segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Zeca Camargo deve indenizar por crônica sobre morte de Cristiano Araújo

A 4ª turma da 6ª câmara Cível do TJ/GO entendeu que o jornalista abusou do direito de transmitir informações.
segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O jornalista Zeca Camargo deverá pagar indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 60 mil ao pai do sertanejo Cristiano Araújo e à empresa que gerenciava a carreira do cantor, em virtude da veiculação de uma crônica sobre sua morte, ocorrida em julho de 2015. A decisão é da 4ª turma da 6ª câmara Cível do TJ/GO, ao manter sentença sob o argumento de que o jornalista abusou do direito de transmitir informações através da imprensa.
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No começo deste ano, Zeca Camargo foi condenado a pagar R$ 30 mil para cada autor do processo para reparar o dano moral sofrido pelas partes. A juíza Rozana Fernandes Camapum, da 17ª vara Cível e Ambiental de Goiânia/GO explicou que o jornalista pode fazer crônicas e falar com emoção, "mas não deve descambar para a agressão gratuita, desprestígio e humilhação à pessoa humana no momento da narrativa". Na decisão, a magistrada afirmou, ainda, que Zeca Camargo não havia respeitado o momento do luto do pai, da família, do empresário e dos fãs do cantor.
Diante da decisão, o jornalista interpôs recurso no TJ/GO, pedindo a redução do valor indenizatório. No entanto, a desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis, relatora, entendeu que não se deve afastar a indenização por danos morais e nem alterar o valor. Para ela, o jornalista abusou do direito de transmitir informações através da imprensa, "não se atendo a narrar e a licitamente valorar fatos relativos à morte do artista e sua repercussão".
Assim, por maioria, a 4ª turma desproveu a apelação.
Veja a decisão.
https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI287169,11049-TJGO+mantem+condenacao+de+Zeca+Camargo+por+cronica+sobre+a+morte+de

Quem é o doador de gametas na reprodução assistida?

