Este silogismo, aparentemente irrefutável, se opõe frontalmente ao
dispositivo do inciso I do artigo 1660, na medida em que este
expressamente determina que entram na comunhão “os bens
adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só
em nome de um dos cônjuges” e nesse passo identifica-se um paradoxo.
Se todo bem adquirido a título oneroso na vigência do casamento regido
pelo regime da comunhão parcial de bens entra na comunhão. Se bens que
constam pertencer com exclusividade a um só cônjuge foram efetivamente
adquiridos a título oneroso na vigência do casamento. Logo, tais bens
entram na comunhão e, por conseqüência, são de propriedade comum, apesar
de constarem pertencer com exclusividade a um só cônjuge.
O conflito de regras é evidente, mas, em defesa da incomunicabilidade
dos bens é possível argumentar, e muitos assim o farão, que se trata
tão-somente de um caso de exceção que o legislador, bem ou mal, optou
por fazer.
Deveras, somente faz sentido a existência de exceção à regra quando tal
dispositivo, excepcionando-a, termina por confirmá-la, ou, expresso de
outra forma: se uma exceção aniquila integralmente uma regra, na
verdade, trata-se de nova regra e não exceção a ela.
O anteriormente citado artigo 1659 torna explícitas as exceções à regra
da comunhão parcial de bens. Os incisos de I a IV, repetindo
dispositivos do código anterior (artigos 269 e 270) e explicitando
situações de exclusão da comunicabilidade onde a necessidade da mesma se
mostra clara e evidente, conforme já referido anteriormente, termina
por confirmar a regra geral da comunicabilidade. Mas, por outro lado, o
determinado pelos incisos V, VI e VII, novidade do novo Código Civil, em
verdade cria uma situação nova e em franca oposição à regra geral, que
determina a comunicabilidade daquilo que se adquire onerosamente na
constância do casamento.
Na constância do casamento regido pela Comunhão Parcial de Bens (o
regime legal e o mais comum que existe, repita-se), combinando-se os
dispositivos expressos nos incisos II e VI do artigo 1659, sem uma
correta interpretação de seus limites e alcance das exceções à
comunicabilidade dos bens, o aplicador do direito termina por ignorar a
essência, o princípio e fundamento, a razão de ser do regime da
comunhão parcial de bens.
No regime da comunhão parcial de bens, entram na comunhão todos os bens
adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só
em nome de um dos cônjuges (artigo 1660, I). Trata-se de um preceito
fundamental, principiológico; ignorá-lo significa descaracterizar o
próprio regime, negar sua essência e base fundamental.
Admitir-se a comunicabilidade apenas daqueles bens adquiridos
onerosamente em que ambos os cônjuges figurem como proprietários
(negando-a para os demais que possuam a aparência particulares)
significaria a descaracterização do regime da comunhão parcial de bens e
sua transformação em uma espécie de Separação Voluntária de Bens,
situação em que prevaleceria unicamente a vontade dos cônjuges e
estaria, portanto, afastada qualquer intervenção estatal em defesa da
parte menos favorecida e da harmonia familiar.
É fato que, considerando-se isoladamente o disposto textualmente no
inciso VI do artigo 1659 (excluem-se da comunhão: .... os proventos do
trabalho pessoal de cada cônjuge), um cônjuge, ao adquirir bens
exclusivamente com proventos de seu trabalho pessoal, pode vir a
considerar-se detentor de sua propriedade exclusiva e, com base em tal
interpretação, negar aquela regra impositiva e essencial que determina
existir a comunicabilidade de bens adquiridos onerosamente na constância
do casamento e esse é um paradoxo a ser superado pela atuação
jurisprudencial e pela atividade doutrinária, embora seja desejável
alguma alteração legislativa.
CAMARGO, Marco Antônio de Oliveira. Da comunicabilidade de bens no regime da comunhão parcial de bens e a justa interpretação do artigo 1659 do Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3599, 9 maio 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24372>. Acesso em: 10 maio 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário