sexta-feira, 10 de maio de 2013

O Regime da Comunhão Parcial de Bens

O Regime da Comunhão Parcial de Bens, como é de conhecimento geral, vigora em todos os casamentos onde não exista convenção (ou quando ela seja nula ou ineficaz); trata-se do Regime Legal,  o mais comum, aceito e compreendido por todos.
Entretanto a questão da comunicabilidade dos bens móveis e imóveis que se realiza através do casamento e durante sua vigência é algo mais complexo do que, à primeira vista, pode parecer. Existem algumas regras e exceções que demandam para sua perfeita compreensão algum estudo da matéria e aprofundamento no tema.
A delimitação do alcance, exceções e limites da comunicabilidade dos bens constituem um tema de alta relevância, que mostra toda sua importância no momento da dissolução do vínculo conjugal. Não se deve ignorar o fato de que a dissolução do casamento é certa e necessariamente haverá de ocorrer por ocasião do falecimento de um dos cônjuges ou, ainda antes disso, se houver separação voluntária, amigável ou litigiosa.

NOVIDADES LEGISLATIVAS E INTERPRETAÇÕES

Com o novo Código Civil Brasileiro, o cônjuge foi elevado à categoria de herdeiro necessário e haverá de participar, na forma da lei, da herança dos bens particulares deixados pelo falecido. Por isso a correta identificação dos bens particulares de cada cônjuge (bens que estão excluídos da meação) é muito importante e de grande interesse.
A recente alteração promovida no Código de Processo Civil pela Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007, que possibilitou a realização de partilhas, inventários e separações por meio de escritura pública dispensando a homologação judicial, quando forem as partes maiores e capazes e houver acordo entre elas, transformou a questão da comunicabilidade dos bens, já considerada na formalização das escrituras de pacto antenupcial,  ainda mais importante para a atividade do tabelião de notas.
A definição da qualidade de particular de um bem de raiz torna-se ainda mais importante quando se aceita a inovadora tese de que a alienação de bens particulares de um cônjuge, sem a anuência do outro, não proprietário, mas que deveria comparecer no ato de alienação para dar seu consentimento, poderia ser realizada, caso em que o adquirente assumiria o risco da anulabilidade do ato.
Aceita essa tese e considerando-se um bem como excluído da comunhão, portanto particular de um só cônjuge, um tabelião, a pedido do interessado e com as devidas cautelas, poderia lavrar um ato notarial com a dispensa da outorga uxória por julgar que a ausência desse consentimento somente poderia gerar prejuízo pessoal  para o cônjuge eventualmente prejudicado e que o título seria apenas anulável e com possibilidade de anulação restrita à iniciativa daquele cônjuge ausente.
 A defesa desse proceder repousa solidamente no argumento de que o ato praticado seria apenas anulável e não nulo de pleno direito e ainda que sua anulabilidade se dará apenas por iniciativa e após prova de prejuízo sofrido pelo cônjuge preterido no ato.
Entretanto, se diversamente do que o tabelião e as partes imaginaram ser a correta interpretação da ausência de comunicabilidade do bem, o imóvel objeto dessa cogitada escritura de alienação, por força de interpretação diversa da lei, for considerado aquesto comum adquirido onerosamente na vigência do casamento e, por diversa interpretação da comunicabilidade de sua propriedade, for integrado ao patrimônio comum do casal, aquela venda realizada sem outorga marital ou uxória, que até então seria considerada título anulável apenas por interesse e iniciativa particular, se transforma em título nulo (pois a ele o cônjuge e proprietário comum não compareceu) e, como tal, por ferir a ordem pública cogente,  passível de ter sua nulidade provocada por terceiros ou pelo Ministério Público     

A VOZ DO POVO, A LEI  E A BOLA DA VEZ

Em razão de grande interesse que desperta e de sua influência direta  na vida de todos, mesmo pessoas simples do povo, com baixo grau de instrução e escolaridade, se questionadas sobre o que deve ser dividido por um casal que se separa certamente responderão:  tudo o que foi comprado durante o casamento deverá ser dividido entre o marido e a mulher.
Na essência, essa singela resposta está correta, mas,  como existem exceções à regra geral, a questão da comunicabilidade de bens no regime de casamento mais comum que existe, o regime legal, o da comunhão parcial de bens, a resposta, para ser  correta, não pode ser tão simples assim.
No regime da comunhão parcial de bens, comunicam-se os bens  que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes (transcrição literal do artigo 1658 do Código Civil, com o grifo deste autor).
 Exceções necessariamente devem existir; o simples uso do bom senso leva até elas. Questionado qualquer cidadão semi-alfabetizado certamente saberia identificar sua necessidade.  
Se durante o casamento adquiriu-se um bem por herança, o outro cônjuge também teria direito à metade dele? 
Se o bem foi integralmente pago por apenas um dos cônjuges, com o valor recebido pela venda de um bem que era só dele desde antes de se casar, também seria de rigor a divisão?
Casando com alguém que possuía muitas dívidas quando solteiro o outro cônjuge também se responsabilizaria pela quitação destas dívidas mesmo após o término do casamento?  
E se, em vez de dívidas, existirem obrigações de indenizar terceiros, resultantes de ato ilícito praticado exclusivamente por um dos cônjuges, o outro também seria responsável pelo cumprimento solidário de tais obrigações?
A essas quatro questões formuladas, o bom senso e a noção de justiça respondem negativamente; confirmando-se, portanto, a necessidade e acerto das exceções à regra geral da comunicabilidade. De fato, o Código Civil determina expressamente, nos incisos I, II, III e IV do artigo 1659, acerca da incomunicabilidade de bens, direitos e obrigações em todas as questões acima suscitadas.
Muito acertadamente, o legislador assim dispôs, contudo a isso não se limitou; indo além, acrescentou ao referido artigo mais três incisos e, portanto, no regime da comunhão parcial de bens, são também excluídos da comunhão:    os bens de uso pessoal, os livros e instrumento de profissão; (inciso V)  os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge” (inciso VI) e ainda “as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes” (inciso VII).
Com tais acréscimos, surgiram algumas dificuldades para o correto entendimento, interpretação e determinação precisa do que não se inclui na comunhão e que, por tal motivo, são considerados bens particulares de apenas um dos cônjuges e na eventualidade da separação do casal não deverão ser objeto de partilha.
A aplicação dessas novidades demanda um novo entendimento a ser sedimentado pela doutrina e pela jurisprudência. O pouco tempo de sua vigência e o pequeno volume de teorias apresentadas até o presente momento permitem concluir que quaisquer estudos ou reflexões feitas sobre o tema poderão representar efetivo auxílio para o operador do direito tirar suas conclusões e pautar sua atuação, especialmente o tabelião de notas, quando atuar orientando os interessados no momento da realização de escritura de pacto antenupcial, alienações, separações, inventários e partilhas.  

CAMARGO, Marco Antônio de Oliveira. Da comunicabilidade de bens no regime da comunhão parcial de bens e a justa interpretação do artigo 1659 do Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3599, 9 maio 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24372>. Acesso em: 10 maio 2013.

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