alimentares pós-divórcio: a análise de sua legalidade. Jus Navigandi, Teresina,
ano 18,
n. 3743,
30 set. 2013
.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25421>. Acesso em: 1 out. 2013.