Blog destinado, especialmente, a assuntos jurídicos
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Quem paga as dívidas deixadas pelo parente que morreu?
Existem assuntos que, por
mais desagradáveis que possam parecer — angustiando o cidadão e
suscitando mais dúvidas do que oferecendo soluções —, fizeram-me
ressuscitar o caso de um dos cantores mais famosos do showbiz
internacional: Michael Jackson.
Logo após a sua morte, em 2009, às
especulações relativas às possíveis causas da somaram-se outras, de
natureza financeira: qual seria o valor da herança deixada pelo astro da
música? E qual seria o valor de suas dívidas? As estimativas giravam em
torno de US$ 500 milhões ou menos, em resposta à primeira pergunta, e
US$ 200 milhões ou mais, em resposta à segunda. Isso suscita outra
questão: quem paga as dívidas deixadas pelo falecido?
Vamos supor
que Michael Jackson tivesse vivido, enriquecido, se endividado e morrido
no Brasil — uma vez que, examinar a questão à luz de nossa legislação
é, com certeza, um exercício bem mais útil para o leitor brasileiro
prestes a receber um belo e confuso pacote de herança e dívidas. Se esse
for o seu caso, há uma boa e uma má notícia. A má notícia é que as
dívidas do falecido devem ser pagas por seu espólio, isto é, pelo total
de bens (móveis e imóveis) por ele deixado. Os herdeiros dividem entre
si o que sobrar, se sobrar — lembrando que as despesas com o inventário e
os impostos sobre a herança também entram nesse cálculo.
A boa
notícia está lá, no artigo 1.792 do Código Civil de 2002, que diz: “Os
herdeiros não respondem por encargos superiores às forças da herança”.
Trocando em miúdos, isso significa que os herdeiros não são obrigados a
pagar do próprio bolso qualquer quantia que seja superior à herança. Se
as dívidas forem maiores do que o valor do espólio, os herdeiros não
recebem nada, mas também não pagam nada — o que, naturalmente, é uma boa
notícia para o herdeiro, e não para o credor que, numa situação como
essa, acaba ficando no prejuízo.
Postergar o início do inventário
para adiar o pagamento de eventuais dívidas do falecido não é uma boa
estratégia. Primeiro, porque atrasos na abertura do inventário geram
multas. Segundo, porque, dependendo das circunstâncias, os próprios
credores do falecido, e também os credores dos herdeiros, podem requerer
a abertura do inventário e a partilha dos bens. Esse é, aliás, um
aspecto importante a ser considerado. Mesmo que o falecido não tenha
deixado dívidas, se você as tiver, a parte que lhe cabe da herança terá
de ser usada para saldá-las — mas apenas a parte do herdeiro devedor, e
não as dos demais. Renunciar à sua parte da herança a fim de que ela vá
para os outros herdeiros, e não para os credores, é um estratagema que
também não funciona. Quando alguém prejudica seus credores ao renunciar à
herança, eles podem, mediante autorização judicial, aceitá-la em nome
da pessoa que está renunciando.
Às vezes, acontece de os
herdeiros serem surpreendidos pelas dívidas deixadas pelo falecido.
Certa vez, fui procurada por uma senhora que ficou viúva após mais de 30
anos de casada. “Mas, doutora”, disse-me ela, aflita, “eu nem sabia que
ele tinha dívidas. E agora aparecem credores de tudo quanto é lado. O
que eu faço? Como é que eu vou saber se meu marido devia mesmo o que
eles estão dizendo?”. Calma lá. Para que os credores sejam incluídos na
partilha dos bens, os herdeiros devem estar de acordo. Se não estiverem,
o assunto terá que ser resolvido judicialmente. Porém, enquanto isso
ocorre, os bens necessários para o pagamento das dívidas serão separados
pelo juiz e ficarão indisponíveis até que a questão seja resolvida.
E,
por fim, cabe lembrar que o imóvel que constitui a residência da
família não pode ser penhorado para o pagamento de dívidas do falecido
nem dos herdeiros — e isso inclui os móveis e eletrodomésticos que ele
contém, desde que quitados. Contudo, esteja atento às exceções. Se as
dívidas forem trabalhistas, fiscais, relativas à pensão alimentícia ou
se o imóvel tiver sido usado como garantia de um empréstimo que não foi
pago, então ele pode ser penhorado, mesmo que constitua a única
residência da família. Outro detalhe: se a família possuir mais de um
imóvel usado como residência, será considerado impenhorável o que tiver o
menor valor — exceto se algum dos outros imóveis tiver sido registrado
no cartório para esse fim.
Ivone Zeger é
advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da
Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros "Herança:
Perguntas e Respostas" e "Família: Perguntas e Respostas".
www.ivonezeger.com.br
Revista Consultor Jurídico, 6 de fevereiro de 2016, 7h31
http://www.conjur.com.br/2016-fev-06/ivone-zeger-quem-paga-dividas-deixadas-parente-morreu
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