sexta-feira, 10 de maio de 2013

Paradoxo: proventos do trabalho pessoal de um dos cônjuges lhe pertencem com exclusividade

Considerando-se os dispositivos dos incisos VI e II do artigo 1659 do Código Civil,  é possível defender a seguinte tese:  se os proventos do trabalho pessoal de um dos cônjuges lhe pertencem com exclusividade  e se, exclusivamente com tais proventos, um dos cônjuges adquire bens de elevado valor, em conseqüência de sub-rogação (renda pessoal convertida em bens patrimoniais), tais bens, ainda que adquiridos onerosamente na constância do casamento, pertencem com exclusividade a esse cônjuge, devendo ser considerados bens particulares e excluídos da comunhão do casal.
Este silogismo, aparentemente irrefutável, se opõe frontalmente ao dispositivo do inciso I do artigo 1660, na medida em que este expressamente determina que entram na comunhão “os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges” e nesse passo identifica-se um paradoxo.
Se todo bem adquirido a título oneroso na vigência do casamento regido pelo regime da comunhão parcial de bens entra na comunhão. Se bens que constam pertencer com exclusividade a um só cônjuge foram efetivamente adquiridos a título oneroso na vigência do casamento. Logo, tais bens  entram na comunhão e, por conseqüência, são de propriedade comum, apesar de constarem pertencer com exclusividade a um só cônjuge.
O conflito de regras é evidente, mas, em defesa da incomunicabilidade dos bens é possível argumentar, e muitos assim o farão, que se trata tão-somente de um caso de exceção que o legislador, bem ou mal, optou por fazer.
Deveras, somente faz sentido a existência de exceção à regra quando tal dispositivo, excepcionando-a, termina por confirmá-la, ou, expresso de outra forma: se uma exceção aniquila integralmente uma regra, na verdade, trata-se de nova regra e não exceção a ela.
O anteriormente citado artigo 1659 torna explícitas as exceções à regra da comunhão parcial de bens. Os incisos de I a IV, repetindo dispositivos do código anterior (artigos 269 e 270) e explicitando situações de exclusão da comunicabilidade onde a necessidade da mesma se mostra clara e evidente, conforme já referido anteriormente,  termina por confirmar a regra geral da comunicabilidade. Mas, por outro lado, o determinado pelos incisos V, VI e VII, novidade do novo Código Civil, em verdade cria uma situação nova e em franca oposição à regra geral, que determina a comunicabilidade daquilo que se adquire onerosamente na constância do casamento. 
Na constância do casamento regido pela Comunhão Parcial de Bens  (o regime legal e o mais comum que existe, repita-se), combinando-se os dispositivos expressos nos incisos II e VI do artigo 1659, sem uma correta interpretação de seus limites e alcance das exceções à comunicabilidade dos bens, o aplicador do direito termina  por ignorar a essência, o princípio e fundamento, a razão de ser do regime da comunhão parcial de bens.
No regime da comunhão parcial de bens, entram na comunhão todos os bens adquiridos na constância do casamento  por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges (artigo 1660, I). Trata-se de um preceito fundamental, principiológico; ignorá-lo significa descaracterizar o próprio regime, negar sua essência e  base fundamental.  
Admitir-se a comunicabilidade apenas daqueles bens adquiridos onerosamente em que ambos os cônjuges figurem como proprietários (negando-a para os demais que possuam a aparência particulares) significaria a descaracterização do regime da comunhão parcial de bens e sua transformação em uma espécie de Separação Voluntária de Bens, situação em que prevaleceria unicamente a vontade dos cônjuges e estaria, portanto, afastada qualquer intervenção estatal em defesa da parte menos favorecida e da harmonia familiar.
É fato que, considerando-se isoladamente o disposto textualmente no inciso VI do artigo 1659 (excluem-se da comunhão: .... os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge),  um cônjuge, ao adquirir bens exclusivamente com proventos de seu trabalho pessoal, pode vir a considerar-se detentor de sua propriedade exclusiva e, com base em tal interpretação, negar aquela regra impositiva e essencial que determina existir a comunicabilidade de bens adquiridos onerosamente na constância do casamento e esse é um paradoxo a ser superado pela atuação jurisprudencial e pela atividade doutrinária, embora seja desejável alguma alteração legislativa.

CAMARGO, Marco Antônio de Oliveira. Da comunicabilidade de bens no regime da comunhão parcial de bens e a justa interpretação do artigo 1659 do Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3599, 9 maio 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24372>. Acesso em: 10 maio 2013.

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