
A delimitação do alcance, exceções e limites da comunicabilidade dos
bens constituem um tema de alta relevância, que mostra toda sua
importância no momento da dissolução do vínculo conjugal. Não se deve
ignorar o fato de que a dissolução do casamento é certa e
necessariamente haverá de ocorrer por ocasião do falecimento de um dos
cônjuges ou, ainda antes disso, se houver separação voluntária, amigável
ou litigiosa.
NOVIDADES LEGISLATIVAS E INTERPRETAÇÕES
Com o novo Código Civil Brasileiro, o cônjuge foi elevado à categoria
de herdeiro necessário e haverá de participar, na forma da lei, da
herança dos bens particulares deixados pelo falecido. Por isso a correta
identificação dos bens particulares de cada cônjuge (bens que estão
excluídos da meação) é muito importante e de grande interesse.
A recente alteração promovida no Código de Processo Civil pela Lei
11.441, de 04 de janeiro de 2007, que possibilitou a realização de
partilhas, inventários e separações por meio de escritura pública
dispensando a homologação judicial, quando forem as partes maiores e
capazes e houver acordo entre elas, transformou a questão da
comunicabilidade dos bens, já considerada na formalização das escrituras
de pacto antenupcial, ainda mais importante para a atividade do
tabelião de notas.
A definição da qualidade de particular de um bem de raiz torna-se ainda
mais importante quando se aceita a inovadora tese de que a alienação de
bens particulares de um cônjuge, sem a anuência do outro, não
proprietário, mas que deveria comparecer no ato de alienação para dar
seu consentimento, poderia ser realizada, caso em que o adquirente
assumiria o risco da anulabilidade do ato.
Aceita essa tese e considerando-se um bem como excluído da comunhão,
portanto particular de um só cônjuge, um tabelião, a pedido do
interessado e com as devidas cautelas, poderia lavrar um ato notarial
com a dispensa da outorga uxória por julgar que a ausência desse
consentimento somente poderia gerar prejuízo pessoal para o cônjuge
eventualmente prejudicado e que o título seria apenas anulável e com
possibilidade de anulação restrita à iniciativa daquele cônjuge ausente.
A defesa desse proceder repousa solidamente no argumento de que o ato
praticado seria apenas anulável e não nulo de pleno direito e ainda que
sua anulabilidade se dará apenas por iniciativa e após prova de prejuízo
sofrido pelo cônjuge preterido no ato.
Entretanto, se diversamente do que o tabelião e as partes imaginaram
ser a correta interpretação da ausência de comunicabilidade do bem, o
imóvel objeto dessa cogitada escritura de alienação, por força de
interpretação diversa da lei, for considerado aquesto comum adquirido
onerosamente na vigência do casamento e, por diversa interpretação da
comunicabilidade de sua propriedade, for integrado ao patrimônio comum
do casal, aquela venda realizada sem outorga marital ou uxória, que até
então seria considerada título anulável apenas por interesse e
iniciativa particular, se transforma em título nulo (pois a ele o
cônjuge e proprietário comum não compareceu) e, como tal, por ferir a
ordem pública cogente, passível de ter sua nulidade provocada por
terceiros ou pelo Ministério Público
A VOZ DO POVO, A LEI E A BOLA DA VEZ
Em razão de grande interesse que desperta e de sua influência direta
na vida de todos, mesmo pessoas simples do povo, com baixo grau de
instrução e escolaridade, se questionadas sobre o que deve ser dividido
por um casal que se separa certamente responderão: tudo o que foi
comprado durante o casamento deverá ser dividido entre o marido e a
mulher.
Na essência, essa singela resposta está correta, mas, como existem
exceções à regra geral, a questão da comunicabilidade de bens no regime
de casamento mais comum que existe, o regime legal, o da comunhão
parcial de bens, a resposta, para ser correta, não pode ser tão simples
assim.
No regime da comunhão parcial de bens, comunicam-se os bens que
sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos
artigos seguintes (transcrição literal do artigo 1658 do Código Civil,
com o grifo deste autor).
Exceções necessariamente devem existir; o simples uso do bom senso
leva até elas. Questionado qualquer cidadão semi-alfabetizado certamente
saberia identificar sua necessidade.
Se durante o casamento adquiriu-se um bem por herança, o outro cônjuge também teria direito à metade dele?
Se o bem foi integralmente pago por apenas um dos cônjuges, com o valor
recebido pela venda de um bem que era só dele desde antes de se casar,
também seria de rigor a divisão?
Casando com alguém que possuía muitas dívidas quando solteiro o outro
cônjuge também se responsabilizaria pela quitação destas dívidas mesmo
após o término do casamento?
E se, em vez de dívidas, existirem obrigações de indenizar terceiros,
resultantes de ato ilícito praticado exclusivamente por um dos cônjuges,
o outro também seria responsável pelo cumprimento solidário de tais
obrigações?
A essas quatro questões formuladas, o bom senso e a noção de justiça
respondem negativamente; confirmando-se, portanto, a necessidade e
acerto das exceções à regra geral da comunicabilidade. De fato, o Código
Civil determina expressamente, nos incisos I, II, III e IV do artigo
1659, acerca da incomunicabilidade de bens, direitos e obrigações em
todas as questões acima suscitadas.
Muito acertadamente, o legislador assim dispôs, contudo a isso não se
limitou; indo além, acrescentou ao referido artigo mais três incisos e,
portanto, no regime da comunhão parcial de bens, são também excluídos da
comunhão: os bens de uso pessoal, os livros e instrumento de
profissão; (inciso V) os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”
(inciso VI) e ainda “as pensões, meios-soldos, montepios e outras
rendas semelhantes” (inciso VII).
Com tais acréscimos, surgiram algumas dificuldades para o correto
entendimento, interpretação e determinação precisa do que não se inclui
na comunhão e que, por tal motivo, são considerados bens particulares de
apenas um dos cônjuges e na eventualidade da separação do casal não
deverão ser objeto de partilha.
A aplicação dessas novidades demanda um novo entendimento a ser
sedimentado pela doutrina e pela jurisprudência. O pouco tempo de sua
vigência e o pequeno volume de teorias apresentadas até o presente
momento permitem concluir que quaisquer estudos ou reflexões feitas
sobre o tema poderão representar efetivo auxílio para o operador do
direito tirar suas conclusões e pautar sua atuação, especialmente o
tabelião de notas, quando atuar orientando os interessados no momento da
realização de escritura de pacto antenupcial, alienações, separações,
inventários e partilhas.
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