ADFAS set 5, 2018

Por Regina Beatriz Tavares da Silva*
Está presente em vários países, como a França, embora com tendência de mudança, a ideia de que deve prevalecer o princípio do anonimato absoluto dos doadores de gametas em reprodução humana assistida, para preservar o seu direito à confidencialidade, principalmente de espermatozoides, assim como o direito ao sigilo que a maior parte dos destinatários da técnica desejam na utilização do método de procriação artificial.
Em outros países, como o Brasil, a posição de divulgação completa da identidade do doador já prevaleceu, e o sigilo foi retomado, como será explicado adiante.
Na Argentina, uma posição intermediária é adotada. O Código Civil e Comercial Argentino de 2015, nos artigos 563 e 564, estabelece o direito à informação de pessoas nascidas por técnicas de reprodução humana assistida, desde que existam razões fundamentadas e avaliadas como justificadas pela autoridade judiciária; assim, naquele país pode ou não ser revelada a identidade do doador a depender das justificativas apresentadas. E, ainda, para a revelação somente dos dados genéticos do doador, sem revelar a sua identidade, o requerente pode pedir ao centro de saúde onde foi realizada a reprodução artificial os dados fenotípicos do doador, para tratamento de saúde.
No Brasil, atualmente, a confidencialidade ou sigilo do doador voltou a vigorar, desta forma, uma pessoa artificialmente procriada, não poderá saber quem é seu pai, em razão do Provimento n. 63 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovado em 14 de novembro de 2017, que resolveu seguir as normas de deontologia do Conselho Federal de Medicina (CFM) nesse sentido. Assim, somente os dados genéticos (amostra do material celular do doador) e fenotípicos do doador, assim como seus dados clínicos de caráter geral, podem ser revelados exclusivamente ao médico da pessoa assim gerada e que necessitar dos mesmos para seu tratamento de saúde. Note-se que o CNJ, em março de 2016, por meio do Provimento n. 52, tinha determinado a revelação da identidade do doador, além do arquivamento dos dados fenotípicos no Cartório de Registro Civil, sempre sem a constituição de vínculo jurídico entre o doador a pessoa gerada por reprodução assistida, em razão de manifestação da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) nesse sentido.
Em Portugal, na ali chamada Procriação Médica Assistida, vigorava o anonimato dos gametas de doadores, em modelo assemelhado ao da Argentina, inclusive na alteração da legislação do país do ano de 2016 (Lei n.º 32/2006, de 26 de julho – LPMA – n. 1 e 4, na redação das Leis n. 17/2016, de 20 de junho, e n. 25/2016, de 22 de agosto). Mas o Tribunal Constitucional Português declarou inconstitucionais aquelas regras sobre o anonimato do doador. Esse anonimato foi, então, completamente desfeito. A divulgação da identidade do doador não depende mais de qualquer justificativa em processo judicial (decisão de 30 de abril de 2018,disponível aqui).
Um grupo de trinta deputados requereu à Assembleia da República Portuguesa, com base na Constituição daquele país, a declaração de inconstitucionalidade da Lei da Procriação Medicamente Assistida, com a determinação de que seja revelada a identidade do doador, independentemente de justificativa em processo judicial.
Em meu entendimento, melhor está Portugal na regulamentação da reprodução assistida e pior está o Brasil nas normas administrativas que acompanham as da deontologia médica.
Como aponta José de Oliveira Ascensão, há interesses econômicos nas técnicas de reprodução assistida e “com este detonador econômico casa-se o egoísmo próprio da sociedade de massa”, de modo que o anonimato do doador favorece as doações de esperma e leva a um número maior de usuários da técnica (“O início da vida”, in Estudos de direito da bioética, volume II, de sua coordenação, Coimbra: Almedina, 2008, p. 12), o que acaba por ferir os direitos fundamentais da pessoa gerada por reprodução assistida, violando os seus direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade.
A pessoa nascida por reprodução humana assistida, ao ser cientificada sobre os meios artificiais utilizados para sua reprodução, sendo proibido o conhecimento de sua origem biológica, certamente fará perguntas que serão impossíveis de responder.
De onde eu vim? Quem é meu pai biológico? Qual é a minha família de origem? Onde está minha ascendência? E tudo indica que poderá instalar-se uma crise existencial, uma vez que nunca terá a oportunidade de conhecer sua verdadeira ascendência.
É o princípio da dignidade da pessoa humana gerada por reprodução assistida, como cláusula geral de proteção da personalidade, que deve prevalecer na ponderação entre os direitos fundamentais de quem é concebido e nasce de reprodução assistida e o direito do adulto que voluntariamente optou por doar gameta e daquela outra pessoa adulta que quis ter um filho por meio da procriação artificial.
Ao aplicar as técnicas de reprodução assistida deve ser valorizado o ser humano que vai nascer que, por sua vulnerabilidade, é quem mais precisa dessa proteção, a possibilidade de conhecer as suas origens biológicas. E, para que o foco da proteção não recaia exclusivamente sobre os doadores e os destinatários, mas considere, acima de tudo, aquele conjunto de direitos que constitui o valor mais importante a ser salvaguardado e em relação ao qual o Estado tem um dever particular de tutela, que é a proteção aos direitos da criança, Portugal passou a aplicar o princípio da divulgação da identidade do doador do material genético.
Eu sempre defendi que o anonimato do doador deve dar lugar à preservação dos direitos da personalidade do ser humano nascido por reprodução assistida, o que analisei em tese de pós-doutorado, apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano 2013, com a comparação entre o direito português e o direito brasileiro, intitulada Reflexões sobre a Procriação ou Reprodução Assistida na Uniões entre pessoas do mesmo sexo (in Grandes Temas do Direito de Família, volume 2, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva e Theodureto de Almeida Camargo Neto, São Paulo: Saraiva, 2014 p. 18 e 19).
Vejam o resultado perverso do anonimato do doador num caso real, ocorrido na França, que já comentei anteriormente (aqui) e que, agora, com a modificação das normas do CNJ, pode ocorrer também em relação a casais brasileiros.
Uma advogada francesa, de nome Audrey Kermalvezen, após casar-se, veio a saber que fora concebida por reprodução assistida com doação de gameta de outro homem que não era seu pai registral. Audrey sentiu o mundo abrir aos seus pés. Ela foi tomada de uma raiva intensa contra os pais, por terem escondido a verdade dela por quase trinta anos. A raiva e a indignação que a moça sentia pelos pais só foi atenuada porque, como advogada especialista em Bioética, ela sabia perfeitamente o quanto a medicina e a legislação francesa haviam contribuído para criar e manter aquela mentira, com o propósito de encorajar mais e mais pessoas a se tornarem doadores de gametas.
A angústia que se abateu sobre Audrey não se devia exclusivamente à frustração de descobrir que o homem que passara a vida inteira pensando ser seu pai, não era de fato seu pai biológico. Sua situação era mais grave. Audrey casara-se com um homem da mesma idade, nascido na mesma região da França, também concebido por reprodução assistida. Sem poderem conhecer as identidades de seus pais biológicos, em razão do anonimato do doador que vigora na França, ela e o marido foram tomados pelo medo de que fossem irmãos, com a mesma ascendência biológica paterna. O casal iniciou então uma verdadeira batalha na justiça, estendida por anos, para descobrir a identidade de seus respectivos pais biológicos, ou, ao menos, para obterem a confirmação de que não são filhos biológicos do mesmo homem.
Desse modo, além do vazio existencial que passou a viver Audrey, havia o temor do casal de prática involuntária de incesto. O casal passou a viver um drama terrível em razão da impossibilidade de conhecerem a suas origens genéticas.
Note-se que, no Brasil, o CFM (Resolução nº 2.168 de 10 de novembro de 2017, Capítulo IV, item 6) autoriza que um doador produza 2 gerações de crianças de sexos diferentes numa área de 1.000.000 de habitantes. Levando-se em consideração que, de acordo com o IBGE, o município de São Paulo possui aproximadamente 12 milhões de habitantes e que a Grande São Paulo tem 21 milhões, existe a possibilidade de nascerem, respectivamente, 24 e 42 irmãos dentro dessas áreas geográficas oriundos da mesma doação de sêmen, ou seja, com o mesmo ascendente, se apaixonarem e praticarem, sem saber, o incesto. Mas o risco de incesto é muito maior tendo em vista que um doador de sêmen pode ter outros filhos naturalmente, os quais também poderão se apaixonar por seres humanos gerados de sua doação de esperma.
Afinal, o ser humano gerado pela técnica de reprodução humana assistida não pode ser reduzido à mera condição de instrumento para a satisfação de interesses dos adultos. Como ensina Fernando Araújo, “trata-se amiúde de contribuir para o esclarecimento na tomada de decisões, guiando os ‘leigos’ pelo meio do oceano da ‘entropia informativa’, indicando quais as escolhas possíveis e os riscos inerentes, eventualmente ‘desencorajando’ a reprodução em alguns casos” (“A procriação assistida e o problema da santidade da vida”, Coimbra: Almedina, 1999, p. 81-82).
Esse tema foi tratado no V Congresso Iberoamericano de Direito de Família e das Pessoas, realizado em São Paulo, pela Academia de Derecho de Família y de las Personas e pela ADFAS, de 29 a 31 de agosto deste ano de 2018, na Escola Paulista da Magistratura (EPM), na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e na Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP). Palestraram sobre esse tema os Professores Doutores Débora Gozzo de São Paulo e Eduardo de Oliveira Leite do Paraná. Os debates foram muito ricos em conteúdo, com duas posições bem diferentes desses Professores: Débora Gozzo foi pela quebra do anonimato do doador e Eduardo Leite foi favorável a manutenção do sigilo na identificação do doador.
Conclui-se que o assunto é polêmico e merece tratamento legislativo, ou seja, pelo Congresso Nacional, não podendo ficar nas mãos do CFM e do CNJ, o CFM porque evidentemente protege a classe médica, como aliás deve fazer, para a qual o sigilo do doador deve ser preservado, já que favorece a reprodução assistida, e o CNJ porque tem competência restrita, nesse assunto, à área registral, não havendo, neste órgão, análise técnica profunda no terreno do Biodireito, o que é indispensável ao melhor tratamento da matéria. Aqui cabe lembrar que tramitam desde 2003 vários Projetos de lei na Câmara dos Deputados, que não andam adiante, sabe-se lá o porquê…
*Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Publicação original: O Estado de São Paulo Digital – Blog do Fausto Macedo (05/09/2018)

Fonte: http://adfas.org.br/2018/09/05/3485/

Medicamento - STJ: Interesse público justifica análise de recurso mesmo após pedido de desistência

Decisão é da 3ª turma do STJ.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A 3ª turma do STJ indeferiu pedido de desistência de análise de recurso interposto por uma operadora de plano de saúde e deu seguimento no julgamento do mérito do tema pelo colegiado. Para a 3ª turma, a análise se justifica quando o recurso ultrapassa o interesse individual das partes envolvidas, alcançando toda a coletividade.
O recurso especial interposto pelo plano de saúde versava sobre a obrigação do plano de saúde em fornecer ou não medicação específica a beneficiária, quando ele está fora das indicações descritas em bula registrada na Anvisa.  
A ministra Nancy Andrighi, relatora, destacou o incontestável interesse coletivo que envolve a controvérsia, tendo em vista o número de pessoas beneficiárias de planos de saúde e a quantidade de processos em que se questiona o não fornecimento de medicação específica.
"[ao deferir o recurso, neste caso] estar-se-ia chancelando uma prática extremamente perigosa e perniciosa, conferindo à parte o poder de determinar ou influenciar, arbitrariamente, a atividade jurisdicional que cumpre o dever constitucional do STJ, podendo ser caracterizado como verdadeiro atentado à dignidade da Justiça."
O caso
Ao dar seguimento no julgamento do recurso, a 3ª turma manteve a obrigação da operadora do plano de saúde em fornecer medicamento off label à beneficiária, isto é, o fármaco que não tem indicação para o caso para qual o médico indica, assumindo o profissional o risco por eventual erro médico.
No recurso, a operadora argumentou que o medicamento pode até ser aprovado pela Anvisa, mas para a patologia da beneficiária o medicamento não possui autorização pela agência reguladora, tendo caráter experimental. Então, caso este venha a trazer riscos à saúde, será a operadora a responsável a reparar os danos.
Ao analisar o recuso, a ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que autorizar a operadora a negar a cobertura de tratamento, sob a justificativa de que a doença do paciente não está contida nas indicações da bula, “representa inegável ingerência na ciência médica, em odioso e inaceitável prejuízo do paciente enfermo”.
De acordo com a relatora, o caráter experimental previsto na lei dos planos de saúde, segundo a ministra, diz respeito ao tratamento clínico ou cirúrgico incompatível com as normas de controle sanitário ou, ainda, àquele não reconhecido como eficaz pela comunidade científica. Segundo Nancy Andrighi, esse não é o caso do medicamento em questão, que tem registro na Anvisa.
Assim, a 3ª turma negou o recurso e não alterou o valor fixado por danos morais, porque não houve pedido nesse sentido.
Veja a íntegra do voto da relatora.
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI286998,41046-STJ+Interesse+publico+justifica+analise+de+recurso+mesmo+apos+pedido

A importância do pacto antenupcial às pessoas que devem se casar pelo regime da separação obrigatória de bens

Por Grace Regina Costa
Publicado em: 06/09/2018

O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, sendo lícito aos nubentes, antes de celebrado o matrimônio, a elaboração de pacto antenupcial, documento por meio do qual estabelecem quanto aos seus bens o que lhes aprouver.
 
Há quatro tipos de regimes de bens previstos no Código Civil em vigor: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, participação final nos aquestos e separação de bens. No tocante ao regime da separação de bens, há duas espécies: separação legal (obrigatória) e separação convencional.
 
De maneira sintética, traz-se as diferenças de cada regime no tocante à comunicação dos bens entre os cônjuges: no regime de comunhão parcial de bens comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal na constância do casamento, com algumas exceções; no regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros e suas dívidas passivas, também com algumas exceções; no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos a título oneroso pelo casal na constância do casamento; por fim, na separação de bens, estes não se comunicam entre os cônjuges, os quais permanecem sob a administração exclusiva de cada um.
 
Portanto, no processo de habilitação para o casamento, os contraentes podem optar por qualquer dos regimes de bens previstos pelo Código Civil, e caso não haja a realização do pacto antenupcial, ou este for nulo devida à inobservância da forma, ou ineficaz por não ter sido realizado o casamento, vigorará o regime da comunhão parcial de bens.
 
Contudo, tal escolha resta vedada na ocorrência de determinados casamentos, nos quais haverá a imposição por lei do regime da separação obrigatória de bens.
 
Em atenção ao artigo 1.641, incisos I, II e III do Código Civil, é obrigatório o regime da separação de bens no casamento das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; da pessoa maior de setenta anos; e de todos os que dependerem de suprimento judicial para casar.
 
Das causas suspensivas da celebração do casamento compreendem: o  viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; a viúva ou a mulher após o término da sociedade conjugal até o período de dez meses, a fim de resguardar a presunção de paternidade; o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
 
Embora não devam casar, caso venham a celebrar o matrimônio deverão fazê-lo pelo regime da separação legal de bens. Tal regime é imposto por lei. Do mesmo modo, àqueles que dependam de suprimento judicial para casar e dos maiores de setenta anos.
 
Embora o regime seja o da separação de bens, diante da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, cujo teor assegura que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, e ante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que referida súmula permanece em vigor mesmo após a vigência do Código Civil de 2002, as pessoas casadas por este regime de bens sofrem os mesmos efeitos do regime da comunhão parcial, tornando-se, portanto, os efeitos da separação legal de bens inexistentes no caso de rompimento do vínculo matrimonial.
 
Assim, observado o direito dos nubentes de estipular quanto aos seus bens o que lhes aprouver, respeitada a vedação prevista no artigo 1.641 do Código Civil, e, especialmente, o respeito ao exercício da autonomia privada, é garantido aos cônjuges, quando inseridos no rol de pessoas que devem se casar pelo regime da separação obrigatória de bens, estipular por pacto antenupcial o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime, afastando a incidência da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal.
 
*Por Grace Regina Costa – Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões do IASC, vice-presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/SC, diretora da Caixa de Assistência dos Advogados de Santa Catarina (Caasc) e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).
Fonte: Jornal Floripa

http://cnbsp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MTY3NzM=&filtro=1

A afetividade chega aos cartórios: reflexões sobre o Provimento 63 do CNJ

Por  e 
O Conselho Nacional de Justiça editou regramento que altera diversas questões relacionadas ao registro de pessoas naturais, dentre as quais a possibilidade de reconhecimento extrajudicial das filiações socioafetivas e registro dos filhos havidos por métodos de reprodução assistida. Trata-se do Provimento 63 do CNJ, de novembro de 2017, mais um exemplo do movimento de extrajudicialização do Direito Privado.
Além da redução do número de demandas judiciais relativas ao registro civil, as permissões trazidas pelo provimento são dignas de favorecer um enorme contingente de pessoas em todo o território nacional, muitas das quais restavam sem formalização adequada da sua filiação em face dos óbices que até então se apresentavam. As medidas implementadas visam facilitar o acesso a um direito que deve ser assegurado a todos: o registro do estado de filiação.
O Direito de Família brasileiro admite uma série de vínculos como suficientes para o estabelecimento da filiação. Elos biológicos, afetivos, presuntivos, registrais, adotivos ou decorrentes de reprodução assistida perfilam lado a lado no nosso sistema jurídico, todos passíveis de consagrar uma relação de parentesco[1].
Há mais de três décadas é admitida no Direito brasileiro a denominada “paternidade socioafetiva”, relação precursora do reconhecimento dos vínculos socioafetivos na filiação.
Sinteticamente, é possível afirmar que a paternidade socioafetiva é a relação entre pai e filho que se constrói pela afetividade, cuidado e atenção ao longo da convivência familiar (comportamento social típico, convivência familiar duradoura e relação de afetividade familiar[2]). Esse vínculo socioafetivo deve estar demonstrado na realidade fática por tempo suficiente para permitir a consagração dessas relações, ou seja, o seu registro é sempre a posteriori, após já restar devidamente configurado no mundo dos fatos. Atualmente, tais critérios se estendem também para as denominadas “maternidades socioafetivas”[3].
Até pouco tempo, o reconhecimento e registro de uma relação filial socioafetiva somente poderia se dar por intervenção do Poder Judiciário. Assim, os interessados em ver registrada uma filiação socioafetiva (ainda que consensual) necessariamente deveriam ingressar com uma ação judicial[4].
No dia 14 de novembro de 2017, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento 63 para regular em todo território nacional o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, entre outras deliberações.
Esse provimento estabelece novos modelos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, dispõe sobre o reconhecimento voluntário e averbação da paternidade e maternidade sociafetiva e, ainda, regula o registro de nascimento dos filhos havidos por reprodução assistida.
A partir dessa normativa, que atinge todos os cartórios do país, os vínculos consensuais socioafetivos de filiação passam a poder ser registrados voluntária e diretamente nas serventias de registro civil de pessoas, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, o que é uma alteração significativa[5].
O escopo de uniformização dos procedimentos e de uma maior facilitação do registro dos vínculos socioafetivos é evidente, portanto, essa é a perspectiva pela qual devem ser interpretadas as suas deliberações.
Para que seja possível o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, o provimento traz alguns requisitos específicos: que o requerente seja maior de 18 anos (independente do estado civil); não seja ascendente ou irmão do pretenso filho; a diferença de idade entre o requerente e o filho tem que ser igual ou maior que 16 anos; o pedido pode ser realizado em localidade diversa de onde foi lavrada a certidão de nascimento; deve haver consentimento expresso e pessoal da mãe e do pai; se o filho for maior de 12 anos, é necessário o seu consentimento; exige-se a coleta pessoal das assinaturas; e, ainda, faz-se necessária uma declaração das partes de desconhecimento de discussão judicial sobre a referida filiação.
Caso algum dos requisitos não possa ser atendido, o registro não poderá ocorrer pela via extrajudicial, devendo as partes ingressar no Poder Judiciário para pleitear o reconhecimento.
Em casos de dúvida, suspeita ou inconsistência, o registrador deve fundamentar a recusa e enviar o pedido para o juiz competente, o que permite evitar fraudes e burlas. Além disso, o reconhecimento voluntário será irrevogável, somente podendo ser desconstituído judicialmente e desde que tenha havido vício de vontade, fraude ou simulação.
Cabe esclarecer que não poderá ser realizado o reconhecimento voluntário em cartório caso os requerentes tenham em andamento processos judiciais de reconhecimento de paternidade ou de procedimento de adoção. Nessas hipóteses, qualquer reconhecimento deverá ser remetido para as vias jurisdicionais.
Outro aspecto tratado foi o registro de filhos havidos por técnicas de reprodução assistida[6], o que até então apresentava grandes obstáculos. Muitos casais que tinham filhos por tais métodos encontravam dificuldades no respectivo registro em nome de ambos (na maioria das vezes, precisavam recorrer ao Poder Judiciário para ver concretizado esse registro). Quanto a eles, o Provimento 63 passa a suprir uma lacuna da lei: os filhos decorrentes de técnicas de reprodução assistida podem ser registrados independentemente de prévia autorização judicial, ou seja, os pais podem obter a certidão de nascimento diretamente no cartório de registro civil, o que também é um grande avanço. Essa facilitação era necessária e confere maior dignidade para essas situações jurídicas.
Nessas hipóteses, caso os pais sejam casados ou convivam em união estável, poderá somente um deles comparecer para realizar o ato. Em relação aos filhos de casais homoafetivos que se utilizaram da reprodução assistida, a novidade está na certidão de nascimento, que fará constar os nomes dos ascendentes sem referência à distinção quanto à ascendência paterna ou materna. Essa regra também contribui para que os filhos reconhecidos de casais homoafetivos não sofram discriminações.
Para a realização do registro nos casos de nascimento por reprodução assistida, será necessário apresentar: declaração de nascido vivo (DNV); declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários; certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.
Nas situações de filhos que nasceram por essas técnicas, resta expresso que o conhecimento da ascendência biológica não resulta no vínculo de parentesco entre o doador ou a doadora e o filho gerado, o que também se mostra adequado e diferencia essas categorias.
Quanto à multiparentalidade[7], situação na qual há uma pluralidade de pais ou mães de forma concomitante, o provimento também inova. Com ele, passa a ser possível o registro multiparental diretamente na serventia extrajudicial, sem necessidade de se recorrer à via jurisdicional, desde que um dos vínculos seja socioafetivo e se atendam outros requisitos.
O artigo 14 do provimento dispõe que “o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo filiação no assento de nascimento”. Essa regra determina que o reconhecimento seja sempre unilateral, o que significa que cada requerimento somente poderá cuidar ou do lado paterno ou do lado materno (nunca de ambos)[8].
Fica evidente pelo teor do seu artigo 14, corroborado pelos “considerandos” iniciais do regramento, a possibilidade jurídica da multiparentalidade. Assim, é inequívoco que esse dispositivo torna possível o reconhecimento extrajudicial de relações multiparentais.
E nem poderia ser diferente, visto que em 2016 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade jurídica da multiparentalidade, a partir da tese aprovada na Repercussão Geral 622: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”[9]. Essa deliberação do STF tem efeito vinculante e abrangência nacional.
Conclusão
A unificação e a facilitação promovidas pelas novas regras demonstram uma sensibilidade para a atual realidade social e uma tentativa de "desjudicializar" muitas dessas situações. Obviamente que a segurança jurídica e as demais guaridas do nosso sistema sempre deverão ser observadas.
Resta claro que as medidas instituídas buscam facilitar o reconhecimento da filiação, de modo a concretizar os princípios do melhor interesse da criança e da igualdade entre os filhos, sendo assim, dotadas de inegável constitucionalidade. No atual quadro civil-constitucional há um inquestionável direito fundamental à filiação, o que também subsidia a sustentação das inovações ora implementadas.
Relevante anotar que o risco de eventual tentativa de fraude não pode ser óbice para o reconhecimento do direito de milhares de pessoas. Deve-se buscar um rigor para evitar desvios sem que isso implique negar acesso ao direito de ver a filiação reconhecida para considerável parcela da população. Essa deve ser a busca do momento atual.
Com o Provimento 63 do CNJ, as relações socioafetivas chegam até aos balcões das serventias extrajudiciais, o que significa um estágio significativo da sua trajetória, que já tem uma história de mais de três décadas no Brasil.
Foram proferidas importantes manifestações favoráveis ao referido provimento, emitidas por duas das maiores instituições que militam com esses temas: o IBDFam[10] e a Arpen[11]. O apoio dessas respeitáveis entidades é prova viva do acerto das medidas.
Os novos procedimentos já estão sendo implementados em diversas serventias do país, de forma exitosa, o que demonstra o acerto das medidas.
O Provimento 63 consagra um grande avanço no sentido da facilitação do registro da filiação, passo relevante que merece aplausos e do qual não se pode retroceder.


[1] FACHIN, Luiz Edson. Da Paternidade: Relação Biológica e Afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
[2] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 5. p. 228.
[3] DIAS, Maria Berenice. Filhos do afeto: questões jurídicas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 135.
[4] Entretanto, a partir de 2013 essa situação começou a mudar, pois alguns estados brasileiros passaram a permitir o reconhecimento da filiação socioafetiva de forma extrajudicial, diretamente nos cartórios de registro de pessoas naturais. Contudo, cada estado regulamentou o procedimento com as suas particularidades. O primeiro estado a admitir o registro extrajudicial da paternidade socioafetiva foi Pernambuco, por deliberação da Corregedoria do Tribunal de Justiça local, a qual regulamentou administrativamente a possibilidade de registro direto dos filhos socioafetivos, sem a necessidade de prévia ação judicial, através do Provimento 9 de 2013. Em seguida outros estados, tais como Maranhão, Ceará, Amazonas, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Sergipe, também acompanharam essa linha.
[5] Desde que preenchidos alguns requisitos, descritos na nova regra.
[6] Reprodução assistida é um conjunto de técnicas que tem como principal objetivo tentar viabilizar a gestação sem relações sexuais, sendo que a fecundação pode ocorrer dentro ou fora do corpo da mulher, dependendo da técnica adotada.
[7] Para aprofundamento no tema: CALDERÓN, Ricardo. Princípio da Afetividade no Direito de Família. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
[8] O artigo 14 do Provimento 63, em relação à expressão “unilateral”, gerou diversas discussões na doutrina, assim, em 18 de julho, o então corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, se manifestou sobre o sentido do dispositivo. Nesse esclarecimento, afirma que é possível o reconhecimento extrajudicial de vínculos socioafetivos apenas unilateralmente, ou seja, ou do lado paterno ou do lado materno. Uma vez realizado um reconhecimento extrajudicial de um ascendente, não se poderá reconhecer ao mesmo outro ascendente (neste caso, o segundo pretendente a ascendente socioafetivo, se houver, deverá recorrer à via judicial). Essa medida visa evitar a tentativa de regularizações de “adoções à brasileira”. Assim, a multiparentalidade segue sendo permitida, desde que se restrinja sempre a apenas um lado (ou paterno, ou materno). Caso se pretenda o reconhecimento de uma multiparentalidade bilateral, o pleito deverá ser postulado perante o Poder Judiciário.
[9] Para aprofundamento no tema: TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Direito de Família. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. v. 5.
[10] IBDFam. Manifestação pela manutenção do Provimento 63/2017 enviada ao Ministro João Otávio de Noronha, Corregedor do Conselho Nacional de Justiça, de 28 de abril de 2018. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6621/IBDFAM+manifesta-se+pela+manuten%C3%A7%C3%A3o+do+Provimento+63-2017+em+sua+integralidade>. Acesso em: 14/5/2018.
[11] ARPEN BRASIL. Nota de esclarecimento acerca do provimento CNJ nº 63/2017, de 06 de dezembro de 2017. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/0BzIGMJWqEegzaEUxOVBaLUhBSFdXMXh4bGprVHMwSDJQUEhR/view>. Acesso em: 1º/3/2018.
Ricardo Calderón é sócio do Calderón Advogados, doutorando e mestre em Direito Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pós-graduado em Direito Processual Civil e em Teoria Geral do Direito, professor, coordenador de pós-graduação da Academia Brasileira de Direito Constitucional e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam).
Gabriele Bortolan Toazza é advogada, mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões, Direito Contratual da Empresa e em Direito Aplicado.
Revista Consultor Jurídico, 8 de setembro de 2018, 6h47
https://www.conjur.com.br/2018-set-08/opiniao-afetividade-chega-aos-cartorios-provimento-63-cnj